Nageki no Bourei wa Intai shitai | Let This Grieving Soul Retire Volume 03 – Capítulo 4 [O Leilão e a Relíquia]
— Eu realmente me sinto mal por fazer isso, Sitri, mesmo depois de termos acabado de falar sobre pagar minha dívida.
— Ah, por favor, não se sinta mal com isso. É assim que fazemos as coisas, não é?
Sitri abriu um largo sorriso enquanto sua amiga próxima exibia uma expressão de desculpas.
De fato, Sitri estava um pouco sem dinheiro no momento. Ela vinha produzindo uma quantidade massiva de poções para serem usadas ao carregar Relíquias e as vendia a preços baixíssimos. Além disso, ela havia gastado uma quantia considerável na fabricação de marionetes de metal para sua irmã mais velha treinar.
Inicialmente, Sitri começou a acumular dinheiro para aumentar suas opções e ampliar suas escolhas disponíveis. Ela normalmente diversificava seus recursos para poder fugir a qualquer momento, se necessário. Mas, por conta disso, ela não podia simplesmente reunir uma grande soma de dinheiro líquido de uma hora para outra.
Eva a procurou para pedir que ela parasse de lhe conceder empréstimos e para discutir planos de pagamento, mas Sitri não estava particularmente preocupada com isso. Na verdade, esses "empréstimos" não vinham com juros nem prazos—ela nem se importava se seriam pagos de volta. Quanto a se casar com ele... bem, ela não precisava pensar muito para chegar a uma conclusão.
No entanto, Sitri adotou como política apoiar Krai com empréstimos sempre que pudesse. Claro, seu carinho por Krai desempenhava um papel nisso, mas era difícil imaginar que um "amigo próximo" seu, que ganhava bem como caçador, pegaria dinheiro emprestado apenas para esbanjar.
Considerando seu hobby de acumular Relíquias e que essas Relíquias se mostravam úteis nas expedições dos Grieving Souls ocasionalmente, ela não via razão para impedi-lo. No entanto, mesmo que seu hobby fosse apenas um luxo puro em vez de colecionar Relíquias, ela provavelmente não o impediria também.
Sitri estava do lado de Krai, sem sombra de dúvidas. Assim como Krai, que sempre esteve, ainda estava e sempre estaria ao lado dela nos momentos bons e ruins, ela estava pronta para enfrentar o inferno e a alta água por seu amigo próximo.
O amor é cego.
***
Tendo recebido a notícia de Matthis de que ele havia feito contato com o dono da Face Reversível, segui para o local da negociação.
Ao meu lado, eu tinha Sitri como minha escolta. Ela não demonstrou o menor sinal de relutância quando pedi um empréstimo, apesar do que havia prometido há pouco tempo.
Sitri entrelaçou seu braço no meu de maneira suave e rápida, explicando com um sorriso:
— Não se preocupe. Poderemos financiar isso decentemente se eu liquidar alguns dos meus materiais e poções em reserva. Embora a pesquisa possa ter que ser levemente adiada.
— Sinto muito. Não fique brava comigo, ok?
— Você não precisa se preocupar com nada. Se o pior acontecer, poderíamos pegar um empréstimo no banco, embora eu prefira não fazer isso. Nós, Alquimistas, temos uma vantagem imensa quando se trata de conseguir um empréstimo...
— ...
— Minha irmã vai ajudar também, então não se preocupe. É uma Relíquia absolutamente necessária, certo? Eu a conseguirei para você de qualquer maneira.
— É... uh-huh...
— Vamos... nos colocar em segundo plano. Para ser honesta, eu não quero muito, mas vamos nos colocar em segundo plano — disse Sitri com uma determinação sombria, cerrando o punho.
Eu me senti muito culpado.
Liz disse que poderia ser complicado para Sitri, e de fato, a situação financeira dela parecia muito pior do que eu imaginava. Naturalmente, eu não poderia simplesmente fazer Sitri passar por dificuldades por minha causa. Tentei retirar meu pedido, mas já era tarde demais.
Sitri tinha o péssimo hábito de me priorizar acima dela mesma, não apenas hoje. Provavelmente era pelo mesmo motivo que Liz não se opôs fortemente ao meu pedido de dinheiro emprestado. Era totalmente culpa do meu carisma fazer com que os membros do meu clã rejeitassem todos os meus pedidos de empréstimo.
— Mas, primeiro precisamos determinar o valor necessário... Vamos lidar com o caçador que possui a Relíquia quando for necessário. Negociação é meu ponto forte, afinal — continuou Sitri com um sorriso aparentemente alegre.
Aquele era um sorriso aterrorizante.
Nunca antes eu havia odiado tanto minha incapacidade de ver através das emoções que ela escondia.
Mas... o que ela quer dizer com "lidar" com ele...? Eu preferiria resolver isso pacificamente, se possível.
Liz tinha se aventurado em um cofre do tesouro para me ajudar a arrecadar dinheiro e parecia que ela ainda faria mais visitas a cofres depois. Nunca ouvi falar de alguém fazendo "vault-hopping", mas não tive a chance de impedi-la.
Eu acumulei uma grande dívida. Sou um sugar baby? Sou mesmo?
De qualquer forma, ainda havia esperança. Dependendo da negociação, eu poderia me sair bem sem sobrecarregar demais Sitri.
A negociação direta era uma faca de dois gumes: oferecia a vantagem de garantir uma Relíquia desejada antes dos outros, mas o oponente também poderia explorar a situação e inflacionar o preço. Por outro lado, houve casos em que a negociação fracassou devido ao preço alto do oponente, mas não havia outros compradores no leilão, e no fim, a Relíquia foi adquirida por um preço muito mais baixo do que o inicial.
O céu estava limpo, sem nuvens à vista, mas meu coração estava cheio de inquietação.
Uma taverna adjacente à filial da capital da Associação dos Exploradores, a Sala de Aula dos Desafiadores, foi escolhida como local para a negociação. Era a taverna mais famosa da capital, sempre lotada de caçadores retornando dos cofres do tesouro. As bebidas e a comida ali eram acessíveis, independentemente da qualidade. Todos os caçadores, desde novatos — que tendiam a ser pobres — até veteranos se reuniam ali, tornando-o o lugar perfeito para se manter atualizado com as notícias mais frescas da capital. Eu mesmo costumava frequentar bastante esse lugar nos meus primeiros dias como caçador. Mas, como Liz e Luke haviam sido banidos do estabelecimento após um incidente, já fazia um tempo que eu não aparecia por lá.
Empurrando meu caminho por entre os caçadores, que estavam completamente bêbados apesar de ainda ser de dia, segui em direção à mesa arranjada para a reunião.
À distância, avistei a mesa e, ao registrar mentalmente a figura dos caçadores ao redor, parei no meio do caminho instintivamente.
Sitri também pareceu surpresa, levando um dedo aos lábios.
— Oh... uh...
Isso era ruim.
Verifiquei ao redor, me agarrando a um fiapo de esperança de que tivesse ido para a mesa errada, mas era mesmo a certa. Ali, sentados à mesa, estavam Arnold e seus companheiros, com quem eu tinha tido uma briga difícil recentemente.
Deveria haver mais caçadores do que se pode imaginar chegando à capital nesta época do ano — por que eu tenho tanta falta de sorte...?
Sitri era nosso único músculo aqui. Enfrentar um vanguarda de nível 7 seria impossível se as coisas desandassem.
Talvez eu devesse simplesmente ir embora.
Por um instante, esse pensamento cruzou minha mente. Mas então me lembrei de que fora Matthis quem organizara essa negociação. Por mais que o velho, bajulador de Tino, fosse um suspeito de ser lolicon, eu não poderia simplesmente envergonhá-lo abandonando a reunião que ele se deu ao trabalho de arranjar em meio à sua agenda lotada.
Ao menos já havíamos resolvido nossa briga(?) em um confronto, e eu tinha me desculpado por meio da Chloe. Eles não iriam simplesmente pular em cima de mim no instante em que eu mostrasse o rosto... ou pelo menos era o que eu achava.
Enquanto permanecia parado, congelado, tentando de alguma forma organizar meus pensamentos, Sitri se aproximou da mesa com um sorriso radiante. Sua coragem era admirável, considerando o embate que teve com eles na taverna há pouco tempo.
Eu ainda não estava totalmente preparado, mas também não poderia deixar Sitri ir sozinha. Apressado, segui sua pequena figura.
Quando a figura se aproximou, Arnold ergueu o olhar, sua expressão perpetuamente azeda como sempre.
Por favor, nos ignore.
Apesar do meu desejo desesperado, sua expressão se contorceu ferozmente.
Claro que sim.
Ao lado dele, A arregalou os olhos ao nos ver e ergueu a voz trêmula:
— O-O que vocês estão—
— Agradecemos sinceramente por estarem dispostos a participar da negociação hoje. Senhor Arnold.
Sem hesitar, Sitri atacou preventivamente com uma voz animada. Seus olhos brilhavam — genuinamente.
Agora que penso nisso, ela não tem um fraco por homens como Arnold? Hmm...
A ficou sem palavras diante do sorriso radiante dela.
Arnold estalou a língua e gesticulou com o queixo para o assento à sua frente.
Reprimindo as pontadas nervosas no estômago, sentei-me.
E assim, a negociação começou.
***
O que diabos esse homem está pensando?
Arnold não esperava encontrá-lo em uma negociação e, agora, não sabia como proceder. Ele ainda sentia a raiva ardendo dentro de si, mas um desconforto mais profundo sobrepujava essa fúria.
Esse desenrolar de eventos era claramente antinatural, e sua experiência como caçador lhe dizia que agora era o momento de manter a calma.
Com seu líder mantendo um silêncio estoico, os outros membros, que estavam prestes a levantar a voz, se contiveram. Provavelmente estavam ecoando os mesmos sentimentos de Arnold em suas mentes.
O homem à sua frente era — como dizer — enigmático demais.
Enquanto estava sentado diante de Arnold, sua expressão era tranquila, quase apática, para falar a verdade. Seu corpo era esguio para um caçador, sem músculos ou força aparente. Não carregava nenhuma arma.
Isso era um gesto indicando falta de intenção de lutar, ou algo mais próximo do que ele demonstrara da última vez — que não precisava de armas? De qualquer forma, a audácia de aparecer ali tão calmamente após uma provocação daquelas não era nada comum.
Em contraste, a mulher que o acompanhava exalava uma aura serena. A cor de seu cabelo, olhos e traços faciais eram todos reminiscentes da Sombra Partida, que havia dominado o grupo deles antes. Se a Sombra Partida representava “vitalidade”, então essa mulher representava “serenidade”. Sua aparência era refinada e sua pele clara, imaculada. Cada movimento que fazia era gracioso, mas ao mesmo tempo, sem vulnerabilidades.
Ela deve ter disfarçado, mas, ao olhar mais de perto, a aura que ocultava não era tão diferente da da Sombra Partida. Seu físico indicava que era uma retaguarda, mas eles não podiam se dar ao luxo de baixar a guarda. Arnold provavelmente só percebeu o disfarce dela porque era inferior ao do Mil Truques.
Ela era uma Griever, sem dúvida uma pessoa poderosa.
Arnold lambeu os lábios. Apesar de tudo, ele deveria estar na posição superior nessa situação.
Foram informados de que alguém demonstrou interesse em negociar a compra da Relíquia que haviam enviado para avaliação. Quando ouviu a notícia, Arnold achou que essa pessoa tinha gostos bastante peculiares, mas não esperava que fosse o Mil Truques. Isso poderia significar que esse homem era o caçador de nível 8 que andava buscando Relíquias? Seria coincidência demais se não fosse.
Inicialmente, ele ficaria satisfeito se aquela Relíquia ao menos rendesse uma rodada de bebidas na taverna, mas agora, sabendo que havia alguém interessado nela, a história mudava. Relíquias eram valiosas; algumas eram vendidas por centenas de milhões.
Após concluírem suas apresentações, a mulher que se identificou como Sitri falou com um sorriso, como se o embate anterior não tivesse acontecido:
— Krai tem um gosto peculiar por colecionar Relíquias estranhas. Ele ficou intrigado quando soubemos dessa em particular—
— É um item curioso que tivemos o trabalho de trazer até aqui de Nebulanubes — disse Eigh, mudando completamente de tom e respondendo às palavras de Sitri com um sorriso largo. — Para ser honesto, isso deu um baita trabalho, e vendê-lo por um preço baixo não vai rolar. Este é um item que pode ser interessante não apenas para caçadores, mas também para colecionadores entusiastas. Não é mesmo, Arnold?
Ele lançou um olhar para Arnold, observando sua expressão.
Era um blefe. Pelo menos, ninguém quis aquela máscara em Nebulanubes. Mesmo os nobres, que apreciavam itens raros, eram exigentes em suas aquisições. Dificilmente alguém se interessaria por uma máscara de carne que parecia ser nada além de amaldiçoada.
Ao ouvir as palavras de Eigh, Sitri levou a mão à boca, com uma expressão preocupada.
— Entendo o que quer dizer. Mas, infelizmente, não acredito que ninguém nesta capital vá querer essa máscara sinistra. Krai, aqui, também não está insistindo em adquiri-la.
A negociação ainda estava na fase de sondagem.
Assim que ela disse isso, as sobrancelhas do Mil Truques se moveram ligeiramente, e sua expressão se contorceu por um breve momento.
A mudança foi evidente demais. Era difícil dizer se ele tentava manter uma expressão neutra ou não. Com uma reação tão escancarada, não dava para saber se estava realmente agitado ou apenas encenando.
Eigh ficou confuso, mas manteve a expressão inalterada. Arnold, que o conhecia há muito tempo, sabia exatamente o que ele estava pensando.
Espera. Isso foi realmente uma coincidência desde o início?
O Mil Truques, que estava em conflito com eles e determinado a provocá-los, havia se oferecido para negociar a Relíquia que Arnold trouxera.
Algo assim poderia mesmo acontecer por mera coincidência? Seria compreensível se a Relíquia fosse um item famoso, mas era apenas uma máscara de carne que nem sequer conseguiu ser vendida em sua cidade natal.
Se fosse para seguir a lógica, eles deveriam estar em pé de guerra, não negociando. No entanto, essa situação era obviamente anormal, e, como líder do grupo, Arnold precisava tomar decisões com cautela.
— Não é como se estivéssemos nos recusando a vender.
— Receio que ela provavelmente arrecadaria um valor menor em um leilão do que se nos vendessem agora. Duvido que alguém dispute essa Relíquia e faça lances por ela. Posso presumir que o senhor Arnold compartilha dessa perspectiva, com sua experiência como caçador de alto nível?
Ela acertou em cheio. Foi exatamente isso que disseram a Arnold e seu grupo antes de levarem a Relíquia para avaliação.
Caçadores e nobres eram cautelosos ao adquirir Relíquias, pois algumas delas podiam representar riscos para seus donos. E geralmente, Relíquias perigosas tinham aquela aparência... assim como aquela máscara.
— Isso não é justo — disse Arnold, cruzando os braços e se recostando na cadeira. Olhando para o Mil Truques, e não para Sitri, ele continuou enfaticamente: — Foi uma Relíquia que tivemos muito trabalho para encontrar. Ainda não sabemos seus efeitos, e é desanimador ver uma Relíquia poderosa sendo barganhada a preço de banana. Prefiro simplesmente me livrar dela nesse caso.
Inclusive, já haviam lhe dito que existia a possibilidade de a máscara nem sequer ser avaliada.
Havia duas formas principais de avaliar uma Relíquia: pesquisar documentos acumulados para obter informações ou ativá-la e testá-la. Se o primeiro método falhasse, os avaliadores recorriam ao segundo. Mas avaliadores também eram humanos. Relíquias manifestamente perigosas às vezes eram rejeitadas como impossíveis de avaliar — e, de fato, aquela máscara havia sido rejeitada em Nebulanubes.
O avaliador que Arnold e seu grupo contrataram era um homem com décadas de experiência, renomado até mesmo na capital. Se até ele recusou avaliar a Relíquia, provavelmente não havia ninguém na cidade capaz de fazê-lo. Nesse caso, a máscara só teria valor como item de coleção.
— Parece que você tem uma ideia dos efeitos dela. Não podemos estabelecer um preço sem essa informação. Que tal nos contar que tipo de poder essa Relíquia tem?
Era uma tentativa de desestabilizá-los. Informação era ouro, e ninguém revelava algo assim de graça só porque foi perguntado.
Sitri franziu a testa, parecendo irritada com as palavras de Eigh.
Sentado ao lado dela, o Mil Truques falou com uma expressão séria:
— Isso... eu não posso dizer.
— Humph.
Era esperado.
Arnold estava prestes a levantar a voz e retrucar, mas o Mil Truques, com um sorriso incomodado, disse algo inesperado:
— Mas se eu tiver que dizer algo sobre isso... se minha especulação estiver certa, é uma Relíquia ligeiramente perigosa. Até mesmo a lei deste país proibiria seu uso. No seu lugar, eu me livraria dela o quanto antes.
Arnold era caçador há muito tempo, e sobreviver nessa profissão exigia mais do que apenas força física. Para se destacar, era preciso habilidade de negociação para definir preços adequados na venda de Relíquias e materiais de monstros, além de comunicação para construir conexões com pessoas influentes. Embora a maioria dessas questões fosse tratada por Eigh, vice-líder da Névoa Caída, Arnold havia aprendido sua importância com a experiência. E agora, sua intuição dizia que o homem frio diante dele — o Mil Truques — estava mentindo.
O Mil Truques olhou para Arnold com uma expressão séria.
— “Ligeiramente perigosa”, é isso? — disse Arnold, arqueando a sobrancelha e lançando um olhar penetrante para o Mil Truques, que se inclinou levemente para trás.
Arnold registrou mentalmente cada detalhe: sua expressão, sua postura, suas palavras.
Arnold se perdeu em seus pensamentos.
“A lei proíbe seu uso”, “É ligeiramente perigosa” — essas não são frases que se usam em uma negociação.
Se for assim, posso imaginar facilmente por que você quer tanto essa Relíquia.
Mas isso só nos deixaria ainda mais desconfiados.
O Mil Truques é um estrategista brilhante. Dizem que ele consegue enxergar tudo. Então por que ele está negociando de maneira tão descuidada?
Encarando o silencioso Arnold, o homem à sua frente parecia avaliar suas capacidades com o olhar.
— Mil Truques, você mentiu agora há pouco, não mentiu?
Ele estremeceu.
— “Um pouco perigosa” e que “se fosse eu, deixaria passar”? Engraçado. Você está tentando me enganar?
O suor frio escorreu pela bochecha do Mil Truques enquanto ele se agitava.
Que disfarce esplêndido. Mesmo aos olhos de Arnold, ele parecia genuinamente em pânico.
Certo. Não se deixe enganar pelas palavras dele. Leia nas entrelinhas.
“Perigosa.”
“Se fosse eu, deixaria passar.”
Sim. O Mil Truques não parecia quase como se não quisesse que Arnold se desfizesse da Relíquia?
Naquele momento, uma revelação caiu sobre Arnold. Ele sentiu como se todas as peças do quebra-cabeça tivessem se encaixado.
Será que ele acha que eu—um nível 7—sou um idiota?
Sitri sorria ao lado dele, mas um brilho frio reluzia em seus olhos, como se estivesse olhando para vermes patéticos. Embora tivesse disfarçado sua expressão exterior, não conseguia esconder a luz em seus olhos de Arnold.
— Arnold? — chamou Eigh ao seu lado, lançando um olhar de esguelha para seu líder.
Arnold tomou sua decisão.
— Muito bem, eu vendo para você. Sim, vejamos... Oito milhões de gild—não, dez milhões de gild. Não vou baixar mais que isso, e quero o pagamento à vista e na íntegra.
Embora fosse um preço alto para uma máscara horrenda como aquela, era um valor que um caçador de alto nível poderia pagar facilmente.
Os olhos do Mil Truques se arregalaram como pratos.
Sitri olhou para Arnold como se questionasse sua intenção.
Talvez porque a reação de Arnold fosse inesperada, seus companheiros se remexeram. Apesar disso, toda a autoridade para tomar decisões dentro da Névoa Caída pertencia ao líder, Arnold. Embora, se aquela máscara de carne fosse vendida por dez milhões de gild, eles certamente ficariam mais do que felizes.
Eigh, ao lado dele, olhou para Arnold como se questionasse sua verdadeira intenção.
— Arnold, tem certeza?
— Sim. Porque parece ser uma Relíquia “um pouco perigosa”.
Arnold torceu os lábios em um sorriso intimidador. Diante dele, o Mil Truques estremeceu.
— Você achou que eu não venderia por causa da sua provocação, não achou? Humph... De fato, temos nossos conflitos, mas isso é outra questão. Por ora, vou fingir que nada aconteceu.
— Hã? Ah, isso... sinto muito.
Aparentemente confuso, o Mil Truques coçou a bochecha.
Para começar, já era bem estranho um caçador de nível 8 se envolver diretamente em negociações para adquirir uma Relíquia considerada um pouco perigosa. Se ele realmente a quisesse, provavelmente não teria se envolvido explicitamente desse jeito.
As mudanças na expressão do Mil Truques também eram “naturais demais”, tornando tudo ainda mais suspeito. Parecia apenas uma tentativa chamativa de passar informações.
Suas palavras estavam cheias de mentiras.
Arnold analisou a dinâmica entre eles.
Ao recordar a grotesca máscara de carne—que instilava uma sensação visceral de repulsa—que ele havia enviado para avaliação, Arnold sentiu um calafrio percorrer sua espinha pela primeira vez em muito tempo.
Inspirando fundo, ele olhou nos “olhos” do aparentemente angustiado Krai Andrey.
Dizia-se que os olhos falavam mais que a boca, mas tudo que Arnold pôde sentir das íris escuras do Mil Truques foi perplexidade. As emoções ocultas ali eram indecifráveis para ele.
Mas por que esse cara fez uma negociação tão obviamente suspeita?
A situação era complicada, mas ao se colocar no lugar do adversário e analisar a situação, Arnold desvendou sua intenção: a máscara de carne provavelmente não era apenas “um pouco” perigosa, mas sim perigosa o suficiente para que um caçador de nível 8 se apressasse em recuperá-la. O mais assustador era que o Mil Truques parecia querer que Arnold e seu grupo continuassem com a Relíquia—ou melhor, ele provavelmente havia tomado essa decisão depois de conhecê-los. Embora Arnold não conseguisse detectar qualquer mentira na alegação de que a Relíquia era ilegal.
Considerando tudo isso e com base nas informações coletadas até agora, Arnold chegou a uma conclusão: o Mil Truques descobriu que uma Relíquia extremamente perigosa havia sido trazida para a capital e decidiu agir. Seu objetivo provavelmente era impedir que a Relíquia caísse nas mãos dos nobres, mercadores e caçadores da capital.
De acordo com a investigação de Eigh, o Mil Truques vinha resolvendo incidente após incidente na cidade. Poderia parecer bom demais para ser verdade, mas sempre existiam pessoas que não agiam apenas por benefício próprio—especialmente entre os caçadores de alto nível.
Pensando bem, Arnold percebeu que era estranho que, na taverna que escolheram aleatoriamente ao chegarem à cidade, houvesse um caçador de nível 8—algo raro até mesmo na capital. A taverna escolhida era um saloon barato; considerando o nível do Mil Truques e seu grupo, eles certamente poderiam ter optado por um lugar melhor. Era provável que o Mil Truques já estivesse os observando desde então.
Mas aí, surgiu um problema para ele: o grupo de Arnold entrou em rota de colisão com o dele. As ações da Sombra Partida, ele ousaria dizer, tinham sido inesperadas até mesmo para o Mil Truques.
Ter sua reputação manchada era um golpe crítico para caçadores de tesouros, algo que os faria ser desprezados por outros caçadores e afetaria suas futuras expedições. Arnold fervia de raiva sempre que se lembrava daquele incidente.
Então, percebendo que suas chances de uma negociação bem-sucedida haviam sido quase totalmente destruídas, o Mil Truques mudou de estratégia na hora. Abandonando sua tentativa de convencê-los com palavras gentis, ele começou a provocá-los repetidamente com atitudes e falas questionáveis. Ele tentou enfurecer Arnold a ponto de fazê-lo desistir do leilão completamente.
O objetivo do Mil Truques provavelmente era impedir que aquela Relíquia perigosa caísse nas mãos de nobres curiosos, mercadores ricos e caçadores da capital—a qualquer custo. Ou seja, sua melhor opção seria adquirir e proteger a Relíquia ele mesmo, mas por ora, afastar Arnold e seus companheiros do leilão também serviria a esse propósito.
Era natural que as pessoas não quisessem abrir mão de algo assim, mesmo se dissessem que era uma “Relíquia perigosa” e que “se fosse você, eu largaria isso”, ainda mais se quem dissesse fosse seu maior inimigo.
No entanto, Arnold não seria enganado.
— Você acha que eu sou um idiota? Acha que eu ficaria tão teimoso por causa de uma Relíquia extremamente suspeita como essa? Seu objetivo é garantir que essa Relíquia não caia nas mãos de mais ninguém. Acertei?
— Hã…?
Seu blefe era óbvio.
De fato, se Arnold fosse um caçador de nível baixo, imaturo e incapaz de controlar suas emoções, poderia ter desistido do leilão por pura birra; poderia ter acreditado que o Nível 8 cobiçava tanto a Relíquia que mentiria para conseguir colocá-la em suas mãos. Mas, agora que pensava racionalmente, o que Arnold e seu grupo ganhariam se ele desistisse do leilão?
Aquela Relíquia parecia sinistra à primeira vista; qualquer caçador minimamente cauteloso não cogitaria usá-la. Arnold nunca sequer considerou experimentar aquela máscara e se oporia veementemente caso qualquer um de seus companheiros tentasse.
Agora que sabia que se tratava de uma Relíquia perigosa, não lhe restava escolha senão mantê-la sob forte vigilância—um fardo completamente inútil para eles.
Ou talvez, seria esse o plano dele? Ganhar tempo ao fazê-los desistirem temporariamente do leilão? Havia até a possibilidade de que ele quisesse difamar Arnold e seu grupo, acusando-os de estarem em posse de um item perigoso. Na verdade, não podia descartar a possibilidade de que organizações criminosas pudessem cobiçar a Relíquia, nem que assassinos os atacassem por causa dela. No pior dos cenários, seria possível que o Mil Truques estivesse provocando Arnold a usar a máscara para então condená-lo ao esquecimento junto com o artefato? De acordo com as informações que haviam coletado antes, o Mil Truques não parecia ser um sujeito perverso, mas apenas ser indulgente não teria o levado ao Nível 8.
Arnold e seu grupo eram estrangeiros ali; qualquer coisa que fizessem com eles seria considerado um jogo justo.
Incontáveis possibilidades passaram pela mente de Arnold num instante. Ele não conhecia o poder da máscara, então suas previsões eram, inevitavelmente, apenas conjecturas. Mas, independentemente de qual delas se concretizasse, era certo que as coisas não terminariam bem para eles.
Enquanto ponderava sobre essas hipóteses, o rosto um tanto apático à sua frente começou a parecer uma máscara assustadora, ocultando uma firme resolução.
Ele analisou com cuidado o Mil Truques, que permaneceu em silêncio por um bom tempo.
Muito provavelmente, ele estava testando Arnold, tentando descobrir se ele era realmente inteligente o suficiente para enxergar através de suas falsas atuações e mentiras descaradas para revelar suas verdadeiras intenções.
E se eu fosse um imbecil, cego pela raiva e incapaz de entender os planos do Mil Truques… o que teria acontecido?
E, assumindo que a avaliação de Arnold estivesse correta, o que ele poderia fazer para fazer com que o homem que tentou manipulá-los se arrependesse ao máximo? Qual curso de ação traria o maior benefício para Arnold e seu grupo?
Deveria ir contra a vontade do Mil Truques e vender a Relíquia para algum nobre ou mercador? Mesmo sem ter conexões estabelecidas na capital?
Afinal, repassar uma Relíquia perigosa para indivíduos influentes, sabendo de seu perigo, seria um ato inconsequente de um tolo.
As palavras de quem seriam mais confiáveis: as do Mil Truques, que já havia prestado inúmeros serviços notáveis para aquele país, ou as de Arnold, um recém-chegado? Não era difícil imaginar quem sairia vitorioso nesse embate—enfrentar o Mil Truques era arriscado demais.
Ou deveria usar a Relíquia ele mesmo? Testar um item visivelmente perigoso, que até mesmo avaliadores hesitavam em analisar? Arnold podia ser destemido, mas não tinha um desejo de morte.
Ou, talvez, deveria recusar a negociação e simplesmente prosseguir com o leilão da Relíquia? Essa era uma opção, mas ele tinha certeza de que as chances de a Relíquia alcançar um preço alto eram baixas. Além disso, o Mil Truques à sua frente provavelmente venceria o lance nesse caso. Infelizmente, ele não poderia impor restrições sobre quem poderia dar lances no item.
Deveria simplesmente guardá-la com seu grupo? Mas isso não beneficiaria ninguém, e eles estariam completamente à mercê do Mil Truques.
No fim de seu labirinto de pensamentos, uma solução simples surgiu: sentar à mesa de negociações e vender a Relíquia—e usar os próprios planos do Mil Truques contra ele, exigindo um preço razoavelmente alto que seria difícil de recusar. Esse era o curso de ação que traria o maior benefício para o grupo de Arnold sem qualquer risco; em troca, não causaria nenhum dano substancial ao Mil Truques. Era o compromisso ideal.
— E então, qual é a sua decisão?
Será que estava pensando demais? Essa possibilidade certamente existia.
O Mil Truques pode ter dito que era uma Relíquia perigosa, mas havia a chance de que ele estivesse enganado. Ou até mesmo—por mais improvável que fosse—havia uma pequena possibilidade de que a máscara de carne fosse uma Relíquia útil, apesar de sua aparência. De qualquer forma, se por acaso fosse útil, poderia acusá-lo de mentir durante a negociação. Além disso, independentemente da veracidade de suas alegações, a Névoa Caída não tinha qualquer uso para aquela Relíquia. Mesmo se fosse útil, ele não tinha a menor intenção de usá-la. Descartá-la ali mesmo era sua melhor opção.
Ele não podia se dar ao luxo de tomar a decisão errada. Retribuiria humilhação com humilhação—esse era o jeito de Arnold.
Definir o preço bem alto era, no mínimo, um pequeno ato de retaliação contra o Mil Truques por tê-los testado. Dez milhões de gilds não era um preço razoável para uma máscara de carne conspicuamente perigosa e sem avaliação.
Enquanto Arnold curvava os lábios em um sorriso, o caçador de Nível 8—um dos três únicos da capital—assumia uma expressão um tanto patética.
Muito provavelmente, o Mil Truques havia percebido que Arnold tinha visto através de todos os seus planos. Mesmo ele provavelmente não esperava que seu oponente, a quem tentou enredar, lidasse com a situação com tanta calma. Mas então, o Mil Truques realmente não poderia recusar aqueles termos.
Isso é uma vitória para nós.
Sitri lançou um olhar rápido para o Mil Truques ao seu lado e, exatamente como Arnold havia previsto, assentiu com determinação.
— Muito bem. Levamos por dez milhões de gil—
— Espera um segundo!!!
Antes que ela pudesse terminar a frase, um caçador sentado em uma mesa próxima interrompeu de repente. Era um homem de meia-idade, um rosto desconhecido. Sendo encarado, ele levantou ambas as mãos em um gesto exagerado e forçou um sorriso sem graça.
O homem disse:
— Não estou aqui para arrumar briga nem nada. Essa Relíquia—eu compro por o
dobro do preço.
— O quê?! O que você acabou de dizer?!
Eigh lançou um olhar atônito para o intruso absurdo. Até mesmo o Mil Truques parecia perplexo.
O aparecimento de um caçador disposto a comprar aquela máscara de carne por vinte milhões de gil foi inesperado. Igualmente inesperado foi outro homem, não relacionado, em outra mesa adjacente, que subitamente levantou a voz.
Para Arnold, não fazia muita diferença para quem ele venderia a Relíquia. Afinal, ele não devia nada a esta cidade nem ao Mil Truques. No fim das contas, seria ainda melhor para eles se a Relíquia fosse vendida por um preço mais alto.
Então o que diabos estava acontecendo aqui? Essa pessoa deveria ter acabado de ouvir o Mil Truques dizer que a Relíquia era perigosa.
Sitri fez uma expressão de desagrado.
Como se esse homem desconhecido tivesse aberto uma caixa de Pandora, caçadores por toda a taverna começaram a levantar suas vozes.
— Espera, eu pago vinte e cinco milhões!
— Pera aí. Eu estava de olho nisso o tempo todo! Ofereço trinta milhões!
— Essa é a Relíquia que o Mil Truques tem perseguido a todo custo. Eu ofereço quarenta milhões!
— Você só quer revender! Cai fora!
— O-O que está acontecendo?! Quem são essas pessoas?! — disse Eigh ao se levantar e olhar ansioso pela taverna.
Antes que percebessem, a taverna explodiu em um alvoroço. Os olhares dos clientes estavam carregados de agressividade palpável, e alguns até começaram a se engalfinhar. Todos gritavam fervorosamente suas respectivas ofertas.
Bêbados olhavam boquiabertos para o leilão espontâneo se desenrolar.
— Quarenta e dois milhões!
— Quarenta e três milhões!
— Droga, eu ofereço quarenta e cinco milhões!
— Você nem tem esse dinheiro! Você está endividado, então do que está falando?!
— Cala a boca! Se for preciso, eu vendo meu equipamento para financiar isso!
O quê? Isso é uma piada? Esses caras realmente querem tanto assim essa máscara de carne? …Tem alguma informação que eu não estou sabendo?
Arnold gemeu diante daquela cena incompreensível.
Se esse era o caso, então a teoria de Arnold sobre o plano do Mil Truques se tornava cada vez mais questionável.
Por que essas pessoas querem tanto essa Relíquia grotesca? O que está acontecendo?
Sitri analisou os arredores e soltou um pequeno suspiro. Então disse:
— Isso tudo é porque, Krai, você tem tentado pegar dinheiro emprestado de todo mundo—você deveria ter pedido pra mim desde o começo.
— Heh…
Apesar de seu suspiro abatido, o preço da máscara de carne continuava subindo.
Um dos bêbados se levantou cambaleando e, com uma voz animada, começou a conduzir o leilão improvisado.
Agora estava totalmente fora de controle. Essas pessoas levantando suas vozes estavam completamente sérias.
— Cem milhões.
E foi então que uma voz delicada, mas incongruente, cortou a tempestade de gritos estrondosos.
Os caçadores, que estavam inflacionando o preço aos poucos, todos se viraram para a origem da voz.
De pé sobre uma mesa repleta de garrafas caídas, uma figura em um luxuoso vestido branco entrou em cena. Em sua cintura, uma espada que parecia fora de lugar para seus membros infantis estava pendurada.
— Eu, Éclair Gladis, vou adquirir essa tal de Relíquia mais forte por cem milhões! Entendido?!
— Ugh. É por isso que eu não gosto de nobres e comerciantes… Krai, podemos simplesmente sair dessa negociação?
Sitri soltou um suspiro fraco e puxou a manga de Krai.
Com um sorriso transbordando confiança, a garota que se declarou como Éclair olhou para o Mil Truques.
***
— O que diabos… foi tudo aquilo? Eu fiz algo errado?
Segurando uma revista de fofocas sobre caçadores em mãos, estalei a língua pela primeira vez em muito tempo, frustrado com a situação atual.
A revista estava aberta em uma página colorida com um artigo detalhando os feitos do líder de certo clã, um caçador de alto nível, correndo atrás de uma certa Relíquia que estava programada para ser leiloada no próximo Leilão de Zebrudia. Embora o nome do caçador tivesse sido omitido, dado o quão raros eram os caçadores obcecados por Relíquias que também eram mestres de clã, qualquer um que lesse certamente reconheceria imediatamente que estavam falando de mim.
A negociação estava indo muito bem até que alguém da multidão interrompeu de repente e causou o caos. Mas foi a intromissão da filha do Lorde Gladis que completamente descarrilou tudo.
Eu esperava conseguir comprar a Face Reversível por, no máximo, dez milhões de gil, mas Arnold decidiu que a colocaria novamente em leilão.
Arnold parecia estar confuso com a reviravolta repentina, mas o mais confuso era eu.
Eu não esperava que tantas pessoas estivessem interessadas naquela máscara incrivelmente assustadora, e também não conseguia entender o que a filha do conde quis dizer com "Relíquia mais forte". Tentei dizer à Lady Éclair que não era a Relíquia mais forte, mas sim uma perigosa, mas ela não parecia disposta a me ouvir.
A Face Reversível estava longe de ser a Relíquia mais forte. Era apenas uma Relíquia que mudava a aparência de alguém sem aumentar suas habilidades de combate ou algo assim. Embora pudesse fazer uma pessoa parecer mais musculosa, isso não significava que realmente ficaria mais forte. Como o corpo apenas seria envolvido por uma camada de músculos, isso, na verdade, tinha a desvantagem de dificultar os movimentos caso a forma do corpo fosse alterada de maneira descuidada.
Bem, para ser justo, era ilegal, mas não perigoso, então talvez eu tenha mentido sobre isso, mas mesmo assim, arrancar isso de mim só porque eu queria era crueldade pura. Embora não fosse contra as regras, era definitivamente uma quebra de etiqueta.
Essas pessoas não têm ética? —“Não espere ética de nobres e caçadores”? Ha ha.
Mas era verdade, não era? Nobres eram certamente ricos.
Eva me olhou com um olhar algumas magnitudes mais frio que o normal e perguntou:
— Então, o que você vai fazer?
Enquanto eu ainda estava pedindo ajuda para pagar algumas dívidas que nem tinham a ver com isso, já estava planejando comprar a próxima Relíquia. Agora que parei para pensar (ou mesmo sem pensar), percebi que eu era um caso perdido. E o pior, eu só estava avisando depois do ocorrido.
Alguém, por favor, faça alguma coisa comigo.
Mas permita-me dar uma desculpa: havia a possibilidade de que o Rosto Reversível só estivesse disponível neste leilão! Não seria um exagero dizer que isso poderia mudar minha vida inteira.
Agora que já tenho uma dívida de dez dígitos, o que são mais oito dígitos? Vai ser só alguns por centos a mais. Concorda comigo?
— Krai? Por favor, me responde.
Ah, certo... Você não acha, né...? Eu realmente não tenho escolha a não ser desistir, depois de tudo?
Dez milhões de gild era uma quantia enorme que uma pessoa comum não conseguiria ganhar nem em um ano. Mas para os Grieving Souls, era um valor que podíamos cobrir facilmente com uma única caçada.
Dito isso, cem milhões já era outra história. Simplificando, era dez vezes mais. Grieving Souls era um grupo de sete pessoas, incluindo Eliza, então, para cada um ganhar cem milhões, por um cálculo simples, precisaríamos trazer pelo menos setecentos milhões de gild em Relíquias e materiais raros.
Havia poucas Relíquias que podiam alcançar preços tão altos. Relíquias avaliadas em mais de cem milhões de gild eram conhecidas como “centimilionárias”, e adquirir uma era um dos grandes sonhos dos caçadores.
Como também precisávamos separar uma quantia para um fundo de reserva, conseguir setecentos milhões de gild de uma vez só era um desafio até para nós. Bem, por mais difícil que fosse, não era impossível.
Mesmo assim, até para mim, era preciso coragem para simplesmente gastar cem milhões com toda essa dívida que eu tinha. Liz, que também estava atrás de Relíquias, provavelmente não poderia fazer muita coisa também...
Mas, acima de tudo, o maior problema era que talvez cem milhões não fossem o suficiente, afinal.
— Há rumores de que a filha da Casa Gladis está comprando todas as Relíquias desesperadamente — disse Eva.
Fiquei em silêncio.
— Também ouvi que algumas grandes companhias mercantis estão tentando adquirir esses itens. Presumo que os preços estejam disparando por causa disso.
— Ugh.
— Não me venha com “ugh”! Pelo amor de Deus!
Os nobres estavam gastando sem limites para comprar a vasta coleção de Relíquias. Nenhum caçador normal teria chance contra esses nobres — a diferença de riqueza era grande demais. A poderosa Casa Gladis vinha apoiando o império por gerações. Já as companhias mercantis não tinham laços com os nobres, e estavam morrendo de vontade de mudar isso.
As Relíquias eram um presente da natureza e notoriamente raras. Historicamente e globalmente, eram usadas como oferendas. Independente do valor da peça de carne em questão, o fato de Lady Éclair ter entrado na disputa certamente chegaria aos ouvidos das inquietas companhias mercantis envolvidas no leilão.
Os caçadores ganhavam bem, mas quem detinha a maior riqueza nesse país eram as companhias mercantis e os nobres. Eu sabia que nenhum deles jogaria toda sua fortuna para conseguir uma Relíquia, mas, como alguém endividado, eu não podia correr esse risco e enfrentar um inimigo tão poderoso. Eu até entendia o interesse das companhias mercantis, mas por que Lady Éclair precisaria de uma Relíquia ilegal? Ela queria obter a Relíquia mais forte e se tornar uma caçadora? Isso não ia acontecer. Não importava o quão poderosa fosse a Relíquia, sem desenvolver sua própria força, ela sempre seria um peixe pequeno. Eu era a prova viva disso.
— Então, o que vai fazer? — perguntou Eva.
Não consegui responder.
— Pense bem, Krai. Você realmente precisa dessa Relíquia? — ela perguntou gentilmente, tentando me dissuadir. — Você já tem várias.
Mas eu queria. Eu queria essa Relíquia desesperadamente. Se pudesse tê-la, pegaria sem pensar duas vezes. Eu realmente não precisava dela? Cocei a cabeça furiosamente. Embora talvez fosse possível juntar cem milhões, uma batalha de dinheiro contra nobres e companhias mercantis era impossível de vencer. E o leilão estava se aproximando. Eu era um consumidor nato e nunca tive chance alguma desde o começo.
Eva suspirou.
— Se era pra fazer essa cara, por que se enfiou em dívidas e saiu espalhando informações?
— E-eu não lembro de ter feito isso... — respondi. — Hmm... Será que a Lucia guardou muito dinheiro? E-eu tô brincando! Só brincando!
Eva, que normalmente me apoiaria, por mais patético que eu fosse, me olhou de lado com desprezo, como se eu fosse lixo. Mas, se me permitem uma desculpa, Lucia tinha dito que, se eu realmente estivesse precisando desesperadamente de dinheiro, eu poderia pegar das economias dela. Como irmã mais nova confiável que era, afirmou que, se eu fosse me endividar, era melhor que fosse com ela.
Mas, bem... acho que não tem jeito. Vou fazer o meu melhor. Se não for o suficiente, simplesmente desistirei da Relíquia. Minhas economias estavam longe de ser suficientes para superar os nobres e as companhias mercantis. Eu também precisava me preocupar com a Sitri, e esse momento não poderia ser pior. Me senti mal por fazer isso, mas, se fôssemos visitar docerias no futuro, eu precisaria da Tino para nos acompanhar também. Justo quando tomei minha decisão, Sitri entrou no quarto, um pouco ofegante.
— É por isso que eu não gosto de nobres e mercadores... — ela disse, bufando. — Eles sempre, sempre tentam resolver as coisas com dinheiro ou usando sua influência. Usam truques baratos e sujos pra roubar o que você quer, Krai...
Em vez da bolsa habitual que carregava nas costas, ela segurava uma grande mala que facilmente caberia uma pessoa dentro. Seu rosto exibia uma expressão serena, mas seus olhos transbordavam determinação. Isso pode parecer um comentário aleatório, mas Sitri odiava perder. Sua graça escondia o fato de que ela era tão teimosa quanto Liz. Meu espírito já estava pela metade quebrado, mas parecia que a destemida Sitri estava determinada a contra-atacar.
— Krai, se for dinheiro que você precisa... Eu tenho — explicou ela. — Ainda podemos lutar. Fiz questão de criar poções secretas para eles, mas no momento em que fui acusada de um crime, aqueles nobres mudaram de atitude num piscar de olhos. E eu quero me vingar daqueles mercadores por venderem minhas poções a preços exorbitantes, enchendo os bolsos mais do que o necessário. Vou acertar dois alvos com uma só tacada.
Ela parecia mais empolgada com isso do que eu... e sinto que nossas motivações iniciais mudaram um pouco. Sitri colocou a mala na minha frente e destravou a fechadura, revelando uma montanha de riqueza que uma pessoa normal dificilmente veria. Moedas de prata reluzentes, exponencialmente mais valiosas que as moedas de ouro e que valiam cem mil gild cada, estavam empilhadas. Havia claramente mais de cem ou duzentas dessas moedas preciosas, e a mala estava tão cheia que algumas rolaram para o chão aos meus pés. Eva parecia atordoada. Se houvesse alguma transação comercial que exigisse uma mala cheia de moedas de prata, ela seria feita com um cheque.
— Onde você conseguiu isso? — perguntei.
Ela não tinha dito que estava quebrada? O monte de belas moedas de prata à minha frente valia facilmente mais de cem milhões de gild. A pele de porcelana de Sitri ficou levemente corada.
— Esse é o dinheiro para o meu casamento que venho economizando e escondendo da minha irmã — disse ela. — Tem cerca de oitocentos milhões.
Não consegui esconder meu choque, e Eva reagiu da mesma forma.
— Dinheiro para casamento?! — ela exclamou, os olhos arregalados de surpresa.
Entendo... Dinheiro para casamento... Um turbilhão de perguntas inundou minha mente. Você não economizou um pouco demais só para um casamento? Desde quando começou a guardar dinheiro? Já tem alguém em mente? Mas antes de tudo, não havia a menor chance de eu aceitar um dinheiro tão precioso. Sitri, você está indo longe demais... Isso já é exagero. Isso não é apenas um fundo secreto que você guardou—é uma fortuna inteira.
— Desculpe, mas não posso aceitar o dinheiro que você economizou— — comecei a dizer.
— Eu planejava gastar isso com você, então estamos apenas adiantando um pouco as coisas, eu suponho... — Sitri respondeu, com as orelhas vermelhas.
Agora eu estava confuso.
— Hã? Quando você disse dinheiro para casamento, quis dizer que guardou isso para o meu casamento?
Éramos amigos há muito tempo, mas eu não conseguia acreditar que ela tinha economizado dinheiro para mim, com quem não tinha nenhum laço de sangue. Isso não pode ser...
— Hmm? — ela respondeu, confusa. — Não, esse dinheiro é para o meu casamento. Você pode pensar nisso como um dote adiantado.
— Acho que os homens é que deveriam pagar quando pedem uma mulher em casamento.
Além disso, esse pagamento só poderia ser feito ao parceiro de casamento. Sitri me olhou, perplexa, antes de bater o punho na palma da mão.
— Acho que você tem razão... — disse ela. — Mas olha, num casamento, acho que tanto o homem quanto a mulher devem trabalhar juntos para construir um relacionamento. E eu sou do tipo que se entrega completamente ao meu homem.
Ela soltou uma risadinha leve.
— É, aham. Ha ha ha ha... — respondi.
Sitri é surpreendentemente um pouco avoada, pelo visto. Enquanto eu falava animado, Eva, que ficou em silêncio o tempo todo, agarrou meus ombros e começou a me sacudir violentamente.
— Do que você está rindo, Krai?! — ela exigiu. — Você vai acabar sendo forçado a casar com ela desse jeito!
— Hã? — respondi. — Nah, isso não pode ser...
Presumi que fossem só as piadas habituais da Sitri sobre casamento. Casamento? Eu? Nunca tinha nem pensado nisso. Era um compromisso para a vida toda, e eu achava melhor refletir sobre isso com calma depois que me aposentasse como caçador e conseguisse um emprego estável para me estabelecer.
— Quando colocarmos as mãos naquela Relíquia, ela será o seu anel de noivado — Sitri disse.
Hã? De jeito nenhum. Eu não conseguia ver uma máscara grotesca de carne como um anel. Fiquei calmo ao ouvir sua sugestão absurda, mas Sitri continuou entusiasmada.
— Quanto a mim, se você não se importar, eu gostaria de um anel da sua coleção.
Isso, eu não me importava nem um pouco. Minha coleção era importante, claro, mas Sitri e os outros eram muito mais preciosos para mim. Eu estava mais do que disposto a oferecer a ela um anel Relíquia, mas ainda sentia que estava me aproveitando dela. Nem mesmo um Anel de Segurança valia oitocentos milhões. Como eu poderia retribuir Sitri? Cruzei os braços e fiquei pensando enquanto Eva avançava e batia na mesa com força, um sorriso estampado no rosto enquanto olhava para Sitri.
— Sitri, acho que já disse que as dívidas do Krai serão pagas por completo — Eva disse.
— Hã? Ah, não se preocupe com a gente — respondeu Sitri. — Nossos laços não são tão superficiais a ponto de um casamento desmoronar por causa de dívida.
— O motivo número um que faz grupos de caçadores desmoronarem são problemas financeiros! Porque você é tão tolerante com ele, ele ficou péssimo com dinheiro—
— Hã? Ah, não se preocupe com a gente. Eu aceito o Krai, ruim com dinheiro e tudo.
— Não é disso que estou falando!
Eva permaneceu firme mesmo diante de uma caçadora de alto nível. Eu tinha dito para ela nunca encostar um dedo em Liz e nas outras, mas senti que suas palavras vinham carregadas de emoção.
— Por favor! Não! Faça! Promessas! Estranhas! Com! O nosso mestre de clã! O que você vai fazer se começarem a circular boatos esquisitos?! — Eva gritou, pausando para recuperar o fôlego. — Eu vou pagar todas as dívidas dele completamente. Pode confiar. Isso inclui o dinheiro para casamento que você emprestaria ao Krai. Está claro?
Sitri suspirou.
— É por isso que não gosto de mercadores.
Ela abaixou os ombros em rendição, fazendo a bochecha de Eva se contrair. Eu não tinha nada a oferecer nessa briga, então me agachei e me preparei para fugir. Estou levantando a bandeira branca. O casamento da Sitri é mais importante do que uma Face Reversível. Eu só queria aquela relíquia se pudesse conseguir por um preço relativamente barato. Me desculpem por estar tão desconectado do valor do dinheiro. Me sinto mal... Urgh...
— Só espere e veja, Krai — disse Sitri, determinada. — Eu vou comprar essa Relíquia de qualquer jeito.
— Ah, não, valeu — respondi. — Tenho certeza de que vai ser cara, e há uma chance de que oitocentos milhões não sejam o suficiente...
Tentei dar uma razão para fazê-la desistir, mas até eu sabia que o dinheiro dela era mais do que suficiente. As habilidades daquela Relíquia não valiam tanto assim. Mas Sitri apenas cerrou os punhos e inclinou-se para frente sem medo.
— Ah, não seja tão reservado! — disse ela. — Posso conseguir mais dinheiro, se quiser. Vou usar qualquer meio necessário para conseguir essa Relíquia. Que tal espalharmos rumores ruins sobre esse item? É muito mais fácil abaixar o preço do que juntar mais fundos.
— Ah, claro... — comecei a dizer antes de me conter. — Ah, não, não, não. C-Calma aí, tá bom?
Ao ver o brilho nos olhos dela, fiquei decidido a impedi-la de enlouquecer.
***
Talvez por conta do Leilão de Zebrudia estar se aproximando, a Associação dos Exploradores estava mais movimentada do que nunca. Para os caçadores que usavam a capital imperial como base, o leilão era uma oportunidade de ouro para fazer fortuna e uma chance perfeita para arrematar armas poderosas e aumentar sua força.
Havia uma multidão maior que o normal reunida em frente ao quadro de missões. Preparando-se para o grande dia do leilão, alguns procuravam informações sobre o cofre do tesouro, na esperança de coletar mais Relíquias. Outros estavam analisando missões de terceiros, tentando arrecadar mais uns trocados para dar lances. Tino também estava na multidão, ficando na ponta dos pés e esticando o pescoço para ler as missões no meio dos caçadores mais altos.
Com o leilão se aproximando, quase todas as boas missões já haviam sido pegas. As missões para derrotar monstros próximos estavam esgotadas, restando apenas aquelas que exigiam muito tempo e não ficariam prontas antes do leilão. A multidão de caçadores exalava uma aura assassina, olhando freneticamente ao redor com olhos injetados de sangue, na esperança de agarrar algum funcionário da Associação que pudesse ter missões novas para oferecer.
— Todo mundo aqui é de terceira categoria — pensou Tino.
A data do leilão já estava decidida há muito tempo, e os caçadores de primeira linha já haviam reunido os fundos e as Relíquias necessárias para o evento. Provavelmente, estavam rindo dos caçadores de terceira categoria que corriam contra o tempo para se preparar.
Tino não tinha interesse no leilão. Não era muito materialista e relutava em gastar seu dinheiro. Então, por que tinha que ser tratada com desprezo como os caçadores despreparados ao seu redor?
Sem se deixar levar pelo frenesi no ar, ela de repente ouviu uma voz chamá-la.
— Ei, Tino. Tudo bem com você?
Tino virou-se silenciosamente e viu uma Ladina com quem já havia feito equipe no passado, durante sua jornada na Toca do Lobo Branco: Rhuda Runebeck. Como sempre, ela tinha cabelos castanhos sedosos e um busto cheio que chamava atenção. Recentemente, havia subido para o Nível 4, e as duas eram próximas o suficiente para conversarem casualmente sempre que se encontravam.
Como companheiras Ladinas, Tino se dava bem com Rhuda, chegando até a arrastá-la para o treinamento com seu mestre. Tino raramente visitava a Associação e, por isso, não via Rhuda com frequência, mas eram amigas o suficiente para se chamarem de companheiras. Ao encarar Tino em silêncio, Rhuda deu um sorriso tenso.
— Você parece estar bem, como sempre — disse ela. — Já terminou o treinamento?
— Minha irmã disse que ia fazer um tour pelo cofre do tesouro — respondeu Tino. — Fui deixada para trás porque ela disse que sou densa.
— I-Isso parece bem típico dela...
Uma revista de fofocas repleta de informações sobre caçadores de tesouros foi enfiada na frente de Tino. A página aberta trazia um resumo das Relíquias que seriam leiloadas. Ela pegou a revista e começou a folhear.
Um certo caçador famoso estava correndo atrás de dinheiro para comprar a Relíquia mais poderosa. Outros caçadores também estavam de olho nela, é claro, mas até mesmo nobres estavam disputando o item com olhos vermelhos de cobiça. A Relíquia preciosa havia sido encontrada por um caçador de Nível 7 de uma nação estrangeira, que mal conseguiu escapar com vida.
O nobre em questão era próximo de Ark Rodin, e várias companhias comerciais estavam se esforçando para colocar as mãos nesse item. Todos sabiam que essa Relíquia seria o grande destaque do leilão.
— Essa revista está falando sobre Krai, imagino? — perguntou Rhuda.
Mas quão verdadeira era essa matéria? Ela até fazia previsões sobre os poderes da Relíquia e estimava seu preço no leilão. Havia até uma afirmação ousada dizendo que qualquer caçador que conseguisse essa Relíquia teria um aumento garantido de nível.
Revistas de fofoca nunca eram confiáveis, mas Tino franziu a testa ao ler o quão infundadas essas alegações pareciam ser.
— Eles estão errados... — murmurou Tino.
— Hã?
— O Mestre... nem sequer pegou dinheiro emprestado.
Rhuda ficou surpresa.
Tino havia visto apenas um trecho da negociação, mas pelo que sabia, ninguém estava disposto a emprestar um único gild para o Mestre. Ela ficou sem palavras ao vê-lo morrer uma morte honrada, desmoronando em pequenos pedaços.
A revista dizia que Krai estava juntando centenas de milhões, mas de onde tinham tirado esse número?
Tino inclinou a cabeça para o lado, confusa, enquanto os olhos de Rhuda brilhavam de curiosidade.
— Hmm, então você está dizendo que isso não tem nada a ver com Krai? — perguntou Rhuda.
Tino ficou em silêncio, mas tinha certeza de que estavam se referindo a Krai. Não havia muitos caçadores de alto nível que fossem mestres de clã e tivessem um gosto por colecionar Relíquias. Quando terminou de ler, soltou um suspiro profundo e devolveu a revista para Rhuda. O artigo terminava com algumas palavras que zombavam daquele certo caçador de alto nível, afirmando que qualquer um que se propusesse a colecionar Relíquias sem pensar duas vezes nos gastos era verdadeiramente louvável e a imagem perfeita do que um caçador deveria ser. O caçador era capaz de usar ao máximo seus poderes e influência como mestre de clã e ainda tinha uma mulher no mesmo grupo que entregava todo o seu dinheiro para a causa. Esses comentários indiretos e sarcásticos só poderiam ter sido escritos por um autor destemido. Eram todas mentiras.
Tino desistiu de tentar ler o informe da missão em meio à multidão e sentou-se em uma mesa na área de reuniões. Rhuda sentou-se à sua frente.
Como vou explicar isso? Tino pensou. Rhuda era uma Ladina recrutada por Krai para ajudá-la. Embora fosse um grupo temporário, ela havia se familiarizado com o mestre de clã e, preocupada com ele, veio procurá-lo. Não quero desperdiçar suas boas intenções. A compassiva Tino também sentia pena da mulher, que estava tão aflita por causa desses rumores infundados. Após alguns segundos de hesitação, ela abriu a boca.
— Mestre já encontrou um jeito de obter a Relíquia — disse Tino com firmeza e objetividade. — As dívidas dele... podem ser resolvidas, então você não precisa se preocupar.
— Hã? — Rhuda arregalou os olhos. — Tem certeza?
Pelo que Tino sabia, ninguém na capital imperial poderia competir com o Mestre no quesito colecionismo. De fato, certa vez, ela havia seguido Liz até o quarto dele e viu que o lugar estava decorado com uma quantidade incontável de Relíquias. Havia facilmente mais de uma centena delas expostas. Desde as mais comuns até aquelas que não tinham sequer rumores associados, sua coleção provavelmente superava qualquer loja de Relíquias da capital. O valor das Relíquias variava conforme a demanda, mas se ele convertesse tudo em dinheiro, facilmente teria mais de dez bilhões de gild. O termo "caçadores de tesouros", sempre à procura de riquezas, não poderia descrever melhor o Mestre de Tino. E... tenho certeza de que dívidas também não são um problema.
O rosto de Sitri passou pela mente de Tino, fazendo-a estremecer. Siddy provavelmente admirava o Mestre ainda mais do que Lizzy — eram irmãos de alma. Na verdade, Siddy não apenas permitiria que o Mestre contraísse dívidas, como também emprestaria alegremente todo o dinheiro que tivesse. Isso era óbvio até para Tino, que tentava evitar sua irmã sempre que possível. Se Siddy não tivesse dinheiro suficiente, certamente recorreria a qualquer meio necessário para conseguir os gild necessários. Tino balançou a cabeça, tentando afastar da mente o olhar ameaçador de Siddy sempre que ela se aproximava do Mestre.
— Mestre sempre consegue qualquer Relíquia que deseja — disse Tino. — Acho que essa informação boba foi espalhada de propósito por ele.
— Hã? Sério?
— Acho que sim.
Como isso não poderia ser calculado? Não havia razão para ele se humilhar diante de Ark Rodin e pedir dinheiro na frente de uma grande multidão, e ele não precisava parecer tão obcecado com dinheiro no salão. Tino não fazia ideia dos esquemas geniais do Mestre, mas sabia que ele sempre tramava algo grandioso. E os resultados sempre eram incríveis. Eu mesma não entendo direito, mas sei que são.
Rhuda lançou um olhar duvidoso antes de recuperar a compostura. Então, inclinou-se para frente, olhou ao redor, preocupada com os arredores, e sussurrou no ouvido de Tino.
— Então, Tino, o que exatamente Krai está buscando?
— Uma máscara esquisita — Tino sussurrou de volta. — Parece uma Relíquia antiga que o Mestre tinha, mas acho que é um item completamente diferente. Não sei que poder ela tem.
— Awww... Eu tava meio curiosa sobre isso.
Um Rosto Reversível era a Relíquia favorita do Mestre até recentemente. A atual com certeza era diferente. Ouvi dizer que a Relíquia tinha uma reputação tão ruim que Lizzy a esmagou em pedaços. Admitidamente, Tino também não era fã do item, já que ele frequentemente mudava de rosto.
— "Essa sim é a verdadeira Mil Truques!" — o Mestre havia dito, fazendo todos ao seu redor estremecerem. Nem mesmo Siddy conseguiu dar uma risada sincera. E quem poderia culpá-la? Por mais que o que importasse fosse o interior, ninguém ficaria feliz ao ouvir que a pessoa que admira estava olhando extasiada para um rosto mutável enquanto o chamava de Mil Truques.
Mestre é uma pessoa incrível, mas ele está tão à frente de mim que eu simplesmente não consigo entendê-lo.
— B-Bem, se você tem certeza... — Rhuda disse. — Todo mundo tá cochichando rumores, e eu sabia que ele ficaria bem, mas...
Provavelmente era verdade que tanto nobres quanto comerciantes estavam se envolvendo. Outros caçadores também estavam fofocando sobre isso, afinal. Era praticamente garantido que essa Relíquia dispararia de preço — isso já havia acontecido antes em leilões.
O que estava prestes a começar era uma batalha pelo limite. Somente caçadores de primeira linha tinham alguma chance contra comerciantes e nobres. Mas por que todos estão tão preocupados com o Mestre? Ele pode parecer um pouco inconstante, mas isso não passa de sua imagem. Seu alto nível com certeza atesta suas habilidades. Para Tino, que se sentia insignificante em comparação, era difícil entender essa linha de pensamento.
— Ah, e a propósito, o que você tá fazendo aqui, Tino? Parece que todo mundo tá correndo atrás de missões.
— J-Já que eu não posso treinar, queria ganhar o máximo de dinheiro possível e ajudar o Mestre... — Tino falou com os olhos baixos, sua voz sumindo no ar.
***
No escritório do mestre de clã, uma discussão acalorada entre Sitri e Eva havia começado. Para elas, eu era tratado como um mero espectador, e fiquei tentado a sair de fininho e comprar um docinho ou dois.
— Como eu acabei de dizer, se eu parar de vender minhas poções e a Passos se recusar a fornecer materiais, tenho certeza de que a grande maioria das empresas comerciais cooperaria conosco — explicou Sitri.
— Poções à parte, você pretende comprar briga com as empresas comerciais?! — gritou Eva. — Isso também nos traria problemas se os negócios desmoronassem!
— Bem, isso é algo com que você tem que lidar, então não é realmente da minha conta... Mas se for pelo Krai, estou disposta a mudar a localização da minha base, então realmente não me importo com os mercadores desta nação. Acho que todos concordariam comigo.
Ela é tão extrema. Em contraste com a séria Eva, Sitri tinha um sorriso brincando nos lábios.
— Achei que minha loja estava ficando um pouco grande demais para o meu gosto de qualquer forma — acrescentou Sitri. — Antes de qualquer coisa, Krai é o nosso líder. Ele não é apenas o mestre do clã.
Parecia que ela não se preocupava com o bem-estar do clã que construímos. Eu não podia culpá-la; fui eu quem quis um clã, e ela pouco se importava com seus membros. Recentemente, parei completamente de explorar cofres de tesouro, o que a desagradou bastante. Os ombros de Eva tremiam de raiva com os comentários mordazes de Sitri, e eu rapidamente intervim para tentar amenizar a situação antes que as faíscas voassem na minha direção.
— Não faça isso, Sitri — eu disse. — Você não pode pressionar as companhias comerciais. Sei que negociações podem incluir esse tipo de conversa, mas não podemos ser desumanos com pessoas a quem estamos endividados.
O que vai acontecer com o clã se Eva for embora? Eu até estou deixando ela lidar com assuntos estrangeiros.
— Entendido — Sitri disse, relutante. — Mas se não podemos espalhar rumores ou negociar com os mercadores...
— Só estou avisando que ambas as opções são contra a lei imperial — Eva interveio.
Sim, eu sei. Eram métodos ilegais. Meu erro, ok? Não preciso mais daquela máscara. Sitri olhou para mim com um sorriso brilhante.
— Então por que não negociamos com o vendedor mais uma vez? — ela sugeriu. — Se não formos muito exigentes com o método, talvez possamos obter o item por um preço baixo. Podemos dizer que o vendedor se intimidou com a confusão e deixou o império com o rabo entre as pernas. Parece um cenário plausível, não é?
— Hmm? Acho que não — respondi. — Ninguém vai aceitar essa justificativa, eu acho.
Eu não entendia muito bem de onde ela estava tirando isso, mas não havia chance de Arnold simplesmente concordar só porque acrescentamos uma pequena taxa extra.
Sitri continuou pensativa:
— Hmm, isso pode causar um pouco de confusão, mas seria melhor se Lady Éclair não estivesse por perto. O que você acha?
— Hã? Não acho que ela vá simplesmente... desaparecer. Ela também não parece gostar muito de mim.
Embora seus motivos fossem desconhecidos, talvez fosse porque ela gostava de Ark. Ele e eu não tínhamos uma relação ruim, mas aparentemente os caçadores novatos de Zebrudia estavam divididos em duas facções: a minha e a dele. Só para constar, eu definitivamente fazia parte da facção do Ark — era óbvio para mim.
— Mas há muitos caçadores grosseiros por aí, e é claro que ela é rica — Sitri concluiu. — Além disso, ela é famosa por não gostar de caçadores. Não seria estranho se ela fosse sequestrada, e há muitos caçadores dispostos a fazer qualquer coisa por dinheiro. O que você acha?
— Hã? Aposto que ela tem guardas ao seu redor. Ela deve estar bem.
Ela era filha de um nobre. Zebrudia era conhecida por seus caçadores, e os nobres sempre contratavam guardas à altura. Sitri cruzou os braços na frente do peito e gemeu alto.
— Mas eu não acho que nenhum deles seja resistente à minha mistura original — ela disse. — Você precisa de material de mana e então direcioná-lo para longe do crescimento de mana.
No passado, Sitri criou uma poção venenosa original que era eficaz contra fantasmas. Como funcionava contra fantasmas e monstros, certamente funcionaria contra humanos, mas aparentemente apenas ela sabia fazer, e havia pouca chance de seu item ter vazado para outro lugar.
— Mhm, aham — eu disse. — Mas já que só você pode fazer, não tem como estar no mercado.
Foi então que ela bateu as mãos como se eu estivesse exatamente certo.
— Não se preocupe, eu me certifiquei de que Talia soubesse como fazer. Perfeito para momentos como este!
Hã? Não se preocupe? Eu não achava nem por um segundo que Talia trairia Sitri.
— Só porque Talia sabe, não significa que ela vá vazar sua receita — eu disse. — Isso parece altamente improvável.
— Hã, acho que você tem razão.
Sitri mais uma vez parecia perdida em pensamentos. Eva, que estava ouvindo em silêncio com os olhos arregalados, finalmente decidiu falar algumas palavras.
— E-Espera um segundo. Vocês não estão falando sério... estão?
— Hã? — perguntei. — O que você quer dizer?
Eu disse alguma coisa? Sinto que estou perdendo o fio da conversa. Eva estava encarando Sitri, que inclinou a cabeça para o lado, confusa.
— Hã? Er, bem... — Eva gaguejou. — E-Eu sei que você não é assim, Krai. Eu acredito em você. Eu acredito mesmo.
Sitri começou a murmurar para si mesma.
— Bem, se não podemos ir até o vendedor e não podemos leiloá-la, a única coisa que podemos fazer para conseguir a Relíquia é... Bem, talvez antes, mas esse risco é muito grande...
Pelo seu olhar sério, estava claro que ela queria conseguir aquela Relíquia para mim a qualquer custo. Mas eu não tinha intenção de usar métodos obscuros para obtê-la. Eu apenas participaria do leilão diretamente e, se não conseguisse, ficaria por isso mesmo. Na verdade, talvez fosse até melhor se eu não conseguisse, nesse ritmo. Por favor, use seu dinheiro para o casamento para você mesma.
— Agradeço suas ideias, mas você não precisa fazer nada — eu disse. — Vou apenas dar meu lance no leilão de forma justa, e se eu falhar, eu falhei. Eu nem quero tanto assim.
— Se você diz, Krai — Sitri disse. — Então vou fazer o meu melhor para juntar mais fundos.
Sinceramente, você não precisa fazer isso também. Oitocentos milhões já parecia mais do que suficiente. Pela primeira vez desde que cheguei à capital imperial, eu estava ansioso para que o leilão terminasse. Ao ver uma Sitri determinada e uma Eva carrancuda, eu rezei para que toda essa confusão acabasse sem mais problemas.
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