Nageki no Bourei wa Intai shitai | Let This Grieving Soul Retire Volume 04 – Capítulo 1 [As Responsabilidades de um Nível 8]



Eu estava no último andar da sede do clã Primeiros Passos, no escritório do mestre do clã, um espaço reservado apenas para mim e os funcionários administrativos. Eu tinha um sorriso no rosto enquanto olhava para minha mesa. Cinco pequenas figuras humanas, cada uma com cerca de cinco centímetros de altura, corriam sobre a superfície. As miniaturas eram tão detalhadas que pareciam pessoas reais que haviam sido encolhidas.

Cada uma estava vestida para um papel diferente: havia um Mago, um Paladino, um Espadachim, um Ladino e um Alquimista. Usei vestes e armaduras para cobrir algumas pequenas falhas nelas, mas, no geral, eu estava bastante satisfeito comigo mesmo.

Enquanto esfregava a pulseira quente, fiz as figuras caminharem silenciosamente pela borda da mesa. Elas não eram bonecos, que têm massa, mas sim miragens produzidas pela minha nova Relíquia, Forma de Miragem. A pista de corrida e a pequena montanha sobre a mesa também eram miragens.

No começo, tive dificuldade para acertar formas e cores, mas depois de dias de prática, eu já conseguia criar miragens bastante elaboradas.

Aparentemente, a Relíquia tinha um recurso que corrigia pequenos erros do usuário. No entanto, isso não diminuía minha satisfação ao ver meu esforço gerando resultados. Era um tanto chamativa e eu não tinha certeza de quão útil seria na prática, mas, como uma Relíquia voltada para diversão, eu não poderia pedir por nada melhor.

Toquei uma das miragens com o dedo e, ao mesmo tempo, fiz com que ela se movimentasse como se tivesse caído. As outras agiram como se estivessem protestando. Mesmo que eu estivesse apenas manipulando imagens, sentia como se fosse o líder de um pequeno grupo de elementais. Eu não conseguia parar de sorrir.

Eu queria mostrar isso para alguém, mas, infelizmente, precisava me conter. Ser visto brincando com bonecos destruiria minha imagem de durão.

No meio da brincadeira, adicionei um dragão pequeno o bastante para caber na palma da minha mão, mas decidi não parar por aí. Adicionei outro, e mais outro, e mais outro, até ter quatro dragões, todos de cores diferentes, é claro.

Eu já tinha encontrado muitos dragões quando costumava acompanhar os Grieving Souls. Não podia garantir que todos os detalhes estavam perfeitos, mas tinha certeza de que a silhueta estava bem reproduzida.

Os dragões batiam as asas e voavam ao redor da minha cabeça. Concentrei-me e tentei tornar o voo mais realista. Criar miragens era difícil, mas movê-las não era tão complicado.

O único defeito da Forma de Miragem era seu alcance limitado a um metro e vinte centímetros.

Se eu pudesse expandir esse alcance, abriria novas possibilidades para me divertir. Será que existem versões dessa Relíquia com um alcance maior?

Como eram apenas miragens, não eram afetadas por barreiras físicas. Fiz um dos dragões passar pela janela, e ele desapareceu no instante em que saiu do meu alcance.

— Dragãozinho bem fraco — comentei.

Não que fosse culpa dele.

Eu estava sorrindo para mim mesmo enquanto fazia os dragões voarem, quando a porta do meu escritório se abriu de repente. Um arrepio percorreu minha espinha. Era Eva entrando na sala.

Eu não tinha nenhuma tarefa pendente, mas ser visto brincando feito uma criança me deixava desconfortável, então apaguei os dragões rapidamente.

Devo ter demorado um segundo a mais do que devia, porque os olhos de Eva se arregalaram.

— O-O que foi isso agora há pouco?

— ...Nada. Só me assustei com sua entrada repentina, só isso.

— Hã? Mas eu bati na porta...

...Eu estava tão distraído brincando com os dragões que nem notei a batida. Talvez mexer com miragens no escritório não fosse uma ideia tão boa.

Eu nem precisava perguntar o que Eva queria, pois conseguia adivinhar só de olhar para a pilha absurda de cartas em seus braços.

Normalmente, os Grieving Souls não tinham tanto contato com a nobreza quanto outros grupos de alto nível. Mas, por algum motivo, passamos a receber mais correspondências depois que nos envolvemos com o Conde Gladis no leilão.

Segundo uma investigação da própria Eva, parecia que estavam circulando rumores de que eu havia salvo Lady Éclair. Não importando que foi o Ark e não eu quem a salvou...

Caçadores que sonham em ascender na sociedade ou conseguir conexões poderiam ficar felizes em receber uma carta da nobreza, mas, infelizmente, eu sou um caçador cujo único sonho é se aposentar. Eu simplesmente recusaria educadamente qualquer carta que recebesse.

— Tem gente muito melhor para eles importunarem...

Se a coisa ficasse realmente ruim, eu poderia até fugir de Zebrudia.

— Esses nobres realmente não sabem julgar o caráter das pessoas — murmurei para mim mesmo, mudando de posição na cadeira.

Foi então que percebi que o olhar de Eva estava fixo na minha mesa. Mais especificamente, ela estava olhando para as pequenas miragens que eu havia esquecido de apagar.

Eva ergueu os olhos para mim, parecendo duvidar da minha sanidade. As pequenas figuras correram para fora da mesa e pularam na minha direção.

Limpei a garganta, cruzei as pernas e me recostei.

— ...Então, precisava de alguma coisa?

— Você vai simplesmente fingir que nada aconteceu? O que foi isso agora há pouco?!

Eva deu a volta na cadeira e olhou debaixo da mesa, mas as figuras já haviam desaparecido, então ela não encontrou nada.

Decidi que, além de durão, eu também seria misterioso. Juntei as mãos e sorri de forma enigmática.

— Hmph, até eu tenho meus segredos.

— Bem... — Eva respondeu. — Eu sei disso...

Ela inclinou a cabeça para os lados e, depois de hesitar, assentiu, como se estivesse forçando a si mesma a aceitar a situação. Deixando o assunto de lado, limpou a garganta.

— Parece que recebemos um bom número de cartas da nobreza. Se puder dar uma olhada...

O rosto de Eva ficou tenso.

Sobre minha mesa, havia uma miragem idêntica a mim que não estava lá um momento antes. A miniatura ergueu os braços como se esperasse que ela colocasse as cartas sobre sua cabeça. Lentamente, os olhos de Eva subiram de volta para mim.

Dei-lhe um aceno e, com cuidado, ela colocou os envelopes sobre a miragem—que foi esmagada sob o peso.

O rosto de Eva perdeu toda a cor no mesmo instante, e ela rapidamente ergueu as cartas, mas, naturalmente, não havia mais nada. Era como se a figura não passasse de uma miragem... e, na verdade, era exatamente isso.

— Hã? Uhh? O que—

— Ah, não se preocupe com isso. Agora, e essas cartas?

Eva parecia confusa, algo raro para ela. Respondi com um sorriso tranquilo.

Isso vai ser muito divertido...

***

Elas estavam no distrito decadente do sudoeste. Em um canto de uma rua onde nenhuma pessoa respeitável ousaria andar, Liz estalou a língua, irritada.

— Aaaah. Hah. Esse é o problema com sindicatos mágicos, eles se recusam a encarar você de frente...

— A maioria dos sindicatos mágicos sobrevive sendo cautelosa. Embora eu ache que a Torre Akáshica ainda estava um nível acima nesse quesito...

A resposta veio de uma pessoa com um capuz que escondia a maior parte do rosto. Era Sitri Smart.

As duas irmãs estavam seguindo pistas conflitantes obtidas durante o leilão para rastrear os remanescentes da Torre Akáshica. O golem produzido pelo sábio desgraçado Noctus Cochlear era uma arma revolucionária e chamou a atenção de outros laboratórios da Torre Akáshica. Não havia dúvida de que os bandidos que invadiram o depósito do leilão estavam atrás do golem. Eles não roubaram nada, mas isso foi porque Sitri não perdeu tempo em recuperá-lo assim que o lance final foi dado.

Elas investigaram quem havia dado lances contra elas, como o golem saiu do Departamento de Investigação de Relíquias e foi parar no leilão e, por fim, investigaram qualquer pessoa que tivesse tido contato com o vencedor do golem—Greg.

Liz e o resto dos Grieving Souls estavam acostumados a lidar com criminosos. Eles já haviam enfrentado grupos fantasmas e essa não seria a primeira vez que esmagariam uma organização criminosa ou um sindicato mágico. Mas esse inimigo fazia seus adversários anteriores parecerem brincadeira de criança.

Para começar, poucas pessoas tinham influência suficiente para fazer negócios com o Departamento de Investigação de Relíquias. Isso significava que quem quer que fosse o inimigo delas, estava conectado com figuras poderosas.

Ajoelhados diante de Liz estavam três homens, todos com corpos claramente forjados em batalha. Mesmo por baixo das armaduras gastas, emanavam uma presença avassaladora, típica daqueles que haviam absorvido grandes quantidades de material mágico. Jogados ao lado deles estavam adagas e lâminas de alta qualidade, pintadas de preto. Novas armas desse nível podiam custar mais de dez milhões de gilds.

A capital imperial era o paraíso dos caçadores, mas, onde há luz, também há sombras. Liz seguiu os rastros mais tênues até chegar a esses caçadores fracassados. Eles eram ladinos obscuros que realizavam trabalhos discretos de legalidade duvidosa e eram especialistas em combates contra humanos. Eram mais fortes que a média dos caçadores e, ocasionalmente, causavam problemas para a Associação de Exploradores.

Mas, na visão de Liz, eles não passavam de fracassados. Para ela, eram perdedores que esqueceram o verdadeiro propósito de ser um caçador e escolheram caçar humanos fracos em vez de enfrentar monstros, fantasmas e Relíquias repletas de armadilhas. Não era que Liz tivesse escrúpulos em atacar os fracos—ela simplesmente não temia covardes que só lidavam com presas fáceis.

Os três atacantes estavam com as mãos amarradas nas costas e sacos de papel cobrindo suas cabeças. Seus rostos não eram visíveis, mas seus corpos tremiam de nervosismo e o cheiro de suor e sangue impregnava a viela estreita.

Eles eram mercenários experientes, treinados para nunca baixar a guarda, mas Liz os derrotou sem dificuldades. Encontrá-los foi a parte mais difícil. No entanto, depois de capturá-los com muito, muito cuidado—ela não podia deixar que morressem antes da hora—, Liz conseguiu informações inesperadas.

Os mercenários não sabiam nada sobre seu contratante. Haviam sido contatados por carta e pagos adiantado. Se tivessem conseguido roubar o item em questão, talvez seu cliente tivesse se revelado, mas agora já era tarde demais para Liz e Sitri mudarem seu plano de ataque.

Os mercenários pareciam estar dizendo a verdade. Sitri usou uma poção ilícita que os forçou a falar, e eles entregaram seus nomes, parentes, histórico de trabalho e muito mais. Não pareciam ter qualquer resistência a esse tipo de substância.

Depois de dias de investigações infrutíferas, Liz estava perdendo a paciência.

— E você não sabe de nada, mesmo tendo trabalhado com aquela turma? — resmungou para Sitri.

— Fomos completamente isoladas dos outros laboratórios, e eu não pude ficar lá tanto tempo quanto planejei... — respondeu Sitri, com uma expressão preocupada.

A Torre Akáshica era construída sobre o sigilo. Fundamentamente, todos os sindicatos mágicos eram reservados, mas a Torre Akáshica levava isso ao extremo.

Magos rejeitados por um motivo ou outro seguiam suas próprias pesquisas isoladas; sem contato entre si, não tinham como saber nada sobre os outros laboratórios. A coordenação entre eles era feita por especialistas que garantiam que cada um soubesse apenas o necessário sobre suas próprias operações.

Como primeira discípula de Noctus Cochlear, Sitri participou de vários projetos de pesquisa, mas nunca saiu do laboratório. Seu plano era, eventualmente, se conectar com os outros laboratórios, mas a necessidade disso desapareceu diante das instalações, do orçamento e da grandiosidade do laboratório de Noctus.

Se Krai não tivesse ordenado seu retorno, ela ainda estaria lá, trabalhando alegremente. Se soubesse que as coisas terminariam assim, teria coletado informações aos poucos. Noctus talvez soubesse de algo, mas ele perdeu a memória e agora estava na prisão. Não havia muito que Sitri pudesse fazer nesse caso.

Elas estavam lidando com uma organização gigantesca, considerada inimiga do mundo há muito tempo. Liz e Sitri eram fortes, mas sua força não era do tipo certo para enfrentar esse inimigo. Estava claro que a Torre Akáshica tinha suas garras cravadas nas camadas mais altas de Zebrudia. Investigar e apresentar provas não seria suficiente.

Se eles iam lidar com pessoas com conexões em altos escalões, Liz e Sitri não poderiam mais considerar a lei sua aliada. Não que houvesse qualquer prova que pudessem encontrar.

Liz soltou um bocejo felino.

— Estou cansada disso. Vamos desistir? — disse ela, indiferente. — Estamos perdendo tempo, e Greg está seguro. Provavelmente seguro. Não tenho tempo a perder com covardes. Temos o golem, então, quem liga para o que acontece depois?

Deixando a força de lado, um sindicato mágico com amigos influentes parecia apenas uma grande dor de cabeça. Se não fossem meticulosas, isso poderia voltar para assombrá-las e, francamente, Liz simplesmente não estava interessada. O risco e a recompensa não combinavam.

— Puxa, Lizzy, você perde o interesse rápido demais!

— Se você quer novos materiais, temos três pessoas bem aqui. Não pode simplesmente usá-los?

Liz fez um gesto na direção dos três mercenários capturados. Sitri franziu a testa e protestou.

— Como vamos transportá-los?! Vamos chamar atenção se os carregarmos até o laboratório. Além disso, para meu próximo experimento, eu quero Magi—

— Pouco me importa. Não pode simplesmente capturar uns Magi quando precisar?

— Hã? Lizzy, você não conhece as regras da guilda?

Os Grieving Souls tinham três regras. Todo mundo se dár bem. Nada de ferir os normies. Democracia; se houver diferença de opinião, decida por votação (o líder da guilda tinha cinco votos, a propósito).

Elas eram um tanto prudentes demais, mas Sitri as considerava sensatas. Enquanto aquela segunda regra existisse, ela não poderia tocar nos normies. Mesmo quando fazia parte da Torre Akáshica, nunca havia participado diretamente dos experimentos humanos realizados com pessoas sequestradas do distrito decadente. Ela deixava isso para os outros discípulos. Isso levou seu mentor, Noctus, a considerá-la fraca, mas Sitri não teve escolha a não ser aceitar.

Das laterais da estrada e das janelas, os moradores observavam Liz e Sitri com olhares nublados. Enquanto Sitri parecia perdida em contemplação, Liz bateu as mãos, animada; teve uma ideia genial.

— ...Tive uma ideia! Não quero muito, mas que tal pedirmos ajuda para o Krai Baby?

Sitri não soube o que dizer.

— Tá tudo bem — continuou Liz. — O Krai Baby é gente boa, aposto que já sabia que isso ia acontecer. Se você tem medo de pedir, eu peço! Assim não perdemos tempo, eu passo um tempinho com ele e a Tino ganha um pouco de treino. Perfeito! Questão resolvida!

Sem esperar uma resposta de Sitri, Liz chegou à sua própria conclusão e cruzou os braços, confiante.

Sitri olhou para a irmã e começou a pensar.

Incomodar Krai era algo que ela queria evitar a todo custo, mas, no ritmo atual, a investigação não levaria a lugar nenhum. Sem falar que já tinha causado bastante problema para Krai desde que se tornou uma caçadora. Ela recorria a ele para pedir conselhos há muito tempo, e já tinha passado do ponto de se preocupar com incomodá-lo um pouco mais.

Ela refletiu um pouco, mas não conseguiu pensar em uma ideia melhor. No fim, chegou à mesma conclusão que Liz. Isso acontecia bastante, mesmo quando suas opiniões divergiam no início.

Quando percebeu o que Sitri estava pensando, Liz ficou ereta e apontou para os três cativos.

— E o que vamos fazer com esses caras?

— Mmm, não podemos levá-los para casa...

Eles estavam amarrados, drogados com um soro da verdade e cobertos de ferimentos, mas, com o tempo, seus corpos se recuperariam. Já seus corações... eram outra história. Para falar a verdade, Sitri não se importava. Seu laboratório ficava longe e havia riscos demais em levá-los para lá. Eles tinham feito inimigos daqueles três, mas para os Grieving Souls, o que eram três a mais neste ponto? Sitri levou um dedo aos lábios e piscou algumas vezes.

— Se matarmos eles e deixarmos os corpos, as pessoas vão se juntar e, até amanhã, nem um pedacinho dos ossos deles vai sobrar...

— Hmmm, então vamos com essa opção?

Elas falavam com a naturalidade de quem discutia planos para o jantar. Os cativos certamente ouviram isso; sua respiração ficou mais ofegante. Haviam empalidecido, mas Sitri não conseguia ver por causa dos sacos de papel.

A indiferença de Sitri e Liz deixou claro uma coisa para os cativos: suas vidas não valiam nada para aquelas duas. Elas eram pessoas que podiam matar sem hesitar. Os três começaram a tremer, até que a voz de Sitri soou como uma revelação.

— Ah, espera, Lizzy. Em vez de matá-los, podemos transformá-los em nossos capangas! Estou procurando alguns subordinados acostumados a sujar as mãos. Eles não são bons o suficiente para fazer outro Matadinho, mas é melhor reciclar do que jogar fora, não acha?

— Hã? Capangas? O que eu vou fazer com capangas fracotes?

— Bom, então eu fico com os três! Ah, mas espera, preciso perguntar a opinião deles. Se não estiverem interessados em virar capangas, vou ter que descartá-los... — Sitri fez uma pausa, pensativa. — Mas Krai não parece aprovar matar...

Sitri se aproximou dos três cativos e tocou gentilmente o pescoço exposto de um deles. Ela achou que ouviu alguém prendendo a respiração. Os sacos de papel não eram como o que Matadinho usava; eram apenas sacos de papel imundos, sem buracos para os olhos.

Respirando calmamente, Sitri fez a pergunta.

— Ei, vocês três, que tal virarem meus capangas? Podem continuar trabalhando como mercenários. Claro, não vou forçar ninguém, só se estiverem a fim.

— Hein, quem é que ia querer ser seu capanga, Siddy? Nada de bom espera por vocês nessa vida, talvez seja até melhor estar morto. Não é? Ei, respondam, bando de inúteis!

***

Um homem careca me olhou com desdém. Mesmo com a pacificadora Kaina ao lado dele, sua presença não era o suficiente para equilibrar a fúria do homem. Eu sabia que essa postura era necessária para que os caçadores o levassem a sério. Sabia que Gark não queria realmente parecer que estava me encarando com raiva. Mas eu era um covarde que não conseguia evitar recuar diante dele.

Fazia um tempo desde que a Associação dos Exploradores tinha me abordado. Gark era o gerente da filial da Associação na capital, o que significava que ele era um homem extraordinariamente ocupado. Eu não conseguia imaginar um único bom motivo para ele vir até a casa do clã só para falar comigo. Também tinha algumas palavras a dizer para Eva, que levou meu arqui-inimigo diretamente até mim.

Fui colocado na sala de recepção do prédio da Associação e passei alguns minutos sendo alvo de um olhar que poderia matar um fantasma. Gark lentamente abriu a boca e começou a falar com sua voz intimidadora de sempre.

— Então, Krai, ouvi dizer que você foi arrumar briga com a Casa de Gladis?

— Não — eu disse. — Não foi uma briga.

Ainda assim, eu já estava pronto para me ajoelhar.

— Senhor, parece que trouxe Krai aqui apenas para repreendê-lo — Kaina interveio, em tom repreensivo.

Oh, parece que me chamaram aqui por outro motivo. Que surpresa.

Eu estava acostumado demais a ser repreendido e Gark estava acostumado demais a repreender os outros. Parecendo um pouco desconfortável, Gark pigarreou.

— Não se trata disso. Gladis nos enviou uma nota de agradecimento. É para você e para Ark.

Eu não sabia por que estava recebendo uma nota de agradecimento, mas se era para mim e para Ark, então deveriam ter chamado Ark. Eu, infelizmente, estava muito ocupado. De verdade, estava. Produzir miragens era uma arte profunda.

Preciso voltar para casa e continuar praticando minha miniatura da capital imperial—

— Outra coisa, junto com a nota de agradecimento veio uma missão nomeada endereçada a você. Uma missão nomeada do conde, apesar de seu desgosto por caçadores. O conteúdo da missão não parece ser um passeio no parque, mas o pagamento compensa. Acho que é um teste tanto da sua força quanto da sua etiqueta. Aceite.

Uma missão nomeada era uma missão designada para um caçador ou equipe específicos. Receber uma missão nomeada era uma prova de que um caçador havia se tornado famoso, era confiável ou tinha força reconhecível. Essas missões tendiam a ser difíceis, mas pagavam quantias generosas e, dependendo do cliente, podiam até trazer prestígio.

Quando recebi minha primeira missão nomeada, todos me parabenizaram. Eu, é claro, recusei a missão porque parecia perigosa.

Essa era uma missão formal feita por meio da Associação dos Exploradores. Como o cliente era um nobre, eu precisava escolher bem minhas palavras. Com uma expressão séria, confirmei o mais importante.

— E essa missão pode ser aceita por qualquer um?

— Você enlouqueceu? — Gark disse.

Era uma missão de um nobre que desprezava caçadores. Provavelmente, essa era uma chance para a Associação mostrar ao Conde Gladis o quão úteis os caçadores podiam ser, mas eu não queria fazer parte disso. Eu não precisava ouvir o conteúdo da missão para saber que estava além do que eu poderia tolerar. Além disso, uma missão como essa só poderia ser um incômodo para alguém que queria se aposentar da caça ao tesouro.

Fingi pensar seriamente e então recorri às minhas táticas de sempre.

— No momento, apenas dois outros do meu grupo estão disponíveis — disse a Gark. — Não é que eu não queira aceitar essa missão nem nada, mas não seria melhor deixar isso para Ark?

Tentei avaliar a reação de Gark enquanto falava. Ele soltou um suspiro profundo e, atrás dele, Kaina deu um sorriso aflito.

Quando Gark falou, foi com uma voz mais calma do que eu esperava.

— Você deveria aceitar essa missão. Krai, você não aceitou uma única missão neste período, não foi?

— Ah, minha cota? Já chegou essa época?

— Isso não é brincadeira.

Caçadores pertencentes à Associação dos Exploradores precisavam cumprir uma cota ajustada de acordo com seu nível. Eles podiam explorar cofres de tesouro, exterminar monstros poderosos e fantasmas ou completar missões trazidas por terceiros. Se falhassem sucessivamente em cumprir essas cotas, seriam desqualificados como caçadores e expulsos da Associação dos Exploradores.

Inicialmente, essas cotas foram implementadas simplesmente para evitar a proliferação de "caçadores apenas no nome"—pessoas registradas como caçadores, mas que não se envolviam em atividades relevantes.

As cotas eram baixas o suficiente para que o caçador médio nem precisasse se preocupar com elas. Exceções eram feitas para aqueles com ferimentos ou outros motivos válidos para uma pausa. Mesmo que alguém falhasse uma vez em cumprir sua cota, bastava compensar no próximo período. Como resultado, muitos caçadores simplesmente esqueciam que esse sistema existia.

No entanto, esse sistema era um inferno para pessoas que não realizavam missões; pessoas como eu. Como líder, eu acumulava prestígio automaticamente pelas ações de Primeiros Passos e Grieving Souls. As cotas, no entanto, só podiam ser cumpridas com atividades pessoais.

A dificuldade de uma cota era baseada no seu nível. Franzi a testa e tentei lembrar, mas não fazia ideia de qual era minha cota.

Certo. Provavelmente nunca soube em primeiro lugar.

— Quantos períodos já se passaram? — perguntei.

— Três períodos, seu idiota! Droga, Krai, você vai ser expulso!

Um período era meio ano, então, segundo meus cálculos, fazia um ano e meio que eu não fazia nada.

Agora que penso nisso, lembro de ter tido essa mesma conversa seis meses e um ano atrás.

— Não achamos que você esteve ocioso — Kaina disse com um sorriso preocupado. — Mas, para quem vê de fora, você é o único caçador que não aceita missões...

— Não precisa se desculpar com ele, Kaina. Se ele quer passar todos os seus méritos adiante, isso é problema dele.

Mas eu estive ocioso, pensei.

Por exemplo, a coleta de carcaças no Covil do Lobo Branco foi feita por Tino e seu grupo, e foi Sven e seu grupo que investigaram a anomalia. Por que eu tentaria assumir o crédito depois de ter repassado essas missões para os outros?

Além disso, missões frequentemente tinham recompensas definidas antecipadamente; minha participação apenas diminuiria o valor recebido pelos outros caçadores. Eu era tecnicamente um Nível 8, o que significava que meu pagamento seria alto, reduzindo ainda mais o valor das recompensas dos outros.

Se eu pudesse simplesmente me registrar para uma missão com outros caçadores sem diminuir o pagamento deles, eu faria isso, mas esse não era o caso. Eu entendia que era um ser humano inútil; empurrava missões para os outros, me afundava em dívidas e deixava a administração do clã nas mãos da Eva. No entanto, não era tão descarado a ponto de cortar uma parte do pagamento de outra pessoa.

— Seria inédito um nível 8 ser expulso por não atingir a cota. Então isso não parece uma boa chance para evitar que isso aconteça? E eu sei que, se não tivéssemos te chamado aqui, você nunca viria por conta própria.

O próprio Gark me trouxe até o prédio da Associação. Fala sério, que tratamento VIP.

Me desculpem por todo o problema que eu sempre causo.

Ainda assim, eu não tinha a menor motivação para fazer isso. Para falar a verdade, ser expulso da Associação dos Exploradores não me incomodaria nem um pouco. Mesmo que eu fosse começar a aceitar missões, faria missões mais fáceis, não essa missão nomeada do conde. Além disso, eu tinha a ilusão ingênua de que, mesmo que não atingisse minha cota, Gark daria um jeito de encobrir isso.

É, eu sou um caso perdido.

Alguém, por favor, faça um pedido para recriar uma miniatura da capital imperial usando miragens.

— Mmm, na verdade, eu estou cheio de coisas para fazer agora.

— Ah, Krai, você sempre está cheio de coisas para fazer — comentou Kaina.

— Ah? E no que você está enrolado desta vez? — perguntou Gark. Seus lábios se curvaram e suas bochechas se contraíram; era um sorriso intimidador.

Esse sorriso... Ele sabe que estou mentindo.

Olhei para o calendário na parede. Ainda faltavam três meses para o fim do período. De qualquer forma, mesmo na remota possibilidade de eu aceitar uma missão, não poderia ser uma de um nobre; falhar não era uma opção quando se tratava deles. Não havia nada que eu pudesse fazer sozinho, então precisava ganhar tempo até o resto dos Grieving Souls voltar.

Eu tinha acabado de conseguir uma Relíquia divertida, e aí essa dor de cabeça aparece. Olhei para a xícara de chá à minha frente, engoli seu conteúdo insípido de uma vez e então soltei algumas palavras igualmente sem graça.

— Bem, ainda há tempo, e eu tenho meus próprios planos. Vou ver se consigo encaixar isso na minha agenda.

— Essa é uma missão importante. Você tem uma semana para decidir. Se não vier até mim até lá, eu irei até você. Certo, por ora, vou te entregar o arquivo que recebemos da Casa Gladis — disse Gark.

— Não preciso dele agora. Venho buscar quando estiver pronto.

Eu tinha aliados em quem podia confiar. Não me orgulhava disso, mas podia me humilhar diante do Ark para convencê-lo a me acompanhar em uma missão. As regras da Associação dos Exploradores tinham suas brechas; eu sabia que podia dar um jeito na cota. Meu problema era como me livrar da missão nomeada que o Conde Gladis teve a gentileza de me mandar.

— Ah, é mesmo — disse Gark. — Esta é a primeira vez que o Conde Gladis emite uma missão nomeada. Planejamos enviar um membro da Associação para dar suporte. Eles farão de tudo para não atrapalhar. Está bem para você?

— Mmm, sim, tudo bem. Mas eu tenho muita coisa para fazer e ainda não decidi se vou aceitar a missão.

Eu não era bom em lidar com nobres. Nada seria mais reconfortante do que ter um profissional junto.

Ainda assim, eu nem tinha começado e já estava exausto. Decidi que voltaria para meu quarto e brincaria com a Mirage Form enquanto tentava bolar um bom plano.

Enquanto atravessava o saguão do prédio da Associação, girei os ombros, que estavam rígidos de tanta tensão. Por conta do horário incomum, havia poucas pessoas no saguão, que geralmente era movimentado.

Quando cheguei à capital, o prédio da Associação parecia um lugar intimidador, mas depois de cinco anos, eu já tinha me acostumado.

Havia o quadro de missões — dei uma olhada de relance ao passar.
Havia o quadro de notícias — dei uma olhada de relance ao passar.
Havia o quadro de recompensas — dei uma olhada de relance ao passar.

Eu já sabia que não havia nada que pudesse fazer para cumprir a cota de um nível 8 sozinho. Andei pelo saguão e verifiquei em frente ao balcão, na mesa de avaliação e na biblioteca, mas ainda assim não encontrei o que procurava. Soltei um suspiro profundo.

Eu estava procurando proteção. Mais especificamente, caçadores com a marca Primeiros Passos que pudessem me ajudar. Como regra geral, eu não gostava de sair sozinho. As ruas entre a Associação dos Exploradores e a casa do nosso clã eram sempre movimentadas, e era praticamente garantido que eu não seria atacado nesse trajeto. Mas ainda assim, eu não queria arriscar.

Sempre que saía da casa do clã por conta própria, encontrava um guarda-costas razoável e arranjava uma justificativa plausível para levá-lo comigo. Em outras palavras, eu só saía quando tinha proteção.

No entanto, depois de ser arrastado para a Associação pelo Gark, não tinha outra escolha a não ser voltar para casa sozinho. Na ida, tudo bem, porque Gark estava comigo, mas na volta eu teria que enfrentar o caminho sozinho. Claro, eu estava equipado até os dentes com Relíquias, mas isso era mais um efeito placebo do que qualquer outra coisa.

— Puxa vida, eu queria que o Gark parasse de me chamar tão de repente. Nem era tão urgente assim — resmunguei. — Eu sei da minha cota, ele não precisava me lembrar.

Balancei a corrente na minha cintura e espreitei pela porta do saguão para ver o mundo lá fora. Em frente ao prédio da Associação, havia uma rua larga o suficiente para várias carruagens passarem. Carros de mercadores iam e vinham, pedestres apertavam os olhos sob o sol brilhante. Ninguém parecia estar sentindo a mesma inquietação que eu.

A paisagem aliviou um pouco da minha tensão. Era estranho para um caçador — o que eu tecnicamente era — estar tão nervoso quando até mesmo os civis estavam tranquilos.

Acho que não tenho escolha. Com certeza, nada vai acontecer.

Estufei o peito e coloquei uma expressão serena antes de reunir coragem e dar um passo confiante para fora.

Dentro de Zebrudia, ser um caçador de alto nível trazia um certo prestígio. O termo "caçador" abrangia um grupo de pessoas com funções, experiências e especializações extremamente variadas. Ainda assim, caçadores de Nível 5 ou superior eram considerados de primeira linha e costumavam ser procurados por países, nobres, grandes empresas comerciais e afins. Quanto maior o nível, maior a influência que podiam exercer.

Caçadores a partir do Nível 5 também começavam a atrair fãs. Isso incluía pessoas como Ark, descendente de heróis, mas até mesmo alguém tão violento quanto Liz tinha seus admiradores. Na era dourada da caça ao tesouro, caçadores eram tanto guerreiros quanto uma espécie de ídolos.

Essa fama era uma das muitas coisas que podiam trazer riqueza e honra a um caçador. Por outro lado, eu, que tinha me tornado um Nível 8 por meio de circunstâncias misteriosas, praticamente não tinha fãs. Isso porque, assim que percebi que estava começando a chamar atenção, senti o perigo e passei a esconder meu rosto o máximo possível.

Embora meu rosto nunca tenha saído no jornal, não era como se eu pudesse evitar que absolutamente todos soubessem minha aparência. Havia algumas pessoas que me reconheciam, mas, no geral, a verdadeira identidade do Mil Truques permanecia desconhecida. Os outros dois Nível 8 na capital estavam entre aqueles que não sabiam como eu era, algo que poucos caçadores de alto nível poderiam dizer.

Tudo isso era para evitar os inimigos que vinham com a posição de caçador de alto nível. Isso incluía maníacos sedentos por sangue como Luke, que desafiavam qualquer um para um duelo assim que descobriam que eram fortes. Também incluía criminosos que guardavam rancor porque seus comparsas haviam sido capturados por caçadores.

Havia organizações criminosas especializadas em roubar as Relíquias dos caçadores e parasitas querendo se aproveitar da fama deles. Eu poderia passar o dia inteiro listando os inimigos que um caçador podia fazer e, ao contrário de outros caçadores de alto nível, eu não tinha força para lidar com essas encrencas.

Quem poderia me culpar por esconder meu rosto e andar com um guarda-costas ao sair de casa? Eu equipava o máximo de Relíquias que conseguia e evitava ruas pouco movimentadas sempre que possível. Podiam me chamar de covarde, mas duvido que alguém entenderia minha situação.

Com extremo cuidado, segui para a sede do clã. Eu queria esconder meu rosto, mas, nessas circunstâncias, isso só me faria chamar ainda mais atenção. Infelizmente, ainda não estava no ponto de poder usar a Forma de Miragem para disfarçar minha aparência. Com a Face Reversível, isso teria sido possível desde o começo, mas o problema não era a força da Relíquia, e sim suas limitações.

Felizmente, ninguém olhava para mim. Quando se tratava de parecer um civil comum, eu era insuperável. Liz certa vez me disse:

— Você é incrível, Krai Baby, é quase como se fosse uma pessoa normal!

Era esse o meu nível. Claro, minha quantidade de mana materializada era praticamente inexistente, e eu não tinha nenhuma postura de guerreiro.

E isso porque eu não era um guerreiro.

Enquanto pensava nessas bobagens, seguia pela rua quando, de repente, senti uma mão pousar no meu ombro por trás.

Um calafrio percorreu minha espinha, e eu me virei lentamente.

— Krai, faz tempo.

— É, faz um tempo.

A pessoa educada atrás de mim era um jovem efeminado de olhar gélido e cabelos azuis. Parecia ter a mesma idade ou um pouco menos que Tino. Vestia-se como um civil, sem equipamentos de proteção visíveis ou armas. Isso só tornava seu olhar penetrante ainda mais inquietante.

Mas mais do que sua aparência, algo me incomodava.

Quem é você?, pensei.

— Desculpe incomodar assim do nada. Me dói dizer isso depois de tanto tempo sem falar com você, mas há algo que eu gostaria de discutir.

Quem é você?

Sem pensar direito, acabei dizendo "faz um tempo", mas não fazia a menor ideia de quem era essa pessoa. Já mencionei antes, mas são poucas as pessoas de quem eu consigo lembrar o nome e o rosto ao mesmo tempo. No entanto, duvido que ele seja um membro do Primeiros Passos. Por alguma razão, havia uma regra no nosso clã de que eu precisava conhecer pessoalmente cada novo recruta.

O fato de eu não saber o nome dele não era tão estranho, mas eu tinha dificuldade em acreditar que esqueceria um rosto. Pelo que parecia, eu o conhecia de alguma forma, e não parecia um caso de identidade trocada.

Será que ele era um fã meu...? Imediatamente descartei essa ideia. Ele tinha um rosto delicado e olhos frios como gelo. Era um homem bonito com uma aura gélida—definitivamente não o tipo de pessoa que se juntaria ao nosso grupo.

Quem é você?

— Considerando o momento, imagino que já tenha uma ideia do motivo de eu estar aqui...

Quem é você?

Decidi abrir um sorriso tranquilo, apesar da confusão, enquanto o jovem continuava falando. Bem que ele podia se apresentar... ou, pelo menos, usar um crachá como a Chloe.

Você acha que eu vou lembrar de você? Mal lembro dos membros do meu próprio clã.

— Sei que o Gark te chamou para tratar de negócios, então não vou tomar muito do seu tempo. Se puder apenas vir comigo—Krai?

— Ah, entendi — falei. — Que coincidência. Eu estava justamente pensando que precisava te encontrar também.

O jovem pareceu surpreso.

Eu havia decidido sorrir e entrar no jogo 100%. Eu não tinha ideia de quem ele era, mas ele não parecia alguém que simplesmente aceitaria um "não" e iria embora. Não tinha como eu admitir que não lembrava do nome dele.

Se eu fosse tão audacioso quanto a Liz, poderia simplesmente dizer na cara dele que não me lembrava, mas, infelizmente, sou um cara que sempre hesita. Também ajudava o fato de que eu não compartilhava da sede de sangue dela.

O jovem ficou ligeiramente desconcertado por um instante, mas logo retomou a postura fria.

— Eu devia imaginar que entenderia, Mil Truques. Bem, então, por favor, venha comigo. Esse não é o tipo de conversa para termos aqui em pé. Talvez um café próximo seja—

É agora!

Eu não estava totalmente contra acompanhar esse sujeito (pensando bem, estava sim), mas não tinha nenhuma intenção de ir sozinho, mesmo que fosse só para conversar, mesmo que ele fosse só um jovem desarmado!

Minha esperança era que ele falasse comigo enquanto eu ia para a sede do clã, onde eu teria proteção.

— Desculpe — falei. — Poderíamos passar na sede do meu clã antes? Fica logo ali—

De repente, um terceiro elemento entrou na conversa.

— Aí está você, Arty! Saiu correndo do nada! Hã? Você encontrou ele?!

Do outro lado da rua, uma garota de cabelos loiros como a luz do sol se aproximou. Tinha grandes olhos verdes e a pele sem uma única ruga. Sua roupa não era particularmente chamativa, o que me fez supor que ela não era uma caçadora.

E, claro, eu também não a reconhecia.

O jovem chamado Arty manteve sua expressão fria, mesmo após ouvir a voz animada da garota.

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 — Ah, Mary. Parece que Krai também estava nos procurando. Parece que ele vai vir conosco.

— Oh, muito obrigada, Krai! Fico tão feliz. Isso significa uma preocupação a menos para mim...

A garota chamada Mary colocou a mão no peito, aliviada.

Parecia que qualquer que fosse essa preocupação, agora seria minha também.

Não dava pra devolver?

Mary e Arty. Mesmo depois de ouvir seus nomes, eu ainda não fazia ideia de quem eram. Senti que ia vomitar.

Eu precisava dar um jeito de sair dessa situação o mais rápido possível.

Nos acomodamos em um café perto da casa do clã para conversar. Eu já tinha ido a esse lugar antes, durante um encontro com Chloe, e gostava bastante do bolo de libra com sabor de chá preto deles.

Decidi me confortar com o fato de que, pelo menos, eu não tinha sido sequestrado. Você pode achar que estou exagerando, mas já tinham me carregado para longe uma ou duas vezes antes. Pra piorar, como eu sempre oferecia pouca resistência, todos assumiam que eu tinha deixado isso acontecer de propósito. Mas que droga! Quem é que quer ser sequestrado?

Parece que eles estavam pagando os lanches, então, sem hesitar, pedi bolo e chá preto. Eu precisava comer algo doce para restaurar meu cérebro decadente. Pelo menos, queria tentar lembrar quem eram essas pessoas.

Depois de fazermos os pedidos, Arty estreitou os olhos.

— Ouvi dizer que você não é muito fã de doces.

Depois de uma breve pausa, respondi:

— Não é bom ser muito exigente.

Parece que minha imagem de durão está se espalhando.

Dei de ombros e disfarcei minha satisfação. O olhar já gelado de Arty ficou afiado como uma lâmina.

— Não há sentido em tentar negociar com alguém como você. Vou direto ao ponto: gostaríamos de solicitar sua ajuda.

Uuuh? Isso foi direto até demais, não faço ideia do que você tá falando.

Ainda completamente perdido, franzi a testa.

— A captura de Noctus Cochlear de fato te colocou um passo mais perto do Nível 9 — continuou Arty. — Você também tem o conde Gladis em sua dívida. Limpar os remanescentes te colocaria à frente dos outros Nível 8. No entanto, isso seria um pouco... precipitado. Não concorda?

Não fazia ideia.

— Inicialmente, a Torre Akashic era nossa presa — Arty continuou. — É possível que Gark esteja considerando trocar a velha guarda. Exceto que, comparado com os outros Nível 8, o que você mais carece é experiência. Não precisa me lembrar do crescimento constante dos Grieving Souls, mas mesmo levando isso em conta, não acho que você está pronto para o Nível 9.

— Você pode achar que alguém de outro clã não deveria estar apontando isso para você. No entanto, essa é a conclusão a que chegamos. Se continuar assim, seremos menosprezados.

— Ééé, aham.

Meu chá chegou, e eu tomei um gole. Delicioso.

Enquanto eu estava no modo total de fuga da realidade, Mary tentou desesperadamente interromper Arty.

— Arty, você está sendo muito confrontador...

— Isso precisava ser dito em algum momento, Mary — respondeu Arty. — Além disso, não acho que conseguimos negociar com o engenhoso Mil Truques.

Parecendo apreensiva, Mary tentou analisar minha expressão, mas eu estava completamente por fora da situação. O rosto de Arty estava tenso de nervosismo. Sorri e esperei pelo que quer que eles tivessem a dizer a seguir, mas mesmo depois de um longo silêncio, nenhuma palavra veio.

Bom, e agora?

Mesmo depois da explicação de Arty, só entendi metade do que ele disse. Ou melhor, eu entendi as palavras, mas parecia que estávamos pensando sob premissas diferentes.

Numa situação dessas, uma pessoa normal confirmaria cada ponto desconhecido um por um para esclarecer qualquer mal-entendido. No entanto, eu tinha cultivado habilidades de conversação que me permitiam manter um diálogo fluindo suavemente, mesmo sem entender sobre o que estávamos falando.

— Então, basicamente, Arty—

O rosto de Arty ficou rígido e seus olhos se contraíram.

Hã?! Mal falei alguma coisa e já pisei na bola?

Os lábios de Mary tremeram, como se ela estivesse segurando o riso. Fingi que não vi isso.

— Você quer que eu recue.

— Sim. Foi o que eu disse desde o início.

Não me lembrava de ter avançado em nada, mas decidi deixar pra lá. Pela minha experiência, essas situações sempre surgiam porque Liz fazia alguma coisa e eu acabava tendo que assumir a responsabilidade junto.

— K-Krai! — disse Mary, com a voz trêmula. — É verdade que ficamos esperando à toa. No entanto, ainda acho impróprio que você invada nosso território. Então, poderia parar?

Ela parecia estar tentando adivinhar o que eu estava pensando.

Cruzei as pernas, enfiei o garfo no bolo e assenti.

— Ééé, aham, vamos recuar.

— Oh? Sério?! Muito obrigada!

Cara, esse bolo tá bom demais.

Arty e Mary me olharam de olhos arregalados e se apressaram em abaixar a cabeça em agradecimento.

Como eu não tinha nada a ver com isso, recuar era perfeitamente aceitável para mim. Mas parecia que eu teria que me desculpar com Liz ou Sitri; isso já tinha acontecido várias vezes antes.

Ainda não entendo nada disso, mas quero ir pra casa logo.

— Poxa, desculpa por fazer vocês virem até aqui falar comigo — eu disse. — Mas, na real, não tenho muito interesse em alcançar o Nível 9 ou nesses tais... remanescentes? Agora, esse bolo de libra, sim.

Eu já estava cansado de ser arrastado para situações que não entendia. Pelo que parecia, Arty e Mary eram caçadores de recompensas ou caçadores de relíquias, mas eu era o líder dos Grieving Souls só no nome e não acompanhava de perto suas ações.

Se têm reclamações, deviam levá-las diretamente para— Não, pensando bem, tá ótimo se quiserem reclamar comigo.

Com seu objetivo cumprido, Arty e Mary pareceram relaxar um pouco.

Aproveitei a oportunidade para tentar deixar claro que eu era inofensivo.

— O Gark só me chamou porque não ando cumprindo minha cota. Acho que vocês entenderam errado.

— Cota?

— E-Er, não é como se eu estivesse enrolando. Só não têm surgido missões boas.

Se ao menos eu pudesse cumprir minha cota coletando ervas medicinais...

Arty e Mary trocaram olhares, confusos.

Eu não sei onde você aprendeu meu nome e rosto, mas posso garantir que não sou o tipo de pessoa que você pensa que sou.

A confusão do leilão havia se acalmado, e eu só queria descansar um pouco. Soltei um grande bocejo, e Arty de repente se levantou com uma expressão sombria. No exato mesmo momento, uma sombra entrou no meu campo de visão.

— Precisa de alguma coisa? — Arty perguntou.

— Silêncio. Não vim falar com você.

Bem atrás de mim, ouvi uma voz muito familiar. Primeiro Arty havia se esgueirado até mim, agora isso; parecia que minha capacidade de detectar pessoas estava pior do que nunca. Com movimentos treinados, caçadores cercaram nossa mesa. Diferente de Arty e Mary, esse grupo estava equipado com armaduras e carregava armas.

Os outros clientes do café prenderam a respiração ao ver os intrusos repentinos.

De cima de mim, ouvi uma voz rouca.

— Faz um tempo, Mil Truques. Você realmente nos fez de idiotas outro dia.

— Quem é você? — perguntei.

— Vocês, de nível 8... Droga. Parece que não têm uma preocupação no mundo.

Desculpa. Eu sei quem você é. É claro que sei quem você é.

O homem atrás de mim era nível 7, e os que cercavam nossa mesa eram membros da Névoa Caída— as pessoas com quem negociamos no leilão. Eu tinha a impressão de que nossas negociações haviam terminado de forma amigável, mas, por algum motivo, todos estavam me encarando com o rosto vermelho de raiva.

Será que fiz algo para merecer esses olhares? Me perguntei.

Afinal, no fim, a máscara foi para Éclair, mas isso não foi culpa minha, e esses caras deveriam saber disso.

Virei a cabeça para cima e olhei para o dono da voz. Arnold tinha a expressão de um demônio. Seus olhos ardiam com ódio. Seus grandes braços expostos, várias vezes o tamanho dos meus, tremiam como se estivessem ansiosos para liberar sua força a qualquer momento.

Isso parece ruim. Isso parece muito ruim. Não tenho espaço para negociar, nem para me curvar.

— Nível 8. Você pode estar um nível acima de nós, mas não vamos aceitar aquela última humilhação calados — disse Arnold.

— Tínhamos um acordo — falei. — Aceitarei seu desafio assim que você derrotar o resto do meu clã.

Espera. Não me diga que ele já os derrotou...

Se derrotou, eu me rendo. Se não derrotou, eu ainda me rendo.

— Cala a boca! Que se dane o acordo!

Que bruto.

Não que ele tivesse demonstrado a compostura que se espera do seu nível durante nossas negociações. Me ocorreu que, se as coisas ficassem violentas, eu poderia ser banido do café, e isso significaria perder um lugar de descanso. Tentei desesperadamente acalmar Arnold.

— Ei, calma, calma. Sim, já estivemos em lados opostos antes, mas fizemos as pazes depois, não fizemos?

— Você... Você tem muita coragem para estar tão calmo!

Do que ele está tão bravo?

Arnold tinha uma expressão bestial e parecia estar lutando contra sua própria fúria.

— Aquelas mulheres — disse ele. — Elas não estão com você hoje?

— Poderia esperar enquanto eu as chamo? — perguntei.

— Claro, e quando elas chegarem, vão te encontrar à beira da morte.

Ah, qual é. Será que Liz ou uma das outras fez algo?

Os comparsas de Arnold sacaram suas armas ao mesmo tempo, sem se importar com a atenção que estavam atraindo. Meu coração batia tão forte que doía. Eu estava pronto para levantar a bandeira branca. Não conseguia pensar em nenhuma maneira de virar a situação. Eu nem tinha o feitiço de estoque de emergência que Lucia havia preparado para mim.

Espera um minuto.

Me lembrei de algo: o Manifesto de Aspiração que Sitri me deu tinha algum tipo de magia embutida. Essa Relíquia podia ser carregada com um feitiço, mas não havia como confirmar a natureza do feitiço depois de armazenado. Ela tinha um cristal que indicava se era um feitiço ofensivo ou algo do tipo, mas nada além disso.

O cristal desta brilhava com um tipo de névoa negra. Quando produzidas por um cofre do tesouro, as Relíquias Manifesto de Aspiração não deveriam vir com feitiços já armazenados, então esse feitiço deve ter sido inserido posteriormente.

Eu não perguntei onde Sitri conseguiu isso, mas ela esteve no Palácio Noturno não faz muito tempo. Se foi lá que conseguiu, então esse feitiço provavelmente veio de Lucia. Pelo que parecia, não era a Ordem do Tirano, o feitiço que eu havia usado antes em Arnold e sua gangue, mas eu presumi que fosse algo bem poderoso.

Eu estava usando vários Anéis de Segurança. Mesmo um caçador de nível 7 provavelmente não conseguiria atravessar todos antes que eu liberasse o feitiço armazenado.

Tomei minha decisão, soltei um pequeno suspiro e olhei para Arnold, que estava bravo por algum motivo.

— Não estou muito a fim de lutar — falei. — Você me deixaria ir se eu me curvasse?

— O quê? Você tá brincando?!

— Esqueceu o que aconteceu da última vez? Se eu liberar meu poder aqui, pode causar um certo estrago.

Eu não conseguiria vencer nem um dos capangas de Arnold, mas isso não importava no momento. Mas eu não estava mentindo quando disse que não queria lutar. Seria mais correto dizer que eu não estava nem um pouco preparado para lutar. Eu era um pacifista, sem mencionar que nem sabia o que o feitiço fazia. Era possível que os efeitos do feitiço se estendessem até a sede do clã.

Eu mantinha uma expressão tranquila, mas, na verdade, queria vomitar. Eu só queria ficar fora do caminho, por que essas coisas continuavam acontecendo comigo?

Enquanto eu permanecia ali, abatido, Arnold se aproximou de mim. No entanto, depois de nos observar em silêncio, Arty se levantou e bloqueou o caminho de Arnold.

— Você aí, ouvi direito quando disse que deixaria nosso convidado à beira da morte? — perguntou em um tom afiado.

— Sai da frente. Não sei quem você é, mas estou aqui só pelo Mil Truques.

Arnold era uma cabeça mais alto que Arty, que tinha um físico mais esguio. Arnold era extremamente intimidador, mas Arty não parecia nem um pouco assustado, apenas o encarava com um olhar de desdém.

— Um rústico, hein? Muito corajoso da sua parte desafiar um nível 8 — disse ele. — Krai, por favor, deixe isso conosco. Considere como um agradecimento por relevar nossa descortesia anterior.

— É... — respondi.

A sugestão parecia atraente, mas logo comecei a reconsiderar.

Não, essa é uma péssima ideia. Arty pode não saber, mas Arnold é um genuíno Nível 7. Além disso, a Névoa Caída tem a vantagem numérica. Arty não tem a menor chance. Mas acho que não há muito que eu possa fazer a respeito.

Arty percebeu minha preocupação e sorriu levemente ao apontar para Arnold. Foi então que notei que Arty usava um bracelete de prata opaca no pulso. Ele ostentava um brasão com um cajado de três pontas.

Arty lançou um olhar na minha direção.

— Pode ser que não sejamos os mais experientes, mas não se preocupe — disse ele, antes de voltar sua atenção para Arnold. — Agora, grave bem isso nessa sua mente patética: meu nome é Artbaran. Artbaran Henning da Maldição Oculta.

— Arty?! Você disse que não causaria discórdia... — Mary disse, antes de reconsiderar. — De qualquer forma, sou Mary Auden, também da Maldição Oculta. Para deixar claro, não fazemos parte do mesmo grupo do Inferno Abissal, no entanto...

No momento em que ouvi isso, senti como se tivesse levado um golpe. Finalmente me lembrei de Arty—Artbaran—e Mary, e não pude evitar bater o punho na palma da mão aberta. Devo ter parecido um completo idiota, pois todos começaram a me encarar. Respirei fundo, olhei ao redor e fiz uma expressão de desculpas.

— Desculpem, mas vocês se importariam se eu fosse ao banheiro antes de começarmos? — perguntei.

Arnold devia conhecer o nome "Maldição Oculta", pois parecia estar completamente focado em Arty.

Eu tinha sido arrastado para algo do qual não queria fazer parte. A Maldição Oculta era um dos clãs mais antigos da capital e extremamente seletivo em relação a seus recrutas. Além disso, sua mestra, o Inferno Abissal, era considerada uma das magas mais poderosas da capital e uma das três únicas caçadoras de Nível 8 — o mesmo nível que eu.

Hoje tem sido só desgraça, uma coisa atrás da outra...

Foi uma sorte termos escolhido um café que eu já havia visitado várias vezes antes. Com um pouco de esforço, consegui escapar pela janela grande do banheiro e fugir. Soltei um suspiro de alívio.

Eu já não sabia mais o que pensar. Não esperava que a Névoa Caída levasse uma ofensa tão grande por algo tão insignificante, nem que a Maldição Oculta se aproximasse de mim. Se eu soubesse que isso aconteceria, teria trazido Sitri ou alguém comigo.

A essa altura, a Névoa Caída e a Maldição Oculta provavelmente ainda estavam se encarando dentro do café, pensei.

Como alguém que, tecnicamente, era um caçador de alto nível vivendo na capital, eu conhecia todos os caçadores de Nível 7 ou superior. Tinha quase certeza de que Mary e Art estavam abaixo do nível de Arnold. Mas isso não me preocupava muito; a Maldição Oculta era um clã peculiar, composto apenas pelos magos mais excepcionais.

As atividades da Maldição Oculta tendiam a ser mais acadêmicas, e o clã tinha fortes conexões com escolas de magia e exércitos que recrutavam magos. Como resultado dessa tendência acadêmica, os membros da Maldição Oculta frequentemente tinham níveis baixos em relação à sua força real.

Além disso, bem diante dos meus olhos, eles disseram que cuidariam de Arnold, então meu desaparecimento não deveria importar. Seria presunçoso da minha parte me preocupar com o bem-estar de dois magos de elite de um dos clãs mais importantes da capital.

Será que todo caçador é desprovido de bom senso? pensei. Estávamos em um café cheio de civis e mesmo assim eles estavam prontos para lutar. Só de lembrar do olhar frio de Arty, um arrepio percorreu minha espinha.

A Névoa Caída era aterrorizante, mas a Maldição Oculta era ainda pior. Mesmo que Arnold e seus aliados fossem todos de alto nível, eram apenas um grupo, incapazes de competir com o tamanho, a qualidade e a influência da Maldição Oculta.

Eu nem estava prestando atenção ao meu redor, só tentava controlar minha respiração e apressar o passo até a sede do clã. A única coisa na minha mente era chegar a um lugar seguro o mais rápido possível.

A mestra da Maldição Oculta, o Inferno Abissal, era uma caçadora temível. Diziam que ela possuía as maiores capacidades destrutivas de toda Zebrudia. Ela tinha um temperamento tão ardente quanto uma chama e, diferente de Liz, também era astuta. Sem mencionar que já havíamos tido um pequeno desentendimento no passado. Esquecer Arty e os outros era minha tentativa de fugir da realidade.

O Inferno Abissal atingiu o Nível 8 muito antes de eu sequer sonhar em me tornar um caçador. Nossa briga aconteceu na época da fundação da Primeiros Passos. Eu estava procurando grupos para se juntarem a nós e escolhi um meio aleatoriamente, mas, na época, a Maldição Oculta já estava de olho nesse grupo. Por alguma razão estranha, esse grupo decidiu se juntar à Primeiros Passos, sem que eu soubesse dos interesses conflitantes.

Não quebramos nenhuma lei, mas caçadores têm essa coisa extremamente irritante chamada orgulho.

Eu estava completamente fora de mim naquela época. Era um Nível 6 e mestre de um novo clã, e mesmo assim foi inacreditável eu ter iniciado um confronto com uma caçadora renomada de Nível 8. E eu também não podia simplesmente mudar de ideia e dizer que não queria mais o grupo. Naquela época, eu sentia vontade de vomitar quase todos os dias. Eu colocaria isso no meu Top Trinta Experiências Traumáticas Desde que Me Tornei um Caçador.

Felizmente, de alguma forma a situação se acalmou e consegui manter todos os meus membros intactos, mas meu medo da Maldição Oculta não desapareceu tão facilmente. Agradeci à minha sorte por não ter recusado o pedido de Arty. Se entrássemos em outra briga com a Maldição Oculta, aquela velha assustadora poderia alegremente incendiar a sede do nosso clã.

Cheguei são e salvo à sede do clã. Meu rosto cansado se refletia no vidro polido. Eu sentia vontade de me esconder aqui pelo futuro próximo.

Minha cabeça doía só de pensar em tudo o que precisava fazer. Tinha a cota, a missão do Conde Gladis, nossa luta contra Arnold, precisava descobrir o que Arty queria dizer e ainda tinha muitas melhorias a fazer na minha miniatura da capital imperial.

Os dois primeiros assuntos eu imaginava que alguém resolveria de alguma forma, então minha prioridade era verificar se Liz e Sitri haviam feito algo com a Torre Akashic ou com Arnold. Eu realmente sentia falta dos meus aliados; ter Ansem ou Lucia por perto nesse momento teria sido reconfortante. Até Luke teria sido suficiente para me deixar mais tranquilo.

O que será que eles estão fazendo agora? pensei.

Subi as escadas e me sentei no escritório do mestre do clã.

Bem, antes de procurar pela Liz, que tal trabalhar um pouco mais naquela miniatura da capital imperial?

Como se estivesse esperando exatamente por esse momento, a porta se escancarou assim que ativei a Forma de Miragem. Eva entrou, ofegante e com as bochechas coradas de empolgação—um estado raro para ela. Em sua mão havia um envelope branco ornamentado, ostentando o brasão de Zebrudia. Ela nem sequer olhou para minha miniatura da capital e fixou os olhos diretamente em mim.

— Krai! — exclamou com animação. — Você finalmente recebeu um convite para a Reunião da Lâmina Branca. Parabéns!

Fiquei sentado em silêncio, confuso. Toda a confusão do dia desapareceu instantaneamente da minha mente. A Reunião da Lâmina Branca era o encontro mais famoso entre os caçadores de Zebrudia. Apenas um pequeno punhado de caçadores que contribuíram para o império recebia permissão para participar. Receber um convite era considerado uma prova de que a pessoa era reconhecida como um dos melhores caçadores do império. No entanto, o mais importante era o anfitrião do evento—o próprio imperador.

— Ouvi dizer que os Grievers seriam mantidos à distância por causa de sua má reputação, mas outro dia—

Eva começou a me explicar rapidamente, mas eu já não estava processando mais nada; nada fazia sentido para mim.

Havia rumores sobre se caçadores de outros países eram convidados, se aconteciam duelos entre caçadores e cavaleiros de elite e até se serviam sobremesas deliciosas.

Eu não tinha absolutamente nenhuma vontade de ir. Não queria encontrar outros caçadores de alto nível. Estava um pouco curioso sobre as sobremesas, mas teria que abrir mão delas. Não fazia ideia do porquê dessas coisas horríveis estarem acontecendo comigo. Por que não chamaram o Ark? Deviam ter convidado o Ark.

Sério, o que foi que eu fiz? Eu não fiz nada! Não estou sendo modesto, eu realmente não fiz nada!

Eu podia até ter um nível alto, mas não era nada especial. Já tinha passado por algumas encrencas naquele dia, e agora ainda vinha esse convite. Não deveria ser possível ter tanto azar.

Não hesitei e imediatamente tomei minha decisão.

— ...Hmm, aconteceu alguma coisa, Krai? — Eva perguntou, me encarando atentamente.

Limpei a garganta e juntei forças.

— Ah, desculpe. Tenho um assunto importante para resolver, e isso vai me manter longe da capital por um tempo. É uma grande honra ser convidado para a Reunião da Lâmina Branca, mas não sei se poderei comparecer. Isso vale para qualquer outro convite também. Odeio ter que pedir isso, mas você poderia seguir com essa premissa? Vou tentar voltar o mais rápido possível.

— ...Hã?

Estou caindo fora. Já mostrei minhas habilidades em reverência e desculpas, agora vou demonstrar minha arte da evasão graciosa.

***

— Ele... Ele sumiu?! Como assim?!

— Sim, senhor, Arnold. Isso estava no banheiro.

Um dos membros do grupo de Arnold estendeu um pedaço de papel dobrado ao meio. Arnold arrancou-o da mão do subordinado e o desdobrou. O papel era do tipo usado para escrever um cheque, mas no espaço onde deveria estar o valor, havia uma mensagem rabiscada:

"Estou ocupado, então estou indo para casa."

Palavras falharam para Arnold.

— Parece que ele escapou pela janela do banheiro... — disse um membro da Névoa Caída.

— Ele é mesmo um Nível 8? — perguntou outro.

A bochecha de Arnold se contraiu enquanto ele amassava o papel na mão. Ele nunca teria imaginado que o Mil Truques fugiria.

Se estivesse atrás de um civil ou de um caçador comum, Arnold poderia até estar preparado para isso. Mas esse era um homem de alto nível e renome na terra sagrada dos caçadores. Era um desrespeito o Mil Truques nem ao menos lhe dar atenção, mas Arnold conhecia bem a força dele.

Arnold tentou entender por que um caçador orgulhoso fugiria pela janela de um banheiro antes mesmo da luta começar. Mas, ao pensar melhor, lembrou-se de que o Mil Truques já tinha feito aquelas mulheres lutarem por ele antes. Ele deveria ter esperado um desfecho assim.

Arnold ergueu os olhos para duas figuras que o encaravam. Quando chegou à capital imperial, fez o que muitos caçadores fariam e pesquisou sobre os caçadores, grupos e clãs mais notáveis do país. Naturalmente, ele se deparou com o nome "Maldição Oculta".

A Maldição Oculta era um poderoso clã de Magos, liderado por um dos melhores caçadores da capital. Diante de Arnold estavam dois membros desse respeitado grupo. Eles ainda eram jovens, mas isso não significava que poderiam ser subestimados.

A Névoa Caída tinha a vantagem numérica. Normalmente, alguém poderia pensar que o Mil Truques havia jogado os dois Magos aos lobos. No entanto, mesmo depois de verem a mensagem no cheque, não houve qualquer mudança na expressão de Artbaran. Ele soltou um leve resmungo, sem demonstrar qualquer nervosismo.

— O que foi essa cara? Ouça bem, caipira — disse ele, transbordando confiança. — Os verdadeiramente fortes não desembainham suas lâminas por motivos triviais.

— Então os Nível 8 da capital... — Arnold começou. — Fogem pela janela do banheiro?

E ninguém vê problema nisso?!, ele pensou. Ele queria vingança contra a Sombra Partida e os outros que haviam brigado com seu grupo. Com seu líder, o Mil Truques, fora do café, não havia motivo para ele continuar ali.

Mary e Artbaran estavam bem-vestidos, mas não para um combate. No entanto, armas nem sempre eram necessárias para um Mago habilidoso. Observando de perto, Arnold percebeu que Artbaran e Mary, que exibia um sorriso tenso, estavam em alerta. Nesse aspecto, eles eram bem diferentes do Mil Truques, que nunca parecia estar preparado para lutar. Arnold deduziu que, para os membros da Maldição Oculta, lançar feitiços era tão natural quanto respirar.

No entanto, Magos eram melhores em ataques de longa distância. Não importava quão fortes fossem, um Espadachim teria a vantagem nesse alcance. Não havia chance de Arnold perder essa luta. Mas uma vitória assim não teria significado para ele, pois seu verdadeiro alvo não era a Maldição Oculta.

Os outros membros da Névoa Caída mantiveram suas armas desembainhadas, aguardando as ordens de Arnold.

Artbaran manteve seu olhar frio sobre Arnold e continuou falando.

— Você disse que ele fugiu? Não seja absurdo.

— Não, ele definitivamente bateu em retirada — respondeu Arnold em voz baixa.

Ele não conseguia pensar em outra maneira de interpretar a situação. A fuga foi tão suave e ensaiada que Arnold estava mais surpreso do que irritado.

— Você não leu o papel? — Artbaran gritou com um tom digno. — Ele não fugiu, ele... ele está ocupado! Um Nível 8 na capital não tem tempo a perder, foi tudo o que ele pôde fazer para nos dar um momento de sua atenção. Não tire conclusões erradas achando que ele é fraco. Alguém como você simplesmente não vale o tempo dele.

Que absurdo, pensou Arnold. Nesta terra, caçadores sem tempo simplesmente fogem pela janela do banheiro?!

Isso não fazia sentido para ele. Não combinava em nada com as imagens heroicas que tinha em mente. Arnold conhecia os poderes estranhos do Mil Truques, e isso tornava ainda mais difícil entender por que ele fugiu. Tremendo de frustração, havia algo que ele precisava perguntar.

— Então, na mesma situação, você fugiria pela janela do banheiro?

Não me diga que todos os caçadores da capital fazem isso?! ele pensou.

Era uma pergunta sincera. Os olhos de Artbaran se arregalaram brevemente, mas logo ele esboçou um sorriso sarcástico.

— Ainda tenho muito a aprender — disse ele. — Krai não é alguém que eu poderia imitar.

Seguiu-se um silêncio.

— Arnold, vamos recuar. Não temos motivo para perder tempo com esses dois — aconselhou Eigh, o segundo em comando de Arnold, em voz baixa.

Arnold lançou-lhe um olhar afiado, mas Eigh ainda estava focado nos dois jovens Magos.

— Viemos atrás do Mil Truques — continuou. — Se entrarmos em confronto com a Maldição Oculta, só estaremos caindo no jogo dele de novo.

Os Grieving Souls os haviam atormentado desde que chegaram à capital. Pegaram a Névoa Caída de surpresa na taverna uma vez e praticamente os extorquiram em outra. Entre eles e os dois Magos que haviam acabado de conhecer, era óbvio qual Arnold queria destruir.

Olhando ao redor, percebeu que os funcionários e clientes do café estavam todos olhando para eles com medo. Alguns provavelmente já haviam corrido para chamar os cavaleiros.

Eigh estava certo, apenas um caçador de terceira categoria esqueceria seu objetivo e partiria para a violência nessa situação. Eles já haviam sido manipulados durante o leilão, mas ainda era do interesse deles agir com prudência.

Após uma breve reflexão, Arnold estalou a língua.

— Tudo bem. Por ora, nosso alvo continua sendo ele.

***

Eu tinha fugido o máximo que podia. Decidir isso me fez sentir uma paz imensa.

Claro, eu não sairia sozinho; fora da capital, havia o risco de ser atacado por monstros e fantasmas. Ouvi dizer que não era tão perigoso enquanto se permanecesse nas estradas, mas ser atacado era algo que eu queria evitar a todo custo. Já tinha sido atacado várias vezes no passado.

Encontrar proteção antes de partir já havia se tornado praticamente um reflexo para mim. Se eu fosse forte ou capaz de voar, talvez as coisas fossem diferentes, mas meu baixo nível de mana me impedia de ir longe com o Caminhante Noturno, e aquela Relíquia só podia ser usada à noite.

Comecei a me preparar para sair da cidade. Saí do meu escritório e descia as escadas quando encontrei Liz. Ela parecia uma caçadora determinada, como sempre. Ao me ver, um sorriso iluminou seu rosto e ela se aproximou.

— Boa hora, Krai Baby! Tem algo em que quero seu conselho...

Eu adoro dar conselhos, mas isso não vai demorar, vai?

Eu não tinha muito tempo. Minha prioridade era sair antes que meus problemas aumentassem ainda mais. Quanto mais eu me apressasse, mais credibilidade minha desculpa para recusar o Encontro da Lâmina Branca ganharia. Era uma batalha contra o tempo. Eu precisava partir antes que Arnold perdesse toda a inibição e viesse atrás de mim.

Coloquei um braço ao redor dos ombros de Liz e falei como se estivéssemos discutindo algo sigiloso.

— O conselho pode esperar. Liz, você tem algum plano para o futuro imediato?

— Hã? Mmm, não realmente. Aconteceu alguma coisa?

Essa era a resposta que eu esperava. Liz dificilmente recusaria um convite meu. Abandonei as formalidades e fui direto ao ponto.

— Estou saindo da capital. Venha comigo.

Liz me olhou surpresa e, em seguida, passou um braço ao redor da minha cintura. Seu rosto ficou próximo ao meu e senti um aroma levemente adocicado. Seus lábios úmidos se abriram levemente e ela sussurrou em tom sedutor.

— Muuuito bem. Qual é o nosso objetivo?

Nosso objetivo? Fugir? Escapar? Fazer uma retirada estratégica? Bem, todas as opções estavam corretas, mas...

Isso é.

Depois de refletir um pouco, comecei a sorrir.

— Férias, eu acho — disse. — Ah, mas mantenha isso em segredo, ok?

Os olhos de Liz brilharam e ela envolveu os braços ao meu redor, como se contivesse toda a sua empolgação naquele gesto. Como sempre, sua pele parecia estar em chamas.

— Isso é perfeito! — disse. — Quantas pessoas vamos derrubar? Quem mais vai? Só eu? Quando partimos? Parece que faz uma eternidade desde a última vez que saímos da capital juntos!

Não vamos matar ninguém. E isso é pergunta demais.

Ter Liz a bordo era reconfortante, mas eu imaginei que quanto mais proteção tivesse, melhor. Afinal, estava deixando a capital.

Isso é. Por que não fazer disso uma viagem do clã?

Se eu recusasse todos aqueles convites, não poderia trazer a equipe administrativa, mas pensei que poderia ser divertido trazer todos os caçadores. Se todos os caçadores do Primeiros Passos partissem, pareceria que havia um bom motivo para o meu recolhimento. Um motivo tão bom que até me fez recusar o Encontro da Lâmina Branca.

— Não quero incomodar ninguém, mas gostaria de levar o máximo de pessoas possível — disse. — Partimos hoje. E, sim, você está certa. Já faz muito tempo desde que deixei a capital.

— Uhuu! Estou super animada! Podemos levar a T com a gente?

— Hã. Ah, sim, claro. Contanto que ela concorde em vir, é claro.

Ela parecia bem abatida desde o incidente com a máscara. Talvez fosse melhor deixá-la em paz.

Liz me deu um sorriso sedutor. Ela estava mesmo tão animada para viajar comigo de novo? Fiquei imaginando que tipo de expressão ela faria se soubesse que eu via essa viagem apenas como uma forma de evitar a realidade.

Como era meio-dia, apenas um pequeno número de pessoas estava reunido no salão. Infelizmente, isso não incluía os Starlights, que haviam carregado minhas Relíquias antes. Seria muito útil tê-los conosco...

Em uma mesa no fundo, Isabella e Ewe, membros do grupo de Ark, nos notaram e não pareceram nada felizes com isso. O próprio Ark não estava em lugar nenhum.

Tudo bem, eu quero que eles venham com a gente, mas como vou justificar isso para eles?

Eu perderia a confiança deles se mentisse, mas dizer a verdade traria seus próprios problemas.

Não pensei muito bem nisso... pensei.

Enquanto eu hesitava, Liz começou a gritar animadamente.

— Krai Baby está saindo da capital pela primeira vez em um bom tempo! Ele disse que vamos tirar férias. F-é-r-i-a-s! Ele quer levar o máximo de pessoas possível. Tem aaalguém que quer ir com a gente?

O salão congelou. Eu tinha dito para ela manter segredo, mas ela simplesmente saiu gritando...

Olhares confusos se voltaram para Liz e para mim. Devem estar se perguntando o que eu estava pensando, tirando férias quando já passava tanto tempo à toa no meu escritório. Minha reputação chegou a um nível mais baixo do que nunca.

Eu dei um sorriso resignado enquanto Liz continuava.

— Ah, certo, estamos saindo imediatamente! Só para quem sabe lutar! Não precisamos de fracos nos atrasando! Ah, estou tão animada. Estava preocupada de estar enferrujando. Que alívio.

Havia uma diferença absurda entre o nível de empolgação de Liz e o de todos os outros.

Não era a reação que eu queria, mas já era tarde demais para mudar isso. Olhei para uma mesa onde alguns caras jogavam cartas e falei com Lyle, com quem eu tinha certa afinidade.

— Desculpa trazer isso à tona de repente — eu disse. — Você vem, não é, Lyle?

Lyle rapidamente segurou o estômago e gemeu com uma expressão forçada. Ele mexeu os braços de forma exagerada e suas cartas caíram no chão.

— Desculpa, Krai. Tô com uma dor de barriga repentina, acho que não vou poder ir.

Parte dele parecia estar fingindo, mas seu rosto estava mortalmente pálido. Talvez ele realmente não estivesse se sentindo bem.

Olhei para os outros caçadores na mesa e todos desviaram o olhar ao mesmo tempo.

— Desculpa, CM, o casamento da minha irmã tá chegando...

— O funeral da minha avó é em breve...

— Eu, ah, minha espada quebrou e estou esperando uma nova...

— Então que espada é essa na mesa?!

— Cala a boca! Essa é, uh, uma reserva! A lâmina tá cega.

— Hã?! Você sempre disse que essa espada era sua alma e tudo mais!

— Quieto! Sério, CM, não posso lutar agora! Você tem que acreditar em mim!

Qual é o problema, pessoal? É só uma viagem...

Olhei para as outras mesas e vi que o salão tinha esvaziado um pouco. Me virei e vi alguns caçadores praticamente tropeçando uns nos outros enquanto corriam para fora do salão. Talvez todos tivessem se lembrado de algum tipo de compromisso urgente? Liz observou a cena com uma expressão irritada.

Decidi deixá-los ir e fui até os membros do grupo de Ark. Eles não eram tão fortes quanto Ark, mas seria um desperdício não levá-los como proteção.

Isabella imediatamente virou o rosto para o outro lado. Sentada à sua frente estava a Santa do grupo, Ewe, que não foi tão óbvia quanto Isabella, mas também evitou olhar para nós.

— Ei, Isabella...

— De jeito nenhum.

— Ei, Ewe...

— P-Por favor, fale com Ark sobre assuntos do nosso grupo!

Eu falaria com Ark se pudesse.

Isabella jogou os longos cabelos para trás, cruzou os braços e me encarou.

— Só para você saber, estamos de folga agora! — disse ela. — Ark foi visitar a família e estamos dando um tempo da caçada!

— Sim, e nós estamos indo de férias — respondi.

— Férias pra você, talvez!

O que isso quer dizer...

Claro, eu convidei todo mundo simplesmente porque precisava de guarda-costas caso algo acontecesse. Não considerava isso trabalho. Não era uma viagem totalmente de lazer, mas também não era inteiramente trabalho.

Enquanto eu tentava entender o que Isabella queria dizer, ela começou a falar sem parar. Ouvi dizer que em sua terra natal, no norte, as mulheres tendiam a ser mais determinadas, mas agora estava me perguntando se isso era mesmo verdade.

— E o que você planeja enfrentar desta vez? Fantasmas?! Monstros?!

— N-Não—

— Se não forem fantasmas ou monstros, então... humanos?! Você vai lutar contra humanos? Que horrível! Não treinei como Maga para lutar contra pessoas!

É só uma viagem. Sério.

Isabella me olhou com total desconfiança. Ewe também parecia chocada e se afastou de nós. Na falta de fé delas, percebi não apenas falta de respeito, mas até decepção. Liz pulou na minha frente e veio em minha defesa.

— Hã? Isso foi desprezo que eu senti? — perguntou ela com a voz fervendo de raiva. — Se ele disse para ir, então vão. Se sua segurança é tão importante assim, então por que não desistem de ser caçadoras?

Isso não ajudou em nada.

Isabella se levantou e abriu a boca para falar, mas Liz, com um brilho no olhar, começou a gritar com ela.

— E o que tem de errado em lutar contra humanos? Se vocês só lidam com fantasmas e monstros, nunca vão conseguir lutar contra pessoas quando chegar a hora! É bom matar um ser humano de vez em quando, isso é o que Krai Baby sempre diz!

É só uma viagem...

Que tipo de pessoa elas acham que eu sou?

Eu havia voltado para o meu escritório, mas não conseguia dissipar as nuvens sobre minha cabeça. De fato, eu tinha um azar danado. Antes mesmo de me tornar um Nível 8, já tinha me metido em várias confusões.

Uma vez, um cofre do tesouro apareceu durante um festival de flores, e outra vez um terremoto aconteceu enquanto eu explorava uma caverna. Ao explorar cofres do tesouro, frequentemente encontrava chefes raros com baixas chances de surgimento. Até dei de cara com um cofre extremamente difícil que se movia pelo mundo inteiro. Uma vez, enquanto caminhava numa tempestade, um raio caiu perto de mim (ele atingiu a maior coisa por perto, que era o Ansem).

Mas mesmo o azar tinha seus limites, e eu estava deixando a capital para evitá-lo. Eu não tinha planos de lutar contra fantasmas ou monstros e certamente não planejava matar ninguém. Só queria convidar algumas pessoas para umas férias, mas acho que elas não confiavam muito na definição de "férias" de um caçador experiente.

Eu estava refletindo sobre minha falta de credibilidade quando Eva entrou na sala.

— Krai, eu reservei uma carruagem. É uma grande carruagem blindada puxada por seis mustangs de platina — relatou.

Normalmente, quando viajávamos em grupo, usávamos nossa própria carruagem. No entanto, ela estava atualmente com Luke e o resto dos Grieving Souls. Por isso, pedi a Eva que arranjasse uma carruagem, mas o resultado me surpreendeu.

Os mustangs de platina eram monstros com a força de cerca de cem cavalos normais. Como o nome sugeria, tinham pelos cor de platina. Podiam correr sobre qualquer tipo de terreno, por mais acidentado que fosse, e eram a melhor variedade de cavalo que existia. Naturalmente, tinham um preço exorbitante, mas minha maior preocupação era que Eva tivesse conseguido uma carruagem puxada por seis deles. Um único mustang de platina já era suficiente para puxar uma carruagem grande com facilidade.

— Isso não é um pouco exagerado? — perguntei, um pouco apreensivo.

Mustangs de platina e carruagens blindadas não eram tipicamente usados por clãs.

— Bem, sim — disse Eva com os olhos brilhando. — Mas assim você poderá escapar mesmo que um enxame de dragões o persiga.

Eu não espero ser perseguido por dragões!

Percebi que não era tão estranho que Eva tivesse uma ideia errada; eu não havia contado a ela que essa viagem era apenas uma férias. Mesmo assim, eu tinha quase certeza de que nem o imperador de Zebrudia costumava usar seis mustangs de platina e uma carruagem blindada.

Nem conseguia imaginar como ela havia conseguido tudo isso. Levei a mão ao queixo e fingi refletir.

— Acho que devíamos optar por algo mais discreto — falei. — Não vamos precisar da blindagem e seis mustangs de platina são um exagero. Uma carruagem normal já basta. Na verdade, uma um pouco desgastada seria ainda melhor.

Sair da capital nesse momento causaria problemas para Eva. Me senti mal por ela ter preparado algo tão extravagante para nós.

— Sim, mas... Muito bem.

Ela parecia querer dizer algo, mas, no fim, apenas assentiu com um olhar insatisfeito.

Dei um sorriso vago e tentei fazer uma piada.

— Temos que economizar onde pudermos, certo?

***

— Oh, férias? É claro que eu irei com você!

Sitri estava no laboratório do clã e aceitou meu convite sem um pingo de descontentamento. Ela parecia contente com a ideia, mas sem o fervor intenso de Liz.

Isso, isso sim era a reação que eu estava esperando.

— Será necessário levar armamentos? — ela perguntou.

— Não, isso é só uma férias. Nada de armas necessárias — respondi. — Er, na verdade, talvez seja bom levar o mínimo necessário para autodefesa.

— Entendido.

Que resposta agradável e tranquila. Eu queria que os outros membros dos Primeiros Passos seguissem seu exemplo.

O sorriso de Sitri se nublou por um instante, e ela olhou para mim com os olhos ligeiramente baixos.

— Ah, mas... ainda estou trabalhando na investigação da Torre Akashic...

Investigação da Torre Akashic? É disso que Arty e Mary estavam falando?

Eu estava certo, parecia que Sitri havia feito algo sem me contar. Não que eu conseguisse entender o que ela fazia, então talvez fosse irrelevante, mas eu ainda gostaria que ela me avisasse antes de se envolver em algo perigoso. Mas agora era tarde para isso.

— Oh, não precisa se preocupar com isso. Eu pedi para a Maldição Oculta cuidar disso — falei.

— Muito obrigada! E me perdoe por fazer você se dar ao trabalho.

— Não, tudo se encaixou bem. Quer dizer, eles mesmos pediram para cuidar disso, então imagino que farão um bom trabalho.

A Maldição Oculta era um clã antigo. Sitri podia ser tão competente quanto qualquer um de seus membros, mas eles eram mais adequados para investigações de grande escala. Sem contar que eu não tinha interesse na Torre Akashic, nem queria que Sitri se envolvesse em algo perigoso.

Tinha deixado tudo a cargo da Maldição Oculta sem consultar Sitri, e estava preocupado que isso a incomodasse, mas aparentemente não era o caso.

Por um momento, me deixei confortar pelo sorriso de Sitri. Mais ao fundo, Talia colocava um frasco sobre uma chama e nos observava com um sorriso. Eu havia encontrado um verdadeiro alívio.

Matadinho estava ao lado, parado como uma estátua e criando uma atmosfera sombria, mas eu podia lidar com isso.

— A propósito, qual o objetivo dessa viagem? — Sitri perguntou enquanto tirava o avental protetor.

Objetivo? Vocês não conseguem simplesmente sair de férias sem um objetivo?

Talvez não fosse tão estranho; diferente de mim, Liz e Sitri eram pessoas ocupadas.

— Bem, hm... que tal irmos para uma água termal? — sugeri.

— Entendido. Isso é para resistência ao fogo, correto? Haverá magma?

— Na verdade, meio que estaremos fugindo...

— Entendo. Então há uma chance de sermos perseguidos por inimigos perigosos.

— Exato. Eva, veja bem, tentou nos preparar uma carruagem puxada por mustangs de platina. Ha ha, quão exagerado é isso? Eu disse a ela que chamaríamos muita atenção.

— Hm, então precisaremos ser discretos. A propósito, mais alguém virá?

— Convidei todos no salão, mas todos fugiram. Nem acreditei.

Sitri pareceu refletir por um momento, mas logo sorriu e bateu as mãos.

— Que sorte,” disse ela. — Tenho três pessoas que estou querendo testar. Acabei de conseguir a cooperação delas, então ainda tenho algumas dúvidas sobre suas capacidades, mas posso me dar ao luxo de perdê-las... Por favor, deixe os preparativos comigo!

Parece que Sitri tem algumas pessoas que pode levar. Faz sentido; ao contrário de mim, ela tem muitas conexões.

Sua escolha peculiar de palavras me incomodou, mas achei que seria melhor deixar tudo com ela.

Então, tive uma boa ideia.

— Já que vamos sair, por que não passamos para ver Luke e o resto dos Grieving Souls? Eles não estão prestes a voltar para casa?

Seria minha primeira viagem em muito tempo. Não pretendia entrar em nenhum cofre de tesouros, mas não via problema em encontrá-los fora de um.

Matadinho flexionou seus bíceps bem desenvolvidos. O sorriso de Sitri sugeria que ela concordava com minha ideia.

***

— Nãooo — gemeu Tino. — Mestre, Lizzy, essa não era a verdadeira eu...

As cortinas estavam bem fechadas. Tino estava deitada na cama, se contorcendo, com o rosto enterrado no travesseiro. Ela se sentia horrível. Costumava se sentir mal depois do treinamento exaustivo de Lizzy, mas isso ia além disso. Pelo menos, depois dos treinamentos de Lizzy, ela não tinha energia suficiente sobrando para se preocupar com as coisas.

A causa desse desespero era a máscara que seu mestre a fizera usar no outro dia. Evolve Greed. Uma Relíquia horrenda pela qual ele chegou a participar de um leilão para tentar obter. Tino nunca tinha ouvido falar ou visto essa Relíquia antes.

Como seu mestre havia dito, a máscara concedia poder a Tino. Mas não era só isso.

Quando fechava os olhos, lembrava-se vividamente. O poder que fluía para dentro dela no momento em que os tentáculos se conectavam a seu corpo, a sensação de invencibilidade e embriaguez. A máscara incitava tanto força quanto fervor. Naquele momento, Tino era o centro do mundo. Ou, para ser mais precisa, Tino e seu amado mestre eram os únicos no mundo.

— Não, Mestre, aquilo não foi obra minha — ela continuou. — A... A máscara, ela falava sozinha, por vontade própria...

Ela queria se enfiar num buraco e morrer lá dentro.

Tino se revirava de arrependimento, mas não adiantava. Até interrompeu seu treinamento independente de costume. Nesse ritmo, nunca se tornaria uma caçadora esplêndida como seu mestre. Começou a se odiar por seus fracassos.

Usar a máscara a desconectou da sua sanidade. Se isso não tivesse acontecido, ela não teria declarado guerra a Lizzy e Siddy. Mas Tino estava ciente de algo: aquela Relíquia foi feita para potencializar coisas. Como a usuária, ela compreendia bem isso.

Evolve Greed podia aprimorar algo a um nível tão extremo que parecia ser outra coisa, mas a fonte das palavras e ações de Tino eram os sentimentos profundos dentro dela. Sua mente estava clara. A máscara sussurrava para Tino sobre suas capacidades.

Ou seja, Tino, por vontade própria, havia declarado: “Quem, além de mim, é realmente digno do Mestre?” na frente de Lizzy, Siddy e, pior ainda, de seu mestre.

Naquele momento, Tino estava repleta de confiança. Tinha certeza de que havia sido escolhida por seu mestre. A máscara lhe deu poder suficiente para superar sua habitual timidez e ser resoluta.

Mesmo depois que a máscara foi arrancada, aquelas memórias permaneciam vivas na mente de Tino. Por isso, seu desejo de morrer. Seu mestre e as irmãs Smart riram e a perdoaram, mas isso não a fazia se sentir melhor.

— Eu não acredito em nada daquilo que disse! Aah, Lizzy, por favor, esqueça tudo. Eu não acho que você é indigna do Mestre porque seu peito é pequeno e provavelmente não vai crescer mais. Siddy, eu não acho que sou uma escolha melhor a longo prazo porque sou mais jovem que você!

Tino era apenas três anos mais nova que Siddy, afinal. O que a possuíra para se vangloriar disso para seu mestre? Ela não tinha nada que pudesse competir com as irmãs Smart, que eram amigas de longa data do seu mestre.

Era culpa daquele chifre, aquele que brotou quando Tino colocou a máscara. Com certeza era uma antena que fez seu cérebro receber todo tipo de sinais estranhos. Ela não conseguia mais encarar seu mestre ou as irmãs Smart. Se Lizzy não tivesse derrubado e arrancado a máscara dela, Tino com certeza teria feito algo abominável ao seu mestre.

Dizem que rumores duram setenta e cinco dias. Nesse caso, Tino não poderia encarar seu mestre por todo esse tempo. Também não podia se aproximar da sede do clã nesse período; era possível que sua demonstração vergonhosa tivesse se espalhado. Ela não achava que Lizzy e seu mestre diriam algo, mas a expressão de Sitri sugeria que ela não era tão confiável assim.

Ela havia pisado no calo do tigre e não fazia ideia de como obter seu perdão. Certamente, levaria mais do que um simples pedido de desculpas. Provavelmente envolveria ser cúmplice de algum crime que seu mestre consideraria desprezível. Na verdade, era possível que seu mestre já a considerasse desprezível.

Aquela Relíquia era, sem dúvida, poderosa. Se Tino tivesse conseguido controlar melhor suas emoções, certamente não teria se exposto dessa forma. Seu mestre sempre era tão gentil, ele devia esperar isso dela.

Isso significava que Tino havia falhado em uma das Mil Provações. Foi culpa dela por se empolgar depois de encontrar uma Relíquia que tinha certeza de que seu mestre apreciaria.

Ela estava afundada em autoaversão quando ouviu um pequeno barulho na porta da frente. Levantou um pouco a cabeça e se escondeu sob as cobertas. A porta estava trancada, e ela não estava com humor para ver ninguém.

Então, ouviu algo alto, o som agudo de algo se estilhaçando. Rapidamente enfiou a cabeça para fora das cobertas, e, ao mesmo tempo, sua porta do quarto foi arrombada. Um vento quente invadiu seu quarto, antes selado.

Lizzy, a quem Tino vinha tentando evitar, estava parada na entrada. Tino trabalhou tanto para juntar dinheiro para essa casa; quem mais destruiria tudo só para vê-la?

— Ei, T! Levanta logo, temos lugares para ir!

— L-Lizzy?!

Indiferente à vergonha recente de Tino, Lizzy parecia exatamente como sempre: com o mesmo brilho ameaçador nos olhos que surgia quando os treinamentos de Tino a deixavam estirada no chão.

Tino achava que sua humilhação a faria fugir caso visse Lizzy cara a cara, mas, em vez disso, a vergonha desapareceu.

— O que é isso? P-Pra onde estamos indo?

— Vamos sair de férias. Com o Krai Baby. Estamos partindo agora, então anda logo e se apronta!

— E-Eu não posso fazer isso — disse Tino. — Não posso mostrar meu rosto para o Mestre depois da vergonha que passei...

Lizzy ignorou os protestos de Tino e arrancou os cobertores da cama, sem se importar que Tino ainda se agarrava a eles. Quando percebeu que Tino ainda estava presa nos cobertores, começou a bater ambos contra o chão. Os ossos de Tino estalaram alto. Ela soltou um gemido de dor, mas isso não fez Lizzy hesitar nem por um segundo.

— Hah?! Para de reclamar e faz o que eu mandei! Além disso, Krai Baby já está acostumado com suas vergonhas! Que diferença faz agora? Vamos, vamos, vamos!

— Agh! E-Eu não posso! Vou morrer de vergonha!

Algumas coisas simplesmente não eram possíveis. Tino sempre ouvira sua mentora até então, mas dessa vez era diferente. Vendo que Tino se recusava a soltar os cobertores mesmo após ser arremessada contra o chão várias vezes, Lizzy parou.

Será que... Será que consegui convencê-la?, pensou Tino, relaxando um pouco.

Lizzy olhou para Tino como se estivesse olhando para um goblin que não sabe quando desistir, mesmo depois que todos os seus aliados foram massacrados.

— Krai Baby mandou te trazer. Você tem cinco minutos — disse ela com uma voz fria. — Se não estiver pronta até lá, eu te arrasto mesmo que seu cabelo ainda esteja uma bagunça.

— Hã?!

Aquilo tirou Tino do transe. Ela sentiu como se tivessem jogado um balde de água fria nela. Se Lizzy dizia que faria algo, ela faria. Se saísse assim, Tino sentiria ainda mais vergonha do que no outro dia.

— E-Espera, cinco minutos não é...

— Quatro minutos.

Tino entrou em pânico.

Não tenho tempo para pensar, disse para si mesma.

Ela jogou os cobertores de lado e começou a se arrumar às pressas.

***

O sol estava se pondo, lançando uma sombra fina sobre a capital. Uma única carruagem estava parada em frente à casa do clã. Era uma carruagem simples em formato de caixa, puxada por dois cavalos. Não tinha o brasão dos Primeiros Passos, o que provava que não pertencia ao clã. Isso significava que os passageiros não seriam imediatamente reconhecidos.

Eva, que foi além de suas obrigações usuais e providenciou a carruagem, tentou avaliar minha reação.

— Você disse que queria algo que não chamasse muita atenção...

— Sim, está ótima — respondi.

Confiar na Eva valeu a pena. Carruagens geralmente precisavam ser reservadas com antecedência. A Associação dos Exploradores podia ser um pouco mais flexível, mas aquela carruagem não parecia ser deles. Pedi isso para ela nem um dia atrás, e ainda assim ela conseguiu um resultado espetacular.

— É um aluguel, então haverá uma taxa se for destruída — disse ela. — Não é uma quantia exorbitante, mas...

— Eu não vou destruir.

— Ok, mas quantas carruagens você já destruiu até agora?

Eva me lançou um olhar afiado. Parecia não ter absolutamente nenhuma fé em mim.

— Elas não foram destruídas, só quebraram — tossi.

Não foi minha culpa. Não havia nada que eu pudesse ter feito.

Eu costumava pensar que carruagens eram coisas resistentes. Depois, aprendi o quão frágeis elas realmente são. Mesmo uma reforçada com placas de metal não duraria um minuto contra o ataque de um enxame de monstros ou fantasmas.

Claro, não estávamos provocando monstros de propósito, nem invadindo seus territórios, mas caçar tesouros ainda era um trabalho perigoso. Não muito tempo atrás, até me negaram um plano de seguro para carruagens destinado especificamente a caçadores. Foi uma das coisas mais estranhas.

Eva observou minha roupa coberta de Relíquias com um olhar analítico e falou com um tom rápido e clínico.

— Seria de grande ajuda para mim se você voltasse o mais rápido possível.

— Mm, claro.

Não havia nem um traço de antipatia nos olhos dela. Eva era desperdiçada em alguém como eu.

Sim, eu vou voltar o mais rápido possível. Pode apostar. Mas eu não disse quando isso será.

Meu retorno seria, no mínimo, depois da conclusão do Encontro da Lâmina Branca.

— Quando será o Encontro da Lâmina Branca?

— Hã? Ah, é na mesma época todo ano, então... daqui a três semanas.

Três semanas, hein? Isso é mais tempo do que eu esperava. Parece que vai ser uma viagem longa. Deve ser tempo suficiente para encontrar os outros. Talvez até dê para descansar um pouco.

No final, não consegui encontrar mais ninguém do clã para nos acompanhar. Acho que não posso reclamar, já que avisei de última hora. Ainda assim, que péssimo timing, todo mundo estava ocupado com funerais, casamentos ou simplesmente não estava se sentindo bem.

Dependendo do ponto de vista, menos gente também poderia ser algo positivo. Significava que só precisaríamos de uma carruagem.

— Krai, perdoe meu atraso.

Do outro lado da rua, Sitri correu até nós com roupas de viagem. Ela vestia um manto verde e carregava uma grande bolsa cinza nas costas. Atrás dela, carregando um baú robusto e vestindo um manto que deveria ser discreto (mas talvez causasse o efeito oposto), estava Matadinho.

Preparar uma jornada, reunir suprimentos e informações sobre cofres de tesouros sempre foi tarefa de Sitri. Luke e Liz eram especialmente propensos a esquecer coisas, então cabia a ela cuidar desse aspecto. A bolsa que carregava não era uma Bolsa Mágica de armazenamento infinito, mas ainda assim era um objeto misterioso que parecia conter tudo o que se podia precisar. Sitri era insuperável no suporte.

Sorri ao lembrar de boas memórias enquanto Sitri se virava para mim.

— Krai, permita-me fazer algumas apresentações. Estes são nossos novos associados.

— Hã?

Três pessoas com cara de encrenca me encaravam com olhares intimidadores. Eu os tinha visto quando Sitri chegou, mas não imaginei que estivessem com ela. Todos eram maiores do que eu; até mesmo a única mulher do trio era mais alta do que eu.

Cada um tinha um cabelo e uma cor de olhos diferentes, mas todos pareciam bastante ferozes. Um tinha uma cicatriz na bochecha, outro exibia uma tatuagem que cobria uma grande parte do ombro descoberto. O último não tinha nem cicatrizes nem tatuagens, mas dava para perceber pelos olhos que era do tipo astuto. Os três usavam em volta do pescoço coleiras metálicas distintas que emanavam um brilho estranho.

Se eu encontrasse esse grupo na rua, definitivamente manteria distância. Eu com certeza não queria dividir uma carruagem com eles. Nenhum deles disse uma palavra, mesmo depois de me encarar. O silêncio era opressor. Eva parecia incomodada.

Mangá Let This Grieving Soul Retire! Volume 4 08 Online em Português PT-BR

 Só Sitri estava sorrindo. Eu fiquei impressionado com a habilidade dela de manter um sorriso enquanto estava cercada por encrenqueiros tão óbvios. Há muito tempo, ela já teria começado a chorar numa situação dessas...

— Hmm, esses são Black, White e Gray — ela disse.

— Esses são os nomes reais deles? — perguntei.

— Pense neles como codinomes.

Black, White e Gray. Imagino que sejam baseados na cor do cabelo deles. Fácil de entender, mas como será que eles se sentem sobre isso? Sem falar que eu nem sei qual é a conexão deles com a Sitri.

Os três pareciam claramente incomodados quando Sitri mencionou os codinomes. Uma veia saltou na testa de um deles, e eu ouvi o som de dentes rangendo. Um deles começou a tremer a mão. Me perguntei por que não diziam nada.

Sitri era uma pessoa cautelosa. Não achei que haveria problemas, mas ainda assim, havia algo que eu queria confirmar, só por precaução.

— Hmm, esses associados... Eles concordaram com isso? — perguntei em voz baixa.

— Claro. Eles me devem um favor — ela respondeu.

Não parecia nada disso. Eles nos olhavam como se fôssemos inimigos. Pareciam até prontos para matar. Não sei que tipo de dívida eles tinham com Sitri, mas não pareciam o tipo de companhia ideal para uma viagem divertida. Para ser sincero, eu não queria que viessem.

— Você está trazendo os três? — perguntei.

— Ah, pensei em testá-los...

Sitri virou-se para o trio mais uma vez e então bateu as mãos como se tivesse tido uma ideia.

— Se tiver alguém que não seja do seu agrado, Krai, eu posso liquidá-lo — ela disse. — Vou dar um jeito antes da Lizzy chegar.

Liquidar. Que palavra engraçada para usar, pensei.

Os três brutamontes imediatamente ficaram tensos ao ouvir Sitri dizer aquilo. Imaginei que, muito provavelmente, haviam sido contratados por ela. Sitri tinha uma certa influência na capital, então era natural que eles ficassem preocupados com a possibilidade de perder o emprego.

Eu entendia como se sentiam. Trabalho desagradável ainda era trabalho; viver não era fácil, e, por mais que me doesse dizer, três pessoas a mais era demais. Liz e Tino estavam vindo, Matadinho também se juntaria a nós, e simplesmente não havia mais espaço na carruagem.

— Não se preocupe com isso, Krai. Pode falar sem rodeios — disse Sitri com um sorriso fino. — Não precisa se preocupar com os sentimentos de ninguém.

— Certo...

Cruzei os braços e olhei para a única mulher do trio. Ela era alta para uma mulher, quase meio palmo mais alta do que eu. Sua pele era escura, e o corpo, bem definido. O cabelo preto era cortado bem curto, e uma cicatriz grande atravessava sua bochecha.

Ela não parecia nem um pouco amigável, mas parecia ainda mais forte que Liz. Meu palpite era que fosse uma mercenária. De qualquer forma, ela tinha o ar de alguém que sobreviveu a muitas batalhas e parecia tão perigosa quanto os outros dois.

Sem mudar a expressão, ela finalmente falou. Sua voz era grave, mas definitivamente feminina.

— M-Me chame de Black. Sou uma assassina habilidosa — disse.

Que resposta inesperada. Meus olhos se arregalaram.

Assassina, hein? Será que vamos precisar de alguém com essa especialidade? Bom, ao menos parece mais do que capaz de nos proteger.

Fingi que não tinha ouvido e passei para White, que tinha cabelos brancos caindo sobre o lado direito da cabeça. Seu corpo era bem treinado, e um dos ombros exibia uma tatuagem. Ele realmente tinha cara de bandido.

— M-Me chame de White — disse com uma voz seca. — É uma honra conhecê-lo. E-Eu faço qualquer coisa que precisar.

— Qualquer coisa?

— Err... Qualquer coisa!

Hmm, ele não falta com motivação. Então ele nos protegerá e carregará a bagagem? Pelo jeito dele, você não diria isso, mas parece um bom sujeito.

Olhei para o último, o homem de cabelos cinzentos—Gray.

Gray era menor que os outros dois. Parecia ser um ladino. Não parecia capaz de lutar tão bem quanto os outros, mas me olhava com olhos afiados e avaliadores.

Considerando que os três haviam sido contratados por Sitri, parecia seguro presumir que eram confiáveis... Mas isso não significava que eu confiaria neles.

Mas, pensando bem, Liz e Tino não seriam proteção suficiente? Matadinho também estaria conosco, e eu simplesmente não conseguia imaginar relaxar com desconhecidos por perto.

Olhei para Sitri e forcei um sorriso.

— Desculpa, mas será que os três poderiam—

Os olhos de Sitri se arregalaram, e ela cobriu a boca com a mão.

Eu ia terminar a frase, mas, do nada, White e Black acertaram Gray. Eles atacaram sem hesitação, e o impacto foi tão forte que fez um barulho terrível, como se alguém tivesse sido atingido por uma arma pesada. Gray voou para o outro lado da rua e caiu longe. Fiquei paralisado enquanto os outros dois gritavam com raiva.

Com expressões intensas, Black e White começaram a chutar Gray sem piedade enquanto ele estava no chão. O som era horrível.

— Seu pedaço de merda! Prometemos que nos comportaríamos! Morre logo!

— Pede desculpa! Pede desculpa pra Sitri! Seu lixo inútil! Achou que era bom demais pra isso?!

A cabeça de Gray foi esmagada contra o chão, rachando a pedra. Sangue espirrou por toda parte. Parecia um pesadelo. Eva ficou pálida. Já Sitri, nem sequer piscou.

O que o emprego da Sitri significava para eles?!

Continuei imóvel, paralisado pelo banho de sangue repentino diante de mim.

— Achei que o melhor seria dar um exemplo com um deles, mas os três... — Sitri disse, pensativa.

— E-Eu estou brincando. Só brincando.

Sim, uma brincadeira. Eles podem vir com a gente, tudo bem. Eu só preciso aguentar isso. Só preciso aguentar.

Sitri colocou uma mão no peito, aliviada.

— Hmm, então era só uma brincadeira? Que bom — disse, olhando para Gray, que estava sendo espancado. — A verdade é que eles ainda não estão totalmente treinados. Farei o possível, mas peço que tenha paciência caso sejam um pouco agitados.

— É... Aham.

Será que isso realmente está certo?

Olhando para Sitri entre Black e White, fiquei cheio de dúvidas, mas balancei a cabeça e me forcei a esquecer. Não havia nada que eu pudesse fazer, então não adiantava me preocupar.

Sitri fez uma expressão tão assustadora que parecia uma pessoa completamente diferente da que eu tinha acabado de conversar.

— Não para mim! Se você vai se desculpar, então se desculpe com o Krai! — ela gritou. — Você não serve para nada agindo assim! Se me envergonhar, vou te dar um fim.

Mesmo com o sol se pondo, ainda havia bastante gente circulando. Eles já estavam mantendo distância, mas era possível que alguém chamasse os cavaleiros para nos investigar.

Virei-me para longe de Sitri e sorri para Eva.

— Vai ser uma viagem super divertida — eu disse.

— Aham. Espero que você se divirta — ela respondeu. — E por favor, volte o mais rápido possível.

Parece que nem Eva compartilha dessa alegria. Eu só queria ficar em casa.

Algumas pessoas conhecidas saíram correndo da sede do clã. Talvez quisessem se juntar a nós? Era só ilusão minha? Um caçador mais velho, coberto de bandagens, se agarrou a mim com lágrimas escorrendo pelo rosto.

— E-Espera! CM, é verdade que você vai sair da capital? Se for, então leve essa criatura com você!

— Criatura?

— Estou falando do Drink! Nós não conseguimos mais lidar com ele! Desse jeito, alguém vai acabar morrendo!

Seus olhos estavam vermelhos de cansaço. Se não me engano, esse cara era um Ladino de Nível 5. Atrás dele, havia muitos outros caçadores, todos exaustos e acenando repetidamente. Cada um deles tinha pelo menos uma bandagem no corpo.

Drink. Eu tinha deixado toda a responsabilidade de cuidar dele para os outros caçadores. Não sabia o que pensar se até caçadores experientes em monstros estavam achando a situação insustentável. Talvez fosse simplesmente impossível mantê-lo em cativeiro sem matá-lo. Mas eu considerava isso um problema exclusivamente da Sitri.

Os tratadores de Drink não esperaram minha resposta e entraram na sede do clã. Pouco depois, saíram de novo, cinco deles puxando Drink com correntes grossas como um dedo humano. Não fazia nem um mês desde a última vez que vi a criatura, mas ela já tinha se tornado adulta, crescendo de forma assustadoramente rápida.

Quando Sitri trouxe Drink pela primeira vez, ele cabia em uma caixa pequena o suficiente para uma pessoa carregar com facilidade, mas agora tinha quase dois metros de comprimento. Eu provavelmente poderia montá-lo. De suas costas, brotavam asas, e sua juba havia crescido de maneira impressionante. Mesmo quando ainda era um filhote, Drink já era forte o suficiente para me matar, mas agora havia se tornado um monstro de verdade.

Drink olhou para mim e soltou um doce “miaaau”, algo completamente inesperado vindo de uma criatura dessas. Mas os enormes caninos em sua boca não passaram despercebidos.

A cor sumiu dos rostos do trio da Sitri quando viram Drink. Eu já estava perdendo a vontade de continuar quando ouvi algumas vozes altas.

— Nããão! Me perdoa, Lizzy! Eu não consigo ver o Mestre, afinal!

— Aprende a desistir! Você sempre vai continuar uma fracote se não tomar jeito! Quantas vezes eu já te disse? Krai Baby já sabe o quão patético você é! Se continuar se lamentando, isso afeta a minha honra como sua mentora!

A gente nem tinha partido ainda, e eu já estava com um pressentimento ruim. Olhei para Liz, que arrastava Tino com ela, e então entrei na carruagem sem dizer nada, fingi que nada aconteceu e abracei os joelhos.

Eu já quero voltar para casa...

***

— Sobre aquela poção que você pediu para eu identificar, é um poderoso antídoto para ressaca.

— Hã?

Arnold estava conversando com um boticário famoso, bem conhecido até mesmo dentro da capital imperial. O sangue lhe subiu à cabeça, e o resto do Névoa Caida ficou em alvoroço. Sitri Smart tinha enganado eles direitinho. A poção pela qual ela cobrou mais de cem milhões de gild era um remédio para ressaca. Era, de certa forma, um tipo de antídoto, mas isso não vinha ao caso.

Pensando melhor, parecia improvável que um caçador, por mais perigoso que fosse, envenenasse a comida de outro caçador. Ela estava apenas zombando deles. Arnold considerou se vingar por vias legais, mas seria difícil vencer apenas com os resultados da avaliação.

No entanto, Arnold decidiu que isso não importava. Ele resolveu deixar todos os outros planos de lado por enquanto. Grieving Souls havia provocado a ira do Crashing Lightning. Eles feriram seu orgulho. Não importava que Mil Truques fosse de um nível mais alto do que Arnold. Se ele não resolvesse essa questão, ficaria insatisfeito e ainda corria o risco de perder membros do grupo.

Ele iria derrubar os Grieving Souls o mais rápido possível. Não se importava com promessas passadas; ele preferia manter as coisas simples. Arnold relembrou toda a má sorte que teve desde que chegou à capital.

Na taverna, Liz Smart o atacou sem aviso, e sua derrota foi testemunhada por outros caçadores. Em uma área pública, ele foi derrotado por Mil Truques. Sitri praticamente o extorquiu para comprar um remédio para ressaca por um preço absurdo. Ele percebeu que essas situações levaram o Névoa Caída a entrar em conflito com o Maldição Oculta, um clã bem conhecido — outro incidente que também foi presenciado por muitos.

O que incomodava Arnold mais do que tudo era que ele não teve uma única chance de mostrar sua força. Para os caçadores, nada era mais importante do que isso. Um caçador fraco valia menos do que um encrenqueiro. Se não tivesse a chance de demonstrar seu poder, seria difícil para Arnold e o Névoa Caída sobreviverem na capital.

As coisas não estavam indo bem. Eles eram um grupo forte, mas isso não mudava o fato de que, a esse ritmo, poderiam se desfazer.

Se quisessem mudar a situação, precisariam fazer algo que mostrasse a todos do que a Névoa Caída era capaz. No ritmo atual, corriam o risco de serem menosprezados não apenas por caçadores de alto nível e pela Associação dos Exploradores, mas também por caçadores de nível mais baixo e civis.

Eles poderiam recorrer a meios mais físicos para impedir que falassem mal deles, mas isso só iria até certo ponto. Derrotar os Grieving Souls resolveria seus problemas num piscar de olhos. Arnold havia enterrado o machado de guerra por um breve momento, mas foram os Grieving Souls que os provocaram. Isso dava à Névoa Caída razão de sobra para ir atrás deles; e não tinham a menor obrigação de se segurar.

Os Grieving Souls tinham arrumado uma briga, e a Névoa Caída não poderia simplesmente ignorar isso.

Eles iriam esmagar seus oponentes. Os nomes Névoa Caída e Crashing Lightning iriam estremecer a capital. Mesmo que suas chances de vitória fossem pequenas, eles iriam revidar. Esse era simplesmente o modo de vida dos caçadores. O Mil Truques havia escapado deles no café, mas isso não aconteceria uma segunda vez.

Arnold estava treinando no alojamento. Ele balançava sua amada espada na esperança de afastar a humilhação anterior quando sua mão direita, Eigh Lalia, entrou correndo.

— Arnold, temos um problema! Eu estava ouvindo uma conversa sobre a Primeiros Passos e parece que o Mil Truques saiu da capital. Ele está saindo de férias e ninguém sabe quando vai voltar.

A mente de Arnold ficou em branco.

Depois de fazer papel de bobo com a Névoa Caída, agora ele estava tirando férias? Que palhaço.

O sangue subiu à sua cabeça, mas Arnold apenas respirou fundo e deu uma ordem concisa.

— Vamos atrás deles. Preparem todo mundo.

***

— Krai saiu da capital? Outra partida repentina...

No escritório da filial da Associação dos Exploradores, Gark mais uma vez se via ocupado processando documentos. Um dos relatórios o pegou de surpresa.

O Mil Truques era um caçador que merecia seu status de Nível 8, mas seu único defeito era sua tendência a agir devagar. Parecia que ele sempre tinha tudo planejado, mas estava sempre causando preocupação àqueles que não estavam por dentro, como Gark.

A missão nomeada pelo Conde Gladis tinha um enorme peso. O sucesso da missão provavelmente faria o conde ter uma visão mais amigável dos caçadores, o que traria benefícios que dinheiro algum poderia comprar.

Até mesmo Krai não adiaria uma tarefa tão importante, pensou Gark, sua carranca ainda firme no rosto.

— No entanto, Krai não levou o pergaminho da missão com ele, levou? — Kaina perguntou, piscando algumas vezes. — E Chloe deveria acompanhá-lo, mas...

— Ah?! Droga, Krai!

Os pergaminhos de missão eram documentos que detalhavam as tarefas designadas pela Associação dos Exploradores. Normalmente, eles eram entregues aos caçadores ao aceitarem uma missão. Eles tentaram entregar o pergaminho para Krai mais cedo, mas ele recusou.

Era improvável que ele tivesse deixado a capital sem saber os detalhes da missão. Krai Andrey não era tão estúpido, e em diversas ocasiões anteriores já havia completado missões sem olhar o pergaminho, embora como ele conseguisse isso continuasse um mistério.

Exceto que esta missão era diferente de qualquer outra.

Essa missão nomeada era uma operação conjunta entre Krai e os cavaleiros pessoais do conde. O pergaminho não servia apenas para explicar a missão, mas também como prova de identidade. O Mil Truques era famoso o suficiente para talvez conseguir se virar sem ele, mas não tê-lo tornaria mais difícil causar uma boa impressão. Isso poderia ser fatal ao lidar com um cliente que já não gostava de caçadores.

Gark achava que tudo iria correr bem porque Chloe o acompanharia. No entanto, Krai saiu de repente sem levá-la junto, mesmo tendo se mostrado aberto à ideia no início.

Com uma careta, Gark decidiu que daria um sermão em Krai assim que se vissem de novo.

— Até mesmo Krai pode ser desastrado em momentos inesperados — disse Kaina com um sorriso tenso. — Ouvi dizer que ele disse que ia tirar férias.

— Ele é livre demais para o meu gosto. Não tem nada que possamos fazer sobre esses hábitos dele? Que tipo de pessoa aceita uma missão nomeada por um nobre e a chama de férias?

Mesmo depois de alguns anos, Gark ainda não conseguia se acostumar com a natureza bizarra das atitudes e resultados de Krai. Ele tinha certeza de que Chloe não tinha sido deixada para trás de propósito; parecia mais provável que Krai simplesmente tivesse se esquecido dela.

Gark pressionou as mãos contra as tênsões em sua cabeça.

— Mande Chloe ir atrás deles — ele ordenou a Kaina. — Não importa o que aconteça, ela precisa encontrá-los antes que cheguem ao domínio do conde. Não podemos deixar uma má impressão no Conde Gladis! Ah, mas será perigoso para ela ir sozinha, envie alguns caçadores para protegê-la. O pagamento pode sair do bolso do Krai.


Tradução: Carpeado 
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