Vinte e sete cavalos estavam reunidos do lado de fora da Cidade Sagrada, prontos para os exercícios da tarde. Para minha surpresa, Jord e os outros curandeiros montavam perfeitamente bem. Logo ficou claro que eu era o pior cavaleiro dali, e meu ânimo despencou.

Eu estava em cima de Forêt Noire, que agia de forma pomposa e mandona perto dos outros cavalos. Comecei a acreditar que era Forêt que me impedia de montar qualquer outro.

Nos posicionamos ao lado de Lumina, a única que realmente sabia para onde estávamos indo, e partimos. Forêt galopava ágil e livre, e "cavalgar" começou a ganhar um novo significado para mim. Eu nunca tinha deixado ela correr tão solta antes. No mínimo, essa experiência já valia a viagem.

— Você está tenso, Luciel — alertou Lumina. — Vai acabar cansando tanto você quanto seu pobre cavalo.

— Acho que vou ficar bem — ri. — Só vou continuar lançando Cura até pegar o jeito.

— Você só pode estar brincando.

A velocidade intensa de Forêt me sacudia pra tudo quanto era lado, e sem estribos para me equilibrar, parecia que eu ia cair a qualquer momento. Tudo o que eu podia fazer era manter as coxas firmes para não comer terra. Nem dava pra conversar com ninguém. As Valquírias e meu time primeiro ficaram perplexos, mas logo acharam minha desgraça divertida e começaram a rir.

Justo quando eu estava começando a pegar o jeito, chegamos.

— Aquela floresta é nosso destino. Desmontem e se preparem — chamou Lumina.

Saltei de Forêt e senti uma dor aguda na virilha. Pois é... usar músculos por um tempo prolongado faz eles doerem.

Lancei magia de limpeza na minha montaria.

— Valeu, parceira. Vou tentar facilitar a volta.

Ela relinchou em resposta, como se estivesse me agradecendo. Yanbath tinha me avisado que um cavaleiro ruim colocava mais pressão no cavalo, do mesmo jeito que pilotar uma moto errado desgastava os pneus e outras peças mais rápido. Mas motos não reclamavam. E nada disso seria um problema se eu conseguisse montar outros cavalos para aumentar minha habilidade de Equitação.

— Uh, Luciel, senhor? Você cavalga igual uma estátua de pedra — comentou Beatrice, parando ao meu lado.

— Só que com metade da graça — Kathy acrescentou, me chutando enquanto eu já estava no chão.

Elas eram péssimas atrizes. Eu via os sorrisos e as risadinhas por trás das expressões “preocupadas”.

— Esquece esse "senhor" — insisti. — Eu sei que agora tenho minha própria unidade, mas ainda sou uma Valquíria, mesmo que só honorário.

Autocontrole foi para o espaço, e as duas desabaram na gargalhada, seguidas por Jord e os outros. O que mais eu podia fazer além de rir junto?

De repente, como se atraído pelo nosso riso, um pequeno carro emergiu da floresta. Não, espera... era um javali selvagem. O Pentágono dos Curandeiros (e eu) recuamos, mas os outros nem se mexeram.

— Senhor, isso é um baita monstro. Não é, tipo, perigoso? — Jord resmungou.

Eu achava que sim, mas comparados às Valquírias, parecíamos crianças agora.

— Opa, parece apetitoso — comentou Beatrice.

— Vamos ter que drenar o sangue. Aí devemos conseguir comer sem muitos problemas — ponderou Myla.

— Felizmente, tenho minha frigideira bem aqui.

— Elizabeth, você sempre anda com essa coisa. Cara, eu só quero enfiar a cara nele já! E queria um goró pra acompanhar!

— Você nem bebe, Saran. Agradeceria se parasse com esses comentários vulgares.

— Capitã Lumina, podemos abater essa coisa logo? — outra Valquíria perguntou.

— Achei que isso fosse trabalho do Luciel e do pessoal dele — Gannet retrucou.

— Sem piedade — instruiu Myla. — Hesitar só leva à crueldade se você não consegue dar o golpe final. Mesmo para monstros.

— Vai lá, Luciel. Mostre o quanto cresceu — incentivou Ripnear.

— Eu fico com os ossos.

— Mira no pescoço e evita a cabeça; é muito grossa.

Eu não tinha escolha. Será que eu sequer tinha chance contra aquela coisa? Duvidei muito disso.

— Olha, acho que vou passar essa — argumentei. — Eu? Lutar contra esse bicho? Nem sei como enfrentar ele.

— Honestamente, Luciel, você é mais covarde do que eu pensava. Achei os espectros do labirinto muito mais assustadores — Lumina me repreendeu. — Você pode ter que lutar em suas viagens, e essa é sua chance de pegar o gosto. Um javali selvagem nunca te derrotaria. Todos acreditamos em você.

Será mesmo? Jord parecia pronto pra correr dali.

Lumina me deu um leve empurrão por trás, e eu cedi.

— Beleza, vamos nessa.

Lancei Barreira de Área e ativei Reforço Físico, então encarei o javali. Sentia todos ao meu redor observando, acreditando em mim, até que cheguei perto da criatura e eles começaram a gritar instruções para preparar o churrasco.

Sem tempo para hesitar, a fera avançou.

— Crya, Curador Divino, Deus do Destino, Senhor, Buda, ancestrais, me deem força.

Esperei pelo momento certo para desviar. Enfrentá-lo de frente estava fora de questão. Um curandeiro não podia ser tão imprudente. Mas então percebi uma abertura e saquei uma adaga da bolsa, infundi com magia e a arremessei. Ela cravou bem no olho direito da criatura, desacelerando-a bastante.

Agora sim. Enquanto eu decidia entre desviar ou aparar para então ir no pescoço, joguei outra adaga, que se enterrou no olho esquerdo do monstro. O javali tombou e rolou pelo chão antes de parar de barriga pra cima, espasmando.

— Eita... foi mal por isso.

Rapidamente, terminei o serviço cortando sua cabeça. Quando me virei, fui recebido com aplausos. Até Beatrice e Kathy chegarem para estragar minha festa.

— Você estava indo tão bem... por que cortou a cabeça? Agora tem sangue pra todo lado!

— Precisamos abrir ele rápido.

Saran e Elizabeth começaram imediatamente a esfolar o animal.

— Droga, essas vísceras iam muito bem com uma bebida!

— Saran, de novo, você nem bebe! Pelo amor de Deus... E monstros não são comestíveis. Eles precisam ser purificados primeiro para remover o miasma.

— Purificados? — as outras três garotas repetiram em coro.

— Precisamos de um favor, Luciel — pediu Kathy, enquanto todas as Valkírias me lançavam olhares ameaçadores.

Olhei para Lumina, mas ela também já tinha sido enfeitiçada. E foi nesse momento que percebi que não tinha escolha. Eu estava no meio do caos, minha própria unidade completamente perdida no comportamento estranho das garotas, e endureci meu coração. Aceitei meu destino como o purificador designado.

O Quinteto de Curandeiros ficou impressionado com a extensão da minha magia, mas eu estava mais preocupado com as mulheres famintas ao meu redor para me importar. As Valkírias rapidamente carregaram a carne purificada, e nosso churrasco começou.

O salvador do dia: Palaragus. Ele foi aquele que, um tempo atrás, perguntou sobre medicinais. Aparentemente, cultivava ervas e especiarias no seu próprio quarto na sede da Ordem, e era por isso que tinha se preocupado tanto com minha opinião sobre o assunto. Agora que estava tranquilo, carregava temperos culinários para onde quer que fosse. E, nossa, como isso foi útil dessa vez. A refeição tradicional das Valkírias, que antes consistia em carne de monstro sem tempero, foi transformada em um banquete cheio de sabor. Aquele paladino e suas plantas ainda iriam longe.

 Eu não podia deixar de me perguntar se esse tipo de treinamento realmente nos fazia bem. Se isso virasse algo comum, o nível para manter o moral alto subiria bastante.

Mas todas essas preocupações desapareceram rapidamente da minha cabeça. As Valkírias estavam determinadas a fazer nossas unidades cooperarem dessa forma de novo, e eu sabia que os outros me devorariam vivo se eu recusasse. Então decidimos fazer esses exercícios uma ou duas vezes por mês a partir de então.

Além disso, eu simplesmente não conseguia dizer não para Lumina quando ela me olhava daquele jeito. Mas só diversão e nada de trabalho não levariam Jack a lugar nenhum, certo? Só havia uma solução: tornar o treinamento delas na Guilda dos Aventureiros ainda mais intenso.

E assim, o tempo voou.