Nageki no Bourei wa Intai shitai | Let This Grieving Soul Retire Volume 03 – Capítulo 7 [Epílogo: Que Este Grieving Soul se Aposente, Parte Três]



 A escrivaninha estava coberta de fragmentos brancos, me fazendo inclinar a cabeça para o lado.

O relógio indicava que um bom tempo havia se passado desde que comecei, e minha visão ficou embaçada pelo cansaço. Esfreguei os olhos e estalei os ombros doloridos quando ouvi uma batida na porta. Eva entrou e pareceu surpresa ao ver a mesa, normalmente impecável, em um estado de bagunça.

— O que você está fazendo?— ela perguntou.

— Um quebra-cabeça todo branco — respondi.

Lembrei que havia comprado isso há um tempo. Ao contrário de um quebra-cabeça normal, este tinha mil peças, todas brancas. Era um verdadeiro desafio de completar, e nem era como se montar quebra-cabeças fosse um hobby meu. Isso apenas mostrava o quanto de tempo livre eu tinha.

Consegui encaixar as bordas, mas o progresso depois disso era incrivelmente lento. Eu sentia que estava enlouquecendo.

Eva olhou para a mesa com um olhar cansado. — E por que resolveu fazer isso de repente?

Porque estou entediado, pensei. Mas, claro, não podia simplesmente dizer isso em voz alta.

Abri um sorriso perverso, mas sem vida, e ergui algumas peças do quebra-cabeça. — Porque já fiz tudo o que podia.

Pareci um cara durão agora? Acho que se pode dizer que simplesmente não tenho muito o que fazer.

— Sério? — Eva perguntou.

— Ah, falando nisso, quando Ark voltar, quero preparar um chá e alguns petiscos para ele — respondi.

Era vital que eu permanecesse do lado bom dele e reduzisse minhas dívidas (tanto monetárias quanto outras). A Face Reversível logo seria minha. Levantei-me para pegar algumas guloseimas para Ark e seu grupo, mas Eva me impediu.

— Esse não é o papel de um mestre de clã — ela disse. — Eu cuido disso, então fique sentado. Você não precisa fazer nada.

— Poderia pegar os melhores para eles? Quanto ao chá... Acho que qualquer um serviria, mas pode preparar algo que acalme e revigore a mente deles? Eles podem estar um pouco cansados de falar com aquele jovem nobre.

— Tudo bem, tudo bem.

Este mundo estava cheio de coisas que eu não podia mudar. Eu só cheguei ao Nível 8 como caçador graças aos meus amigos. Minhas habilidades não combinavam com meu rank, e era difícil até mesmo atender às expectativas. Certamente dependeria de Liz, Sitri, ou até mesmo de Ark e do resto dos meus amigos no futuro. A única coisa que eu podia fazer era aliviar seus corpos cansados e doloridos quando retornassem.

Preparei chá de ervas e chocolate. Até comprei um bolo de uma confeitaria famosa, decorei a sala com algumas velas e deixei o champanhe resfriando. Aparentemente, esse álcool tinha sido um presente. Decorei o escritório do mestre do clã com entusiasmo, enquanto Eva me observava com um olhar exausto.

— O que acha de um banner aqui que diga: "Bem-vindo de volta, Ark"?— perguntei.

— Acho que você deveria parar de provocá-lo — ela respondeu. — Até Ark tem um limite para sua generosidade.

— Tem? Achei que fosse ilimitada.

Como assim? Eu não estou provocando. Estou expressando minha boa vontade e gratidão. Queria que ele soubesse o quão apaixonado eu estava por aquela máscara. Se possível, queria que ele a vendesse para mim por um preço de banana. O ideal seria um milhão de gild. Acho que poderia pegar essa quantia do orçamento do clã. Ou estou exagerando?

— Já sei — falei. — Além do chá, deveríamos oferecer algumas poções para estabilizar o estado mental deles.

— Seu pedido era tão exagerado assim? — Eva perguntou.

O tempo passou, mas Ark não dava sinais de voltar. Lady Éclair gostava de Ark, e eu não achava que meu pedido fosse muito incômodo, mas talvez ele estivesse sendo bem recebido pela Casa Gladis. Se ele não voltasse hoje, todas as minhas preparações seriam em vão. O champanhe e o chocolate estavam bem, mas o bolo não duraria muito, e eu já tinha acendido as velas para dar-lhe as boas-vindas. Agi sem pensar muito no futuro.

— Eles estão demorando — Eva disse. — Eu esperava que Ark já tivesse resolvido a maioria dos assuntos...

— Acontece de vez em quando — respondi.

A expressão de Eva foi se tornando cada vez mais sombria, e eu não podia culpá-la por isso. Ela estava ocupada, e ainda assim eu a fiz correr atrás de tantas tarefas bobas. Desculpe por sempre te incomodar tanto. Terminei a decoração e, sentindo-me entediado, voltei minha atenção para o quebra-cabeça. Por que comprei um quebra-cabeça só de peças brancas? Eu nunca penso muito no futuro. Sou mesmo um cara durão? Comecei a me irritar por ter que conferir cada peça tão lentamente. Todas as peças estão mesmo aqui?

— Er... quer que eu te ajude?— Eva ofereceu.

— Não, estou bem — respondi.

Pelo menos um quebra-cabeça eu poderia terminar sozinho. Não era algo que eu deveria pedir para a ocupada Eva fazer. Continuei encarando o quebra-cabeça, usando-o como desculpa para fugir da realidade, quando Liz e Sitri voltaram da coleta de fundos. Abriram a porta sem se importar com as regras e arregalaram os olhos ao ver a sala transformada.

— Voltamos, Krai Baby! Hmm? O que é isso? Estamos tendo uma festa?

— Isso foi rápido — observei. — Estou esperando o Ark voltar.

— Voltamos — Sitri disse. — Ah, o de sempre, entendo.

O de sempre? Ela colocou um grande saco que carregava no chão. Ouvi o tilintar suave de metal batendo contra metal. Elas disseram que estavam arrecadando fundos, então achei que tinham ido a um cofre, mas não parecia ser o caso.

— Conseguimos 110 milhões de gild! — Sitri anunciou. — Podemos reabastecer os fundos da Lucia!

— Espera, o quê? — perguntei. — Como?

Minha noção de dinheiro estava ficando distorcida, mas eu ainda sabia que 110 milhões de gild era uma quantia absurda. Não era algo que você simplesmente achava na rua. Sitri e Liz começaram a falar ao mesmo tempo, como se quisessem levar o crédito.

— Não se preocupe, não quebramos nenhuma regra. Ninguém saiu perdendo com esse acordo.

— Só mostramos para aqueles caipiras qual é o lugar deles! Fizemos um bom trabalho! Demorou mais do que eu esperava, mas demos um jeito neles! Poxa, se vão vir para a capital, deviam passar para te ver, Krai Baby!

— Claro, uhum — respondi.

Elas pareciam tão animadas. Eu poderia ter lidado com um, mas não consegui acalmar as duas ao mesmo tempo. Esperei até que se acalmassem.

— Então, o que realmente aconteceu? — perguntei.

— Eu tinha uma poção que deixa instantaneamente sóbrio aqueles que bebiam minha bebida de intoxicação — disse Sitri. — Ela foi vendida por 110 milhões de gild! Parece que ele não tem muita resistência, apesar de ser um caçador de Nível 7.

— Ele pode ser de nível alto, mas ainda é um cara do interior — acrescentou Liz. — Eu quero ser Nível 7 também, mas no interior? Ah, pode esquecer! Vamos lá, Krai Baby. Não tem nada pra mim?

Cento e dez milhões de gild por uma poção que te deixa sóbrio? Isso é... legal? Eu não entendia nada de Alquimia, então não sabia se era um preço justo. Só sabia que poções eficazes eram caras. Talvez eu devesse me tornar um Alquimista e vender poções para sobriedade também...

— Ah, e também, eu cancelei a solicitação do Dragão do Trovão — disse Sitri. — Não parecia que eles estavam dispostos a aceitá-la de qualquer jeito, e aquele monstro custa caro. Não é um problema, né?

— Ah, é verdade. Eu tinha esquecido completamente disso — respondi. — Bom, frango tem um gosto melhor pra mim, então não me importo.

Eu achei que tinha usado Chloe para cancelar isso, mas não contei pra ninguém. Eu não esperava que Eva fizesse esse pedido de qualquer forma, e como Sitri mencionou antes, frango era bem mais gostoso. Não tinha problema com ela cancelando a solicitação. A memória é uma coisa assustadora. Provavelmente, achei que era delicioso quando comi no cofre do tesouro. Sitri juntou as mãos com entusiasmo, como se estivesse esperando pelas minhas palavras.

— Eu sabia que você diria isso! — ela exclamou. — Então, no lugar disso, fiz um pedido por um Frango Colossal! Assim que recebermos um, vou preparar um banquete com ele!

— Esses frangos deviam só caçar um frango, sabe? — provocou Liz.

Espera aí, Frangos Colossais não são vendidos nos açougues? Tive alguns pensamentos a respeito, mas achei tudo isso muito trabalhoso e decidi não dizer nada. Apenas sorri e balancei a cabeça. Além disso, Liz sempre demonstrou animosidade com os outros. Isso não era novidade.

— Ah, mas foi tão divertido! — disse Liz satisfeita, se espreguiçando. — Foi uma pena que não pude ver o quão forte um caçador de Nível 7 da Terra das Névoas realmente é, mas não me importo de fazer algo assim de vez em quando. Eu posso socar alguém sempre que quiser.

Sua pele macia se esticava em sincronia com seus movimentos, e ela me lembrava um gato. Eu não conseguia entender completamente a situação, mas preferia ajudar as pessoas a crescer elogiando-as, então decidi fazer exatamente isso.

— Que bom que você não socou ninguém. Tenho orgulho de você.

— Se a Siddy não tivesse interferido, com certeza eu teria socado — confessou Liz.

— Entendi... — murmurei. — Então, também tenho orgulho de você, Sitri.

Sitri parecia radiante com meu elogio meia-boca. Eu me preocupava com Liz andando por aí sozinha, mas nunca tinha nada a temer se Sitri estivesse junto. Eu não fiz nada, mas minha dívida com Lucia foi resolvida. Isso é conveniente demais para mim. Elas são deusas, por acaso?

— Bom, já que estou no clima, acho que vou dormir na sua casa hoje, Krai Baby — disse Liz com um sorriso, claramente de bom humor.

— Você só vai incomodá-lo! — Sitri ralhou. — Vamos pra casa, Liz. Você pode dormir na minha casa.

A Alquimista arrastou sua irmã mais velha para fora e foi embora. Elas se dão tão bem. Tenho inveja disso. Se existe algum truque para isso, adoraria saber.

***

Ark voltou tarde da noite. Eva, que já havia terminado suas tarefas do dia, e eu estávamos trabalhando juntos em um quebra-cabeça quando ouvimos passos subindo as escadas. Quando levantei a cabeça, a porta se abriu na nossa frente. Meus olhos se arregalaram de choque ao vê-los.

O homem estava um trapo. Seu cabelo, normalmente bem arrumado, estava desgrenhado, e as bordas de suas roupas estavam esfarrapadas, como se ele tivesse acabado de voltar de um campo de batalha. Manchas de sangue cobriam sua roupa. Ele claramente estava tenso e, quando olhou ao redor do escritório do mestre do clã com um olhar afiado, ficou visivelmente surpreso com a decoração.

Recuperei meus sentidos e rapidamente estourei um daqueles confetes festivos. Eva me seguiu apressadamente, e Ark ficou lá parado, em silêncio e atônito. Os membros de seu grupo atrás dele também estavam acabados e pareciam igualmente surpresos.

Eu não sabia o que tinha acontecido na Casa Gladis, mas estava claro que eles enfrentaram uma situação inesperada. A verdade era mais estranha que a ficção. Eu era estúpido e azarado, então já estava acostumado com imprevistos. Nunca tinha visto Ark tão ferido antes, mas sabia como lidar com isso.

Levantei-me devagar e desferi meu golpe supremo—um deslize enquanto me prostrava no chão. O carpete macio dificultava o deslize, então fiz uma pequena cambalhota antes de me ajoelhar. Se fosse me avaliar, daria 120 pontos de 100 possíveis.

— Me deeeeeeesculpe! — gritei.

— Krai?! — Eva ofegou.

Satisfeito com a minha reverência impecável, continuei abaixando a cabeça várias vezes. Eu não sabia se tinha alguma culpa na situação inesperada deles, mas era melhor me desculpar primeiro. Apenas Eva estava comigo. Ark não disse uma palavra. Senti seu olhar sobre mim e tentei usar meu cérebro ao máximo. O homem era famoso por ser o mais forte da capital—o que será que ele enfrentou para ficar tão destruído assim?

Suas capacidades de luta estavam acima das dos outros caçadores. Para dar uma noção melhor, meu amigo de infância genial talvez não fosse capaz de derrotá-lo em um combate um contra um. Pode parecer que ele não era tão forte, mas nosso grupo vinha conquistando cofres de nível mais alto e absorvendo muito material de mana. Apesar dessa diferença esmagadora, Ark tinha tanto talento e força que podia superar esse abismo.

E ainda assim, ele estava todo arrebentado. Se ele tivesse lutado com tudo e voltado nesse estado, então deve ter enfrentado um monstro que certamente causaria alvoroço na capital, o que não era o caso. Isso significava que ele lutou contra um inimigo contra o qual não podia lutar a sério. Só havia uma conclusão possível.

Ark falou num tom tão desagradável que mal consegui acreditar no que ouvi.

— Por que diabos você tá se curvando de repente?

—Lady Éclair deve ter feito um escândalo, não? —respondi.

—U... um escândalo, você diz?

Bingo. Imaginei que Lady Éclair, que tentou orgulhosamente presentear Ark com uma máscara, tenha dificultado para ele agir de forma madura. Ele deve ter dito algo como “Eu não preciso disso” ou “Krai gostaria mais disso.” Ao ouvir essas palavras, a jovem com certeza explodiu de raiva. Ark estava acabado porque teve que acalmar a dama furiosa, e o pequeno monstro deve ter lhe dado muito trabalho. Abaixei a cabeça, tentando seguir com meu pedido de desculpas enquanto notava Ark tremendo.

—Por favor, não me entenda mal, Ark. Achei que você conseguiria resolver as coisas pacificamente! Eu realmente não imaginei que você teria tanta dificuldade, e provavelmente não expliquei a situação o suficiente!

Foi minha culpa por não prever a raiva da jovem nobre. Eu deveria ter dado um aviso. Mas, ao esfriar a cabeça, realmente acreditei que Ark poderia resolver esse problema sem dificuldades. A culpa era totalmente minha, já que fiz esse pedido a ele, mas certamente ele também não estava isento de culpa.

—Mas eu pensei que não precisaria te dizer que não deveria irritar a dama —disse.

—Isso é... —Ark começou.

—Você tem uma Maga poderosa no seu grupo. Se a dama fez um escândalo, você não poderia ter usado Prisão Hipnótica ou algo assim? Eu teria ordenado isso à Lucia.

Assim como nosso grupo, Ark também tinha uma excelente Maga capaz de lançar uma grande variedade de feitiços. Isabella Merness, com seu cabelo lavanda único da região norte, arqueou as sobrancelhas.

—Hã?! —exclamou. —Você está dizendo que meus feitiços são inferiores aos da Lucia?! Eu usei, é claro! Usei meu feitiço e não funcionou!

—Hã? Ah, entendi... —respondi sem jeito. —Uh, desculpa.

—Não se desculpe!

—Ah, ei, não se preocupe com isso. Todo mundo tem seus pontos fortes e fracos. Eu? Eu sou cheio de fraquezas. Mas feitiços de desbuff como esse são realmente úteis, então talvez seja melhor você praticar. Posso pedir para a Lucia te ensinar algumas técnicas.

—N-Não ouse me menosprezar!

Isabella pisou forte no chão, as bochechas ficando rubras. Eu não achei que ela falharia em colocar um normie comum para dormir. Pensei que ela fosse uma Maga excepcional, mas talvez não fosse o caso. Suspirei e estendi o braço na direção do escritório do mestre do clã.

—De qualquer forma, achei que vocês voltariam logo —disse. —Estava esperando por vocês. Preparei bolo e champanhe.

Saint Ewe, ao ver os fios brilhantes pendurados no teto, murmurou exausta:

—V-Você realmente caprichou na decoração.

—Pendurei tudo sozinho. Até comecei a me divertir no meio do processo. Aqui, tenho velas também.

Ark permaneceu em silêncio.

—Escuta, eu sinto muito —disse. —De verdade. Eu realmente acreditei que você conseguiria lidar melhor com a situação.

Eu não estava superestimando Ark. Nem um pouco. Ele tinha uma reputação alta e, ao contrário de mim, possuía as habilidades para justificá-la. Como eu poderia imaginar que ele teria dificuldade contra uma simples jovem dama?

Ark permaneceu inexpressivo por um tempo antes de finalmente suspirar profundamente.

—Krai, você nunca explica as coisas direito. Eu não sou onisciente.

—Me desculpe.

—Ouvi dizer que Lady Éclair foi rude com você e que você a alertou sobre os perigos da Relíquia. Ainda assim, eu esperava que você lidasse com a situação de forma muito melhor.

—Me desculpe.

—Não me importo se você me arrastar para suas confusões, mas não pode envolver normies inocentes também. Não foi você quem criou essa regra, Mestre do Clã?

Eu não expliquei direito. Poderia ter lidado melhor com as coisas. Suas palavras eram nada além da verdade. Eu não tive más intenções, mas isso não me isentava das minhas ações. Meu arrependimento era maior que as montanhas e mais profundo que o oceano.

—Eu não achei que as coisas iriam escalar tanto assim —admiti. —Você está absolutamente certo. Da próxima vez, vou me certificar de arrastar apenas você para minhas confusões.

—Você não está arrependido nem um pouco, está? —Isabella disse, com a bochecha se contraindo.

Eu estou. De verdade! Mas, acima de tudo, fiquei aliviado que Ark não falou sobre deixar nosso clã. Entre meus amigos de infância, Ark era um dos poucos preciosos com quem eu lutava. Isso não significava que estávamos sempre brigando; era apenas que nossa amizade era tão forte que algumas discussões não eram capazes de quebrar nosso laço. Tendências violentas precisavam ser descarregadas em algum lugar antes que eu explodisse, e Ark era o homem perfeito para duelar.

—Uhm, então... vocês conseguiram o item? —perguntei.

O timing pode não ter sido ideal, mas eu precisava perguntar. Ark jogou uma bolsa de couro em minha direção, e eu a agarrei apressadamente.

—Passamos por um bocado —Ark disse. —De verdade. Foi um pesadelo tentar conter Lady Éclair enquanto ela brandia sua lâmina. Seus golpes eram muito mais rápidos do que eu esperava, e ela exercia uma força muito maior do que seu corpo deveria ser capaz. Consegui arrancá-lo dela, mas o que exatamente é essa coisa? Ela disse que não colocou a máscara por vontade própria, que ela pulou nela.

Eu não estava ouvindo as palavras de Ark. Era como se eu tivesse recebido um presente de aniversário — rapidamente desatei o cordão da bolsa e enfiei a mão dentro dela. Ark e seu grupo me olharam chocados.

Isso parece nostálgico. Parece nojento, como se eu estivesse tocando um pedaço de carne morna e úmida.

—Krai, essa coisa é perigosa! Não aja de forma imprudente! —Ark alertou.

Tirei a máscara e a ergui no ar. Eu havia perdido essa máscara recentemente, mas parecia que fazia eras. Veias corriam por sua carne rosada. Ugh, isso é tão nojento! É maravilhoso! É excelente! Enquanto eu congelava de deleite, sua boca aberta de repente se moveu por conta própria.

—Que poder... Achei que tinha conseguido um excelente sujeito, mas não esperava que houvesse um guerreiro capaz de suprimir com tanta facilidade o humano que eu havia aprimorado. Hmm, parece que as pessoas desta geração são muito mais resistentes do que me lembro. Preciso mudar meus padrões.

—Ela fala?! —exclamei, minhas mãos tremendo.

A Face Reversível que eu segurei dias atrás era apenas uma máscara simples e não tinha o poder de falar. Eu não possuía uma única Relíquia que pudesse falar e se mover por conta própria.

—M-Mil Truques... E-Eu estava errada. Sou grato por ter enviado Ark para mim — disse uma voz. Uma figura familiar surgiu de trás da porta.

Mas escolhi esse momento para pressionar a máscara contra meu rosto. Ark e todos na sala engasgaram de surpresa. Senti algo rastejar de forma arrepiante atrás da minha cabeça, e parecia que a máscara estava apertando o encaixe para não cair. Ela pode falar e se prender a mim?! Isso é incrível! É como uma Relíquia de alta tecnologia!

—Raaaaaaah! — a máscara uivou.

—O-Q-Que é isso?! Força E-, Agilidade E-, Vigor E-, Mana E-, Curva de Crescimento E-! O sujeito não tem força de vontade ou determinação! Pontuação total: 3! O sujeito não atende aos critérios para ativar a Ganância Evolutiva. Iniciando sequência de ejeção de emergência — uma voz ecoou na minha cabeça.

A máscara tremia como se estivesse tentando desesperadamente se soltar do meu rosto. Os buracos dos olhos caíram de maneira patética, e os apêndices que se prendiam à parte de trás da minha cabeça deslizaram sem vida.

Fiquei em silêncio enquanto minha vontade de viver despencava para um novo patamar mais baixo. Depois de um suspiro profundo, soltei a máscara e ela caiu no chão. Isso não é um Rosto Reversível! Parece similar, mas não tem nada a ver! Fui enganado! Droga! Não pensei que existissem vários tipos de máscaras nojentas por aí! Não esperava por essa. Fiquei tentado a registrar uma reclamação contra quem quer que tenha feito a base dessa Relíquia, mas sabia que não poderia fazer isso. Bom, pelo menos consegui uma Relíquia rara, então acho que vou me conformar.

—Tch, isso é um item degradado? — resmunguei. — Eva, pode preparar uma caixa de vidro para— hã? O quê? O que foi?

Eva sempre parecia um pouco enojada comigo, mas Ark, que normalmente mantinha a compostura, parecia chocado com minhas ações. Os outros membros do grupo dele se esconderam atrás dele, e apenas Lady Éclair conseguiu ficar ao seu lado, embora com as pernas tremendo. Seu rosto estava pálido, e seus olhos estavam cheios de lágrimas.

— N-Nada. Nada, não — disse Lady Éclair.

— Ah, eu esqueci de perguntar — falei. — Posso ficar com isso?

— S-Sim, claro. Eu não preciso dessa coisa. Eu dou pra você! Eu errei ao tentar roubar sua Relíquia! E-Eu nunca mais vou fazer isso! Eu juro! Por favor, me perdoe!

A voz chorosa dela ecoou pelo salão. Bom, não posso culpá-la por querer se livrar de algo assim. Mas eu trabalhei tanto para isso e não esperava esse resultado. Eu não achava que julgaria mal uma Relíquia. Sou um fracasso como colecionador de Relíquias. Decidi enterrar esse erro no fundo da minha alma e levá-lo para o túmulo.

Me recompus e forcei um sorriso enquanto olhava para todos na sala.

— Bem, isso foi meio decepcionante, mas eu até preparei um bolo para vocês. Vamos comer. Também tenho algumas velas.



***

— Tem certeza de que a mais resistente vai servir? — perguntou Eva.

— Sim, valeu. Você me ajuda muito — respondi.

Ela trouxe uma grande caixa de vidro usando algumas rodinhas. Meu quarto privado estava bem escondido. A armadilha era tão simples que qualquer caçador poderia facilmente chegar lá, mas eu não podia deixar qualquer estranho entrar assim. Meu quarto costumava ser grande, mas, conforme minha coleção de Relíquias crescia, ele começou a parecer apertado. Minhas Relíquias não eram apenas minha coleção, mas também minhas armas. Se não fossem fáceis de acessar, não teriam muito propósito. Não que eu ficasse mais forte com essas Relíquias, mas pelo menos eu me sentia mais forte.

Decidi esperar Luke e os outros voltarem para me ajudarem a posicionar o item e coloquei a caixa de vidro no canto. O vidro era de um tipo especial, muito mais resistente do que o comum. Ele era usado para exibir itens em museus e podia até repelir ataques de caçadores.

Com um pouco de esforço, consegui abrir a tampa pesada e coloquei a máscara deprimente no lugar. Seu rosto sombrio continuava igual ao que vi quando a coloquei, e os olhos caídos faziam com que não parecesse tão assustadora assim.

Ark me contou que a máscara havia possuído a nobre e causado um grande tumulto. A Relíquia aumentou drasticamente as habilidades de Lady Éclair, dando a ela um poder comparável ao de um caçador mediano. Se isso fosse verdade, essa era uma Relíquia que eu procurava fazia tempo. Minha coleção tinha várias Relíquias que só ativavam se o usuário tivesse certas capacidades físicas. Se eu pudesse aumentar minha força facilmente com essa máscara, talvez não precisasse viver com tanto medo. Decidi confirmar mais uma vez com a máscara de olhos caídos dentro da caixa.

— Tem certeza de que eu não posso usar você? — perguntei.

Normalmente, falar com uma Relíquia seria uma bobagem, mas a boca da máscara se moveu lentamente para responder.

— É impossível. Meus poderes não podem despertar seu potencial oculto. É melhor você encontrar uma máscara de classe superior, embora quanto mais forte ela for, mais limitado será o número de usuários. Presumo que só possam ser usadas para assuntos militares...

A tagarela parou, sentindo meu olhar. Suspirei. Essa máscara aparentemente tinha o poder de despertar o potencial de uma pessoa, mas meus status eram tão fracos e inúteis que ela não conseguiu extrair nada de mim. Isso significava que meu potencial oculto era ainda menor que o de uma garotinha. Esse mundo não é cruel demais comigo? Suspirei mais uma vez e tentei me animar. Os efeitos desse item podiam ser inúteis para mim, mas sua raridade era garantida. Eu nunca tinha ouvido falar de uma máscara que falava sozinha.

Talvez ela parasse de se mover quando sua mana acabasse, mas era a parceira de conversa perfeita. Toda Relíquia tinha um propósito. A máscara era horrenda, mas nasceu do desejo de alguém. Ela tinha o poder de melhorar as habilidades de uma pessoa, mas também amplificava suas emoções. Eu não sabia se valia duzentos milhões de gild, mas como ganhei de graça, não tinha o direito de reclamar. Ainda assim... eu queria uma Máscara Reversível ...

Eva, que observava nossa conversa, falou hesitante:

— Hã... Krai, sobre essa máscara...

— Hmm? Você quer usá-la, Eva? — perguntei. — Não acho que seja uma boa ideia.

Se Eva usasse a máscara e ficasse ainda mais forte, meu coração frágil se despedaçaria em milhões de pedaços.

— Eu não quero — respondeu ela, me olhando como se eu fosse um doente. Com um tom exasperado, acrescentou: — Será que ela é uma Library? Eu nunca vi uma antes.

Houve um momento de silêncio. Hã? Assim que ouvi suas palavras, franzi as sobrancelhas preocupado e me virei para a máscara.

— Meu nome é Evolve Greed — disse a máscara, irritada. — Eu sou aquele que faz a humanidade evoluir. É muito desagradável ser jogado em uma categoria qualquer.

Eu sou um idiota. Colecionava mais Relíquias do que qualquer um e nunca percebi isso. Essa máscara falava como se tivesse sua própria vontade—ela com certeza parecia uma Library. Fiquei envergonhado por meu erro e apenas assenti em concordância.

— Então você percebeu. Muito bem — falei.

— Eu tenho pesquisado sobre Relíquias também — disse Eva. — E tive a oportunidade de analisar esse item por um tempo. As chances de uma Library aparecer são absurdamente baixas, e eu nunca esperava ver uma com meus próprios olhos.

Apesar do que dizia, Eva não conseguia esconder sua expressão de desgosto. Eu também deveria estar mais animado, mas perdi o timing. Sempre erro nas partes mais importantes. O termo “Library” não se referia a uma Relíquia específica, mas sim a um grupo de Relíquias com uma característica única. Eva respirou fundo e seu corpo tremeu; parecia mais empolgada do que de costume.

Seu tom, geralmente controlado, agora carregava um leve entusiasmo.

— Dependendo dos detalhes, suas dívidas podem desaparecer, Krai. Achei que você só estava em mais uma das suas loucuras...

A Sitri mencionou algo parecido, mas vocês estão todos me tratando como se eu fosse maluco. Isso dói. Agora, um quiz para todos! Qual é a Relíquia mais cara até hoje? Uma espada lendária capaz de cortar uma montanha com um único golpe e partir o oceano? Ou talvez um bracelete que permita ao usuário voar livremente? Quem sabe um bolso dimensional que possa armazenar um castelo inteiro?

A resposta é uma Relíquia do tipo livro. Foi o item mais caro já registrado, e provavelmente o mais famoso também. O Livro das Areias. Essa Relíquia recebeu esse nome pela cor de sua capa e era uma enciclopédia que listava todas as Relíquias que existiam desde a Era das Armas Mágicas. Provavelmente foi criada durante a era dourada da civilização, e, embora o livro não tivesse habilidades especiais, continha informações que podiam virar o senso comum de cabeça para baixo.

A maioria das Relíquias encontradas nos cofres de tesouros foram desenvolvidas por uma das grandes civilizações antigas, da Era das Armas Mágicas, e permitiram que a civilização florescesse. Era um produto do avanço. O conhecimento documentado no Livro das Areias elucidava mais da metade das habilidades de itens que foram escavados e considerados um completo mistério.

Alguns até afirmam que a descoberta do Livro das Areias deu início à era dos caçadores de tesouros. O paradeiro desse livro atualmente era desconhecido, mas o primeiro descobridor da Relíquia a vendeu e usou o dinheiro para fundar uma nação própria. Esse foi o começo do Reino de Mier — agora, mil anos depois, era um dos maiores reinos do mundo. Era um conto de fadas que qualquer caçador de tesouros conhecia.

Itens que poderiam fornecer informações sobre sua criação e, por extensão, sobre a civilização do passado, eram conhecidos como Bibliotecas. Elas podiam ter todo tipo de forma — de livros a pôsteres e monumentos —, mas eu nunca tinha visto um tipo máscara antes.

Relíquias desse tipo raramente eram reveladas, mas, cientificamente falando, esse item era extremamente útil e alcançava preços absurdamente altos. Embora eu não soubesse o quão conhecedora essa máscara era, ela demonstrava inteligência suficiente para manter uma conversa. Eu nem queria imaginar quão alto seria o preço dessa máscara — eu nunca imaginei isso.

— Duzentos milhões foi barato,— eu disse.

— Pode ser que ainda seja barato, mesmo que você ofereça dez vezes esse preço, —Eva concordou.

E eu não paguei um único gild. Já se passavam mil anos desde que o Livro das Areias foi descoberto, e as informações que ele continha já haviam sido amplamente comentadas. Como eu nunca tinha ouvido falar de uma máscara antes, havia uma boa probabilidade de que esse item não fosse um produto da Era das Armas Mágicas. De efeitos à parte, se eu vendesse isso para o império, seria vendido por um preço astronômico. Eva não estava mentindo quando disse que eu poderia provavelmente pagar todas as minhas dívidas.

Eu também ganharia uma reputação honrosa. O imperador de Zebrudia era conhecido por priorizar ganhos práticos, e ele poderia elevar meu nível oficial ou até me conceder um título nobre. Mas quem havia vencido isso em um leilão foi Lady Éclair. Eu deveria devolver para ela? Pensei por um tempo, lembrando da expressão de choque no rosto dela quando ela comeu o maravilhoso e delicioso bolo que eu, Mil Truques, havia cuidadosamente selecionado em uma loja de minha preferência. Seja qual fosse o motivo, ela me deu isso. Eu não tinha razão para devolver, mas, se ela soubesse que me deu uma Library de graça, eu não sabia como aquela nobre orgulhosa reagiria.

— Devemos negociar com cuidado, —disse Eva com uma expressão séria. — Devemos ir a uma empresa de comércio, a um nobre, ou talvez até para outra nação? O Reino de Mier tem passado anos tentando desesperadamente colecionar essas Bibliotecas.

— Eu não vou vender isso,— respondi.

— Hã?! Você não montou esse plano elaborado para obter esse item e vendê-lo?

— Eu já coletei alguma Relíquia para revenda?

Eu já comprei itens caros de revendedores antes, mas nunca vendi nada. Era estranho para mim dizer isso, já que não percebi que tinha uma Library até agora, mas eu era um colecionador de Relíquias. Eu não poderia usar isso, mas poderia vender por um preço alto, mas, se eu começasse a vender minhas Relíquias por esses motivos bobos, seria um fracasso como colecionador.

Eva arregalou os olhos e repreendeu apressada: — Esse item não pode ser manuseado por uma única pessoa. Ele é, de fato, valioso, mas sinto que é melhor se extrairmos todas as informações que ele tem e depois vendê-lo rapidamente...

— Então, isso será um segredo só entre nós dois, Eva, —eu disse.

— Tenho certeza de que Ark e os que estão ao redor do Lorde Gladis vão saber disso.

Não podia negar isso. Mesmo Lady Éclair sabia que a máscara podia falar e possuía alta inteligência. Se você não fosse cego como eu, não seria difícil juntar os pontos e perceber que aquela máscara era uma Library. Eu provavelmente poderia impedir Ark de espalhar isso para outros — ele não era obcecado por itens e fama. Ele era o epitáfio do que caçadores de tesouros deveriam ser. Eu não estava tramando nada de ruim, então eu sabia que poderia lidar com ele.

— Bom, acho que ficaremos bem, — eu disse. — Você pode entregar um bolo na casa da Lady Éclair para ficar bem com ela? Vamos seguir o plano da cenoura e do bastão. Ah, e não esqueça das velas.

— Entendi, —Eva respondeu relutante, sua voz carregando um tom de arrependimento. — Sinto que essa era a oportunidade perfeita para pagar nossa dívida...

Desculpe por te causar tanto trabalho.


Tradução: Carpeado 
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