Seija Musou | The Great Cleric Vol 03
– Arco 4: O Curandeiro Que Mudou o Mundo –
Capítulo 02 [Uma Carta do Mestre e o Que Está Por Vir]
No dia seguinte à aprovação das minhas diretrizes, fui convocado pela papa.
— Luciel, muito bem em cumprir suas palavras durante a cerimônia.
— Obrigado, Vossa Santidade, mas o mérito vai para a cooperação das facções e seus especialistas. Eles me mostraram o quão inexperiente eu sou.
— Orgulhe-se, jovem curandeiro. Sua humildade é admirável, mas foi você quem causou essa mudança.
— De qualquer forma, devo esse sucesso ao apoio dos meus colegas.
— Ah, mas foram suas palavras que moveram montanhas, não foi, portador da esperança? Nem mesmo eu imaginei que você conseguiria unir ideologias opostas com os ensinamentos de nosso fundador, Lorde Reinstar. Sua paixão me alegra, mas tome cuidado com seus limites.
O choque foi mútuo. Como eu poderia saber que cada líder de cada facção havia decorado praticamente toda a biografia de Lorde Reinstar? Ou que cada bendita palavra tinha um significado especial? Pelo amor de Deus, esse nível de devoção não era pra ser coisa de fanáticos e acadêmicos? Valeu, senhor Destino, por me ferrar bonito.
— Agradeço sua preocupação.
— Não há de quê. Você é meu único emissário. Agora, já ouviu falar sobre as diretrizes? Mardan e Muneller cuidarão disso por enquanto.
— Sim. As leis foram ratificadas em meu nome, mas eles irão negociar nos bastidores para lidar com as repercussões. Alguém jovem como eu seria um alvo fácil para críticas.
Sendo S-rank ou não, um adolescente nunca seria levado a sério. Foi por isso que pedi ajuda a alguém com mais influência.
— De fato. Dongahar será o responsável por coordenar o cronograma de implementação.
— Pelo que ouvi, isso pode levar vários anos para ser totalmente aplicado, mas o que importa para mim é que aconteça.
O prego que se destaca é martelado. Isso era verdade em qualquer mundo, e era ainda mais motivo para jogar o jogo das conexões. Se as informações de Granhart fossem confiáveis, as diretrizes trariam enormes perdas para os Reformistas, então entreguei a Dongahar a importante tarefa de supervisionar o período de transição.
— Acho que não teremos que esperar tanto. Acontece que recebi uma proposta dos líderes das facções.
— Posso perguntar do que se trata?
— Quando você completar vinte anos, tornaremos pública sua posição como curandeiro S-rank, assim como seu papel na implementação das mudanças que estão por vir.
Eu nunca tinha sugerido esconder meu rank em primeiro lugar, então isso não era um problema pra mim. A questão real era por que tinham pedido permissão à Sua Santidade para isso.
— Isso me parece bom, mas com certeza há um motivo para terem falado com você sobre isso.
— Há, mas ainda não irei revelar.
— Como desejar. Mas afinal, o que exatamente eu devo fazer como curandeiro S-rank?
— Nada em particular. Se tiver tempo livre, o labirinto está à sua disposição. Ah, e Catherine me contou que você tem dificuldades com equitação. Recomendo que trabalhe nisso.
O labirinto podia estar tão aberto quanto quisesse, isso não significava que eu queria ir até lá. E, por algum motivo, os cavalos me odiavam. Todos, exceto Forêt. Se a coisa piorasse, talvez eu até pedisse para comprar ela da Igreja.
— Continuarei treinando.
— Quando chegar a hora de partir, você pode acabar enfrentando monstros ou bandidos. Será melhor se preparar bem antes disso.
— Com certeza. Preferiria evitar morrer só porque não soube montar direito durante uma batalha.
— A morte é uma possibilidade, mas temo que sua maior preocupação deva ser o risco de se tornar um escravo. Se for capturado, nunca mais será livre, sua vida será apenas uma ferramenta para curar ferimentos de marginais. Isso não seria apenas uma perda para a Igreja, mas para o mundo inteiro. Por isso, imploro que treine bem.
Senti arrepios percorrerem meu corpo inteiro.
— Vou me preparar completamente.
— Bem dito. Quando completar vinte anos, será hora de viajar pelo mundo e visitar as Guildas dos Curandeiros. Por isso, também peço que se informe melhor sobre o funcionamento das guildas e suas clínicas.
Então, já estava decidido que eu viajaria pelo mundo quando fizesse vinte anos? Como e por quê? Se isso fosse culpa daquela bênção do dragão…
— Quanto à questão da sua guarda pessoal, confiei o assunto a Catherine. Fale com ela para saber os detalhes. Deixo-lhe minha primeira ordem, Luciel S-rank: antes que o mundo conheça seu nome, esteja preparado.
— Sim, Vossa Santidade. — Como se eu tivesse escolha.
Saí de seus aposentos, me perguntando qual era o propósito de eu ainda estar na sede.
Agora que as diretrizes estavam totalmente fora das minhas mãos, eu não tinha absolutamente nada pra fazer, então acabei voltando para o meu quarto. O tempo estava passando, e logo o mundo todo saberia meu nome, mas isso não me preocupava tanto quanto decidir o que fazer no próximo um ano e cinco meses. Passar todo esse tempo estudando não parecia atraente. Melhorar minhas habilidades era uma opção. Ou talvez conhecer melhor meus futuros companheiros, assim que Catherine os escolhesse. Cara, um ano e cinco meses era muito tempo…
Alguém estava parado na frente do meu quarto quando cheguei.
— Ah, Jord, precisava de algo?
— Tenho uma carta endereçada a você, senhor.
O nome do meu mestre estava escrito na frente.
— Ah, ele é o mestre da Guilda dos Aventureiros de Merratoni. Surpreso que tenham entregue isso aqui.
— Tenho certeza de que ver seu nome motivou algumas mãos. E acho que os recepcionistas nunca esquecerão seu mestre depois que ele invadiu o castelo.
Provavelmente Jord desviaria de qualquer pergunta sobre como conseguiu uma carta endereçada a mim, então peguei o envelope e entrei no meu quarto para lê-lo.
Luciel,
Espero que você não esteja relaxando no seu treinamento. Algumas pessoas vieram me procurar pedindo para serem treinadas, mas ninguém aguenta mais do que alguns dias. Está um tédio por aqui.
De qualquer forma, eu tenho os resultados daqueles testes que fizemos com a Substância X. Acontece que você estava certo. Sempre ouvi dizer que ela deixava novatos mais fortes, mas realmente ninguém consegue subir de nível enquanto a usa. Achei que fazer você beber aquilo seria o melhor para o seu crescimento, mas se você acha que não tem utilidade, não vou te culpar por abandonar essa coisa. Sua base já está sólida o bastante para encarar goblins ou kobolds sem problemas. Eu percebi isso na nossa luta um tempo atrás, então talvez esteja na hora de você começar a ganhar alguns níveis.
Mas não se ache demais. Quando seus status começarem a subir, você pode sentir que está ficando mais forte, e até vai estar, mas também estará completamente errado se achar que isso é o bastante. Não esqueça do que eu te ensinei. Status não determinam quem vence ou perde. Você pode ter os maiores números do mundo, mas no fim das contas, todo mundo sangra.
Se algum dia você enfrentar alguém que tenha a mesma força que você, fuja. No momento em que decidir lutar, aceite que perder significa morrer. Se por algum milagre você conseguir vencer, mantenha a cabeça no lugar, ou pode acabar perdendo ela de verdade.
Quando começar a se achar invencível, venha nos visitar em Merratoni. Estou sempre pronto para te colocar no seu devido lugar. Nanaella e Monica também adorariam te ver.
Vencer uma batalha depende não só de preparação, mas também de sorte, das circunstâncias e da química com o oponente. Pode parecer injusto, mas guarda a reclamação para quando conseguir me derrotar, seu aprendiz imprestável.
Seu mestre favorito.

— Pelo jeito, meu mestre precisava encontrar um rival para gastar toda a energia extra que ele vivia tentando descontar em mim. Não tinha como ele estar evitando isso só para salvar a própria pele… certo? Da próxima vez que nos encontrássemos, eu tiraria a história a limpo.
Na nossa última luta, eu achei que ele só estava me espancando por esporte, mas era bom saber que, como sempre, ele estava me avaliando com atenção. Ele sabia que eu era do tipo que deixava as coisas subirem à cabeça e já me alertou sobre o perigo de focar só no nível com bastante antecedência. Que cara legal.
Por outro lado, talvez eu devesse considerar uma bênção o fato de todas as cartas dele terem sido interceptadas pela Igreja no passado. Caso contrário, em vez de me deixar em paz, ele teria me arrastado de volta para Merratoni, esperneando e gritando, para uma bela “reabilitação”. Eu quase queria me curvar na direção de Merratoni em reverência ao meu mestre tão sábio e atencioso.
— O que você ainda está fazendo aqui, Jord? Hoje eu não vou sair.
— Bobagem, senhor! Onde está seu senso de aventura? Não quer mostrar a nós, meros mortais, as maravilhas do mundo lá fora?
— “Nós”? Tem mais gente agora?
Jord já era encrenca suficiente com aquela túnica da Igreja, e agora ele queria formar um grupo? Pessoalmente, eu preferia não causar tanta agitação.
— Eu e mais quatro curandeiros, sob seu comando.
— Desde quando me deram subordinados? Eu nunca recebi esse memorando.
— O capitão da guarda está recrutando curandeiros interessados em te acompanhar. A concorrência foi acirrada, mas eu consegui garantir minha vaga!
Ter tanto uma guarda pessoal quanto um grupo de curandeiros só ia nos deixar mais lentos. E, para ser sincero, eu tinha minhas dúvidas sobre as intenções das pessoas, já que havia sido uma competição tão disputada.
— Então, vou ter curandeiros no grupo também? Você não me surpreende, Jord, mas eu nunca vi esses outros caras na vida. Acha que eles vão aguentar? Não vai ser nenhum mar de rosas.
— Não se preocupe. Que tal darmos uma volta pela cidade?
— Claro, se você insiste. Mas espero que saiba que vamos passar pelo Guilda dos Aventureiros.
— Você não faria isso.
Jord estava ficando bem perspicaz. Espero que os outros também consigam se adaptar.
— Ah, mas eu faria. A Substância X faz maravilhas para o crescimento de um curandeiro… se você quiser, é claro.
Meu companheiro ficou em silêncio.
— O que foi? Você está pálido.
— E-Eu? Que coisa, né? Olha só, acabei de lembrar de um negócio superimportante que preciso fazer, então talvez a gente deixe esse passeio para outro dia? Enfim, até mais!
Ele saiu disparado do quarto, e por um momento, eu não consegui segurar a risada. Mas logo voltei a me concentrar. Eu tinha um ano e cinco meses para me preparar o máximo possível. Acima de tudo, curandeiros dependiam de magia sagrada, e eu já estava bem confiante nas minhas habilidades. Além disso, não era nenhum estranho ao combate. Mas ainda havia uma lacuna gritante que eu precisava preencher: conhecimento.
Desde a história básica das nações até o funcionamento das Guildas de Curandeiros, as atitudes em relação aos curandeiros, a disparidade de riqueza e a religião, eu praticamente não sabia nada sobre esse mundo. Até mesmo os processos administrativos de guildas e clínicas eram um mistério para mim. Com tanta coisa para aprender em tão pouco tempo, eu me perguntava se conseguiria absorver tudo.
Mas antes de qualquer coisa, eu precisava resolver a questão mais urgente: minha habilidade de cavalgar. Isso era praticamente uma questão de vida ou morte, então Yanbath e Forêt Noire teriam que me salvar. Forêt não era adequada para ser montada com frequência, mas nenhum outro cavalo sequer deixava eu me aproximar, muito menos subir em sua sela.
Era melhor eu me manter ocupado se quisesse convencer Sua Santidade a me deixar ficar com a Forêt.
De repente, uma ideia me veio à cabeça. Assim que Catherine terminasse de escolher os cavaleiros que fariam parte da minha guarda, eu pediria para levá-los a Merratoni. Meu mestre poderia colocá-los à prova, e eles desenvolveriam um senso de solidariedade compartilhando o mesmo desgosto pela Substância X. Isso, claro, nos faria perder a chance de treinar com as Valquírias… isso se elas nos deixassem treinar com elas.
Minha última preocupação era que, inevitavelmente, iríamos cruzar com bandidos ou monstros, e eu teria que estar pronto para matar. Eu simplesmente não era forte o bastante para subjugar alguém sem mutilá-lo, por mais frustrante que fosse admitir isso. E esses inimigos não seriam zumbis ou espectros como os que eu enfrentei no labirinto.
Uma dor de cabeça começou a se formar, então desliguei meu cérebro. O que importava agora era fazer o que estivesse ao meu alcance.
Sentei-me e comecei a escrever minha carta para casa.
Na manhã seguinte, ouvi batidas na porta, como de costume.
— É Marluka das Valquírias, senhor Lulu.
Fiquei feliz em ver que as Valquírias ainda me tratavam como antes da minha promoção, mas será que elas tinham noção do quão estranho soava misturar esse comportamento casual com formalidade? Especialmente Marluka. “Lulu”? Sério?
— Está aberta.
A Valquíria entrou, fez uma reverência e disse:
— Bom dia. Devemos partir para o campo principal, se assim desejar.
Eu nunca me acostumei com aquele jeito estranho e rígido de falar, e nem elas, apesar de insistirem nisso. Só Lumina me poupava desse sofrimento.
Fiquei surpreso ao saber que hoje não treinaríamos no campo privado das Valquírias. Ninguém tinha me avisado nada sobre isso ontem.
— Nada de treino nos campos de sempre?
— Não. Lady Catherine recrutou vários cavaleiros para integrar sua guarda quando partir, mas o número de voluntários foi maior do que o esperado. Então, você mesmo fará a seleção final.
— Que maravilha. Que honra incrível essa seria. Como podia haver tantos candidatos para um trabalho desses? Não ia ser exatamente um passeio no parque.
— Isso significa que nossa sessão foi cancelada hoje?
— Sim, para que você possa pensar bem sobre os candidatos que escolher, Sir Lulu — ela respondeu secamente. A tensão no ar era coisa da minha cabeça?
— Você viu alguém que chamou sua atenção? Alguém no nível da sua equipe?
— Por favor — Marluka zombou, mas logo baixou a voz para um murmúrio quase inaudível. — Se te incomoda tanto, por que não escolheu a gente?
Sim, ela estava brava. Se eu não esclarecesse isso agora, podia me despedir das minhas sessões de treinamento com elas.
— Para deixar registrado, eu queria levar todas vocês, mas sua unidade é crucial demais para os cavaleiros, então não me deixaram. Vamos lá, Marluka, você sabe o quão medroso eu sou.
— Então foi o capitão que nos tirou da jogada? Não acredito! — Ela nem tentava mais ser formal. Na verdade, provavelmente só estava se comportando antes porque estava com raiva.
— Tenho certeza de que os superiores têm seus motivos. E vocês são o único regimento com quem eu me dou remotamente bem. Você realmente achou que eu estava morrendo de vontade de viajar pelo mundo com qualquer um?
— Ah, é mesmo, você não tem outros amigos porque está sempre treinando com a gente.
Bem, era uma forma de colocar isso. Mas, do jeito que ela falou, a quantidade absurda de voluntários fazia ainda menos sentido. Os cavaleiros também tinham facções?
— Passe isso adiante para as outras. Ah, e mais uma coisa. Não precisa agir de forma tão formal quando estivermos em particular. Ainda sou tecnicamente um Cavaleiro Honorário das Valquírias.
— Eu sabia que você era um cara legal, Lulu. A gente já tinha combinado de te arrebentar na próxima sessão de treino se começasse a agir todo metido.
— Fico feliz de poder manter meu nariz inteiro. Sério, vocês...
O mal-entendido tinha sido resolvido, e Marluka estava de bom humor de novo. Graças a Deus. E não era só força de expressão. Aquelas mulheres certamente teriam me espancado até virar farelo. Eu estava cercado por maníacas por batalha.
— “Vocês” o quê? Hmm? Acha que somos um bando de loucas por luta, é isso?
Garota esperta.
— Er, não, eu só estava me perguntando por que as Valquírias são tão diferentes dos outros regimentos.
— Só isso, é? Bom, tudo bem, vou entrar no jogo. A prioridade de todos os cavaleiros é proteger, então não, não somos “loucas por batalha”. O lema das Valquírias só acontece de ser “A melhor defesa é um bom ataque”. Talvez seja por isso que você sente isso.
Eu nunca fui muito fã desse ditado... Como uma total falta de estratégia defensiva podia ser considerada uma boa defesa? Parecia que já tinha vivido uma vida inteira desde a última vez que ouvi essa frase.
— Talvez seja.
— Eu me pergunto por que o capitão pediu voluntários em vez de simplesmente escolher as pessoas — ela refletiu.
— Porque vai ser uma missão perigosa?
— Acho que não é só por isso, mas conhecendo você, aposto que vai acabar achando um aventureiro que vale por mil guardas.
— Talvez...
A melhor defesa é um bom ataque. Eu não conseguia tirar isso da cabeça. Esse mundo tinha um histórico de pessoas reencarnando aqui ao longo dos anos? Eu quase tinha esquecido que supostamente havia pelo menos nove outros como eu. Como não vi ou ouvi nada sobre eles, talvez nem valesse a pena me preocupar com isso.
— O que foi, Lulu? — Marluka inclinou-se para frente e olhou para mim. — Lumina está esperando, então vamos logo.
— Ah, certo, desculpa — respondi com meu melhor rosto impassível. Não corar era praticamente impossível.
Afastei todos os pensamentos sobre reencarnação da minha mente e segui Marluka até o campo de treinamento.
Logo chegamos ao local. Se eu estivesse sozinho, estaria completamente perdido, mesmo com um mapa.
Os cavaleiros, os protetores da Igreja de Saint Shurule, já estavam esperando em silêncio.
— Desculpem o atraso — eu disse.
— Luciel, fique aqui comigo — Catherine chamou, acenando para que eu me aproximasse.
Dei um passo à frente e fiquei ao lado dela, encarando os cavaleiros.

— Luciel é um curandeiro de rank S e precisa de espadachins para sua guarda. Isso vocês já deveriam saber pela minha explicação anterior.
Sua voz ecoou alta e clara.
— Idealmente, eu o enviaria com as Valquírias, mas suas habilidades são cruciais demais para a proteção da Igreja para que possamos ficar sem elas, então elas permanecerão aqui.
Um choque percorreu as Valquírias reunidas. Pelo visto, elas realmente não sabiam. Surpreendentemente, até os outros cavaleiros começaram a se agitar do mesmo jeito. Eles não tinham se voluntariado para a guarda só para ficar perto das garotas, certo? Espero que não.
— Esta missão não se limita às fronteiras de Shurule. Vocês viajarão por várias nações e, por isso, este não é um posto a ser aceito levianamente. Com isso em mente, todos que desejarem se voluntariar, deem um passo à frente.
A suposta abundância de candidatos prontos simplesmente não existia. Apenas cinco templários avançaram.
— Estes serão seus companheiros, Luciel, mas certamente você poderia contar com mais. O que acha?
Olhei para os cinco voluntários e contemplei a situação. Os Cavaleiros de Shurule eram divididos entre templários e paladinos, com cada divisão composta por quatro regimentos. As Valquírias eram uma dessas unidades de paladinos.
Os templários eram, antes de tudo, os guardiões da Igreja — protetores — e isso provavelmente explicava por que apenas eles se apresentaram para essa missão. Granhart me contou que eles veneravam Crya, a Divina, assim como a deusa da cura, e que sua lealdade era ao papa antes mesmo da Igreja. Esses indivíduos não recebiam a classe de cavaleiro em suas cerimônias de maioridade e só podiam ser promovidos à posição de templário depois de jurarem devoção aos divinos diante da própria papa.
O fato de serem os únicos voluntários só reforçava o quanto os paladinos em geral me odiavam. Quase todos eles eram prodígios natos, tendo recebido sua classe diretamente de Crya em suas cerimônias. Suas afinidades costumavam ser com magia sagrada ou de luz e, embora teoricamente fosse possível se tornar um paladino mais tarde na vida, era um caminho extremamente difícil de trilhar.
— Aos cinco que se apresentaram, obrigado — disse finalmente. — Capitã Catherine, seria possível fazer com que eles lutassem entre si? Quero ver o que podem fazer.
— Não é uma má ideia. Voluntários, a partir deste momento vocês estão sob o comando de Luciel!
— Sim, senhora! — o grupo respondeu em uníssono.
Catherine e eu nos afastamos para nos acomodar em assentos especiais com uma visão ampla do campo.
— Sinto muito por não deixar que você levasse as garotas — ela disse, baixando a cabeça. Ela era sincera e conhecia bem a papa, então senti que podia continuar confiando nela, mesmo com toda a conversa sobre facções disputando controle.
— Não, eu entendo. Você acabou de ser reintegrada e tem um dever a cumprir. Ainda temos mais de um ano pela frente, e isso será tempo suficiente para transformar minha nova unidade em uma máquina de combate.
— Isso certamente seria algo impressionante.
Ela pode ter achado que eu estava brincando, mas eu não poderia estar mais sério. Um ano de treinamento ininterrupto com meu mestre os colocaria em forma, e minha cura tornava qualquer ferimento irrelevante. Ok, talvez sofrimento constante por causa do treinamento não fosse a abordagem mais saudável mentalmente, mas como dizem, sem dor, sem ganho.
— Cavaleiros — chamou Catherine —, agradeço por atenderem ao meu chamado urgente. Vamos realizar uma batalha simulada entre as divisões dos templários e dos paladinos, mas quero deixar claro que isso não é um jogo. O objetivo deste exercício é avaliar suas habilidades, pois é meu dever, como capitã da guarda, garantir que nossas forças estejam devidamente organizadas. Os vencedores receberão um bônus, e os perdedores serão penalizados.
Todas as forças dos Cavaleiros de Shurule, exceto aqueles em serviço, ficaram em posição de sentido.
— 194 templários contra 68 paladinos. Cada comandante de divisão, bem como os capitães de cada regimento, terá uma pequena bandeira em seu capacete. Sequestrar a bandeira do comandante de divisão garante a vitória. Hoje veremos se os números ou o poder vencerão o dia. Lembrem-se, isso não é apenas um teste de recrutamento. Este será nosso primeiro exercício conjunto, então tratem-no com a devida seriedade.
— Sim, senhora! — As vozes foram tão altas que estremeceram o ar e o chão sob meus pés, mas não parecia tão intimidador visto de cima.
— Quem você acha que vai ganhar? — perguntei a Catherine.
— Os paladinos, imagino.
Ela parecia extremamente certa disso, apesar da desvantagem numérica significativa. Será que a diferença entre templário e paladino era tão grande assim? Ou talvez não fosse sobre os paladinos como um todo.
— Por causa das Valquírias?
— Uhum. Sem elas, os paladinos não teriam a menor chance.
— Você parece bem confiante disso.
— Aquelas garotas são incrivelmente fortes.
Isso definitivamente explicava por que eu nunca conseguia me equiparar a nenhuma delas em um combate.
— Uau, o campo parece enorme visto daqui. Quais regimentos o utilizam?
— Nenhum. Ele é reservado para exercícios conjuntos como este.
— Sério? Mas que desperdício.
— É restrito aos capitães de divisão porque os regimentos costumavam brigar por ele. Ouvi dizer que algumas das lutas ficaram bem feias. Houve vítimas.
Eu não podia discordar dela. Ainda assim, este seria o lugar perfeito para praticar minha equitação.
— Faz sentido. E imagino que as Valquírias sejam um regimento pequeno em comparação com os outros, então estariam no fim da lista de prioridades, mesmo que o campo estivesse disponível.
— Exato, e elas também não têm nenhuma magia chamativa para praticar.
— E quanto a mim? Posso usar o campo?
— Bem... — ela hesitou. — Eu odiaria recusar, mas depende do que você pretende fazer.
— Eu tinha um motivo válido e, tecnicamente, uma ordem indireta do papa. — Ainda tenho dificuldade em montar qualquer cavalo que não seja o Forêt Noire, então pensei em treinar minha habilidade de Montaria aqui.
Catherine riu. — Essa desculpa serve para mim, mas não acho que vá ajudar muito se os cavalos nem deixarem você montá-los.
— Er, você ouviu?
— Com certeza. Mas estou sob ordens de Sua Santidade para acomodá-lo, então digamos que eu lhe darei permissão quando conseguir se manter em um cavalo que não seja seu amigo de crina negra.
— É... justo. Enfim, acho melhor assistirmos à luta agora.
— Tente não piscar. — Ela riu.
Catherine ergueu a mão e, ao baixá-la, o campo se encheu de gritos de batalha. Senti a energia fervente penetrar em mim, enquanto a paixão guerreira transbordava pelo campo.
— Eles evoluíram muito desde os tempos em que eram apenas um bando de preguiçosos — eu murmurei.
— Tive que dar umas chicotadas depois que Sua Santidade me reintegrou. Seu mestre foi um bom exemplo. — O ar pareceu esfriar. — Agora acho que finalmente voltaram a ter um pouco de fibra.
Fiquei fascinado com a ferocidade dos cavaleiros. Os feridos começaram a cair rapidamente, enquanto Catherine os observava com atenção. Enquanto isso, eu imaginava diferentes cenários em minha cabeça: o que eu faria se estivesse participando? Eu teria sido útil o suficiente para dar uma vantagem ao lado desfavorecido? Talvez reforçando suas defesas com Barreira de Área e reanimando os caídos com Cura Alta de Área... Mas será que conseguiria lidar com tudo isso? Ou teria congelado de medo ou fugido antes de conseguir fazer algo?
De repente, o equilíbrio mudou. As Valquírias avançaram demais sobre os templários defensores e romperam suas fileiras.
— Elas estão indo fundo demais. Será que têm um plano ou estão ficando impacientes?
— Elas sabem que têm a vantagem, então imagino que estejam tentando quebrar a formação dos templários. Mas estão sendo agressivas demais.
As duelistas Ripnear e Elizabeth abriram caminho à frente, com Lumina e o restante do grupo logo atrás. Os pobres templários... A diferença de poder era imensurável.
— Elas são incríveis, mas não acho que isso vá durar muito.
— Não vai. É impossível coordenar com tanto poder assim.
As Valquírias eram fortes, mas exageradamente. Esse movimento ousado permitiu que o capitão dos templários recuasse. Em resposta, os templários rapidamente reorganizaram suas forças e iniciaram uma ofensiva coordenada contra os paladinos.
— Se estiverem tendo dificuldades em cooperar com os outros cavaleiros, posso muito bem cuidar delas para você — eu ofereci.
— Boa tentativa. Mas, sinceramente, essas garotas sozinhas não deveriam ser suficientes para dominar a luta.
— Você parece bem satisfeita com isso.
— Elas são meu orgulho e alegria. Pedi pessoalmente a Sua Santidade para criar essa tropa, e elas são o regimento mais forte de todos. Isso só prova que estavam derramando suor e lágrimas no treinamento, enquanto os outros relaxavam.
— Não invejo os outros grupos agora. Imagino que você esteja excluindo o time da Lumina da reorganização.
— Obviamente.
Os templários rapidamente romperam o cerco que os aprisionava desde o início do exercício e dominaram o capitão dos paladinos. O combate chegou ao fim.
— Os templários parecem bem experientes. Eles garantiram que sempre houvesse pelo menos três contra cada Valquíria.
— Eles desempenharam seus papéis perfeitamente. Fico curioso para saber como as coisas seriam diferentes se um dia você entrasse em campo.
— Ha! Acho que é seguro dizer que meu regimento venceria.
— Confiante nisso, hein?
— Enquanto não houver ataques à distância, posso ficar curando sem parar, e Barreira de Área seria mais do que suficiente para acabar com um impasse.
Caso houvesse ataques à distância... Bem, provavelmente eu nem estaria lutando em primeiro lugar.
— Quer testar isso?
— Desculpe, mas duvido muito que algum dia eu sinta vontade de me enfiar no meio de uma luta, a menos que seja absolutamente necessário. E treino de autodefesa é outra história.
— Como quiser. Se importa de cuidar dos feridos?
— Já estou a caminho.
Catherine se dirigiu aos cavaleiros enquanto eu lançava minha magia de cura. Usei Cura Média na maioria e Cura Alta nos ferimentos mais graves. Pelo visto, o efeito era bem acima da média, pois meus pacientes ficavam completamente surpresos. Naturalmente, isso significava que paravam de prestar atenção em Catherine, que então despejava sua fúria sobre eles.
Cinco dos meus pacientes se ofereceram imediatamente para entrar na minha guarda — dois paladinos e três templários. Eu nunca imaginei que a bênção do Curador Divino fizesse tanta diferença na minha magia, mas, ao que tudo indicava, ela me tornava alguém bem acima da média aos olhos deles.
Depois de curar o último ferido, Catherine se voltou para o grupo.
— Parabéns, templários. Sua recompensa virá em outra ocasião. Agora, vamos analisar a derrota dos paladinos. O primeiro erro ocorreu quando as Valquírias avançaram demais e quebraram a formação. Muitos de vocês devem achar que foi aí que tudo se desfez. No entanto, o verdadeiro problema foi que o capitão dos paladinos falhou em formular uma estratégia ou dar ordens adequadas.
— Um momento, por favor. — O capitão dos paladinos interveio. — Com todo respeito, a senhora não acabou de dizer que as Valquírias quebraram a formação?
— Pois bem, capitão, me diga qual foi a estratégia que elas não seguiram. Você emitiu ordens para os maiores trunfos e a força mais formidável dos cavaleiros, correto? Ou estou errada e impedi-las era simplesmente impossível? Perdoe-me, capitão, mas acredito que é dever do líder liderar.
— M-minhas desculpas. — O capitão abaixou a cabeça e recuou.
— Paladinos, deem voltas pelo campo até a tarde. Mas antes, Luciel, tem algo que gostaria de dizer a eles?
— Vamos ver... Bem... — Fiz uma pausa. — Essa foi minha primeira vez vendo um exercício em uma escala dessas. A intensidade e a paixão de ambos os lados realmente me impressionaram. Obrigado por me deixarem assistir.
— Ninguém chamou sua atenção?
— Cinco pessoas se ofereceram para se juntar a mim mais cedo, então agora estamos com um grupo confortável de dez.
— Isso é o bastante?
— Mais nem sempre significa melhor, então acho que não vou precisar de mais ninguém. E temos onze Valquírias também, então dá tudo certo.
Francamente, comparado às Valquírias, não importava quantos estivessem no meu time. Não faria a menor diferença. Felizmente, os cavaleiros que se juntaram a mim eram relativamente jovens (o mais velho parecia ter uns trinta anos), então um ano e cinco meses era tempo suficiente para deixá-los em forma para o combate. Mas, se eu quisesse que chegassem ao nível das Valquírias, teria que deixar o Mestre fazer sua mágica.
— Se você diz, mas se quiser recrutar alguém específico, é só falar. Pode escolher à vontade.
Todos imediatamente desviaram o olhar. Catherine não podia simplesmente soltar algo assim na frente de todo mundo! Não que eu quisesse alguém especial. Preferia manter o moral alto e a participação voluntária.
— Talvez eu encontre alguém que se destaque eventualmente, mas por enquanto esses dez já são suficientes.
Catherine se virou para os cavaleiros.
— Vocês ouviram isso? Luciel não tem necessidade de peso morto! Se isso incomoda vocês, tratem de mudar essa situação! Vamos realizar esse mesmo exercício todo mês, então trabalhem duro, treinem firme e cumpram seus deveres. Entendido?
— Sim, senhora!
Com minha passagem pelos orgulhosos Cavaleiros de Shurule encerrada, comecei a planejar mentalmente uma reunião entre minha nova guarda e o grupo de curandeiros do Jord.
— Ah, é verdade, vocês ainda não conhecem bem o Luciel. Essa é uma boa oportunidade para fazerem perguntas — anunciou Catherine aos meus novos companheiros.
— O quê? — Perguntas? Catherine, eu não estava preparado para isso. O que se passava na cabeça dela? Será que tanto tempo longe dos cavaleiros fez ela perder o juízo?
Um paladino rapidamente levantou a mão.
— Senhor, posso fazer uma pergunta?
— Ahm, claro. Manda ver.
— Meu nome é Palaragus. O que pensa sobre medicinais?
Definitivamente não esperava essa pergunta. E ele parecia tão sério que tive que responder com sinceridade. O problema era que, apesar de já ter visto ervas medicinais e afins em enciclopédias, nunca tinha pensado muito sobre o assunto. Eu sabia da existência do Sindicato dos Médicos, mas eles não eram nem malignos nem particularmente interessantes. Essa era complicada.
Me vieram à mente as poções. Eram um tipo de medicinal, podiam curar todos os tipos de ferimentos e eram uma verdadeira salvação quando se ficava sem magia. Talvez fosse nisso que ele estava pensando.
— Acho que é um campo de estudo fascinante. Os médicos nos deram as poções e dedicaram anos de suas vidas à pesquisa da cura, tudo sem recorrer à magia sagrada.
Não era ilegal para curandeiros usá-las também.
— Até mesmo um curandeiro de Rank S como você usa poções? — perguntou Palaragus.
— Claro. Uso minha magia quando posso, mas se não posso ou se estou sem energia, não hesito em tomar uma.
Sempre segui meu credo pessoal à risca: sobreviver, custe o que custar.
Os cavaleiros começaram a fazer alvoroço. Eu não devia ter dito nada tão estranho... a menos que o Sindicato dos Curandeiros e o Sindicato dos Médicos fossem rivais ou algo assim. Se fosse o caso, essa era mais uma ignorância minha que não passaria batida quando começasse a viajar. Estava colocando a autoridade da Igreja em jogo pelo bem dos curandeiros, e minha falta de conhecimento era culpa exclusivamente minha. Um pouco de estudo me faria bem.
— Já estudou o assunto, senhor? — perguntou outro templário.
— Não, só li alguns livros intermediários sobre isso no Sindicato dos Aventureiros.
— No Sindicato dos Aventureiros? Os boatos dizem que você já morou em um, mas por que um curandeiro faria algo assim?
As informações viajavam rápido. Mas não havia problema em contar a verdade.
— Estou surpreso que saibam disso. Bem, para ser sincero, eu morria de medo de ver aventureiros andando armados por aí, então quis aprender a me defender.
— Então você foi para o Sindicato dos Aventureiros... sozinho?
Todos me encararam com descrença absoluta. O que havia de tão estranho nisso? Se viver em um Sindicato dos Aventureiros era algo tão incomum, eu devia ter sido um cara de muita sorte.
Na verdade, toda essa conversa — eu e um grupo de cavaleiros jogando conversa fora em um enorme campo de treinamento — era mais estranha do que qualquer outra coisa até agora. Cruzei olhares com Lumina, que sorriu e acenou com a cabeça em cumprimento. Me perguntei se ela tinha se preocupado comigo depois que deixei Merratoni, na época em que nos conhecemos, e imediatamente senti meu rosto esquentar.
— Sim, fui sozinho. Na época, eu não sabia que aventureiros odiavam curandeiros, então acho que foi pura sorte as coisas terem dado certo. No começo, ninguém confiava em mim, até verem o quanto eu treinava. Mas todo mundo cansou de me ver sem saber das coisas, então começaram a me ensinar, e foi assim que li pela primeira vez sobre medicina. Só não esperem que eu consiga preparar alguma coisa sozinho.
— Entendo — respondeu Palaragus. — Obrigado por responder minha pergunta. Acho que agora entendo você um pouco melhor.
Na verdade, tudo o que alguém precisava para me entender era um caneco de Substância X.
— Sou um livro aberto, podem perguntar o que quiserem a qualquer momento.
Algo parecia estranho. Eu estava tão acostumado a olhares de descontentamento que agora, vendo essas expressões quase simpáticas e gentis, senti um desconforto.
— Se não há mais perguntas, os paladinos têm voltas para correr — ordenou Catherine. — Templários, espero que continuem treinando com dedicação. O exercício conjunto de hoje está encerrado. Dispensados!
Agora eu tinha uma unidade de dez cavaleiros, um grupo de cinco curandeiros e absolutamente nenhuma ideia do que fazer com eles. Mas não queria que ficassem sem nada para fazer, então resolvi consultar Granhart. Ele parecia a melhor pessoa para me orientar em questões de liderança.
Tradução: Carpeado
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