Nageki no Bourei wa Intai shitai | Let This Grieving Soul Retire Volume 03 – Capítulo 3 [A Convergência e o Pandemônio]
Como isso foi acabar assim? Contemplei enquanto lançava um sorriso meio sem graça na direção da sobrinha de Gark; por outro lado, ela, vestida casualmente, exibia um sorriso radiante no rosto.
A cafeteria, bem próxima à sede do clã, estava bastante movimentada, mesmo em uma tarde de dia útil.
Normalmente, eu não chamava muita atenção, mas hoje podia sentir um número incomum de olhares sobre mim—culpa da Chloe.
A Srta. Sobrinha, sendo o rosto da Associação, era obviamente uma beleza animada. Sua aparência se encaixava perfeitamente, mesmo entre a multidão de pessoas atraentes ao nosso redor. E assim, uma garota como ela certamente chamaria atenção ao ser vista com um homem como eu. No entanto, Chloe parecia completamente indiferente a isso. Talvez um pouco nervosa, ela corou levemente, mas não parecia incomodada.
— Desculpe incomodar de repente, sei que está ocupado.
Eu estava apenas polindo diligentemente minhas Relíquias quando Chloe Welter apareceu na sede do clã. Aparentemente, ela levou a sério minha cordialidade em nosso encontro anterior e decidiu fazer uma visita no dia de folga.
Não era para me gabar, mas eu era uma pessoa facilmente influenciável. Eu evitava problemas óbvios, mas, fora isso, era bastante aberto a tudo. E quando se tratava de um convite da sobrinha de Gark, considerando as implicações que viriam, eu não tinha escolha senão aceitar. Embora eu tivesse recusado se o próprio Gark tivesse vindo. Fiquei um pouco em alerta, mas Chloe parecia ter vindo apenas para bater papo.
As aparências podem enganar, mas aparentemente, Chloe era fã de Grieving Souls. Havia algumas equipes de caçadores com status de celebridades, mas era raro que nosso grupo, propenso a problemas de várias formas, tivesse fãs. Fãs individuais (não que eu tivesse algum) à parte, esta era a primeira vez que eu encontrava uma fã de um grupo inteiro.
— Hmm? “O que tem de tão bom em vocês?” Bem, claro, vocês são... muito fortes, senhor.
— Hmm, entendo. É mesmo? Obrigado.
Como esperado da sobrinha de Gark—ela era uma verdadeira entusiasta da força.
Assenti em apreciação, embora em um ponto peculiar.
Chloe era uma garota simpática, com uma aura que iluminava o ambiente ao seu redor. Era fácil entender por que ela era popular.
Eu não era particularmente eloquente e sentia que poderia acabar falando algo desnecessário. Eu adoraria que ela deixasse a Associação e se juntasse ao nosso clã como recepcionista, mas provavelmente levaria uma surra de Gark se ele descobrisse.
Enquanto trocávamos palavras tranquilamente, a conversa acabou se voltando para Arnold.
— A propósito, ouvi dizer que você conseguiu repelir o Crashing Lightning, não foi?
— Ah, isso...
Esse era o problema mais incômodo que eu estava enfrentando no momento.
Soltei um suspiro profundo.
— Cara, isso é irritante. Pode parecer estranho eu falar disso com você, mas não pedi ao Gark para dar um aviso forte ao Arnold? Não sei o que aconteceu, mas ele parecia superfurioso. Fiquei surpreso.
— Hmm? Acho que qualquer um ficaria furioso se ouvisse isso. Você disse algo sobre esquecê-los e sobre querer que eles lhe entregassem carne de Dragão do Trovão—isso não foi uma provocação?
Chloe arregalou os olhos e cobriu a boca com as mãos.
Isso era novidade para mim.
Me entregar carne de Dragão do Trovão? Eva tentou me fazer um favor pedindo isso? Pedir carne de Dragão do Trovão a caçadores que receberam o título de "Matadores de Dragões" por derrotarem um era crueldade.
Mas, mesmo assim, isso não chegava nem perto de um "aviso forte".
Cara, Gark! Há quanto tempo você me conhece?
— Minhas desculpas, mas acho que o Tio Gark gosta bastante de você, então a atenção dele inevitavelmente se volta para você.
Ele é um sádico? Com certeza é.
Ele é mesmo um brutamontes; não faço ideia do que ele está pensando. Em que mundo as pessoas jogam um cara monstruoso como esse em cima de alguém de quem gostam?
Eu queria reclamar mais um pouco, mas decidi deixar para lá para não desagradar Chloe com minhas lamúrias.
Se alguma coisa, me considerei sortudo por encontrá-la aqui: eu poderia comunicar minhas intenções diretamente a ela.
Com uma expressão séria, disse:
— De qualquer forma, estou realmente ocupado agora, então quero resolver isso da melhor forma possível.
— Da melhor forma possível...?
— Primeiro, vamos retirar a parte sobre "esquecê-los"—talvez eu não possa realmente retirar isso, mas já tomei nota deles. Acho que não vou esquecê-los por enquanto... provavelmente.
— Entendo... "Não vai esquecê-los por enquanto", você diz...
Minha memória é bem ruim, sabe.
Fora de serviço, Chloe pegou um bloco de notas do bolso e anotou cuidadosamente minhas palavras um tanto incertas.
— E sobre o pedido para caçar um Dragão do Trovão, você pode cancelá-lo também.
— Sério? Cancelar? Haverá uma taxa de cancelamento.
— Ah, não se preocupe, não se preocupe. Além disso, experimentei e percebi que frango tem um gosto melhor.
— Certo, você está cancelando porque "frango tem um gosto melhor"... Uh, isso significa que você está provocando eles?
— Hã? Onde está a provocação nisso?
Chloe me olhou com uma expressão atribulada e disse diretamente:
— Krai, isso é provocação.
Oh cara... Agora que parei para pensar, a sensibilidade daquele cérebro de músculo do Arnold e a minha delicada pessoa obviamente não estão nem perto de ser as mesmas.
— Bem, não acho que um caçador que ficou furioso uma vez desistiria tão facilmente assim—então, o que você acha do Arnold?
O que eu acho?
Ouvindo sua pergunta, comecei a relembrar meus encontros com Arnold até agora e realmente considerei a questão.
Ele é... violento e explosivo? Embora isso seja comum entre os caçadores. Ir atrás dos mais fortes sem considerar os problemas que causa para os outros? Luke faz isso com frequência também; provavelmente é um traço comum entre caçadores.
Cruzei os braços e fechei os olhos, e a reação de Arnold ao ver Liz pela primeira vez na taverna surgiu na minha memória.
— Ele... gosta de peitos grandes? — soltei sem pensar.
— Hã?
— Ah, não, não é nada...
Não importa como eu colocasse, "Ele gosta de peitos grandes" de jeito nenhum era uma resposta apropriada para a pergunta "O que você acha do Arnold?"
Um comentário estranho escapou da minha boca.
Talvez ele só não gostasse de seios pequenos, ou talvez fosse mais do tipo que prefere bundas.
Felizmente, Chloe parecia confusa. Parecia que ela não tinha ouvido o que eu disse.
Mas, de alguma forma, isso estava me irritando. Senti uma onda de sonolência surgindo e soltei um grande bocejo.
Por que tenho que pensar tanto sobre o Arnold? Nosso encontro já tinha acabado de qualquer maneira.
De repente, Chloe, que estava olhando para meu rosto bobo, soltou uma risadinha.
— Heh... heh heh...
— Ah, desculpe, desculpe. Estou um pouco sonolento.
— N-Não, me desculpe. É que você reagiu exatamente como o Tio Gark descreveu.
Sério, o que o Gark está contando para a Chloe?
Eu tinha sentimentos mistos sobre querer saber ou não, mas considerando a reação dela, talvez não fossem comentários ruins.
Enquanto tentava desviar do assunto com um sorriso sem graça, Chloe de repente mudou sua expressão.
Ela hesitou por um tempo, olhou para a xícara de chá à sua frente e então me encarou como se tivesse tomado uma decisão. Suas pupilas negras pareciam tentar me perfurar com o olhar, buscando discernir minha verdadeira natureza.
— Hm... falando nisso, tem algo que sempre quis te perguntar...
— Hmm? Manda ver.
— Krai, você se lembra da época em que vim fazer o teste de entrada para a Mil Truques?
Não pude evitar ficar boquiaberto para Chloe.
Eu me lembro? Não, não lembro—por outro lado, não lembrava, mas agora lembro.
A Primeiros Passos teve um teste de entrada apenas por um período muito curto, especificamente quando foi fundada. Com grupos promissores como seus fundadores, a Primeiros Passos atraiu inscrições de vários grupos que eram uma mistura de trigo e joio.
Naquela época, eu estava um pouco mais sério e realmente prestei atenção nos testes. Infelizmente, houve um número considerável de candidatos, então não lembrava dos detalhes de cada pessoa. Mas considerando a idade atual da Chloe, ela deveria ser menor de idade na época, e se fosse esse o caso—sim, eu lembrava. Quase não houve candidatas que fossem tão jovens quanto ela na época, então seu teste ficou armazenado em algum canto da minha memória.
Assenti solenemente.
— A-Ah, sim, claro. Foi aquele que o Luke supervisionou, certo?
— S-Sim! Esse mesmo!
Então eu acertei?
Embora tenha ficado surpreso que uma garotinha minúscula tivesse vindo fazer o teste de entrada, fiquei ainda mais surpreso com o conteúdo infantil do teste do Luke—não saia por aí batendo em garotas menores de idade!
Entendi. Isso me traz lembranças.
Semicerrei os olhos, relembrando coisas que havia esquecido até agora e me perdi na nostalgia.
Chloe me interrompeu.
— S-Sim, então eu queria saber: naquela época, eu, hm, fui completamente derrotada pelo Luke, se bem me lembro...
Sinto muito por isso, mas... ninguém venceu o Luke naquele teste.
Luke era um idiota (ou melhor, deveria dizer ingênuo?), mas era absolutamente sincero, e por isso era muito forte. Ele era tão idiota que levou a sério minhas teorias irresponsáveis de combate e treinou de acordo com elas.
A GRATIDÃO DÁ PODER ÀS PESSOAS, OKAY?
— E-Então, o Luke me disse naquela época que eu tinha talento!
A voz um tanto febril da Chloe fez os outros clientes da loja virarem as cabeças em nossa direção, curiosos.
Ah é, ele disse isso. De fato, disse mesmo.
Ele era um idiota, mas tirando isso, era perfeito (suponho que se possa considerar a ingenuidade uma virtude).
Eu não duvidava do que ele disse, e eu também fiquei silenciosamente surpreso.
— Mas, mesmo assim, Krai, você julgou que eu tinha falhado por pouco! Não é que eu esteja brava por ter falhado no teste. Desisti de ser uma caçadora depois disso e, desde então, me tornei funcionária da Associação. Meus dias como funcionária da Associação são muito satisfatórios e divertidos—mas eu quero saber! Por favor, Krai, me diga! Com a visão excepcional pela qual você já era conhecido naquela época, o que foi que você viu que faltava em mim naquele tempo?
Coisas que faltavam nela?
Eu adoraria dizer que não lembrava, mas eu lembrava. Eu era desleixado no geral, mas estava um pouco melhor naquela época. Mas, mesmo assim, eu ainda era o mesmo de sempre.
Semicerrei os olhos e, com suor frio escorrendo pelas costas, disse:
— Chloe, você, com seu eu atual, deveria saber a resposta sem que eu precise dizer.
— O quê...?
Os olhos marejados de Chloe se arregalaram, e seus lábios tremeram.
Levantei-me na hora e sorri ao pegar a conta.
— Pelo menos, se a Chloe de agora tivesse vindo para o teste de entrada naquela época, eu teria te aprovado sem dúvidas.
—?! V-Você quer dizer...
— Mas sim, eu entendo; você não voltaria. Você está feliz sendo funcionária da Associação, certo? Deve valorizar a vida que está vivendo. Muitos caçadores esperam ansiosos para te ver.
— Você tem razão — respondeu Chloe em voz fraca, assentindo.
Parece que consegui sair dessa sem me tornar inimigo do Gark.
Ufa.
— Bem, vou indo. Continue com o bom trabalho, Chloe.
— Obrigada... Eu continuarei.
— E cuide dos assuntos relacionados ao Arnold para mim, pode ser? Estou contando com você.
Ela não disse nada em resposta, mas senti seu aceno de cabeça.
Sem olhar para trás, paguei a conta e saí da loja.
Meu coração batia como sinos de igreja.
No momento, eu era quem conduzia as entrevistas de admissão para nossos possíveis recrutas. Por isso, já estava acostumado a desviar da verdadeira razão para uma rejeição. De alguma forma, consegui escapar dessa vez, mas me pergunto o que Chloe pensaria se descobrisse.
Era óbvio que a Chloe do passado não teria sido aprovada. No momento do teste dela, ela estava apenas começando a entrar na vida adulta, ainda nem tinha quinze anos. Não havia uma regra específica que exigisse que os caçadores fossem adultos, mas, para ser sincero, eu não queria admitir solos menores de idade, que não podiam ser responsabilizados pessoalmente, no clã — por mais promissores que fossem. Honestamente, eu nunca imaginei que alguém desistiria de ser caçador por causa disso.
Sinto muito, Chloe; de verdade. Mas parece que você está levando uma vida feliz agora. Por favor, me perdoe.
Pedindo desculpas sinceramente em meus pensamentos, subi correndo as escadas da casa do clã.
***
Chloe permaneceu sentada por um tempo, refletindo sobre o significado das palavras de Krai depois que ele foi embora.
Ela sempre se perguntou. Mesmo levando uma vida satisfatória como funcionária da Associação, ela sempre quis perguntar a ele a verdade um dia.
Mas talvez, como as palavras de despedida de Krai Andrey sugeriam, Chloe já soubesse a resposta o tempo todo. Mesmo que não conseguisse colocar em palavras, talvez sentisse algo.
Seus dias como funcionária da Associação dos Exploradores certamente a mudaram. A Chloe de agora sabia um pouco mais sobre os caçadores de tesouros do que naquela época: aprendeu mais sobre os perigos da profissão, sobre a coragem e a dedicação incríveis daqueles que se envolviam nela, e sobre o quão benéfica era a presença deles para o país — Chloe testemunhou tudo isso de perto nos últimos dois anos. Havia caçadores que desistiam por não terem talento suficiente, enquanto outros eram expulsos de seus grupos por arrogância. Alguns costumavam se alinhar diante de Chloe e, de repente, desapareciam. Outros, que ela pensava estarem mortos, surgiam do nada.
Olhando para trás, ela percebeu como havia sido ingênua naquela época. Por ser elogiada por todos, acabou ficando um pouco convencida e vivendo dentro de uma bolha. Era uma novata, e naturalmente, como qualquer um, não sabia de nada. Mas então, uma dúvida surgiu. Aquele jovem, o Mil Truques, realmente a rejeitou apenas por esse motivo?
Por um momento, ela refletiu, mas nada lhe veio à mente. Krai Andrey não lhe deu uma resposta. Talvez isso também fizesse parte das famosas Mil Provações.
— Não há significado em respostas que não se descobre sozinho, nem em respostas entregues de bandeja. — Certamente, era isso que aquele jovem diria.
Chloe respirou fundo e se levantou. Por enquanto, havia uma coisa que sabia: ela estava feliz por ter reunido coragem para falar com ele. Não havia conseguido uma resposta clara, mas, por algum motivo, sentia-se aliviada.
Krai Andrey disse que ela havia mudado. Ele reconheceu seu crescimento.
Ela apenas teria que continuar refletindo sobre qual seria a verdadeira resposta, e certamente, um dia, entenderia de verdade o que ele quis dizer.
A Chloe de agora tinha suas responsabilidades como recepcionista da Associação dos Exploradores. Ela não pôde se juntar às caçadas como membro do clã, mas ainda podia apoiá-los de uma posição diferente.
— "A gratidão fortalece as pessoas", hein...
Ela refletiu sobre as palavras que Luke havia dito uma vez.
Se ele estivesse certo, então ela provavelmente havia se tornado um pouco mais forte hoje do que a Chloe de ontem.
Com o humor levemente elevado, Chloe Welter voltou para onde agora pertencia.
Mas, Krai, ainda acho seriamente que aquela mensagem foi uma provocação, pensou.
***
— Eu devo ter ouvido errado.
A expressão de Arnold mudou notavelmente após receber a mensagem. Seu rosto já carrancudo se contorceu ainda mais, e inúmeras veias saltaram em sua testa.
Diante de sua postura intimidadora, Chloe, que já lidou com todo tipo de caçador de aparência ameaçadora, sentiu-se um pouco paralisada. Enquanto isso, o salão antes barulhento ficou em silêncio diante da tensão crescente. Arnold não entrou em fúria nem gritou com Chloe; no entanto, a forma como um caçador de Nível 7 silenciosamente reprimia sua raiva era simplesmente aterrorizante.
Atrás dele, o vice-líder do grupo, com o rosto ligeiramente contraído, sussurrou:
— Arnold, lembre-se de que esse cara é escorregadio.
— Sim, eu sei. Ele está tentando me provocar. Droga, que provocação sem sentido.
Respirando de forma controlada, Arnold concentrou sua energia no abdômen. As veias pulsantes se acalmaram e a aura violenta que emanava de todo seu corpo diminuiu.
Instintivamente, Chloe arregalou os olhos ao ver aquilo.
Ele era forte — não apenas fisicamente, mas também mentalmente. Não eram muitos os caçadores capazes de manter a compostura enquanto suprimiam uma raiva fervente. Essa era, de fato, a postura de um herói. Mesmo sob uma visão tendenciosa, sua presença avassaladora estava muito além da de Krai.
— Ei, diga ao Mil Truques: "Pare de nos provocar. E se prepare; estamos indo atrás de você."
— O—huh? O quê?
Com isso, Arnold e seu grupo partiram com os ombros erguidos.
Chloe pensou: E foi exatamente isso que eu imaginei que aconteceria se eu dissesse exatamente o que Krai me mandou dizer.
Mas Krai Andrey era o Mil Truques, um homem com uma capacidade de previsão tão excepcional que diziam que ele podia ver o futuro. Sabendo que poderia haver uma intenção oculta por trás de suas palavras, ela não poderia simplesmente alterá-las arbitrariamente. Estaria deixando escapar alguma coisa? Ou será que ele realmente pretendia provocá-los, apesar de insistir que não era uma provocação?
Observando o grupo se afastar, Chloe refletiu sobre o que estava faltando.
Então, ao se lembrar de que havia esquecido de transmitir uma mensagem importante, Chloe se levantou de um salto antes mesmo de perceber.
— Esperem, Arnold, esqueci de dizer uma coisa!
— Tsk. O quê?
Arnold se virou. Embora tivesse suprimido sua aura ameaçadora, sua raiva contida ainda era visível.
Depois de refletir sobre as palavras de Krai, Chloe percebeu o que havia deixado passar. Sua mente ficou em branco, sem saber o que fazer a seguir. Pensando bem, ele nem havia dito para ela transmitir aquela mensagem.
— Hm... bem... ah, Krai tem algo a dizer para você, ou melhor... é a impressão que ele tem de você...
Ela não deveria tê-lo parado só por isso, pensou. A mensagem que havia esquecido seria como jogar gasolina no fogo já ardente, para dizer o mínimo.
Mesmo agora que se lembrava das palavras dele, ainda questionava se não teria ouvido errado.
— D-desculpa. Finja que não disse nada.
Ela se desculpou. Mas, infelizmente, já havia atiçado o interesse de Arnold.
Seu olhar penetrante cravou-se em Chloe, e ela instintivamente estremeceu de medo, como uma presa diante de um predador.
— A impressão do Mil Truques sobre mim, é isso? Fale.
— ...
— Eu disse, "fale".
— É um pouco... uh... como posso dizer? Não são exatamente as palavras mais adequadas para descrever um caçador experiente...
— Apenas cuspa logo! Não é a primeira vez que ele tira sarro de mim.
Ela escolheu as palavras com cuidado, na esperança de que Arnold desistisse do assunto, mas ele permaneceu absolutamente inflexível.
Não havia saída para aquela situação. E ela também não podia mentir.
Reunindo toda a sua coragem, ela disse, lentamente:
— Ele disse que v-você gosta de p-peitos grandes.
A expressão furiosa de Arnold desapareceu num instante, substituída por uma perplexidade total.
— Hã? Eu ouvi errado, não ouvi? Repita.
Como é que eu fui me meter nessa? pensou Chloe.
Seu rosto corou de vergonha, e, tomada pela emoção, ela bateu o punho no
balcão e gritou bem alto:
— Ele disse que você gosta de peitos grandes!
***
A humilhação foi tão intensa que Arnold sentiu como se seus vasos sanguíneos fossem explodir—era a primeira vez que era ridicularizado tão profundamente desde que se tornara um caçador.
De alguma forma, conseguiu se controlar sem deixar que a raiva o dominasse enquanto voltavam para sua hospedagem. De volta ao alojamento, ele se afundou pesadamente em uma cadeira.
Mantendo um tom calmo, Eigh falou com Arnold, que estava nauseado de tanta
raiva:
— Acalme-se, acalme-se. Tudo isso é só mais um dos truques dele!
— Sim, eu sei.
A raiva, às vezes, permitia que as pessoas lutassem com um vigor além de suas capacidades reais, mas ceder a ela naquele momento seria uma péssima ideia.
Através de um único encontro, Arnold havia compreendido a anormalidade em torno de Krai Andrey: à primeira vista, ele parecia um cidadão comum, e ainda assim, o “ataque” que havia lançado era algo completamente fora do comum.
Para começar, um único feitiço que apenas o imobilizasse, sem derrotá-lo por completo, já seria algo praticamente inexistente para alguém de Nível 7 como ele. Além disso, o mais estranho de tudo era que Arnold mal havia sentido mana vinda do Mil Truques.
Mesmo após dias de reflexão, Arnold ainda não conseguia entender a mecânica daquele ataque. Sem contar que lançar uma magia daquele nível sem qualquer encantamento era para ser impossível.
Quando o Mil Truques atacou, ele tirou um pingente debaixo da roupa. A explicação mais plausível que Arnold encontrou foi que aquele pingente era uma Relíquia e que provavelmente havia sido usado para auxiliá-lo no lançamento do feitiço. Mas isso era o máximo que ele conseguia deduzir.
Depois de enfrentá-lo, Arnold finalmente entendia o motivo dos rumores sobre ele mandar um golem pelos ares apenas com sua aura. Ele era extremamente peculiar e absurdamente poderoso. Arnold concordava que sua certificação de Nível 8 era justificada.
Ele era um oponente perigoso demais para ser enfrentado diretamente. Como o próprio Mil Truques havia dito naquele momento, ele havia se contido no ataque. Se o efeito original do feitiço tivesse sido liberado por completo, seu grupo poderia ter sido aniquilado instantaneamente. Como líder da equipe, Arnold não podia tomar decisões que colocassem seu time em risco extremo.
Arnold suprimiu sua própria raiva com racionalidade, contendo seu ressentimento com todas as forças. Responder a uma provocação tão óbvia seria o mesmo que se proclamar um tolo. No entanto, mesmo entendendo isso, Arnold não conseguia conter totalmente sua fúria.
Deixando a provocação inicial de lado, o que diabos ele quis dizer com "a impressão que tenho de um Matador de Dragões é que ele gosta de peitos grandes"?
— Vão coletar informações, qualquer coisa serve. Descubram a mecânica por trás daquele ataque.
— Mas já confirmamos os rumores sobre ele. O que resta para investigar seria perguntar aos membros dos Passos por mais detalhes.
A expressão serena do Mil Truques surgiu em sua mente.
Naquela avenida larga, haviam sido completamente esmagados, sem qualquer chance de reação. Certamente, a notícia da derrota já deveria estar se espalhando—e, claro, também as palavras que o Mil Truques havia dito.
— Então teremos que derrotar os quatro grupos primeiro se quisermos desafiá-lo, hein? — disse Arnold, com uma expressão amarga.
Agora que já haviam sido derrotados uma vez e que suas palavras haviam sido ouvidas por muitos, ignorar o que foi dito não era uma opção. Na verdade, se desafiassem o Mil Truques imediatamente e perdessem de novo, poderiam acabar sendo ridicularizados por serem presunçosos. A honra era algo extremamente importante para os caçadores; qualquer desrespeito poderia impactar negativamente suas futuras atividades na capital.
Além disso, todos os grupos que o Mil Truques mencionou eram justamente aqueles que já haviam destacado como os mais fortes durante sua pesquisa inicial.
— Mas Arnold, pense bem: isso pode ser uma oportunidade para nós. Eu diria que ele está tentando provocar você para que perca a cabeça. As condições que ele impôs são trabalhosas, mas se pensarmos pelo outro lado, temos muito a ganhar ao cumpri-las.
— ...
— Se derrotarmos esses grupos renomados, Arnold, você se tornará extremamente famoso por sua força. E, ao mesmo tempo, podemos descobrir informações valiosas sobre o modus operandi do Mil Truques.
O que Eigh havia dito estava completamente certo. Afinal, Arnold e seu grupo tinham poucas opções restantes: ir direto para cima dele seria desonroso, mas se recuassem, certamente seriam rotulados como covardes.
Depois de processar as palavras de Eigh, Arnold se acalmou um pouco. Em um único gole, engoliu vigorosamente a água que lhe ofereceram e bateu a caneca na mesa.
Naquele momento, Arnold havia praticamente voltado ao seu estado normal.
— Mas eu não entendo o propósito dele. O que ele quer?
Eigh semicerrava os olhos e permanecia em silêncio. Nenhum dos outros membros do grupo parecia disposto a oferecer uma opinião.
Refletindo objetivamente, achavam as ações do Mil Truques incompreensíveis: ele não tinha nada a ganhar provocando Arnold. Ele poderia simplesmente tê-los esmagado e ensinado uma lição sobre a superioridade de seu poder quando o desafiaram. Mas naquela ocasião, o Mil Truques apenas restringiu completamente os movimentos de Arnold e dos membros do seu grupo. Se ele não tivesse parado por ali e, em vez disso, os dominasse com seu poder esmagador até deixá-los completamente incapacitados, Arnold provavelmente não teria pensado em desafiá-lo novamente tão cedo. Mas não foi isso que Krai fez. Depois de se divertir com eles, impôs algumas novas condições.
O Mil Truques foi ainda mais longe ao enviar uma mensagem para irritar Arnold através da recepcionista da Associação dos Exploradores. Certamente, seu propósito não era simplesmente zombar deles—o adversário era um caçador conhecido por suas estratégias enigmáticas. Ele, sem dúvida, tinha algo planejado, mas seus pensamentos eram completamente insondáveis. Isso era inquietante.
Como caçador, Arnold se especializava em combate. Embora não fosse fraco em subterfúgios, essa também não era sua especialidade.
Eigh, o cérebro do grupo, vinha refletindo sobre o assunto há um tempo, mas, no fim, assim como Arnold, não conseguia entender a intenção do Mil Truques.
Com um olhar afiado, ele aconselhou Arnold:
— Talvez seja melhor segurarmos um pouco e analisarmos mais a situação antes de agir.
— De qualquer forma, precisamos reunir informações.
O Mil Truques com certeza tinha um plano em mente.
Não era do feitio de Arnold ficar parado sem agir enquanto o tempo passava. Depois de fechar os olhos e refletir por um breve momento, tomou uma decisão.
— Embora seja frustrante dançar conforme a música dele, vamos começar pelo Obsidian Cross.
— Parece uma boa ideia.
Esse nome pertencia a um grupo conhecido por sua estabilidade impressionante. Era um bom complemento para o Falling Fog, um grupo que se destacava pelo seu poder de fogo esmagador.
Os membros do grupo engoliram em seco, apreensivos. Embora enfrentar os esquemas enigmáticos de Krai fosse altamente arriscado, suspeitavam que novos caminhos poderiam se abrir para eles se conseguissem derrotar aquele grupo.
O Obsidian Cross estava na taverna.
O grupo de Nível 6, diferente do Mil Truques, emanava uma aura heroica. Isso era especialmente verdadeiro para seu líder, Sven Anger, o Golpe da Tempestade, um detentor de título de Nível 6. Seu físico bem treinado, combinado com seu nível de mana materializada, fazia com que parecesse um adversário formidável até mesmo para Arnold, que era Nível 7.
No entanto, ao ouvir as palavras de Arnold, em vez de demonstrar vontade de lutar, Sven apenas exibiu uma expressão de perplexidade.
— Repete isso? Krai disse isso? Mas por que diabos a gente ia querer se meter nisso?
— Perdão? Mas aquele cara é o mestre do clã de vocês.
— Sim, ele é o mestre do clã. Mas e daí? Se ele nos mandasse lutar contra fantasmas ou monstros, estaríamos dentro. Mas uma briga? Tô fora.
Sven não deixou espaço para réplica. Por algum motivo, os membros de seu grupo olhavam para Arnold e os outros com pena nos olhos.
Isso pegou Arnold de surpresa. Pelo que Krai havia dito, Arnold pensou que o Obsidian Cross fosse um grupo subordinado. No entanto, na realidade, eles nem pareciam se importar.
Na verdade, os clãs eram cooperativas. Arnold conseguia entender por que eles não se sentiam obrigados a obedecer outros membros do clã—mas aquilo ainda era sobre o mestre do clã, e o respeito simplesmente não existia naquela total falta de consideração por suas palavras.
Sven, parecendo compreender a situação, soltou um longo suspiro ao ver a expressão confusa de Arnold.
— Ah, agora entendi. Krai enganou vocês. Ele sempre faz isso. Caímos direitinho nisso há pouco tempo também. Olha só a cara pálida da Marietta aqui.
— É verdade que minha capacidade de mana aumentou... — disse uma Maga sentada ali perto, soltando um suspiro profundo em resposta às palavras de Sven. — Mas aquela poção é absurdamente horrível. De fato, é eficaz, mas certamente criaria uma abertura para o inimigo se você a usasse em batalha. Eu não sei como a Lucia aguenta isso só reclamando.
Marietta passava a impressão de ser uma beleza astuta, mas sinais claros de exaustão eram evidentes em sua expressão.
— De qualquer forma, eu não tô interessado numa briga por um motivo desses. Eu já ouvi falar do seu nome, Relâmpago Colossal, e é melhor você desistir desse embate com Krai antes que seja tarde demais. Quanto mais sério você for, mais ele vai brincar com você.
Arnold escutava atentamente, analisando suas expressões em busca de qualquer sinal de mentira.
— Ah, certo. Nosso mestre de clã deve ter dado bastante trabalho pra vocês. Já que vieram até aqui nos procurar, deixa que eu pago algo pra vocês. Só nos deixem fora disso.
E antes que Arnold pudesse responder, Sven ergueu a voz e fez um pedido.
Eigh, perplexo, exibia uma expressão rígida e resignada.
Arnold e seu grupo não tinham nada contra o Obsidian Cross. Se o adversário tivesse aceitado o desafio, seria outra história, mas agora que o haviam rejeitado, não havia mais nada que pudessem fazer. Mais importante ainda, com o adversário lhes oferecendo bebida, não havia motivo para lutar.
— Arnold, acho que eles têm um ponto. Vamos deixar isso pra lá — disse um dos companheiros de Arnold.
— É, você tá certo.
Com uma expressão descontente, Arnold abaixou a arma que carregava nas costas.
— O quêêêêê?! Por que teríamos que lutar por causa daquele humano fracote? Senhor!
— ...
— Estou curioso. Senhor! Com que base absurda o senhor acha que nós, os honrados Espíritos Nobres, aceitaríamos um pedido desses? Diga algo, senhor, seu gorila bombado!
— O que diabos está acontecendo?
Com o rosto vermelho, a garota Espírito Nobre de beleza gelada bateu seu longo cajado na mesa enquanto repreendia Arnold.
Seu comportamento um tanto infantil desconcertou Eigh e os outros membros do grupo. Até mesmo Arnold, o alvo da bronca, não conseguiu sentir raiva. A única coisa que ele entendeu foi que Starlight também não tinha intenção de aceitar seu desafio.
A líder de Starlight, Lapis Fulgor, uma Espírito Nobre loira, pressionou a mão contra a testa, exasperada. Ela suspirou enquanto encarava sua companheira furiosa.
— Então, Relâmpago Estrondoso, parece que temos um mal-entendido peculiar entre nós. Há um motivo para estarmos no clã de Krai Andrey, e definitivamente não é para sermos submissas a ele. Não sei o que esse homem colocou na sua cabeça, mas não seremos tratadas como meros degraus.
Era um argumento válido.
Não havia como qualquer Espírito Nobre, que naturalmente desprezava os humanos, simplesmente aceitar o que Arnold havia dito e concordar. Ele ainda tinha uma pequena esperança, mas parecia que elas concordavam com a Obsidian Cross.
Kris pegou uma das Relíquias espalhadas à sua frente e, apertando-a com força, gritou:
— Para começar, estou ocupada aceitando o desafio desse humano fracote e carregando Relíquias. Senhor! Não posso me dar ao luxo de perder isso por orgulho! Senhor! Lapis!
— Sim, isso mesmo, Kris. Não podemos recuar depois de aceitar um desafio. É uma questão de orgulho como Espíritos Nobres.
Entendo... Então elas estão sendo usadas.
Arnold olhou para Eigh, que franziu a testa e balançou a cabeça lentamente.
Parecia que não tinham escolha a não ser recuar. Eles não conseguiam se forçar a lutar depois de testemunhar alguém ainda mais patético do que eles. O inferno de raiva que queimava dentro de Arnold começou a se dissipar.
***
A sede do clã Primeiros Passos era um prédio imenso. Tendo se preparado mentalmente, eles se postaram diante da entrada.
Tanto o desafio contra a Obsidian Cross quanto contra a Starlight tinham sido um fracasso, e os dois outros grupos estavam, para piorar tudo, fora da capital. Eles já estavam bastante cansados disso e, agora, a melhor coisa a se fazer era marchar direto até a base do Mil Truques e confrontá-lo diretamente.
A tensão na expressão dos companheiros de Arnold havia diminuído um pouco devido às constantes decepções que enfrentaram.
— Nesse ritmo, não ficarei surpreso se ele também não estiver.
— Sim... Faz sentido.
Pelo encontro com os dois grupos, Arnold havia formado uma imagem de Krai bem diferente do que esperava. Ele achava que Krai era uma pessoa extremamente carismática, mas, em vez disso, só ouviu reclamações sobre ele.
Se isso fosse uma estratégia para desmotivar Arnold e seu grupo, com certeza tinha sido incrivelmente eficaz. No entanto, recuar a essa altura não era uma opção para eles.
Arnold se recompôs e olhou para os companheiros ao seu redor.
— Preparem-se. Aqui é onde as coisas realmente começam.
— Certo!
As palavras de seu líder reacenderam um pouco do ânimo em seus olhos.
Embora não estivessem ali para lutar naquele dia, era como se estivessem invadindo território inimigo. Eles não podiam se dar ao luxo de ir sem um espírito de combate.
Confirmando o estado de todos, Arnold tomou a dianteira e empurrou a porta da sede do clã.
Do outro lado da porta, o caos reinava.
— Aaaaaaargh! Alguém chama a Sitri! O Drink está descontrolado!
— Você quer fazer cocô? Ou está com fome? Ou quer dar uma volta?
— Está crescendo rápido demais! Eu não me inscrevi pra isso! Não consigo lidar com isso! O que aconteceu com a jaula?! E a coleira?!
— Droga, a corrente foi despedaçada! Maldito Krai, o que ele estava pensando quando trouxe essa coisa pra cá?!
— Não nos envolvam nissssso!
Correndo desenfreado pelo amplo saguão de entrada, havia uma criatura peculiar de cerca de dois metros de altura—uma quimera de pedra cinza com cabeça de leão e asas de dragão. Suas três caudas eram afiadas como espadas, deixando marcas nas paredes e no chão em todas as direções. Um grande número de caçadores cercava a quimera rosnante, mas a criatura não parecia nem um pouco intimidada.
Ignorando tudo aquilo, Arnold fechou a porta com um movimento natural.
Do outro lado da porta espessa, os gritos continuavam a ecoar.
— ...
— Arnold, parece que eles estão ocupados. Que tal esquecermos o Mil Truques por enquanto e focarmos em reunir informações e nos recompor? Parece que está acontecendo um grande leilão. Pode ser uma boa oportunidade para ganhar dinheiro, além de uma chance perfeita para melhorarmos nosso equipamento. Talvez até possamos nos livrar daquela coisa.
A cena que acabaram de presenciar havia despedaçado completamente sua determinação; todos os companheiros expressaram concordância com as palavras de Eigh.
De fato, o grupo de Arnold havia chegado recentemente à capital. Sua postura estava longe de ser perfeita.
Normalmente, deixar as coisas assim não seria uma opção, mas havia uma chance de que os outros dois grupos retornassem enquanto esperavam.
— Droga. Acho que não temos escolha. Só por enquanto! Vamos deixar passar só por enquanto.
Com todas as histórias deploráveis que ouviram, sua motivação havia se esvaído, e a capacidade de combate de alguém estava diretamente ligada ao seu estado mental.
Arnold estalou a língua. Virou-se de costas para a sede do clã, onde os gritos ainda ecoavam por motivos desconhecidos, e voltou para a estalagem com seu grupo.
***
A luz suave do sol entrava pela janela.
Bocejando, folheei uma revista. Era uma revista de empregos com anúncios de trabalhos de meio período distribuída no bairro.
Pela primeira vez em um bom tempo, eu estava motivado a pagar minha dívida. Afinal, seria escandaloso ficar à toa enquanto mandava Tino para os cofres do tesouro.
Virando as páginas uma a uma, procurei por trabalhos que eu talvez conseguisse fazer. Eu não sabia usar magia e minhas habilidades físicas eram limitadas; portanto, só podia buscar trabalhos que qualquer um pudesse fazer. Eu estava analisando os salários por hora listados e calculando mentalmente quantas horas precisaria trabalhar para pagar minha dívida de bilhões quando, de repente, a janela atrás de mim rangeu ao se abrir com força.
O vento soprou, e antes que eu pudesse me virar, um par de braços me envolveu por trás, e uma voz animada me saudou ao pé do ouvido.
— Bom dia, Krai Baby! O que você está lendo?
— Bom dia, apesar de já ser de tarde. Eu estava pensando em arranjar alguns bicos.
A voz vinha da Liz.
Quero dizer, eu ficaria preocupado se tivesse mais amigos que entrassem pela janela só porque era “trabalhoso” fazer de outra forma.
Fechei a revista e estava prestes a responder quando ela me apertou com seus braços fortes e encostou a bochecha na minha. Do contato com sua pele quente, senti um aroma agradável, como o sol de primavera.
Apesar do sufoco que passei por causa do Arnold, com quem Liz havia se desentendido, ela parecia tão enérgica quanto sempre—e isso já era o bastante para mim.
— Ei, Krai Baby, não tem nada que você queira me dizer?
— Uhh... Quer fazer uns bicos comigo?
— Hmm? Claro, claro! Mas não, não é isso! Vamos lá, você tem algo para me contar, né? Algo envolvendo minha aprendiz...
Ah, isso.
Parece que mandar a Tino contra o Arnold realmente não foi uma boa ideia. Afinal, Liz provavelmente tinha um plano de treinamento para ela. Eu fiz besteira.
Eu estava prestes a me desculpar, mas antes que conseguisse, Liz soltou meu corpo e se colocou na minha frente. Com um sorriso radiante como uma flor desabrochando, sentou-se no meu colo sem hesitação.
Liz parecia estar de muito bom humor hoje... Não parecia ter vindo reclamar do tratamento que sua aprendiz recebeu.
Pressionando o corpo contra o meu de forma provocante, Liz falou de maneira manhosa:
— Ei. Ela fez um ótimo trabalho sendo seu escudo, não fez? Isso é resultado do meu treinamento, né?
Ah. Ela veio ser elogiada...
Silenciosamente, envolvi suas costas com meus braços, a abracei com força e então passei os dedos por seu cabelo, penteando-o de baixo para cima como forma de elogio.
Ela corou, e seu corpo tremeu de prazer evidente. Até eu senti meu coração acelerar com esse comportamento. Por mais acostumado que estivesse com contato físico, eu ainda era um homem.
Se um dos meus companheiros da Grieving pedisse um abraço, eu gostaria de ao menos poder dar um. Afinal, eu normalmente não servia para nada. Era um equilíbrio difícil de manter.
— Mmm... Isso é o melhor! Agora, Krai Baby, a T foi bem?
— Sim, a determinação dela em lutar foi esplêndida. Ela é digna de ser sua discípula. Nota dez de dez.
— É mesmo? Que bom que você aprovou, mas... ela não perdeu?
— As derrotas fortalecem as pessoas.
E foi por isso que eu, que sempre jogava minhas batalhas para os outros em vez de perdê-las sozinho, continuei tão fraco.
Talvez absorvendo minhas palavras com docilidade, Liz parecia extremamente satisfeita.
Ela perguntou:
— A propósito, você sabe onde a T está? Eu queria elogiá-la pessoalmente.
— Ah, desculpa. Eu a mandei buscar algumas Relíquias em um cofre do tesouro. Ela está nas Ruínas dos Pilares de Alleyne.
— Ruínas dos Pilares de Alleyne? Não é um cofre de nível 1? Tem Relíquias lá?
As Ruínas dos Pilares de Alleyne eram um cofre de nível 1 perto da capital, constantemente ranqueado entre os piores na classificação anual da Associação dos Exploradores. Sua dificuldade era baixa, e Relíquias raramente apareciam nele. Apesar da proximidade com a capital, poucos caçadores o visitavam. Do lado de fora, parecia apenas alguns pilares de pedra grossos no meio de um campo aberto. De certo modo, era um lugar envolto em mistério que até mesmo caçadores novatos evitavam.
Ainda assim, era um local seguro, e a viagem de ida e volta levava poucas horas. Parecia o cofre perfeito para satisfazer Tino.
— Só há uma chance de cinquenta por cento de encontrar algo lá, então vamos não culpá-la caso ela volte de mãos vazias, ok?
— Heh... Entendido! A propósito, Krai Baby, não tem nada que eu possa fazer por você?
Não... Por favor, apenas fique quieta e não cause problemas para ninguém.
Sem dizer nada, Liz apertou ainda mais o abraço e me segurou com mais força. Enterrou o rosto no meu pescoço e soltou um som prazeroso.
Lembrei-me de como costumava animá-la no passado, depois de sessões intensas de treinamento, simplesmente abraçando-a quando se sentia desanimada. Caçadores que enfrentavam combates repetidos se esgotavam fácil, tanto física quanto mentalmente, então o contato físico era uma forma eficiente de cuidado pessoal.
Meu coração, que batia levemente acelerado, foi se acalmando aos poucos, e comecei a sentir sono. O corpo quente de Liz fazia dela um travesseiro perfeito.
Eu estava prestes a cochilar, sentindo o peso de Liz sobre mim, quando, de repente, a porta se abriu com força.
— Mestre! Mestre! Eu vol—tei?!
— Hã...? Oh! Bem-vinda de volta, T!
Liz virou levemente a cabeça e sorriu radiante para sua aprendiz.
Ao entrar no quarto, Tino congelou ao ver Liz sentada no meu colo. A pulseira negra que segurava firmemente em sua mão direita escorregou e caiu no chão, rolando suavemente.
— Por quê...? Eu estive trabalhando duro, e a Lizzy, ela—
— O quê? Você consegue trabalhar duro porque eu trabalhei duro, né?! O que você vai fazer, T? Ficar mais forte sozinha?!
— Agora, agora. Tino, eu vou pensar em algo para você, então se acalma.
***
Acompanhado pela desanimada Tino e pela empolgada Liz, eu caminhava pela rua principal.
Nosso destino era minha loja especializada em Relíquias de costume. Nesta época do ano, estariam ocupados com o leilão, mas meu relacionamento com o dono da loja, Matthis, ia além de “melhores amigos”. Com Tino junto, ele certamente nos receberia bem.
— Ainda assim, não acredito que você realmente encontrou uma Relíquia...
Enquanto andávamos, Tino ergueu a pulseira negra que trouxera e a examinou contra a luz.
Matthis era tão ríspido com Liz como sempre, provavelmente por causa da bagunça que ela causou em sua loja naquela vez. Sitri recebia o mesmo tratamento, aliás.
— Humph. O que você quer? Estou ocupado hoje e não tenho nenhuma Relíquia à venda que possa te interessar.
Matthis bufou irritado e me encarou. Não era que ele não gostasse de mim, mas ele tratava todo mundo desse jeito.
E é por isso que as pessoas preferem ir até a loja de Relíquias na rua principal, onde trabalha uma certa jovem fofa.
Mas essa também era a razão pela qual essa loja vivia eternamente vazia.
— Vovô, é exatamente por essa sua atitude que você não consegue clientes.
— Isso não é da sua conta. Estou indo muito bem, e vocês moleques vêm pegar Relíquias que custam os olhos da cara o tempo todo também.
Moleques? Ele não tá falando de mim, né? Como sempre, um verdadeiro comerciante com seu jeito absurdo de tratar os clientes, chamando-os de "moleques".
Mas apesar disso, ele era realmente habilidoso e não era uma má pessoa. Pode até não dar privilégios para clientes fiéis, mas era um homem honesto. Além disso, eu não fazia ideia de onde ele conseguia seu estoque de Relíquias, mas frequentemente havia verdadeiros achados entre elas. E, acima de tudo, ele aceitava pagamentos parcelados. Em outras palavras, eu não tinha motivo para ignorá-lo e sua loja.
Diferente de Liz e os outros, eu não tinha encontrado um mentor desde que vim para a capital. De certo modo, talvez Matthis pudesse ser considerado uma espécie de mentor para mim.
— Matty, sabe de uma coisa? Eu encontrei uma Relíquia hoje. Pode avaliar rapidinho? Estou ocupado.
— Tá sonhando! Espere sua vez. Tenho uma pilha de pedidos acumulados aqui.
— Ela disse que encontrou nas Ruínas dos Pilares de Alleyne. Foi o T quem achou. Dá pra avaliar logo, pode ser?
— Alleyne...? Então, o cofre do tesouro de Nível 1, hein? Oh, não é a pequena Tino ali também?
Os olhos de Matthis captaram Tino, que estava escondida atrás de mim, e seu olhar suavizou um pouco.
Embora fosse duro comigo e com Liz, ele tinha um ponto fraco: Tino. Aparentemente, ela tinha mais ou menos a mesma idade da neta de Matthis, e as duas se pareciam um pouco. No fim das contas, o velho teimoso ainda era humano. Até mesmo o homem mais honesto e imparcial amolecia perto de Tino.
Desde então, decidi sempre trazer Tino comigo, sempre que possível, quando viesse a esta loja.
O avaliador frio tinha um ponto fraco por garotinhas inocentes.
— Tsk. Tá bom, tá bom, vou fazer isso só por ela. Mas vai ser rápido, entendido?
Dessa vez, sem muita discussão, Matthis cedeu ao olhar de Tino e, resmungando, colocou suas luvas de couro preto. Com cuidado, levantou a Relíquia, pegou uma lupa e começou a examinar minuciosamente os padrões intrincados gravados nela.
Experiência e conhecimento eram indispensáveis na avaliação de Relíquias. Nos últimos cinquenta anos, ele havia avaliado Relíquias na capital; o conhecimento que acumulou superava de longe o meu, um novato que havia surgido recentemente na cena dos colecionadores de Relíquias.
Depois de virar a pulseira e examinar cada detalhe dela, Matthis assumiu uma expressão séria.
— As Ruínas dos Pilares de Alleyne são um cofre do tesouro de Nível 1, e Relíquias raramente aparecem por lá. Isso provavelmente é o que chamamos de "Relíquia Extrínseca".
Relíquias surgiam aleatoriamente, mas todas eram criadas pelo mesmo mecanismo: quando matéria mágica se acumulava, Relíquias eram geradas dentro dos cofres do tesouro, e certos tipos de cofres tendiam a produzir certos tipos de Relíquias com mais frequência.
Relíquias da Era das Armas Físicas apareciam mais facilmente em cofres que imitavam construções desse período. Da mesma forma, se alguém procurasse Relíquias da Era das Armas Mágicas Menores, exploraria cofres que replicassem os cenários dessa era, e assim por diante. Isso tudo influenciava na popularidade dos cofres do tesouro.
"Relíquias Extrínsecas" eram aquelas que não combinavam com o tema do cofre do tesouro. Elas não eram necessariamente extremamente raras, mas eu fiquei levemente feliz que a Relíquia que Tino encontrou em um cofre impopular fosse identificada assim—isso aumentava bastante as chances de que fosse uma peça rara.
Fiquei um pouco animado.
Então, com um tom incomumente fervoroso, Matthis continuou:
— Com base na tendência desse cofre de gerar certos espectros, acreditava-se que ele era um produto de uma era em que seres sem alma proliferavam pelo mundo. Suas Relíquias eram, em sua maioria, relacionadas à manipulação de criaturas mágicas naturais. Mas esta aqui, pelo que posso dizer pelo design, é obviamente diferente. Se eu tivesse que chutar, diria que é um produto da Era das Armas Mágicas—essa era durou muito tempo, então há muitas Relíquias dela por aí.
A Era das Armas Mágicas floresceu por milhares de anos e foi um dos períodos mais longos da história conhecida do mundo. Era famosa por seus avanços significativos em artefatos mágicos, ferramentas que utilizavam mana como energia para manifestar magia, e pela integração desses artefatos em todos os aspectos da vida cotidiana. Artefatos mágicos ainda existiam na era moderna, mas sua tecnologia era pálida em comparação com a da Era das Armas Mágicas. Indiscutivelmente, as Relíquias dessa era eram incrivelmente diversas.
Mas, dito isso, se até Matthis nunca tinha visto essa antes, então era uma Relíquia extremamente rara. Isso poderia ser um baita achado—mas eu não venderia uma Relíquia rara assim, não importa o quão valiosa fosse.
Liz, sem se preocupar em esconder o tédio, disse:
— Tanto faz. E qual é o efeito dela?
— Eu... não faço ideia.
Você não sabe?
— Você... ficou enferrujado? — suspirei.
— Que bobagem! Avaliadores estariam desempregados se fosse possível descobrir os efeitos de uma Relíquia sem ativá-la! — gritou Matthis ao ouvir meu comentário, seu rosto contorcido.
Justo.
Se nem Matthis sabia o que era, havia até uma chance de que essa fosse uma Relíquia desconhecida.
...Eu deveria pagar um sorvete para Tino depois.
Matthis pegou uma caixa e guardou cuidadosamente a pulseira dentro.
— A avaliação vai levar um tempo, já que tenho outros trabalhos acumulados. Isso vai te custar uma taxa de avaliação, e não estou aceitando pagamentos adiados para este.
— Claro. Temos o dinheiro. Agradeceria se pudesse fazer isso o mais rápido possível.
Mas não é o meu dinheiro.
— Pronto, já terminamos! — Percebendo que a conversa tinha acabado, Liz bateu palmas e disse: — Krai, fofinho, vamos voltar, tá bom? Vamos voltar! Hora de continuar!
Parece que ela ainda quer mais contato físico... mas ainda não terminei. A parte importante vem agora.
Acalmando a agitada Liz, peguei Tino, que ainda se escondia atrás de mim, pelos ombros e a empurrei para frente.
Então, indo direto ao assunto, perguntei a Matthis, que estava organizando suas coisas:
— Matthis, deixando isso de lado, você tem encomendas de avaliação para as Relíquias que serão leiloadas, certo? Me deixe entrar e me mostre.
A expressão de Matthis congelou no lugar, e Liz franziu as sobrancelhas, descontente.
Eu trouxe o passe de entrada (Tino) comigo, então me deixa entrar, cara.
A capital sempre foi a terra santa da caça ao tesouro, e o leilão era uma grande oportunidade para os caçadores. A alta circulação de Relíquias por aqui atraía muitos caçadores em busca delas e, especialmente durante o leilão, um grande número de caçadores e comerciantes vinham de todo o país e até de fora. Talvez devido ao clima festivo característico, as Relíquias leiloadas costumavam ser vendidas por valores superiores ao preço original, e o fluxo de dinheiro durante esse período era imenso. O leilão era uma oportunidade de ouro para os caçadores faturarem uma boa grana.
No entanto, mesmo durante o leilão, ninguém comprava Relíquias de efeitos desconhecidos. Por isso, antes do evento, os avaliadores de Relíquias residentes na capital eram frequentemente inundados com pedidos de avaliação de Relíquias vindas de todo canto.
Como os efeitos das Relíquias eram naturalmente propensos a julgamentos errôneos, os avaliadores garantiam seus laudos com seus próprios nomes. E como o nome do avaliador da Relíquia também influenciava na decisão de um lance, era natural que o serviço desse velho rabugento, mas extremamente habilidoso, fosse muito procurado.
Uma porta ficava atrás do balcão. Além dela, ficava o espaço de trabalho de Matthis. Lá dentro, caixas de madeira estavam empilhadas, uma grande bancada metálica dominava o espaço, e ferramentas bizarras para avaliação forravam as paredes. O local era bem menos organizado do que a loja na frente, mas o espaço estreito, iluminado por luzes fracas, tinha um certo charme.
Instintivamente, soltei um suspiro. Não era minha primeira vez ali, e, para alguém tímido, lugares apertados como esse eram meus favoritos.
Tino me seguiu timidamente, enquanto Liz olhava ao redor e soltava um grande bocejo.
Quando Matthis me deixou entrar aqui pela primeira vez, o espaço estava tão bagunçado que não havia onde pisar, mas em algum momento, o lugar ficou arrumado o suficiente para se caminhar sem tropeçar—quase certamente por causa da Tino, e não de mim.
Olhando por cima do ombro para mim, que seguia sorrateiramente atrás dele, Matthis resmungou:
— Você vai dar uma olhada e vazar, entendeu? Estou ocupado.
— Mas eu trouxe a Tino comigo! Você não se importa com o que pode acontecer com ela?
— G-Garoto, quanto tempo você pretende ficar aqui?
A oficina de Matthis era um lugar muito curioso, cheio de Relíquias espalhadas por todo canto, tanto antes quanto depois da avaliação.
Na realidade, a maioria das Relíquias encontradas em cofres do tesouro eram inúteis. Não seria um grande problema se fossem apenas defeituosas, como a Night Hiker. Mas Relíquias absurdas—pulseiras que entorpeciam o paladar, brincos que tornavam impossível distinguir sons e botas que faziam você pular em vez de andar normalmente—estavam por toda parte. Nós, caçadores de tesouros, respeitosamente as chamávamos de "Relíquias sucata", e, naturalmente, elas raramente chegavam às prateleiras das lojas.
Embora eu estivesse ali por outro motivo hoje, procurar por itens minimamente úteis no meio da pilha de quinquilharias sempre era uma ótima forma de matar o tempo. (Embora, diga-se de passagem, encontrar algo útil fosse extremamente raro.)
— Aqui. Esse é o catálogo das Relíquias que me pediram para avaliar. Dá uma lida e cai fora.
Matthis ofereceu uma cadeira para Tino e me jogou, sem cerimônia, um maço de arquivos presos com clipes de papel.
A diferença de tratamento entre mim e a Tino é gritante. Será que pedir um chá é pedir demais?
Mas não adiantava reclamar, então comecei a revisar a lista ali mesmo, em pé.
Havia muitos avaliadores na capital além do Matthis. Parece que terei que visitá-los depois também.
Liz estava ali, esperando pacientemente como um cachorro treinado para ficar no lugar.
Talvez seja melhor eu me apressar.
— Hm... Mas eu não tenho dinheiro...
No documento havia uma lista com os nomes temporários e as características das Relíquias. Os nomes dos clientes provavelmente foram omitidos por questão de privacidade.
As Relíquias leiloadas frequentemente eram vendidas por valores superiores ao preço de mercado. Relíquias úteis eram difíceis de conseguir, mesmo para quem tinha dinheiro, então, levando isso em conta, embora o leilão fosse uma grande oportunidade, talvez estivesse fora do meu alcance desta vez. Mas, conforme eu passava os olhos pelo catálogo, minha empolgação só aumentava.
Será que se eu começasse a me ajoelhar e implorar, funcionaria?
— Senhorita, como tem passado? Como estão indo as caçadas?
— Estou bem, obrigada. As caçadas estão indo bem.
— Que bom saber. Caçar tesouros é um trabalho perigoso, e depois de tantos anos lidando com caçadores, não posso evitar entender profundamente os riscos envolvidos, por mais que não queira. Cuide-se bem.
— Suas avaliações estão demorando uma eternidade, velho. Não tem nada de útil aí?
Só saber as características e os nomes temporários das Relíquias não ajudava muito. Algumas eu conseguia adivinhar, mas nada parecia me chamar a atenção.
Pelo menos coloca umas imagens na lista...
— Você é irritante! Elas estão naquela caixa ali, olha o quanto quiser. Mas não suja nada!
Ele deve estar bem estressado.
Eu, com minha grande magnanimidade, permaneci impassível e abri a caixa indicada para checar o conteúdo.
Parecia que as Relíquias ainda não tinham sido carregadas com mana, e era uma pena não poder vê-las em seu estado perfeito.
Eu me joguei no chão e comecei a tirar as Relíquias a serem avaliadas uma por uma, como se estivesse conferindo com um catálogo.
Que momento empolgante.
As Relíquias mais comuns no lote eram os acessórios, sempre populares, mas também havia algumas pelas quais eu tinha grandes expectativas, como as Relíquias do tipo bolsa, e outras com formatos realmente raros, como as do tipo luva.
Estou quebrado, mas o leilão deste ano parecia promissor.
— Ei, Krai Baby, vamos resolver isso logo, ok? Quantas Relíquias tem aí?
— Liz, você também devia procurar por algo promissor.
Liz fez bico e começou a espiar dentro da caixa de madeira sem muito entusiasmo.
— A Sombra Partida tem pegado no seu pé? O Krai tem te sobrecarregado com exigências absurdas? Aquele grupo inteiro de pirralhos não tem a menor noção do que é moderação.
— E-eu estou bem. Eles estão me tratando bem.
— Se algo acontecer, certifique-se de contar com seus companheiros, mesmo que alguns deles tenham personalidades meio… problemáticas. Mas a Passos é um clã enorme, então com certeza você vai encontrar muitas pessoas dispostas a te ajudar quando precisar. O Krai… bem, dependendo da situação, pode ser útil também. Afinal, de um jeito ou de outro, ele é o caçador que mais subiu de nível nos últimos anos — disse Matthis para Tino com um tom preocupado.
— E-Entendido.
Surpreendentemente, Tino, que geralmente era indiferente a estranhos, parecia hesitante.
E o que ele quis dizer com “dependendo da situação”? O único momento em que sou útil para Tino provavelmente é quando ela está sendo atormentada por suas companheiras.
— Eu entendo. O Mestre é uma pessoa maravilhosa. Ele pode ter muitas dívidas, mas ainda assim é uma pessoa incrível. Comparado ao Mestre, eu sou… só um lixo—
— Ei, você, Krai! Que tipo de besteira você anda colocando na cabeça da pequena Tino?!
Matthis me agarrou pelo ombro enquanto eu estava sentado em silêncio, remexendo na caixa. E justo quando ele estava espalhando esse boato infundado, uma Relíquia que Liz pegou chamou minha atenção.
A Relíquia parecia uma máscara com uma textura peculiar. Sua superfície sem expressão possuía buracos na posição dos olhos e da boca.
— Ugh. Nojento. O que é isso? Ei, Krai Baby, essa não é aquela que você tinha antes—
— Me deixa ver!
Peguei a máscara das mãos de Liz.
Com uma textura parecida com carne crua, ela parecia macia e úmida ao toque. Quando a levantei, senti um peso perturbador na mão. Estava fria ao toque, mas se fosse preenchida com mana e ativada, provavelmente emanaria um calor semelhante ao do corpo humano.
Era uma máscara feita de carne. Eu já havia tido experiência com uma Relíquia parecida.
Minha mão tremia enquanto segurava a máscara. Talvez não fosse exatamente igual, mas eu tinha certeza de que não existiam muitas Relíquias tão nojentas quanto essa — um Rosto Reversível. Embora fosse uma Relíquia extremamente útil, também era extremamente odiada pelos meus companheiros. Presumivelmente, Liz deve tê-la destruído em algum momento, e agora, aqui estava ela novamente diante dos meus olhos.
— Hã? Ei, Krai, o que foi?
Matthis olhou para o que eu segurava e fez uma careta.
… Eu quero. Eu quero muito.
Um Rosto Reversível era uma máscara de carne expansível que permitia alterar a aparência à vontade. Com ele, era possível modificar não apenas os traços faciais, mas até mesmo coisas como cabelo e, com prática suficiente, o formato do corpo. Com isso, eu poderia me livrar dos caçadores e criminosos que tentavam fazer nome caçando caçadores de alto nível e andar pelas ruas sem medo.
Minha experiência anterior com um desses foi pura coincidência, e eu achei que o havia perdido para sempre quando foi destruído. Tinha certeza de que pouquíssimas pessoas levariam uma Relíquia tão repugnante de volta, mesmo que a encontrassem em um cofre.
— Essa é uma Relíquia trazida do exterior. Ainda não a avaliei, mas não é algo bom — disse Matthis com uma expressão severa.
Tino arregalou os olhos ao olhar para a máscara.
… Eu quero. Eu quero muito.
De fato, essa Relíquia não era algo bom — uma Relíquia capaz de alterar não apenas o rosto, mas até mesmo coisas como corpo e impressões digitais seria extremamente útil para crimes e outros propósitos duvidosos, se dominada. A lei de Zebrudia havia proibido o uso de tal item, mas apenas possuí-lo não era ilegal. Em outras palavras, desde que não fosse pego usando, a Relíquia em si não era considerada ilegal.
Quanto custa? Quanto eu preciso para isso?
A que eu consegui da última vez veio de uma grande gangue de bandidos que os Grieving Souls derrotaram, e estava entre os espólios que recebemos. Não foi algo que comprei, então não consigo estimar seu preço com precisão, mas considerando sua raridade e capacidades, provavelmente valeria facilmente mais de dez milhões de gild.
… Eu quero. Eu quero muito. Se eu não conseguir agora, definitivamente não poderei ter outra chance.
Desesperado, virei minha cabeça.
Quanto custa? Quanto dinheiro eu preciso juntar? Vou me ajoelhar para Eva, vou me ajoelhar para Sitri, e enquanto estou nisso, vou me ajoelhar para Liz e Tino também.
Estou pronto para isso? Sim, estou.
Por favor, case-se comigo.
A essa altura, a avaliação da Relíquia de Tino já havia sumido completamente da minha mente.
Eu trocaria por qualquer uma das minhas Relíquias mais valiosas — era esse o valor de um Rosto Reversível.
Levantei os olhos e vi Matthis. Ele sempre mantinha uma postura rígida, mas agora gotas de suor frio escorriam por sua pele enquanto ele dava um passo para trás.
Meu objetivo imediato era negociar sua venda antes que fosse a leilão.
— O que foi, Krai Baby? Não me diga que você quer isso?
Se fosse a leilão, eu me encontraria em uma situação embaraçosa onde teria que competir com inúmeros outros caçadores e nobres por ela. Se isso acontecesse, conseguir ou não no final seria uma questão de sorte, e o custo provavelmente aumentaria significativamente.
Eu precisava negociar e garantir a venda para mim antes que fosse colocado para lances. Não era algo para se orgulhar, mas era uma tática comum em leilões.
Eu tinha prestígio e — apesar de não ter sido algo que conquistei por conta própria — as pessoas confiavam em mim. Esse não era o momento de ser seletivo sobre os meios.
Eu vou conseguir isso de qualquer jeito.
— Lentamente, respirei fundo para acalmar meu coração acelerado e perguntei a Matthis:
— Quero muito essa Relíquia. Gostaria de negociar com o cliente deste item. Você pode contatá-lo para mim?
— O-O quê?! Você está em seu juízo perfeito? A Relíquia ainda nem foi avaliada!
Estou em meu juízo perfeito.
De fato, era uma Relíquia repugnante, até mesmo no momento de sua ativação. A sensação ao ativá-la era como se um pedaço de carne crua colado ao seu rosto devorasse todo o seu corpo; era uma sensação que apenas aqueles que já haviam experimentado poderiam realmente entender, eu tinha certeza.
Mas eu quero. Quero o mais barato possível. Com isso, finalmente poderei fazer um tour por cafés de confeitaria sozinho, sem precisar de escolta!
— Tsk. Parece que você está falando sério, seu louco por Relíquias. Bem, pelo menos é bom para os negócios... Tudo bem, entendi. Vou falar com o cliente por você. Mas, pequena Tino, espero que você não acabe como ele.
Matthis estalou a língua com uma expressão descontente. Como sempre, ele tinha uma boca suja, mas era um velho gentil e atencioso.
Ao sair da loja de Relíquias e caminhar rapidamente de volta para a casa do clã, Tino me perguntou com uma voz hesitante:
— Mestre... uh... você não está sem dinheiro?
— Finalmente encontrei...! De jeito nenhum vou deixar essa Relíquia escapar das minhas mãos.
Era verdade que eu estava endividado, mas se perdesse essa chance, tinha certeza de que nunca mais encontraria essa Relíquia novamente.
O motivo pelo qual possuir um Rosto Reversível — uma Relíquia altamente compatível com criminosos — não era considerado ilegal era porque tornar a posse de Relíquias ilegal dificultaria que caçadores trouxessem Relíquias para a capital. Zebrudia havia prosperado graças à força dos caçadores de tesouros. Como os efeitos das Relíquias encontradas nos cofres não podiam ser determinados sem avaliadores, se os caçadores fossem presos por trazerem uma Relíquia que depois fosse considerada ilegal, ninguém ousaria trazer nenhuma para a capital. Assim, o império reconhecia por lei a posse de todas as Relíquias — não apenas do Rosto Reversível. Por outro lado, Relíquias altamente ilegais não eram permitidas nas prateleiras das lojas, apesar da posse ser legal.
Qualquer pessoa em sã consciência não consideraria vender uma Relíquia cujo uso seria considerado crime, e os meios para adquirir Relíquias que não estavam à venda nas lojas eram limitados. Além disso, havia uma boa chance de que tal Relíquia nunca mais aparecesse durante minha vida.
Essa era uma oportunidade única na vida. Eu conseguiria mesmo que isso significasse penhorar meus pais.
— Ei, Tino... uh... quanto você tem guardado?
— Hã?!
— Ah, só por curiosidade, só por curiosidade. Estou pegando emprestado da Sitri, então relaxa; sim, relaxa.
Isso era péssimo timing considerando que havíamos acabado de falar sobre minha dívida recentemente. Isso estava me deixando enjoado.
— Mestre... v-você quer tanto assim essa Relíquia que — — Tino recuou enquanto uma expressão chocada surgia em seu rosto e começou a murmurar:
— Essa Relíquia é realmente tão boa quanto o Mestre disse? Ela lembra um pouco aquela máscara nojenta que o Mestre tinha antes…
Eu me pergunto o que ela pensaria de mim se eu dissesse que preciso disso para fazer um tour por cafés sozinho…
Vou pegar emprestado da Sitri e resolver tudo isso. Não acho que a Relíquia será tão cara assim, por mais conveniente ou ilícita que seja.
Vai ficar tudo bem.
Sitri é uma Alquimista e, como o nome sugere, ela pode transformar coisas em ouro! Não sei como ela ganha todo aquele dinheiro, mas ela é o tipo de pessoa que casualmente gera centenas de milhões; então tudo ficará bem!
Embora esteja começando a ficar realmente assustado com a possibilidade de me tornar Krai Esperto algum dia…
Então Liz, que estava andando ao meu lado, franziu o cenho:
— Hmm, Siddy mencionou recentemente estar sem dinheiro com todas essas coisas acontecendo; isso pode ser um problema... Quanto você precisa?
— Sério?
Então a carteira da Sitri pode realmente ficar vazia? E eu achando que era uma fonte interminável de riqueza…
Embora fosse cedo demais para desistir. As chances daquela máscara nojenta ter um preço alto eram mínimas.
Perdido em pensamentos profundos, cheguei à casa do clã.
Em frente à casa do clã estava estacionada uma grande carruagem — preta e polida — claramente insinuando opulência. Era puxada por dois cavalos negros de porte impressionante cujos olhares varriam os arredores como se quisessem intimidar. Gravado na lateral da carruagem havia um brasão representando três espadas cruzadas.
Ao ver o brasão, Tino pareceu confusa:
— O brasão da Casa Gladis...? Mas essa casa é conhecida por desprezar caçadores…
Até eu — tão ignorante quanto sou — sabia sobre o Conde Gladis: eles eram uma das famílias nobres poderosas de Zebrudia. Conhecida como a “Espada de Zebrudia”, a Casa Gladis era uma família militar que protegia o império há muito tempo.
Embora seu domínio não fosse vasto, eles possuíam muitos cofres em seus territórios e regularmente enviavam sua ordem de cavaleiros para explorá-los. A Casa Gladis também comandava um número considerável de soldados poderosos que rivalizavam até mesmo com caçadores.
Nós dos Grieving Souls evitávamos nos envolver muito com nobres; então eu não sabia muito sobre eles; mas como Tino disse: o nome “Gladis” poderia muito bem ser sinônimo de “desprezo pelos caçadores”.
Eu já havia encontrado o chefe da casa em alguma festa antes; mas tudo o que lembrava era do olhar assassino dele para mim.
Será que isso vai ser problemático novamente?
— Mhmm. Não se preocupe com tanta bajulação. Caçadores raramente despertam meu interesse, mas você é uma exceção. Aguardo ansiosamente o dia em que encontrarei sua espada novamente, Ark.
Emergindo pela porta estavam Ark e uma garota loira vestida com um vestido branco, transbordando de expectativa.
— H— — O som escapou da minha boca ao perceber que a garotinha ao lado de Ark era obviamente uma nobre.
Diferente dos meus amigos de infância, eu não era tão briguento a ponto de desafiar nobres. Sendo sem educação e sem refinamento, decidi que faria o meu melhor para ficar calado na presença deles — manter o silêncio era a melhor forma de evitar problemas.
A jovem garota me encarava fixamente enquanto eu levantava a voz repentinamente. Era garantido que ela cresceria e se tornaria uma beleza no futuro, com sua pele branca impecável e olhos azuis claros, mas seu olhar era altivo.
Me pergunto se ela já tem dez anos.
Meus amigos e eu sonhávamos em nos tornar caçadores nessa idade. A educação dos nobres devia ser realmente rígida para ela ter olhos tão afiados desde tão jovem.
O vestido branco puro parecia ser sua roupa do dia a dia. O ar majestoso exalado naturalmente pela forma como ela se vestia era típico de alguém em posição de autoridade. O vestido pouco decorado e a espada curta excessivamente ornamentada presa à sua cintura indicavam claramente a origem da jovem garota.
Com uma voz aguda, a garota ordenou:
— Que tipo de miserável é esse? Saia do meu caminho.
— O-O que você disse ao Mestre—umph!
Abracei Tino por trás e coloquei minha mão direita sobre sua boca enquanto ela dava um passo à frente reflexivamente, prestes a retrucar contra a garota.
Por que você está mergulhando de cabeça em um problema tão óbvio? Você é Liz? Espera... não, Liz deve estar bem. Ela foi treinada para não retrucar contra nobres em particular.
Franzindo o cenho, Liz olhou para a garota com uma expressão sombria. Ela não conseguiu esconder sua irritação, mas permaneceu em silêncio.
Preciso elogiá-la generosamente mais tarde se conseguir se segurar.
Sorrindo gentilmente, estava prestes a abrir caminho quando Ark disse, desnecessariamente, com um sorriso animado:
— Ah, oi Krai. Estou de volta. Somos gratos por Lord Gladis nos emprestar esta carruagem para nos trazer de volta. Esta aqui é Lady Éclair, filha de Lord Gladis.

Outro novo membro para o harém do Ark? Mas, de qualquer jeito que se olhe, ela é jovem demais para isso. Nunca imaginei que Ark tivesse vibes de lolicon.
Reprimi à força o comentário frívolo que estava prestes a escapar dos meus lábios.
Não, ainda não posso dizer nada. Minha cabeça voaria se eu falasse isso na frente da filha de Lorde Gladis. Mesmo que Ark e eu nos dessemos bem e trocássemos brincadeiras, eu tinha acabado de conhecer Lady Gladis, afinal.
Mas quem convocou Ark foi o Marquês Sandrine, um nobre de postura moderada em relação aos caçadores. Como ele acabou trazendo de volta a filha de Lorde Gladis? ...Bom, suponho que isso ainda seja melhor do que trazer de volta a cabeça da Casa Gladis.
Ao ouvir as palavras de Ark, Lady Éclair arregalou os olhos e começou a me avaliar de cima a baixo.
— Você... é o Mil Truques? Meu pai já falou bastante sobre você.
Suas palavras e atitude eram grandiosas, mas sua voz aguda era claramente a de uma criança.
Nem mesmo eu tinha medo das palavras de uma criança. Embora estivesse mais preocupado com Liz.
Enquanto os cavaleiros guardiões ao redor dela ficavam com expressões tensas, Lady Éclair continuou com um tom rápido:
— Como meu pai previu, você é surpreendentemente fraco, contrariando as expectativas. É difícil de acreditar que você seja um caçador superior a Ark Rodin aqui presente.
— ...
— A Associação dos Exploradores caiu tão baixo assim? Comprou seu posto com moedas? Você, ladino vil, deveria sentir vergonha.
— ...
— Não vai dizer nada em resposta a todas as minhas afirmações? Não tem o mínimo de orgulho?
Por algum motivo, a jovem recuou um passo e me olhou como se tivesse visto algo estranho.
Tino estremeceu em meus braços, mas eu a ignorei.
Retomei a respiração que estava segurando e, tentando não soar desrespeitoso, disse em um tom calmo:
— Fui criado de forma descuidada, e meus modos são péssimos. Tento ser discreto ao falar sempre que posso.
— O-o quê?! Uhm... ah... — balbuciou Lady Éclair, olhando ao redor como se tivesse perdido o fôlego. Então, limpando a garganta levemente, mas com firmeza, continuou:
— H-Hmm. I-Isso é uma boa política a se adotar ao se relacionar de forma presunçosa com seus superiores.
Eu não tinha nada a ganhar ofendendo nobres. Não estava em posição de colher benefícios sob a proteção da autoridade. E, como a jovem havia dito, já que eu não tinha orgulho, me curvaria em reverência se isso me tirasse dessa.
...Será que ela me emprestaria dinheiro se eu me ajoelhasse?
— Minha lady, está na hora — sussurrou um senhor gentil que estava à entrada ao lado de Lady Éclair.
O homem vestia um traje de mordomo completamente preto. Provavelmente era o acompanhante dela.
— S-Sim, muito bem!
Provavelmente aliviada pela desculpa para partir, Lady Éclair olhou para Ark com entusiasmo.
— Muito bem, Ark, nos encontraremos novamente. Se o seu caminho o levar ao domínio de Gladis, basta enviar uma mensagem para nossa propriedade. Treine-me novamente no manejo da espada da próxima vez!
Parecia que Ark teve bastante trabalho para que uma jovem nobre pedisse para treinar com ele.
No final, depois de me lançar um olhar severo, Lady Éclair partiu na carruagem com seus acompanhantes.
Ela passou pela nossa vida como uma tempestade... Será que ela vai crescer e se tornar como a Liz...? Talvez não.
Minha respiração finalmente voltou ao normal.
As pessoas que espiavam nossa direção com curiosidade começaram a se dispersar.
Ark se aproximou de mim e se desculpou gentilmente:
— Foi mal por chegar de carruagem sem aviso. Não consegui recusar—ela insistiu muito.
Esse era o Ark, sempre Ark. Se estivéssemos jogando cartas, ele seria o Curinga: todos os problemas podiam ser resolvidos com ele. A tal ponto que eu preferia que ele ficasse mais perto da casa do clã.
— Que timing perfeito — eu disse. — Ark, pode me emprestar um dinheiro?
— O quê?
Ark, o “pseudo-garanhão” mais forte da Primeiros Passos, ficou boquiaberto.
Entramos juntos na casa do clã enquanto continuávamos a negociação.
Ark, sem demonstrar um pingo de hesitação, sorriu brilhantemente e disse:
— Não sei o que tá rolando, mas de jeito nenhum vou te emprestar dinheiro.
Empréstimos e dívidas eram a principal causa de conflitos dentro de um grupo de caçadores. Havia inúmeras histórias de grupos que se dissolveram por disputas financeiras entre os membros.
Caçadores ganhavam bem, mas gastavam tão rápido quanto ganhavam.
Embora não tanto quanto os Grievers, Ark deveria estar ganhando um bom dinheiro. Vindo de uma família prestigiada, ele provavelmente tinha uma das melhores condições financeiras do nosso clã.
Como eu poderia convencê-lo...? Precisava juntar dinheiro rapidamente e começar a negociação, ou outro caçador poderia pegar a relíquia antes de mim.
Eu pagaria de volta, com certeza!
Ark deu de ombros. O mesmo gesto parecia bem melhor quando feito por um cara bonito do que por mim.
— Aposto que você encontrou uma nova Relíquia ou algo assim, certo? Falando nisso, o leilão não está prestes a começar?
Claro que ele sabia de tudo.
Aliás, essa não era a primeira vez que eu o incomodava pedindo dinheiro.
Ark e eu não tínhamos nenhuma rixa, mas ele era extremamente responsável quando se tratava dessas coisas.
Liz, liberando a raiva que havia acumulado antes, avançou para confrontá-lo.
— Repete isso? Você ouviu o que o Krai acabou de di—
Cala a boca.
Segurei ela.
— Quietinha, Liz—não, dessa vez é diferente. É uma Relíquia absurda. Eu preciso dela de qualquer jeito.
— Isso não tem nada de diferente... Aliás, quanto você queria que eu emprestasse?
Isso dependeria de como a negociação iria. O mercado de Relíquias era complicado, e eu não fazia ideia de quanto precisaria.
Com uma expressão sincera, respondi:
— O máximo que puder.
— E... qual o efeito e o motivo dessa Relíquia que você tanto quer?
Mudando minha aparência, eu ganharia liberdade—poderia ir às confeitarias por conta própria.
E então, com toda seriedade, declarei com firmeza:
— Isso eu não posso contar!
Claro que não podia. Não podia dizer que era algo ilegal.
...Isso significa que não tenho chance?
— Ugh... Eu sei que você é reservado, mas essa conversa não tá indo a lugar nenhum.
Era uma resposta completamente válida. Então, desisti do Ark e voltei meu olhar para os membros do grupo dele, encostados na parede.
O grupo de Ark, Ark Brave, era um grupo de Nível 7 certificado pela Associação dos Exploradores, com seus membros tendo, em média, Nível 6. Eles tinham uma composição de classes bem equilibrada, eram altamente competentes e demonstravam um excelente trabalho em equipe. O que realmente os fazia se destacar em comparação com outros grupos, no entanto, era o fato de que todos os membros do grupo de Ark eram mulheres—todas belas mulheres. Por isso, seu grupo era frequentemente chamado de “grupo harém”, ao mesmo tempo em que era reconhecido por sua superioridade.
Lá atrás, Ewe, a Santa do grupo, encolheu-se e disse nervosamente:
— E-Eu não vou te emprestar dinheiro.
As outras integrantes do Ark Brave, Isabella, a Maga, e Armelle, a Espadachim, também me lançaram olhares furiosos.
— Se você é um caçador de Nível 8 como afirma, por favor, administre suas próprias finanças sem depender do Ark! — gritou Isabella.
— Ah, cara... Você é um fraco, como sempre, tentando se aproveitar de seus rivais. Eu não consigo entender como um homem como você lidera aquele grupo — Armelle parecia mais decepcionada do que indignada.
Não apenas suas classes eram variadas, mas suas personalidades também eram bem diferentes: tímida, reservada e guerreira.
Rugido de guerreiro!
Talvez fosse sua capacidade de liderar um harém que tornava Ark a pessoa mais acessível.
Embora eu não sentisse exatamente um espírito de rivalidade em relação ao Ark Brave, os Braves pareciam nos ver, os Grievers, como rivais. Por conta disso, eram frequentemente críticos em relação a nós.
Liz parecia prestes a pular neles a qualquer momento. Parece que eu teria que fazer um cafuné debaixo do queixo dela depois.
Isabella, a mais eloquente entre elas, se aproximou de mim.
Ela também era bem cuidada, assim como Ark. Seu cabelo e olhos cor de lavanda, assim como sua pele branca como a neve, indicavam sua origem no norte. No entanto, seu olhar intimidador arruinava seu charme. Ela também era uma garota patética que frequentemente desafiava Lucia, apesar de acabar sendo ignorada.
— P-Para começo de conversa, por mais que Lady Éclair seja uma criança, por que você fala com ela com esse tom desrespeitoso e sarcástico? Você não tem medo de fazer inimigos da Casa Gladis?!
— Hã...? Sarcasmo? Eu só estava afirmando fatos...
Eu não fazia ideia do que ela estava falando. Como minha afirmação sobre ser ignorante quanto às regras de etiqueta era sarcasmo?
— I-Isso pode não importar muito para vocês, depois de tudo o que passaram, mas agora estamos no mesmo clã. Você entende o que isso significa? E se você manchar o nome de Rodin?!
Tão teimosa como sempre. Ela deveria ser mais nova que eu, mas era difícil lidar com ela—de uma maneira diferente de Liz e das outras.
Porém, infelizmente para ela, eu continuava ileso, não importava o quanto me repreendesse. Isso porque eu entendia melhor do que ninguém o fato de que eu era incompetente e já estava acostumado a ser criticado. E, honestamente, o que eu poderia fazer se o nome de Rodin fosse manchado? Eu não tinha uma resposta para essa pergunta, então não faria nada em particular. Além disso, duvidava que o nome de Rodin fosse manchado tão facilmente...
— Seu insolente! Como ousa fazer falsas acusações contra o Meste—eeewph! Umph! Umph!
Tino de repente se colocou entre mim e Isabella e tentou mordê-la.
Eu a calei.
— Certo, certo. Me desculpem, mas preciso ir pedir dinheiro emprestado a outra pessoa, então já terminamos aqui?
Eu me curvei, ignorando habilmente suas críticas. Eu tinha talento para calar bocas.
Eu podia ser fraco contra inimigos, mas era forte contra aliados—eu era o que as pessoas chamavam de “um leão em casa e um rato fora”. Os membros do grupo de Ark tinham personalidades distintas, mas não eram indiscriminados como os meus.
Isabella ficou surpresa quando de repente tampei a boca de Tino, e Tino protestou com olhos marejados enquanto continuava a gritar com a voz abafada.
Sim, uhum.
— Bem, então, até mais, Ark!
O tempo estava acabando. Dei uma breve despedida, e Ark acenou como de costume, com um sorriso que não revelava nada sobre seus pensamentos.
Por ora, talvez eu devesse verificar com os membros do clã no salão e ver se conseguia emprestar algum dinheiro.
***
As notícias de que o Mil Truques estava desesperadamente atrás de dinheiro se espalharam rapidamente por toda a capital.
A conversa havia ocorrido na entrada da casa do clã, na presença de muitos membros do clã, assim como de estranhos. Era simplesmente impossível que essa conversa entre os dois principais membros do clã, tanto nominalmente quanto de fato, passasse despercebida.
Era um segredo aberto que o Mil Truques tinha uma enorme coleção de Relíquias. Enquanto caçadores normalmente mantinham suas armas secretas em sigilo, a coleção de Relíquias do Mil Truques estava além do reino dos meros segredos. Quase ninguém jamais havia realmente visto a coleção, mas havia rumores de que continha Relíquias raras, caras e até mesmo Relíquias supostamente amaldiçoadas, perigosas demais para um caçador comum manusear. Havia até rumores de que as Relíquias dos Grievers eram todas Relíquias inferiores vindas de sua coleção.
Dívidas eram algo que caçadores deveriam evitar. Pedir emprestado a outro grupo poderia potencialmente prejudicar o ativo mais valioso de um caçador: a confiança.
Essa era uma Relíquia pela qual um colecionador de Relíquias, um caçador de Nível 8, estava disposto a contrair uma dívida para obter. Que tipo de poder ela poderia possuir? Seus efeitos eram desconhecidos, mas aparentemente era uma Relíquia “louca”. De qualquer forma, era sem dúvida uma Relíquia raramente vista. Talvez houvesse até mesmo a possibilidade de que ela se tornasse a carta na manga do caçador de Nível 8.
Por natureza, muitos comerciantes, caçadores e até mesmo nobres da capital estavam interessados em rumores sobre o próximo Leilão de Zebrudia, e rumores apenas geravam mais rumores.
Todos desejavam Relíquias poderosas, sem exceção. Caçadores as buscavam para suas caçadas, nobres para prestígio e comerciantes para usá-las como cartas na manga nos negócios.
Que tipo de poder essa Relíquia realmente possuía? Aqueles sem dinheiro sonhavam com seu poder, e aqueles com dinheiro tramavam maneiras de adquiri-la a qualquer custo.
Os comerciantes pensavam: “Ele pode ser Nível 8, mas, no fim das contas, é apenas um caçador. Deve haver um limite para os fundos que ele pode reunir.”
Os caçadores pensavam: “Talvez possamos obter um poder que rivalize com o de um Nível 8 com essa Relíquia.”
E os nobres pensaram: Não ficaríamos ainda mais gloriosos se colocássemos as mãos nessa Relíquia?
No fim, era apenas um boato. Mas era um boato tentador demais para ser descartado como mero rumor.
— Ei, Arnold, parece que tem uma Relíquia insana indo a leilão — disse Eigh animado para Arnold.
Eles estavam em um canto de uma taverna impregnada pelo aroma do álcool e pela euforia da multidão. O lugar estava repleto de caçadores, e até mesmo o Névoa Caída, um grupo de forasteiros, parecia ter se misturado completamente ao ambiente.
Já fazia alguns dias desde que haviam deixado de lado sua rixa com os Mil Truques e, diferente da última semana, tudo vinha correndo bem para eles. Haviam explorado alguns cofres do tesouro e confirmado que suas habilidades eram mais do que adequadas, mesmo na capital. A Névoa Caída havia perambulado pela capital de Zebrudia, aprendido mais sobre o estado da cidade, pesquisado os caçadores locais com mais detalhes e reformado seu equipamento—o único problema restante era o Mil Truques.
Batendo a caneca de cerveja vazia na mesa, Arnold perguntou:
— Ah, é? Que tipo de Relíquia é?
— Bom, uh, não sei os detalhes... Mas dizem que é uma Relíquia que faria até um caçador de Nível 8 sair pedindo dinheiro por aí.
— Um Nível 8... Hmm...
Arnold franziu a testa ao ouvir aquilo, e a expressão de Eigh não era muito melhor.
O alvo atual de Arnold era o Mil Truques. Agora que seu corpo havia se recuperado, ele não se importava mais com os ferimentos que Liz lhe infligira. No entanto, a humilhação que sofrera permanecia gravada em sua alma.
O problema era que ele ainda não fazia ideia das táticas que o Mil Truques havia empregado. Se era uma farsa ou um nível de habilidade incompreensível estava além de qualquer suposição, até mesmo membros da Obsidian Cross e da Starlight, grupos dentro do clã do Mil Truques, nada sabiam sobre seu verdadeiro poder.
Arnold sabia que havia apenas três Níveis 8 na capital, e suspeitava que todos eram figurões do mesmo calibre daquele homem. Dizer que ele não estava interessado em uma Relíquia que caçadores desse nível estavam perseguindo freneticamente seria uma mentira.
Mas, infelizmente, os membros da Névoa Caída, que haviam chegado recentemente à capital após uma longa jornada, não tinham dinheiro para isso: haviam gasto uma grande parte em equipamentos nos últimos dias. Além disso, provavelmente não teriam como bancar uma Relíquia que até caçadores de alto nível precisavam pegar dinheiro emprestado para comprar. Bem, mesmo que tivessem o dinheiro, gastar uma quantia exorbitante em uma Relíquia desconhecida, apenas com base no fato de que um caçador poderoso a queria, estava fora de questão. Eigh, o tesoureiro do grupo, certamente compartilhava essa opinião.
— Tsk, que história intrigante. A propósito, Eigh, como foi a avaliação daquela Relíquia que encomendamos?
— Ah, sim. Parece que o avaliador está atolado por causa do leilão, então pode demorar um pouco mais.
— Entendo.
Ao se lembrar da Relíquia nojenta que haviam encontrado em um cofre perto de Nebulanubes, Arnold franziu o cenho.
Era uma máscara repulsiva, como se tivesse sido moldada amassando carne crua. Não apenas parecia carne ensanguentada de verdade, mas também tinha a mesma textura ao toque. Até mesmo os caçadores do grupo de Arnold, acostumados com o contato com sangue e órgãos, ficaram horrorizados. A Relíquia era tão repulsiva que ele se arrependeu de tê-la trazido assim que voltaram para a cidade. O avaliador de Nebulanubes sequer aceitou avaliá-la. Provavelmente não valia nada; pelo visual, poderia até ser uma daquelas Relíquias que impunham penalidades ao usuário.
Ainda assim, haviam solicitado uma avaliação, e caso não valesse nada, pediriam ao avaliador que a descartasse para eles.
— Espero que pelo menos pague nossas bebidas. Sabe, trazer aquela coisa não foi nada fácil.
Em resposta às palavras sinceras de Eigh, Arnold soltou um grunhido de concordância.
Tradução: CarpeadoPara estas e outras obras, visite Canal no Discord do Carpeado – Clicando Aqui
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