Nageki no Bourei wa Intai shitai | Let This Grieving Soul Retire Volume 03 – Capítulo 2 [O Desafiante e o Transcendente]
Sua esgrima era quase mágica.
Diante dela estava um jovem sob todos os aspectos, ligeiramente mais velho que Chloe, mas ainda muito novo para ser chamado de caçador experiente. Seu porte era pequeno em comparação com outros caçadores, que geralmente possuíam um físico robusto; talvez Chloe até crescesse mais do que ele no futuro.
Ele vestia um casaco com capuz negro como a noite, mesmo estando em um ambiente fechado, e por trás daquele capuz, um olhar afiado e silencioso espreitava como lâminas.
No entanto, sua habilidade parecia excêntrica para Chloe, que se orgulhava de possuir uma esgrima comparável à de adultos. Ela sequer conseguia acertar um golpe.
Seu oponente empunhava uma espada de madeira, do tipo que uma criança usaria para treinar—leve e sem lâmina—enquanto Chloe segurava uma espada verdadeira, uma lâmina afiada de qualidade excepcional. Qualquer espada de madeira deveria ser cortada sem esforço no primeiro golpe, apenas pela nitidez inerente de sua lâmina.
Aquilo era um teste. Seu oponente era um membro dos infames Grieving Souls, um grupo ativo na linha de frente. Chloe não tinha ilusões de que venceria, mas, mesmo assim, sua ínfima confiança foi despedaçada com um único golpe.
A esgrima dele era algo que ela nunca tinha visto antes. Ou, para ser mais precisa, cada um de seus movimentos evocava uma variedade de estilos familiares: seu equilíbrio corporal, sua movimentação, o modo como segurava a espada, sua postura—havia um estranho senso de déjà vu entrelaçado em tudo aquilo. Era como se encapsulasse todas as escolas de esgrima que Chloe já tinha testemunhado, incluindo aquelas que ela mesma dominava.
Após trocar alguns golpes, Chloe percebeu: aquilo era uma quimera da esgrima, uma fusão de várias teorias originalmente incompatíveis, tão complexa que sua origem se tornava praticamente indistinguível.
Era absurdo; era ineficiente.
Como se zombasse de toda essa lógica, o homem apontou sua espada de madeira para os olhos dela e gritou:
— Você dominou apenas uma escola de esgrima. É lógico que eu, que trilhei o caminho de vinte e três estilos e busco ainda mais, seja mais forte do que você, que seguiu apenas um. O maior Espadachim é aquele que aprende e integra diversas escolas de esgrima de todas as eras e culturas... Certo, Krai?!
— É... aham...
Esse era um argumento absurdo. As escolas de esgrima eram refinadas ao longo de muitos anos. Cada movimento e técnica tinham um propósito, e uma boa esgrima não era simplesmente misturar técnicas de diferentes estilos. Qualquer um que tentasse algo assim só poderia ser um completo tolo. Mas, na realidade, quando a espada de Chloe colidiu com a espada de madeira, não conseguiu cortá-la e perdeu o embate.
A tarefa de Chloe era demonstrar sua força. No entanto, a cada choque entre as lâminas, sua confiança se esvaía. Era assustador. Ela estava preparada para perder, mas o medo de ver todos os seus esforços até agora serem negados era algo completamente novo.
O jovem observou a ponta trêmula da espada dela, mas não riu.
— A força de um Espadachim não está em sua espada; um verdadeiro Espadachim não escolhe sua arma. Independente das circunstâncias, uma derrota sempre revela sua falta de treino. Portanto, é lógico que eu, que aprimoro minhas habilidades com uma espada de madeira através de prática contínua e repetitiva, seja mais forte do que você, que depende de uma espada afiada. Certo, Krai?!
— Ah... sim, sim, aham.
Qualquer um diria que não havia como essas teorias absurdas serem verdadeiras. No entanto, aquele homem falava com tanta seriedade, com tamanha convicção, que, antes que percebessem, ele viria a ser reconhecido como um dos maiores Espadachins da capital.
E Chloe pensou consigo mesma: somos completamente diferentes. O homem diante dela era excepcional em todos os sentidos. Era apenas uma questão de tempo até que ele não fosse apenas chamado de um dos maiores Espadachins da capital, mas sim como o ápice da arte. Certamente ele ganharia um epíteto. Mas, então, qual seria o título que ele receberia?
— E a força se constrói através da acumulação. Talvez você pense que foi derrotada em todos os aspectos, mas isso não é verdade! Vamos ser gratos pela oportunidade de cruzar espadas hoje. Aprenderei com sua esgrima e me tornarei mais forte do que eu era ontem! A gratidão fortalece as pessoas, certo, Krai?!
— Bem, essas são palavras bonitas... Mas ei, Luke, você se esqueceu que isso era só um teste?
Ela ficou chocada. A próxima coisa que Chloe sentiu foi uma sensação esmagadora de derrota. O homem diante dela, que claramente a superava em força, não apenas evitava finalizá-la com um único golpe, como também buscava aprender com o embate.
Agora ela entendia: aquilo não era apenas uma tarefa para Chloe, mas para seu oponente, aquele era um duelo sério.
Sem prestar atenção às palavras do seu mestre de clã, que parecia perplexo, Luke Sykol focou-se completamente em Chloe naquele momento, seu olhar afiado como uma lâmina brilhando com chamas de convicção.
— Não se preocupe — gritou ele. — Você é forte. Mas eu sou mais forte que você, só isso. Lembre-se bem: meu nome é Luke—também conhecido como Luke Sykol, a Lâmina do Testamento!!!
Aquele foi o primeiro encontro de Chloe com Luke Sykol dos Grieving Souls.
E foi assim que Chloe falhou no teste de admissão da Primeiros Passos—um clã famoso por ter um olhar aguçado para talentos—e, após muito refletir, tomou a decisão de desistir do caminho do caçador para se tornar recepcionista e supervisionar as atividades dos Grieving Souls.
A partir daquele momento, seu interesse foi despertado não apenas pelo Espadachim de esgrima peculiar, mas também pela pessoa em quem ele confiava tanto a ponto de buscar confirmação a cada frase—o Mil Truques que reprovou Chloe Welter, cujo talento era amplamente reconhecido.
Mais tarde, quando chegou a hora de escolher um epíteto para Luke, ela sugeriu "Espada Proteana" em vez de "Lâmina do Testamento", como ele esperava (aliás, ninguém além dele próprio o chamava assim), como um pequeno ato de vingança.
***
— Era o dia após o banquete infernal, e eu estava no escritório do mestre do clã ouvindo o relatório da Eva.
Normalmente, os clãs formados por caçadores de tesouros eram organizações bastante frouxas; dizia-se que suas origens vinham de caçadores que se uniam para assistência mútua. Devido aos procedimentos e requisitos mínimos necessários para estabelecer um clã, muitos existiam apenas no nome, sem nenhuma função específica. No entanto, isso não significava que os clãs fossem inúteis. Para caçadores envolvidos em atividades perigosas, o simples fato de pertencerem a uma organização já tinha seu valor. Afinal, caçadores obstinados dificilmente se reuniriam para formar uma organização adequada.
Por outro lado, a Primeiros Passos era diferente. Quando formei o clã, contratei profissionais como a Eva de várias áreas e deixei tudo nas mãos deles.
Embora eu ainda estivesse cheio de vontade de me aposentar até hoje, naquela época eu estava desesperado para largar a vida de caçador. Isso foi por volta do momento em que começamos a superar cofres de tesouro de Nível 5 e minha própria inutilidade se tornou insuportável.
Honestamente, nunca imaginei que o clã cresceria tanto. Até hoje, ainda não consigo entender completamente o que fez tudo funcionar tão bem. Talvez tenha sido melhor que meu eu incompetente não tenha feito muita coisa.
Enquanto eu acenava com a cabeça de forma superficial, os membros competentes da nossa equipe transformaram a Primeiros Passos em um clã de primeira classe (se não em escala, pelo menos em qualidade) na capital.
Temos uma casa de clã nova e chamativa, oferecemos comodidades como comida no lounge, serviços como reabastecimento de itens e intermediação para vendas de Relíquias, além de nosso próprio campo de treinamento dedicado. Mas entre todas as coisas que temos, uma se destaca: nossa rede de informações altamente confiável.
Não me lembro de ter dado instruções específicas sobre isso nem sei os detalhes por trás das operações, mas a Primeiros Passos se tornou um centro para informações sempre atualizadas.
— Ele parece ser legítimo, esse Arnold Hail de Nível 7. Parece que ele conquistou sua promoção derrotando o Dragão do Trovão. Sua certificação foi concedida pela Associação dos Exploradores de Nebulanubes, a Terra das Névoas. Embora seja um ramo menor, então pode haver algum viés nisso…
Ter uma vice-mestre do clã competente é essencial. Já nem sei mais quem está liderando quem, mas estou totalmente bem com a Eva assumindo o comando. Ela pode encher os bolsos com as taxas de associação o quanto quiser.
Por favor, só não vá embora antes da minha tão aguardada aposentadoria.
— Ele é legítimo mesmo... Estou encrencado.
As palavras da Eva arrancaram um suspiro profundo de mim.
Eu havia considerado a possibilidade dele estar fingindo um nível alto, mas parecia que ele não era apenas aparência.
Na verdade, pensando bem agora que minha mente está mais clara... Não é esse Arnold aquele sobre quem Gark me alertou? Eu poderia ter planejado melhor se soubesse disso... Minha memória é simplesmente muito falha.
— Ah, esqueci que Gark me avisou sobre ele.
— Um aviso, você diz...?
— Bem... Eu sou completamente alheio quando se trata de coisas nas quais não estou interessado…
— ...Ele é um Nível 7, sabia? — repreendeu Eva com os olhos arregalados.
Mas fosse ele um Nível 7 ou 8, meu interesse não era despertado e minha atenção tendia a vagar. Embora isso pudesse acabar sendo mais problemático do que eu esperava. Liz realmente agiu muito rapidamente. Embora fosse inútil atribuir culpas agora; deixaria isso de lado por enquanto.
O problema foi que foi um ataque completamente surpresa. Era difícil acreditar que um caçador aparentemente Nível 7 aceitasse isso sem problemas. Arnold provavelmente estava fervendo de raiva agora. Se tivesse sido uma derrota justa e honesta, talvez fosse mais fácil para ele engolir; mas isso provavelmente só o deixaria amargurado.
Eu estava um pouco preocupado. Liz era inegavelmente forte, mas como Ladina suas capacidades defensivas eram limitadas. Apesar do fato dela estar sempre pronta para combate, provavelmente não era invulnerável. A possibilidade dela perder ao ser pega desprevenida era muito real.
Depois de considerar tudo isso soltei um grande bocejo e esfreguei os olhos. Embora minhas preocupações fossem genuínas, Liz era milhares de vezes mais forte do que eu e já estava acostumada a provocar outros indivíduos poderosos; então meu nervosismo simplesmente não se sustentava.
— Dragões do Trovão são incrivelmente poderosos... Se ele ganhou seu título derrotando um deles, ele definitivamente não é fraco.
Dragões eram sinônimo de força absoluta entre monstros. Havia vários tipos diferentes de dragões: Dragões Voadores, Dragões Terrestres, Dragões Marinhos ou Dragões Flamejantes; todos igualmente formidáveis.
E entre eles os Dragões do Trovão eram conhecidos por serem especialmente problemáticos por sua habilidade de controlar raios à vontade. Na verdade raios eram geralmente extremamente poderosos em todos os aspectos: sua velocidade tornava-os difíceis de evitar; seu som e impacto podiam facilmente tirar a consciência até mesmo dos caçadores fisicamente aprimorados; e sua condutividade tornava impossível usar armaduras metálicas como defesa. De fato até mesmo entre Magos apenas aqueles com talento excepcional possuíam habilidade para manipular raios. Se pudesse controlar raios até mesmo um coelho se tornaria um adversário formidável; assim sendo um dragão capaz disso seria um desastre.
Eu morreria com certeza.
Enquanto cruzava os braços e franzia as sobrancelhas Eva perguntou com uma pitada de preocupação:
— Você já enfrentou um?
Assenti gravemente à pergunta dela enquanto mergulhava fundo nas minhas memórias:
— Tudo o que posso dizer é... sim... Teriyaki de Dragão do Trovão é realmente delicioso quando grelhado com molho agridoce. E só isso mesmo.
— Entendi…
— Estou começando a ficar com fome na verdade…
Embora já tivesse encontrado um antes eu só estava escondido nas sombras enquanto Liz e o resto do grupo lutavam contra ele. Definitivamente era mais forte do que eu; disso tenho certeza; mas não sei como foi a experiência para Liz e os outros. Eles não deveriam ter sofrido ferimentos graves com aquilo pelo menos.
A única coisa que lembro vividamente foi Sitri cozinhando a carne num prato suculento incrivelmente delicioso depois que derrotaram o dragão; talvez esse também fosse o poder da marinada especial da Sitri. Sitri era realmente uma polivalente incrível!
— Cara, eu adoraria comer isso de novo algum dia...
— B-Bem... não existe nenhum lugar que sirva carne de Dragão do Trovão nem mesmo na capital. Afinal, todas as partes de um dragão são consideradas materiais raros e valiosos, então usá-las como comida é algo inédito...
— Eu sei. Hmm...
O que eu deveria fazer...?
Por enquanto, reclamar com Gark era algo certo, mas, a menos que houvesse um motivo significativo para não fazê-lo, confrontos entre caçadores normalmente eram tolerados. Eu já podia até ouvir ele dizendo “Eu te avisei.” Eu me curvaria o quanto fosse necessário se isso resolvesse o problema, mas a outra parte provavelmente não aceitaria tão facilmente.
Fiquei pensando por um tempo, mas, talvez por causa do estômago vazio, não consegui me concentrar. Depois de vários minutos de contemplação, decidi desistir completamente. Eu tinha certeza de que Liz ficaria bem, mesmo que fosse pega de surpresa. Ela já estava acostumada com isso e tinha bastante experiência em lidar com rancores e ser alvo de ataques.
Eu poderia entrar em contato com Gark e avisá-lo para tomar cuidado... Mas será que isso era tudo o que eu podia fazer?
De repente, percebi que Eva ainda estava ali, esperando silenciosamente minhas palavras, seus atentos olhos cor de lavanda me observando.
Ela era meticulosa, ao contrário de mim. Eu realmente apreciava sua dedicação incansável em apoiar esse meu eu incompetente, embora não fizesse mal se ela relaxasse um pouco mais.
Dei de ombros e soltei um longo suspiro.
— Ugh... A culpa é sua por ter falado de teriyaki, agora estou com fome e não consigo me concentrar.
—?! Eu não falei nada disso?!
Era só brincadeira. Não precisava levantar a voz assim...
— Seria melhor se isso pudesse terminar pacificamente, mas... bem, vamos falar com Gark sobre isso, só por precaução. Certo, talvez eu devesse ir buscar um teriyaki.
— Eu entrarei em contato com ele por minha parte. E teriyaki... de Dragão do Trovão? — perguntou Eva cautelosamente.
Não pude evitar sorrir um pouco com a reação dela.
— Nah, vamos deixar isso para outra hora. Dragão do Trovão pode ser delicioso, mas frango também não é nada mal.
Ela não tinha acabado de dizer que não existia nenhum lugar que servisse carne de Dragão do Trovão? Pessoas competentes realmente tinham um senso de humor impecável—isso era algo que eu deveria aprender com ela.
***
Fazia muito tempo desde que ele havia sofrido um golpe tão severo.
Em Nebulanubes, a Terra das Névoas, onde eram suas bases, ninguém ousava desafiá-los há muito tempo.
Nebulanubes era um país com uma população limitada de caçadores de tesouros e, em particular, contava com apenas alguns caçadores de alto nível. Entre eles, a Névoa Caída, composta por Arnold Hail e seus companheiros, havia derrotado a calamidade do Dragão do Trovão que assolava a nação após uma batalha mortal, sendo reconhecida como o grupo mais poderoso da região. Até mesmo os altos escalões da Terra das Névoas tinham grande respeito pelo grupo, que era inigualável tanto na teoria quanto na prática.
A razão pela qual Arnold e seus companheiros escolheram deixar esse país confortável para trás era a busca por aspirações mais elevadas. Com apenas cinco Relíquias na região da Terra das Névoas, o potencial de crescimento como caçador era limitado. Para conquistar Relíquias de alto nível, era necessário aumentar gradualmente o nível das que se explorava e absorver material de mana para fortalecer-se. No entanto, infelizmente, Nebulanubes carecia enormemente de campos de batalha.
Mas eles estavam confiantes. Em um país tão pequeno, havia apenas um punhado de caçadores certificados como Nível 7. Arnold, especialista em combate, era cercado por membros igualmente confiantes em suas habilidades de luta. Além disso, com um grupo maior que a média, dificilmente perderiam, mesmo em batalhas entre caçadores.
Eles sabiam que Zebrudia era um grande país de caçadores, muito além do que poderiam comparar com Nebulanubes. No entanto, não tinham a menor intenção de perder.
— Droga, aquela desgraçada... Me pegou de surpresa com um ataque desses... Isso não vai ficar assim.
Eigh Lalia, vice-líder do grupo e braço direito de Arnold, conseguiu se curar o suficiente para ficar funcional usando poções caras que haviam estocado. Seu ressentimento fez com que soltasse uma sequência de rosnados pesados, ainda remoendo o ocorrido. Ele trocou a armadura que usava por roupas simples, já que a proteção havia sido danificada na briga da taverna.
Diante de suas palavras, o restante do grupo, metade furioso, metade temeroso, expressou seu acordo.
Ao contrário do irado Eigh, Arnold estava bem mais calmo.
Um ataque surpresa. Sim, aquilo foi uma emboscada completa. Mas se alguém quer ser um Nível 7 ou superior, não pode ser facilmente derrotado por ataques-surpresa—no campo de batalha, não existe essa de “golpe sujo.”
Para começar, embora o ataque contra Arnold tenha sido inesperado, Eigh foi derrotado em uma situação quase justa. Aquela caçadora, sem dúvida, possuía habilidades excepcionais e uma capacidade de combate que lhe permitia derrotar facilmente Eigh, que estava a um passo de passar no teste de certificação para o Nível 6.
Eigh, que certamente compreendia isso, não reprimia sua raiva como Arnold. Em vez disso, fazia questão de demonstrá-la aos outros membros. Ter o líder derrubado de frente afetava o moral do grupo inteiro, então era seu papel, como vice-líder, manter a equipe unida no lugar de Arnold, seu líder e ícone.
Arnold ainda não havia tomado nem um gole de álcool, mas aquele golpe pesado e certeiro acertou sua cabeça—uma parte do corpo difícil de treinar, mesmo para um caçador. E, enquanto sua consciência estava turva, tudo havia terminado.
Foi humilhante. Mas sua vontade de lutar era ainda maior. Para os caçadores, os fortes eram algo a ser respeitado. E, para superar os fortes e demonstrar o seu melhor, Arnold e seu grupo vieram para esta terra.
No dia seguinte à briga na taverna, a Névoa Caída, reprimindo sua raiva e espírito de luta, visitou mais uma vez a Associação dos Exploradores.
O sorriso sincero da mulher que os atacou do nada estava gravado em suas mentes. Era exatamente por terem tanta confiança em suas próprias habilidades que entendiam que sua oponente não era uma pessoa comum.
Lutar contra ilusões e monstros era diferente de enfrentar outros humanos. Ainda assim, aquela mulher claramente estava acostumada a espancar pessoas: seu ataque surpresa veio de forma impecável, sem hesitação, e o golpe pesado acertou no breve momento em que suas consciências ficaram turvas após serem encharcados de álcool. Por mais vasta que fosse a quantidade de caçadores na capital, era difícil acreditar que existissem muitos por aí capazes de nocautear tão facilmente um Arnold fortalecido com material de mana. Aquela caçadora provavelmente era bem conhecida dentro da capital.
Eles não podiam deixar isso passar. A cena na taverna tinha sido testemunhada por muitos caçadores. Se aceitassem passivamente uma derrota unilateral em um ataque surpresa, o nome "Névoa Caída" seria manchado. Arnold tinha a intenção de se tornar um grande nome naquela terra sagrada dos caçadores. Ele não podia se dar ao luxo de ser menosprezado.
— Em uma luta um contra um... não tem como o Arnold perder!
Foi um dos membros do grupo que disse isso: Jaster, o mais jovem deles, falou com firmeza, o rosto corado. No entanto, uma ponta de medo pôde ser percebida em sua voz. Aparentemente, a caçadora que derrotou Arnold não havia parado mesmo depois que ele perdeu a consciência, continuando a golpeá-lo enquanto ria alto.
Jaster havia se juntado ao grupo depois que Arnold e sua equipe se tornaram um nome conhecido em Nebulanubes. Ver sua equipe ser esmagada por uma única caçadora provavelmente era o suficiente para despedaçar toda a confiança que aquele jovem caçador, sempre acostumado a estar em um dos melhores grupos, havia construído até então.
Arnold sempre fora admirado por sua força física. Embora perder uma vez não fosse abalar completamente a confiança dos outros membros, essas pequenas rachaduras poderiam levar a consequências fatais no futuro.
Eles não podiam se dar ao luxo de criar inimigos mortais.
Eles não podiam se dar ao luxo de se tornarem perdedores impotentes.
— Seja lá quem for, vamos resolver isso pessoalmente.
Os outros membros prenderam a respiração nervosamente com a declaração de Arnold.
O peso de sua espada dourada, presa às costas, era sentido com clareza. Forjada a partir de materiais do Dragão do Trovão que atingiu a Terra das Névoas, a espada carregava o poder dos raios. Era também a origem de seu apelido, "Relâmpago Estrondoso".
Ele lambeu os lábios. O ferimento em sua cabeça, que deveria ter sido totalmente curado pelas poções, latejava de forma surda. A dor não passava de uma ilusão. Arnold sabia bem disso. Aquele incômodo fantasma tinha apenas um desejo: um acerto de contas com a caçadora que o ferira. E seria no momento da vitória que essa dor deveria desaparecer.
— Essa é uma oportunidade. Essa mulher—provavelmente uma caçadora renomada na capital—se conseguirmos derrotá-la de frente, isso nos trará glória. Essa é uma chance conveniente para refinarmos nossos sentidos entorpecidos mais uma vez — disse Arnold.
— Entendo. Colocando assim, talvez tenhamos tido sorte — disse Eigh.
Eigh, que até então exibia uma expressão irritada, estremeceu e então abriu um sorriso profundo.
O que Arnold buscava não era apenas um aumento de nível ou uma glória superficial. Ele queria força. E, para conquistá-la, inimigos formidáveis eram necessários. O incidente na taverna havia sido inesperado, talvez até desafortunado, mas revelou a presença de indivíduos poderosos na capital, assim como os rumores sugeriam. Com esse conhecimento em mãos, tudo o que restava era superá-los.
Quando o grupo, liderado pelo imponente Arnold, entrou, os outros caçadores reunidos no balcão se afastaram rapidamente. Um espaço se abriu diante de Chloe, a recepcionista que anteriormente havia atendido o grupo, e Arnold avançou sem dizer uma palavra.
Diferente de antes, quando usava o cabelo solto, Chloe estava com maria-chiquinhas naquele dia, por algum motivo. Vendo Arnold envolto em uma atmosfera pesada, ela exibiu um sorriso naturalmente radiante.
— Ah, eu estava esperando por você, Arnold. Foi um desastre, não foi?
— O que você quer dizer...?
— Recebi um aviso da taverna. Parece que não foi tão grave assim?
Ele ficou surpreso, encarando-a atônito. A notícia do incidente na taverna da noite anterior já era de conhecimento público—os boatos viajavam incrivelmente rápido.
E, ainda mais inesperado, Chloe juntou as mãos e disse com um tom de lamento:
— Eu entendo sua situação. Também lidamos com reclamações aqui. Afinal, ela é bem encrenqueira—
—?! O quê...? Reclamações?!
— Bom... sim. Você não veio registrar uma queixa contra ela por ter te nocauteado?
Arnold estava prestes a explodir de fúria, mas Chloe não demonstrava nenhum medo e o encarava com uma expressão curiosa.
Reclamar por ter sido atingido? Isso nem sequer passava por sua cabeça. Um caçador que valorizava sua reputação jamais sairia reclamando após perder uma luta. Mais importante ainda, Arnold era um caçador de Nível 7 com um título reconhecido.
Ele sentiu seu rosto se contorcer. Estavam zombando dele.
Bater de frente com a Associação dos Exploradores era um ato tolo. Mas ele realmente conseguiria ficar em silêncio depois de ser ridicularizado assim?
Antes que sua raiva atingisse o auge, Eigh interveio rapidamente e disse:
— Senhorita, talvez seja sábio evitar provocá-lo ainda mais. Arnold é paciente, mas há limites. Você parece ter treinado um pouco em artes marciais, mas certamente não há como vencer um Nível 7.
Em resposta à voz baixa e ameaçadora de Eigh, Chloe baixou um pouco os olhos e respondeu com um tom apologético:
— Não... eu sou apenas uma funcionária. Além disso, não estou tentando menosprezar ninguém. Se passou essa impressão, peço desculpas. Mas, veja bem, a verdade é que a caçadora com quem seu grupo brigou é bem conhecida na capital. Ela é alvo frequente de reclamações, sabia?
— Viemos perguntar o nome dela.
Alvo frequente de reclamações? Dado o ataque bem executado e o golpe capaz de causar uma concussão, isso não era surpreendente.
Ela certamente era poderosa. No entanto, para Arnold, ser rotulado como um perdedor após apenas uma luta era inaceitável.
Uma expressão desconfortável cruzou o rosto de Chloe. Ela parecia estar debatendo consigo mesma se deveria ou não revelar o nome. Mas então, uma voz grave e sonora ecoou por trás dela.
— Sua velocidade divina não deixa nem uma sombra para trás. Ela é a Sombra Partida, Liz Smart.
— Tio— Gerente da filial!!!
Ela se virou. A voz atrás dela pertencia a uma figura gigantesca, que em nada ficava atrás de Arnold em estatura.
Fascínio e um traço de medo passaram pelo olhar de Eigh, e Jaster deu um passo para trás, como se estivesse intimidado.
Os músculos do homem se destacavam visivelmente, mesmo sob o uniforme, e inúmeras cicatrizes profundas cruzavam seus braços e pernas. Seu rosto exibia tatuagens proeminentes, e seus olhos afiados miravam Arnold e seus companheiros. Ele parecia ser um pouco mais velho que Arnold, mas sua aura emanava uma energia imensa.
— Esse é o nome daquela moleca. Você é o Relâmpago Impactante, o Ladino de nível 7 que veio de Nebulanubes, certo?
O gerente da filial da capital parecia ter sido um caçador de elite no passado. Arnold já ouvira rumores sobre ele, mas pessoalmente parecia ainda mais impressionante.
Um sorriso surgiu espontaneamente no rosto de Arnold. O gerente da filial da Associação de Exploradores da Terra das Névoas era um homem rotundo, parecido com um porco. Ele era eficiente como líder, mas inútil como guerreiro. Sempre que encontrava Arnold, havia um toque de reverência em seu olhar.
Mas e quanto a esse homem diante dele? Arnold apertou a mão estendida e exerceu um pouco de pressão como teste, apenas para sentir um aperto ainda mais firme em resposta. Esse homem era forte, apesar de já ter se aposentado da linha de frente.
Esse aperto...!
— Ah, então você é o gerente da filial? Sou Arnold Hail, nível 7. Ficarei por aqui por um tempo.
— Você veio de longe. Ouvi dizer que já derrotou um Dragão do Trovão? Gostamos de caçadores de alto nível por aqui — disse Gark, suas palavras aliviando a tensão entre os membros do grupo de Arnold. Então, como se tivesse acabado de se lembrar, acrescentou — Mas isso só vale para aqueles que não causam muitos problemas.
Foi uma insinuação clara. Torcendo os lábios grossos em um sorriso malicioso ao ver a carranca de Eigh, ele continuou:
— Oh, não me entenda mal. Não estou falando de vocês. Temos alguns encrenqueiros na capital, sabe?
— Encrenqueiros?
Caçadores de tesouros brigavam regularmente, e não era raro que alguns até se envolvessem em atividades criminosas. Arnold se perguntou quão terríveis essas pessoas deveriam ser para que até o gerente da filial, que conhecia bem essa realidade, os chamasse de "encrenqueiros".
Gark coçou a bochecha e estalou a língua ruidosamente.
— Pois é. Eu já os avisei, o bando que deu uma surra em vocês na taverna.
Fiquei surpreso com o comentário dele.
— Desculpe. Pegaram vocês desprevenidos, não foi? Liz... é nível 6, mas é uma doida varrida que até me morde, e eu sou o gerente da filial. Já houve muitas vítimas dela.
Gark soltou uma risada irônica e deu de ombros, enquanto Arnold arregalava os olhos.
As palavras eram de desculpas, mas não havia nem um pingo de arrependimento em sua expressão. Não, era pior que isso— Arnold sentiu um toque de condescendência nele.
Ele era o caipira que causou um alvoroço e acabou sendo espancado sem chance de reagir por uma mulher de nível inferior.
Será que esse homem tinha preconceito contra filiais de países menores? Arnold realmente tinha a capacidade de se virar na capital?
Embora os funcionários da Associação devessem se esforçar para manter a imparcialidade, seus olhares permaneciam implacavelmente severos. Se incluísse a reação de Chloe, ter sua força questionada era uma humilhação imensa para Arnold.
Arnold e seu grupo cerraram os dentes e franziram o cenho, mas Gark não lhes deu muita atenção.
Ele continuou:
— Minhas desculpas. Na verdade, eu avisei o "tutor" dela que o Relâmpago Impactante viria para a cidade pela primeira vez. Mas parece que— como posso dizer— ele simplesmente se esqueceu disso.
— O quê?!
— Pois é... como era mesmo? Ele sempre foi um pouco distraído. De um jeito ou de outro, parece que não consegue lembrar das coisas que não lhe interessam. De qualquer forma, bem, embora vocês tenham sido espancados sem dó, parece que fizeram um belo escândalo também, não? Vamos considerar isso quitado desta vez.
As palavras não fizeram sentido imediato para Arnold. Primeiro, o fato de que aquela mulher feroz tinha um tutor já era chocante. Mas, mais importante— esse cara não estava interessado em um Ladino de nível 7?!
Antes que sua raiva o atingisse, Arnold sentiu uma onda de incredulidade. Não demonstrar interesse em informações sobre um potencial inimigo poderoso era mais do que imprudente.
O que diabos se passava na cabeça desse cara?
Enquanto Arnold tentava entender essa mentalidade misteriosa, Gark continuou:
— Ah, certo. Acabei de receber um pedido de desculpas do tutor dela. Está pronto para isso? Ele disse: "Ela ficou um pouco animada ao ouvir sobre um nível 7. Não vou deixá-la atacar novamente, então, por favor, perdoem-na." Bem, eu diria que você pode confiar na palavra dele. Ele não é do tipo que tolera a "intimidação dos fracos". Ela vai se comportar, e acho que não tentará nada estranho de novo.
Seu tom era quase consolador.
Por um momento, Arnold não entendeu o que Gark havia dito, e então um calor subiu em sua cabeça. Arnold rangeu os dentes e mal conseguiu conter a torrente de raiva prestes a explodir. Algumas gotas de sangue escorreram de seu punho cerrado com força excessiva; suas unhas haviam perfurado sua pele. Mas nem mesmo aquela dor surda foi suficiente para acalmar sua fúria. Ele não podia expressar sua frustração, porque, se o fizesse, uma enxurrada de insultos certamente sairia. Raiva não era algo a ser liberado de forma descuidada.
Eigh olhou para Gark em silêncio, mas em suas pupilas, um brilho ardente reluzia, igual ao de Arnold.
A mulher era dita como nível 6, mas sem dúvida era uma presença formidável. Seu temperamento intenso, sustentado por sua força brutal, a fazia atacar sem hesitar um caçador acima do seu nível.
Isso não condizia com alguém que se curvaria diante de outra pessoa. O que seria necessário para controlar uma fera como ela? Se de fato ela estava sob o comando de outro caçador, a única resposta era óbvia: força. Mais importante ainda, devia ser uma força esmagadora, capaz de subjugar um monstro tão irracional que até desafiava o gerente da filial.
A raiz de sua mentalidade misteriosa, conforme transmitido pelas palavras de Gark, não era outra senão — arrogância. Ele tinha uma confiança esmagadora em sua própria força; sua arrogância era semelhante à de um deus olhando para os humanos de cima.
O alvo de sua fúria explosiva não deveria ser a Sombra Partida, e sim seu — mentor. Eles o fariam pagar o preço por menosprezar os guerreiros de Nebulanubes. Ele poderia ser um Golias avassalador, mas não havia como deixar isso passar sem um confronto.
Se ele havia percebido os pensamentos que passavam por suas mentes ou não, Gark bateu as mãos ruidosamente e disse:
— Ah, é verdade. Aparentemente, esse mentor, o Mil Truques, tem um favor a pedir a vocês. Ele está entre os cinco melhores caçadores da capital, então não faria mal estabelecer uma conexão com ele.
— Um favor, é?
O nome Mil Truques—Arnold o gravou profundamente em sua consciência.
Com uma risada, Gark disse a ele:
— Ele quer que vocês tragam um Dragão do Trovão para ele. Ao ouvir sobre a sua vitória contra um Dragão do Trovão, ele aparentemente ficou com vontade de comer a carne de um de novo. Parece que já faz um bom tempo que ele não come. Bem, não há um prazo para isso, então apenas guardem essa informação. Boa sorte, seus Matadores de Dragão.
***
Arnold e seu grupo saíram do salão com os ombros erguidos.
Chloe esperou até que suas figuras desaparecessem completamente antes de perguntar ao tio, que estava parado atrás dela em uma postura imponente:
— Hm... Gerente da Filial, tem certeza de que está tudo bem em dizer isso?
— Hã? O que quer dizer? Eu só estava repassando uma mensagem da Eva — disse Gark, cruzando os braços e curvando os lábios em um sorriso.
Arnold pode não ter levantado a voz, mas as emoções em seu coração eram óbvias. A aura intimidadora que ele exalava era digna de um caçador de alto nível como ele.
Mesmo alguém como o Mil Truques poderia achar desafiador enfrentar um caçador de alto nível especializado em combate.
— Ah, não se preocupe com isso. Se ele não tivesse a intenção de começar uma briga, ele jamais teria dito: "Foi mal por te espancar numa luta" como desculpa para um caçador arrogante de alto nível, certo?
— Isso faz sentido...
Pedir desculpas a um caçador determinado a se vingar era o mesmo que jogar lenha na fogueira. Também era difícil imaginar que esse jovem, que havia resolvido inúmeros incidentes com sua percepção excepcional, simplesmente julgaria mal o caráter de seu oponente. Afinal, essa não era a primeira vez que o Mil Truques arrumava briga ou implicava com caçadores estrangeiros.
— Manter caçadores esquentados sob controle é, sem dúvida, trabalho para outro caçador. Pode não ser uma atitude muito louvável, mas é certamente apreciada. Krai provavelmente gosta de fazer isso também, então ajude quando puder.
— Entendido.
Gark acenou com a mão e saiu do salão.
Observando-o partir, Chloe voltou a direcionar seus olhos negros para o caminho por onde Névoa Caída havia saído.
Ser um caçador de relíquias... realmente tinha suas complexidades.
***
No terceiro andar da sede do clã Primeiros Passos, havia um laboratório designado para Alquimistas. Era um laboratório espaçoso, ocupando cerca de setenta por cento do andar. Com diversas salas, equipamentos de última geração e materiais raros, era provavelmente a instalação mais cara da sede.
Originalmente, Sitri era a única Alquimista em Passos. Embora agora houvesse mais um, o fato de quase um andar inteiro ter sido dedicado à relativamente rara classe de Alquimista se devia ao investimento significativo de Sitri com seu próprio dinheiro quando o prédio foi construído. Foi uma quantia tão grande que até silenciou Eva, a ex-mercadora conhecida por sua avareza. A expressão chocada dela ainda estava gravada vividamente na minha memória.
Embora o nome — Alquimista possa evocar uma imagem um tanto misteriosa, o laboratório de Sitri era tão organizado quanto sua personalidade meticulosa: a sala era decorada com papel de parede branco e um piso polido reluzente. As prateleiras de vidro estavam repletas de instrumentos intricados e bizarros, e as estantes estavam cheias de livros escritos em idiomas que eu nem conseguia reconhecer. No entanto, cada item dessa coleção alquímica na sala estava bem organizado, e o laboratório não transmitia nenhuma vibração suspeita.
Ao som da porta se abrindo, uma das duas figuras paradas em frente à mesa central—Sitri, vestindo um simples manto cinza—virou-se para mim. Ao ver meu rosto, ela juntou as mãos e abriu um sorriso radiante.
— Bem-vindo, Krai.
— Estava ocupada?
— Não. Eu só estava preparando algumas poções para venda. Mas já terminei os preparativos, então estou livre agora.
Sobre a mesa havia um grande e peculiar aparato que lembrava uma ampulheta. Diferente de uma ampulheta, a metade superior continha uma substância pastosa em vez de areia, e um reservatório de líquido se acumulava na parte inferior. Provavelmente era um dispositivo para extrair componentes, mas a função da maioria dos instrumentos de Sitri escapava à minha compreensão.
Sitri geralmente comprava os materiais dos monstros derrotados pelos Grievers um valor um pouco acima do preço de mercado, transformava-os em poções ainda mais valiosas e os revendia para diversas companhias comerciais. Através desse processo, ela acumulou uma fortuna imensa. Enquanto as recompensas de nossas aventuras eram geralmente divididas de forma igual, Sitri era a mais rica graças a isso. Segundo Eva, que auxiliava em algumas das transações, a quantia que ela ganhava era bastante excepcional para ganhos individuais.
— Talia, desculpe, mas por favor coloque o resto das poções em frascos e guarde-os na caixa de madeira.
— Certo — respondeu a outra Alquimista de Primeiros Passos, Talia, que despejava uma substância esverdeada em pó de um grande recipiente de vidro enquanto enxugava o suor da testa.
Elas pareciam mais ocupadas do que o normal. Embora a produção de poções fosse um negócio secundário para Sitri, produzir muitas de uma vez poderia levar a uma queda em seu valor. Essa era a primeira vez que eu a via fabricar tantas ao ponto de precisar da ajuda de outra pessoa.
Talia pegou um recipiente de vidro da parte inferior de um dos aparelhos e o levou para outra sala.
Parecendo ter percebido a curiosidade na minha expressão, Sitri me explicou: — Fui procurada por aqueles que ajudaram a carregar suas Relíquias recentemente. Eles disseram que queriam treinar por conta própria no tempo livre, então perguntaram se eu poderia ceder algumas poções para eles.
Sério...? Isso nem é treino, para começo de conversa. Eles estavam literalmente espumando pela boca e perdendo a consciência. Como é que eles não só não ficaram traumatizados, mas ainda estão ansiosos para tomar mais daquela poção por vontade própria? São masoquistas ou algo assim?
— Claro, estou cobrando apenas o custo mínimo dos materiais—isso é esplêndido. Seu entusiasmo está contagiando eles. Também estou feliz que todo o meu esforço para incentivá-los valeu a pena.
— É, uhum.
Aquilo parecia mais uma provocação do que um incentivo, mas não senti vontade de apontar isso para Sitri, que me olhava com olhos brilhantes.
Enquanto eu assentia meio distraído, Sitri continuou em um tom cada vez mais animado: — Então, pensei em fazer algumas pequenas melhorias nas poções. É uma oportunidade rara ter Caçadores que absorveram uma grande quantidade de matéria mágica e estão dispostos a se tornarem cobaias por conta própria. Até agora, a pesquisa em humanos era feita principalmente com órfãos no distrito decadente. Embora não houvesse repercussões, a condição de saúde deles não era exatamente ideal—
— É, uhum?
— Seria uma revolução se conseguirmos estabelecer um meio para o crescimento extremo de mana observando um grupo tão grande de amostras. Temos a Lucia, mas a mentalidade dela é forte demais, então ela não serve como referência. Se conseguirmos provar que esse método funciona com Magos que não são tão talentosos, isso certamente mudará a forma como os Magos treinam. Pode ser um grande benefício para eles! Disponibilizar poções para todos agora a um custo baixo trará benefícios imensos! O que acha, Krai?
— Só não exagera.
Não exagere, por favor.
— Eu estava pensando em simplesmente dar para eles as mesmas poções que a Lucia usa, mas acabou sendo mais complicado do que isso. Era muito caro, e o impacto no estado mental—
— Vim devolver o dinheiro que te devo.
— Hã?
Uma expressão confusa surgiu no rosto de Sitri.
Embora eu não me importasse de ver uma Sitri animada, explicar tudo isso para Talia, sua colega Alquimista, seria mais produtivo.
Eu estava ali para devolver o dinheiro que peguei emprestado para cobrir a reconstrução da taverna.
Normalmente, eu cobria os custos das celebrações. Já que recebia uma parte do pagamento deles sem trabalhar, era o mínimo que eu podia fazer.
— Não, tudo bem. Não é a primeira vez, afinal. Só coloca na sua conta de crédito.
— Você já me emprestou tanto que eu nem lembro quanto peguei...
Embora eu estivesse registrando cada centavo que pegava emprestado, nunca fiz os cálculos, então não sabia o valor total. Eu tinha pegado dinheiro demais. Relíquias eram muito caras, e eu não tinha outras fontes de renda, já que minha única função era administrar o clã. Sitri provavelmente sabia da minha situação, mas nunca me cobrou nada.
Ela mencionou algo sobre eu dever mais de um bilhão de gild na taverna. Será que ouvi certo...? Isso tem nove zeros, né?
Sitri colocou a mão no rosto e sorriu, um pouco sem graça: — Eu também já te emprestei muito, então devolve quando puder.
— Só consigo pagar aos poucos.
— Mesmo que me pague um ou dois milhões, isso seria só uma gota no oceano. Um dia, vou cobrar essa dívida com o seu corpo.
— Eu sou bem mimado, hein?
Normalmente, eu já deveria ter sido expulso do grupo, mas, em vez disso, me tratavam bem. Para ser sincero, eu me sentia envergonhado.
Imagino o que Eva diria se descobrisse o tamanho da minha dívida...
Sem saber dos meus pensamentos, Sitri corou.
— Vou te mimar bastante. Então, em troca, me mime muito quando chegar a hora, ok?
Hmm? Isso me torna um sugar baby? Quer dizer que minha vida estará garantida mesmo depois que eu me aposentar?
Por mais inepto que eu fosse, eu ainda tinha um pouco de bom senso. Eu acho.
— Vou te pagar.
— Como?
— Eu... vou pegar emprestado da Lucia?
— Isso não muda o fato de que você continua endividado...
— Na verdade, estou pensando em abrir uma confeitaria quando me aposentar.
— Ooh, isso é um baita negócio. Em quantos anos você pretende pagar o restante do bilhão de gild? — disse Sitri com um sorriso.
Eu sabia que ela não tinha intenção de ser sarcástica, mas ainda assim percebi um tom irônico nas palavras dela.
Mas quanto ao resto... Acho melhor me preparar para levar uma bronca e consultar Eva sobre isso mais tarde.
Ah, e nem pensar em vender minha coleção de Relíquias. Encontrar uma Relíquia era uma experiência única na vida. Entre as que coletei ao longo dos anos, algumas eram praticamente impossíveis de conseguir de novo. Porém, eu planejava doá-las ao meu grupo como bens compartilhados quando me aposentasse. Seria minha forma de compensar por sair do grupo de forma irresponsável.
De qualquer forma, eu estava ali para pagar a conta da última vez na taverna.
Sitri aceitou o pagamento sem dizer nada e, sem contar o dinheiro, o guardou no bolso da sua túnica folgada.
Então, como se de repente se lembrasse de algo, ela disse: — Ah, certo. Se acontecer de você realmente não conseguir pagar sua dívida, tenho três maneiras de te ajudar a quitar tudo.
— Acho melhor eu ouvir o que você tem a dizer. Mas já descartamos a opção de simplesmente perdoar a dívida.
Apesar de tudo, eu ainda levava meus compromissos financeiros a sério.
Então, com o rosto avermelhado, Sitri disse: — Primeira opção: casar comigo. Se nos casarmos, nossos bens serão unificados e sua dívida será cancelada. Vou até me esforçar para aprender a gostar de doces. Vou dar um jeito de calar minha irmã e não vou deixar que ela encoste um dedo em você.
Uma piada engraçada, sem dúvida. Não me leve a mal, não era como se eu odiasse completamente a ideia, mas isso não funcionava como um método válido para quitar dívidas.
— E a segunda opção?
— A segunda opção é que você se torne meu marido. Eu assumirei todas as suas dívidas junto com você. Sei tudo sobre você, Krai. Vou cuidar de tudo, desde cozinhar até lavar roupa, vou cobrir todas as tarefas domésticas e até tolerarei sua indulgência no café de confeitaria. Farei o meu melhor para silenciar minha irmã.
...Pelo visto, o senso de humor da Sitri rivalizava com o da Eva.
Não tenho certeza, mas fico me perguntando: “Qual a diferença entre a primeira e a segunda opção?”
Escondendo meus sentimentos levemente irritados, assenti com um falso interesse e perguntei:
— Essa... é uma proposta bastante tentadora. E qual é a terceira opção?
Sem hesitar um instante, Sitri respondeu:
— Me dedurar e me entregar para as autoridades. Mas eu ficaria um pouco solitária na prisão, então ficaria feliz se você mandasse minha irmã para me fazer companhia.
Não diga isso com um sorriso tão brilhante no rosto. Pelo visto, vou ter que tomar mais cuidado para não pegar mais... Mas, de qualquer forma, por que eu mandaria ela para a prisão? Não é como se ela tivesse cometido algo terrível.
Soltei um suspiro e decidi encerrar o assunto.
— A propósito, você se lembra do Dragão Trovão Teriyaki que você fez para nós há um tempo? Estava incrivelmente delicioso.
— Ah, eu fiz com um tempero caseiro. Acho que misturá-lo com frango, em vez de dragão, combinaria mais com o seu gosto. Afinal, carne de dragão não se compara em sabor à de animais criados para consumo. Eu ainda me lembro da receita. Que tal fazermos hoje à noite? — disse Sitri, acompanhando a mudança óbvia de assunto.
Agora... como vou conseguir dinheiro...? Falando nisso, o leilão está chegando...
Senti que havia me aproveitado da gentileza da Sitri no ano passado e feito uma farra comprando Relíquias. Não restava muito tempo até o leilão deste ano.
Soltei um suspiro pesado e decidi consultar a Eva, minha pessoa de confiança quando as coisas ficavam complicadas.
***
Eles estavam no coração da capital, em um quarto de uma pousada de luxo feita sob medida para caçadores de tesouros.
Arnold lançou um olhar atento sobre os membros de seu grupo e, com um tom carregado de uma leve intimidação, confirmou com eles:
— Então, vocês conseguiram reunir os rumores?
— Sim. Parece que ele é um caçador famoso por essas bandas — seu nome até estava na lista que recebemos quando chegamos.
Eigh analisou os rostos de seus companheiros antes de começar a explicação.
O Mil Truques — esse era o apelido do caçador que, segundo o Gerente da Guilda Gark, era o dono da Sombra Partida. Brincando ou falando sério, ele também havia lhes encomendado a caça de um Dragão Trovão por um motivo absurdo: “ele queria comer sua carne.”
Era uma provocação. Já era motivo suficiente para Arnold antagonizá-lo pelo simples fato de ser o líder do grupo da mulher que os atacou de forma unilateral, mas envolvê-lo sem informações seria muito arriscado.
Entre as conquistas acumuladas por Arnold, matar um Dragão Trovão era a maior de todas. O dragão que outrora devastou a Terra das Névoas realmente tinha poder para reduzir uma nação inteira a cinzas. Ele era uma força absoluta, repelindo repetidamente grupos de caçadores de alto nível que tentaram enfrentá-lo. Cada desafiante falhou — até Arnold e seu grupo. Foi essa façanha que lhe garantiu a certificação de Nível 7 e seu título.
O Dragão Trovão, colossal em tamanho, era coberto por escamas resistentes. Com seu sopro elétrico praticamente impossível de evitar, sua longa cauda afiada como uma lâmina, e sua capacidade de voar pelos céus, ele era considerado uma existência superior até mesmo entre os dragões.
Embora tenha sido a Queda da Névoa quem enfrentou e matou diretamente o Dragão Trovão, a conquista foi resultado da colaboração de inúmeros caçadores: foram eles que prepararam o campo de batalha, encontraram o momento certo, garantiram que os equipamentos e estratégias fossem perfeitos e montaram as armadilhas. Foi uma batalha onde a sobrevivência da nação estava em jogo. Mas mesmo com toda a preparação meticulosa, o combate mortal se estendeu por várias horas.
Embora o nível recomendado pela Associação de Exploradores fosse Nível 7, Arnold, tendo enfrentado o dragão, considerava essa classificação uma subestimação de seu poder. Eles tiveram a sorte de conseguir derrotá-lo, mas, se houvesse um único erro, todo o seu grupo teria sido exterminado. Mesmo agora, equipados com armas poderosas feitas dos materiais do dragão e tendo encarado a morte inúmeras vezes, ainda não era um inimigo que poderiam enfrentar casualmente. Não importava o quão desesperadora fosse uma situação ao explorar cofres de tesouros, lembrar-se do quanto sua luta contra o Dragão Trovão foi pior lhes dava força para seguir em frente.
Após a batalha, eles dissecavam o corpo remanescente para obter materiais. A Terra das Névoas lucrou enormemente com isso, e uma quantia justa foi concedida a todos os caçadores que participaram.
O corpo de um dragão era um tesouro completo. Seus ossos, escamas e as gemas dentro de seu corpo — sem falar no sangue e na carne — eram extremamente valiosos como ingredientes para poções.
A ideia de consumir até mesmo uma pequena parte desses materiais tão difíceis de obter como comida era uma verdadeira loucura. Se um caçador saísse espalhando esse tipo de absurdo, ele seria alvo de risadas e zombarias, como era de se esperar. No entanto, se isso fosse dito por um caçador de alto nível, a história seria outra.
— Quando se fala dos caçadores de Zebrudia, Rodin é o primeiro nome que vem à mente... Mas droga, esse cara é um Nível 8...!
Um Nível 8 era um caçador extremamente poderoso, superando até mesmo Arnold, o Matador de Dragões. Caçadores de nível tão alto nem sequer existiam em Nebulanubes — ele era, de fato, um adversário misterioso.
Para os caçadores de tesouros, que aumentam suas habilidades com o auxílio de materiais de mana, a diferença de poder entre os indivíduos podia ser abismal. A diferença entre Arnold e um caçador comum era como a noite e o dia, mas o mesmo se aplicava entre ele e um caçador de nível ainda mais alto.
Havia apenas cinco cofresem Nebulanubes. Embora isso ainda fosse melhor do que nos países vizinhos, era insignificante em comparação com a capital de Zebrudia, onde relíquias de todos os níveis eram abundantes nos arredores. Numerosas relíquias de alto nível, capazes de fortalecer ainda mais Arnold e seu grupo — que já haviam atingido seus limites de crescimento em Nebulanubes — existiam por estas bandas.
Arnold sabia com confiança que era o mais forte. O problema estava na ansiedade que girava entre seu grupo: eles se perguntavam se o nome “Trovão Estrondoso” era suficiente para esta capital.
A força de seu grupo era tão boa quanto sua solidariedade. Ele era um líder forte, seguido por todos, e precisava provar sua força e orgulho como líder.
O olhar de desdém de Gark estava gravado em sua mente. Aqueles olhos deixavam claro que Gark acreditava na supremacia do Mil Truques sobre o Trovão Estrondoso.
Inicialmente, o plano deles era se fazer conhecidos pelos caçadores da capital, vender os itens obtidos em Nebulanubes por preços altos e então esmagar os cofres desta terra uma a uma, sem pressa.
Mas ele não podia mais se dar ao luxo desse lazer.
As informações sobre o Mil Truques que Eigh e o resto de seu grupo haviam coletado eram absurdas.
Diziam que ele era um homem que podia prever o futuro.
Diziam que ele havia alcançado o Nível 8 sem cometer um único erro.
Diziam que ele liderava um grupo inteiro de caçadores com títulos e que havia derrotado o lendário Rodin.
Todos conheciam seu nome, mas sua verdadeira força permanecia envolta em múltiplas camadas de mistério. Havia até membros de seu clã que diziam: “Mestre é um deus.”
Com apenas algumas perguntas casuais, já haviam ouvido tanto sobre sua reputação—não era de se estranhar que ele agisse com tamanha arrogância.
No entanto, quanto mais Arnold mergulhava nos relatórios, mais sua expressão severa se transformava em uma de dúvida.
Dentre as informações reunidas, havia um detalhe que parecia fora do lugar.
— Então não há rumores sobre suas habilidades de combate, hein?
— É. Mas dizem que ele mandou um golem colossal pelos ares só com sua aura...
— Que besteira ridícula.
Embora cada caçador tivesse sua própria especialidade, “capacidade de combate” era o fator mais importante de todos. Mesmo caçadores de classes menos voltadas para o combate direto lutavam melhor do que uma pessoa comum — era isso que significava ser um caçador. Se esse Mil Truques era um Nível 8, seu poder deveria estar além dos limites humanos. Claramente, havia algo errado nessa falta de informações.
Normalmente, as pessoas desconfiariam dessa ausência de inteligência. Mas, devido à reputação do Mil Truques, com certeza ignorariam essa pequena anomalia. Arnold, no entanto, era diferente — o Trovão Estrondoso não havia alcançado o Nível 7 apenas com força bruta. Sua habilidade de fazer julgamentos adequados dependia de reunir informações relevantes, e sua intuição como caçador lhe dizia que havia mais coisa por trás disso.
Ele franziu a testa enquanto reunia mentalmente os dados. Depois de chegar a uma conclusão, esboçou um sorriso torto — sem dúvida, o Mil Truques era fraco. Ou melhor, para ser mais preciso, embora não fosse exatamente fraco, provavelmente não possuía as habilidades de combate dignas de um Nível 8. Em termos de profissão, ele provavelmente era um Ladino ou Clérigo, ambas classes não voltadas para o combate. Em qualquer um dos casos, ele não seria páreo para Arnold, que se especializava em batalhas. A completa ausência de informações sobre suas habilidades de combate provavelmente era um trabalho ativo do Mil Truques para esconder isso.
— A habilidade de prever o futuro, hein? Interessante...
A alegação de ser capaz de prever o futuro era algo digno de um charlatão ou algo atribuído apenas a heróis lendários.
Talvez seu pedido absurdo de entregar um Dragão do Trovão fosse apenas um truque para fazer Arnold hesitar. Quanto mais Arnold pensava nisso, mais via através dessa tática superficial. Talvez até as palavras do gerente da filial e da recepcionista fizessem parte desse blefe.
Que absurdo. Assim é que eles acabam caindo na própria armadilha.
Podiam enganar os caçadores da capital, mas não enganariam o Trovão Estrondoso.
— Há rumores de que a Sombra Partida é amiga de infância do Mil Truques.
As palavras de Eigh dissiparam a última dúvida de Arnold.
Normalmente, era difícil imaginar uma guerreira do calibre dela se submetendo a um fraco, mas era uma história diferente se eles se conhecessem há muito tempo.
Talvez isso também fosse mais uma camada de enganação.
Arnold encarou a sombra imaginária de seu suposto rival.
Seu oponente provavelmente não era fraco — mas o Trovão Estrondoso triunfaria.
Arnold ainda era relativamente desconhecido nesta capital, ao contrário do Mil Truques. A fama vinha com vantagens e desvantagens. Nesta capital, Arnold era o desafiante agora.
Embora tivessem sofrido um revés inicial, não haveria maneira melhor de cimentar sua reputação na capital do que esmagar o Mil Truques sob seus pés. Claro, essa certamente seria uma luta amarga — a Sombra Partida ficaria em seu caminho também — mas derrotá-los provaria sua superioridade absoluta.
Os ombros de Arnold tremeram de empolgação enquanto ele abria um sorriso profundo. Ele havia tomado sua decisão.
— Faz tempo que não somos os desafiantes. Vamos deixar esses veteranos nos ensinar sobre os níveis da capital.
Um grupo composto apenas por caçadores com títulos era, de fato, poderoso, mas seus membros individuais não necessariamente eram fortes quando isolados. Arnold não era um cavaleiro que jogava limpo; ele era um caçador — atacaria qualquer fraqueza disponível.
Com fervor na voz, um de seus companheiros estremeceu de empolgação.
— E sobre o pedido deles por um Dragão do Trovão?
— Vamos deixar ele latir o quanto quiser. Não é como se tivéssemos aceitado a missão oficialmente. Vou fazer qualquer um se arrepender de me subestimar.
Seus olhos dourados brilharam fracamente diante de seu maior adversário desde o Dragão do Trovão.
***
Um ar de antecipação percorreu o amplo salão.
— Como diabos você chegou a isso?
Eva, folheando minhas anotações de dívida enquanto conferia o conteúdo, soltou uma voz trêmula, algo bem fora do seu normal geralmente composto.
Nem eu sentia vontade de me recostar na cadeira como de costume. Em vez disso, cruzei os braços e fingi um olhar pensativo.
A Grieving Souls dividia sua renda igualmente entre os membros. Caso algum de nós quisesse certos itens, como Relíquias ou materiais de monstros que conseguíssemos em nossas aventuras, tínhamos uma regra que permitia a compra desses itens por um valor um pouco abaixo do mercado. Bem, como éramos todos bons amigos e não particularmente materialistas, tratávamos nossos ganhos de forma bem casual.
O motivo da minha dívida ter crescido tanto foi, principalmente, porque acabei comprando a maioria das Relíquias. Sem dinheiro nenhum, cada compra só aumentava minha dívida com todos. No entanto, por volta da época em que Eliza entrou para o grupo, Sitri, que sempre parecia estar bem financeiramente, começou a assumir toda a minha dívida.
Agora, eu dependia totalmente dela. Eu vinha evitando o problema até então, mas a situação estava ficando bem estranha... talvez.
— Bem... eram muitas Relíquias que eu queria...
— Isso... é um valor que supera até o que um caçador de elite poderia ganhar com facilidade, sabia? Eu me perguntava como você continuava trazendo novas Relíquias uma atrás da outra... agora eu sei...
— É, uh-huh... Conforme fomos explorando cofres do tesouro de nível cada vez mais alto, as Relíquias que trouxemos também se tornaram mais valiosas. Foi assim que a dívida só cresceu e cresceu...
Era até estranho que ninguém tivesse me apontado isso antes. O valor era tão absurdo que eu nem conseguia ter uma noção real dele. Era de tirar o fôlego.
Eva afastou a franja e pressionou a mão contra a testa. Sua expressão parecia muito mais séria do que a minha, sendo eu o culpado da história.
— Eu sabia que, ocasionalmente, você pegava parte dos fundos operacionais do clã para comprar Relíquias, mas como sempre devolvia logo, não pensei muito sobre isso...
É, né... Sitri cobria isso para mim. Talvez eu não tenha escolha a não ser casar com ela? Eu gosto dela, mas realmente não consigo me imaginar casando por esse motivo.
— S-Só para confirmar... você não pegou dinheiro de outras fontes externas, certo?
— Sim, só da Sitri.
Ou melhor, eu já tinha pegado emprestado de outros antes, mas a Sitri cuidou de tudo para mim.
As Relíquias eram meu sustento, e foi exatamente por isso que eu não cedi nem um centímetro nesse ponto—mas talvez eu devesse ter pensado um pouco mais antes de agir.
Talvez eu não tenha escolha a não ser casar com ela?
A expressão contemplativa de Eva durou apenas um instante, e logo ela soltou um longo suspiro.
— Ugh... Bem, com a Grieving Souls, tenho certeza de que você poderá resolver isso em um ou dois anos—desde que não haja juros...
Eu já estou atolado com a situação atual; será que consigo continuar como caçador por mais um ou dois anos?
— Será que conseguimos resolver isso com uma cafeteria de doces?
— Eu não faço a menor ideia do que você está falando.
— Ok, decidi! Até que a dívida seja paga... vamos considerar parar de comprar mais Relíquias.
Mesmo tendo falado com uma resolução firme, um olhar de ceticismo escapou dos olhos de Eva. Até agora, eu vinha comprando Relíquias sem parar e me gabando delas; não era surpresa que ela não estivesse levando minha palavra a sério. Eu teria que provar com ações.
Já que estou nessa, posso muito bem demonstrar um pouco de entusiasmo.
— Além disso, é, talvez eu devesse arranjar um bico—bem, talvez não tão longe disso—ou, sei lá, um trabalho de meio período?
— Por favor, não.
— E se for algo como ler a sorte? Você não acha que eu conseguiria me virar só dando uns palpites no escuro?
— P-Por favor, não!
Eu estava meio brincando, mas a voz de Eva soou desesperada. Ela estava até mais pálida do que quando ouviu sobre minha dívida.
Bem, para ser justo, se o mestre do meu clã tentasse virar um charlatão vidente, eu também tentaria impedi-lo desesperadamente. Além disso, havia videntes de verdade na capital com taxas de acerto bem altas; eu provavelmente teria minha farsa desmascarada rapidinho.
— Ou... talvez eu possa trabalhar como balconista em alguma loja?
— Por favor, não.
— Que tal algo como zelador? Tipo limpar esgotos? Sabe, aquelas missões que a Associação sempre posta? Parece que estão sempre precisando de gente para isso.
As recompensas dessas missões eram baixas, e como até mesmo pessoas comuns podiam completá-las, aparentemente quase ninguém se dispunha a pegá-las.
— ...Por favor, não. Sério, eu estou implorando... Você entende sua posição, Krai?
— Caçadores são seres livres, e todo trabalho é digno. Até um Nível 8 poderia limpar esgotos, não acha?
— Eu não acho. A Liz, por exemplo, provavelmente surtaria se você fizesse isso, então por favor, não.
Isso realmente soa como algo que poderia acontecer.
Mas isso me deixa numa posição complicada... O que eu deveria fazer então? Eu não tenho habilidades especiais, apenas habilidades medianas e um nível desproporcionalmente alto. Estou encurralado; não há nada que eu possa fazer. Será que sou mais um fardo do que apenas um incompetente comum?
Sinto que vou vomitar.
Não tenho escolha a não ser depender da Liz, da Sitri, da Tino, do Luke e dos outros do meu clã? Eu sou só um peso morto?
— Em vez de procurar um bico, que tal fazer algumas explorações solo em cofres do tesouro? Você é um caçador, afinal.
Parece que a Eva também estava me mandando “ir morrer”.
Enquanto eu relaxava e exibia um sorriso patético, Eva soltou um longo suspiro de derrota.
— Vamos, para de fazer essa cara patética! Felizmente, temos um pouco de capital, e podemos aumentar isso com o tempo. Só não faça nada, ok? Apenas não se endivide mais do que já está. O maior motivo para grupos se desfazerem é problema financeiro, sabia?
Digo... Eu realmente não fiz nada, fiz? Não tenho escolha a não ser depender da Eva? Não há nada de errado em pegar dinheiro emprestado da Sitri, certo?
Embora eu realmente apreciasse a ajuda dela, Eva também tinha seu próprio trabalho a fazer. Além disso, eu me sentia mal por pedir que ela limpasse minha bagunça financeira—isso me faria parecer um fracasso completo.
Aliás, enquanto o maior assassino de grupos era, de fato, problemas financeiros, o segundo maior era drama romântico.
— Por favor, mantenha-se confiante. Você se recompor torna as coisas mais fáceis para mim.
— Seu padrão para ‘se recompor’ é bem baixo, né? Basicamente, você só quer dizer ‘cale a boca e sente-se,’ certo?
— ...
Ela desviou o olhar de mim.
Com tudo isso em mente, o que significava ser um mestre de clã?
A manhã de um mestre de clã começava cedo, logo antes do sol atingir seu ponto mais alto.
Depois de acordar no meu quarto privado dentro da casa do clã, eu tomava um banho rápido nas instalações do prédio para espantar o sono.
Então, eu me vestia. Embora minha aparência permanecesse consistente ao longo dos dias, graças às várias cópias do mesmo conjunto de roupas que eu possuía, eu equipava diferentes conjuntos e quantidades de Relíquias todos os dias. As Relíquias que eu escolhia dependiam principalmente do meu humor. Embora eu usasse pelo menos um Anel de Segurança diariamente, a maioria das outras eram Relíquias de acessório: anéis, colares e afins eram muito práticos, pois não atrapalhavam meus movimentos e ofereciam uma ampla variedade de efeitos.
Entre os caçadores, Relíquias de acessório também eram populares, ficando atrás apenas das Relíquias do tipo arma e armadura, que contribuíam diretamente para a força de combate. Embora eu também tivesse muitas dessas na minha coleção, eu não tinha habilidades de combate para usá-las de forma eficaz, então só as carregava quando tinha um bom motivo para isso.
Em vez disso, eu levava comigo Relíquias do tipo corrente. Elas eram úteis para imobilizar inimigos e não atrapalhavam meus movimentos. A melhor parte era que eu conseguia usá-las também. Como não eram armas óbvias, muitas vezes me permitiam pegar os oponentes desprevenidos. Já salvaram minha pele mais vezes do que consigo contar.
Dei uma rápida olhada ao redor do quarto e notei que várias das minhas Relíquias estavam desaparecidas. Não pensei muito nisso, já que Sitri havia mencionado que poderia usá-las no desenvolvimento de uma nova poção de restauração de mana—não era como se alguém fosse se dar ao trabalho de se infiltrar e roubar a sede de um grande clã, afinal.
Com meu traje pronto, segui para o salão da casa do clã para tomar café da manhã. O salão funcionava vinte e quatro horas, mas como a maioria das pessoas estava ocupada durante o dia, ele não ficava lotado. Tomei um café da manhã leve—um sanduíche e uma xícara de café—e depois subi as escadas exultante de volta ao escritório do mestre do clã.
E lá, como de costume, sentei-me na cadeira exageradamente grandiosa do mestre do clã e soltei um profundo suspiro.
Não havia nada para fazer.
A espaçosa escrivaninha diante de mim estava polida até brilhar, e não havia absolutamente nada sobre ela.
Para começo de conversa, não havia muito trabalho para mim como mestre do clã. Eu havia delegado quase toda a autoridade para Eva em relação às operações dos Passos. Raramente algo precisava voltar para mim. Então, quando Eva me disse para apenas “calar a boca e sentar,” ela realmente quis dizer isso.
E como não havia nada para eu fazer, peguei um pano macio e comecei a polir as Relíquias, uma por uma, como de costume. Como isso já era parte da minha rotina diária, elas nem estavam tão sujas, então terminei de limpá-las rapidamente.
Sentindo-me um pouco inquieto, comecei a vagar sem rumo pelo escritório, folheando um livro ilustrado sobre Relíquias antigas na estante e até fazendo alguns exercícios no lugar. Talvez por agora saber o valor total da minha dívida, eu me sentia estranhamente irritado.
Enquanto fazia todas essas coisas, tentei pensar em formas de pagar a dívida sozinho, mas não consegui chegar a nada. Mais importante ainda, eu realmente não era bom em nada. Eu não tinha conhecimento, nem habilidades de combate—eu sequer sabia por que ainda era um caçador. Quanto mais pensava nisso, mais deprimente parecia, então rapidamente desisti de pensar.
De qualquer forma, mesmo com um bom nível de habilidades, pagar uma dívida na casa dos bilhões era impossível.
Para mudar de ares, fui até a janela atrás da minha cadeira e a abri completamente.
O dia estava bonito.
Os raios de sol entravam no quarto, e eu inconscientemente sorri com a brisa suave que soprava.
Em frente à casa do clã, ficava a rua principal. Olhando para baixo, vi que muitas pessoas estavam circulando por ali hoje também. Era um verdadeiro mar de atividade humana.
E nesse clima, comecei a ponderar: Comparado à imensidão deste mundo, o que é uma dívida de bilhões?
Eu era um completo fracasso e só queria desaparecer no ar como poeira.
E assim que terminei minha breve fuga da realidade, fechei a janela e voltei a me sentar na cadeira. No instante em que soltei um profundo suspiro, uma batida inesperadamente alta soou na porta. Antes que eu pudesse responder, ela se abriu de repente.
— Mestre! O senhor precisava de algo de mim?!
Quem entrou pela porta não foi Eva nem Sitri, mas—ao contrário das minhas expectativas—Tino.
Ela vestia, como sempre, um traje predominantemente preto, e suas pernas brancas à mostra sob o vestido eram quase ofuscantes. Talvez tivesse corrido até aqui; suas bochechas estavam levemente coradas.
Era raro Tino aparecer no escritório do mestre do clã, que era uma área restrita, sem ter sido chamada.
Não... Eu não me lembrava de tê-la chamado, mas será que realmente não chamei? Será que eu poderia ter chamado?
Meus lapsos de memória estavam terríveis.
Coloquei um sorriso forçado no rosto enquanto tentava desesperadamente revirar minha memória e sair dessa situação de alguma forma.
— A-Ah, é... uhum—
— Viu! Eu sabia! Mestre, é que... foi raro vê-lo sorrindo para mim da janela, então achei que talvez precisasse de algo de mim!
— É? ...A-Ah, uhum...
Tino abaixou o olhar e começou a brincar com os dedos enquanto falava. Sua expressão era suave e apaixonada.
De alguma forma, ela havia me visto do escritório do mestre do clã, mesmo estando na rua.
Eu não tinha notado nem um pouco...
— Aquele sorriso tinha sido mais para mim mesmo. Nossos olhares nem deveriam ter se cruzado. A lealdade dela não era um pouco forte demais?
Apoiei o queixo na mão, sem nem tentar esconder minha falta de entusiasmo, mas a expressão de Tino continuava inabalável.
— Siddy me pediu para trazer comida para o “Drink”, então eu trouxe—que timing perfeito.
— Hã? “Drink”? Algo para eu beber?
— Hã? Siddy ficou tão feliz que você aceitou...
— Ah... é...
Ela estava falando daquela quimera. “Drink” é um nome péssimo... Melhor nem tocar nesse assunto de novo.
Então agora Tino faz tudo—ajuda não só nos pedidos da Liz, mas também nos da Sitri? Parece que ela trabalha bem mais duro do que eu.
Falar sobre minhas dívidas com uma novata era meio constrangedor, mas talvez ela tivesse alguma boa ideia.
— Falando sobre o que eu preciso de você, preciso da sua opinião em algo. Para ser honesto, estou acumulando uma quantidade enorme de dívidas...
Me virei para Tino, que parecia estranhamente animada, e desta vez sorri para ela de verdade.
— Você me enganou de novo... Mestre, o que acha que eu sou?
— Eu não estou te enganando. Sério.
Continuamos nossa conversa enquanto descíamos as escadas da sede do clã.
A voz de Tino soava claramente chateada, e ela disse:
— Você aumentou minhas expectativas só para jogá-las no chão. Na verdade, eu esperava que, Mestre, você me desse um chocolate ou algo assim.
— Eu não aumentei suas expectativas, nem as destruí.
Seu rosto exibia uma expressão que lembrava um filhote de cachorro que acabara de ter seu petisco tomado bem na sua frente.
De alguma forma, senti que já tínhamos tido uma conversa parecida há pouco tempo. Não pude deixar de me perguntar o que exatamente Tino pensava de mim—será que eu estava dando doces para ela com muita frequência?
— Tino, você passa por situações difíceis o tempo todo e, ainda assim, nunca aprende.
— I-I-Isso... Eu sei. É tudo porque, Mestre, você está sempre pensando em mim, certo?
— É... Aham.
Fiquei momentaneamente surpreso, mas então assenti sem pensar nas palavras de Tino, que pareciam um apelo por uma resposta.
Claro que eu pensava em Tino: sempre desejei, do fundo do coração, que ela fosse feliz um dia—mas isso simplesmente não estava dando resultado...
Liz e Sitri sempre causavam problemas para ela; eu deveria ser mais gentil com ela.
— Você não está com a Liz hoje, hein?
— Lizzy... disse que vai provar da próxima vez que consegue quebrar a armadura do golem que não conseguiu da última vez, então arrastou a Siddy junto para uma sessão de treinamento especial. Acho que elas estão no lugar do mestre dela agora.
Entendo... Por isso não vejo nem a Liz nem a Sitri por aqui. Isso deixa Tino sozinha.
Incluindo o incidente na taverna, o tratamento da Liz com Tino parecia um pouco duro. Liz não necessariamente odiava Tino, mas sua personalidade fazia com que ela fosse apática na forma como interagia com ela.
Deveria falar com ela sobre isso?
— Quer que eu fale com elas sobre isso? Elas deveriam te tratar melhor.
— O quê—?
Talvez surpresa, Tino arregalou os olhos—ela estava muito acostumada a ser maltratada.
Ao ouvir minhas palavras, ela começou a olhar ao redor, com as bochechas levemente coradas, e disse timidamente:
— Oh... Obrigada, Mestre. Mas tudo bem. É ordem da Lizzy que eu esteja aqui para te ajudar quando ela não está por perto.
Lealdade ao extremo, hein? O que será que a Liz anda dizendo para ela? Bem, ela não parece se incomodar... Então acho que está tudo certo.
— A-Aliás, eu pessoalmente gosto muito de estar com você também, Mestre...
— Ah, valeu. Enfim, voltando ao assunto da dívida—
Ela empalideceu.
Sinceramente, se ela dissesse algo como “Na verdade, eu odeio estar com você”, eu começaria a perder a fé na humanidade.
Tino ficou chocada, com os olhos marejados.
Coloquei a mão em sua cabeça e fiz um cafuné. Isso não era algo que eu faria com uma Caçadora de verdade, mas Tino era quase como uma irmãzinha para mim.
Ela respirou fundo, como se tentasse se acalmar, e então disse em uma voz fraca:
— Mestre, eu também preciso de dinheiro para repor suprimentos e manter meu equipamento. Lizzy já está me explorando ao máximo, e eu já estou te oferecendo todas as minhas Relíquias. Se espremer mais, esse poço vai secar.
— É... Aham.
De qualquer forma, eu não planejava pegar dinheiro emprestado da Tino.
— Ugh... E-eu disse que estou aqui para te ajudar, mas há um limite para isso... Q-Quanto você precisa?
— Não estou querendo pegar emprestado. Afinal, a dívida já está na casa dos bilhões. É muito para você.
— B-Bi...lhões...?
Atordoada, Tino começou a contar nos dedos, tentando visualizar o número. Sua expressão era muito parecida com a de Eva quando soube do valor.
Pois é... Pelo visto, até para um Caçador gastador como eu, uma dívida de bilhões não era um valor pequeno.
Com uma risada seca, Tino disse, com a voz tremendo:
— C-Claro, e-eu devia imaginar. Mestre, é realmente impressionante que você tenha conseguido pegar uma quantia tão considerável. Como esperado de um Nível 8 temido por todos.
Essa foi a primeira vez que fui elogiado só por dever dinheiro.
Ela estava me elogiando? Estava tirando sarro de mim? ...Aham, com certeza estava tirando sarro.
Não havia desculpa. Quando se tratava de dinheiro, a gente só devia pegar emprestado o que pudesse pagar de volta.
— Ha ha... Tá tudo bem, tá tudo bem. No fim das contas, é a Sitri quem está me emprestando todo o dinheiro. Pelo que entendi, se as coisas derem errado, ela pode simplesmente perdoar toda a dívida se a gente se casar.
— O quê?
Tino deixou escapar um ruído surpreso que parecia ainda mais atordoado do que quando ouviu o valor da dívida.
Tô brincando, tô brincando.
Ao redor do salão, Caçadores que aparentemente deviam dinheiro para Sitri ficaram com expressões angustiadas enquanto alimentavam o “Drink”. Nossos olhares se cruzaram, mas fechei a porta e fingi que não vi nada. Continuamos descendo as escadas.
Apesar de “Drink” ter passado a gostar de mim (depois de quase me matar), parecia ser bastante feroz com os outros Caçadores. Precisavam segurá-lo com várias pessoas só para alimentá-lo. Para ser sincero, aquilo parecia mais um treinamento do que uma refeição.
— Notavelmente, aquele teimoso Departamento de Investigação de Cofres deixou isso passar sem muita resistência.
— Um... Mestre, tem certeza de que está tudo bem?
— Está tudo bem. Não é como se alguém tivesse morrido por causa disso, certo?
Embora a taxa de fatalidades pudesse aumentar se eu alimentasse aquilo. Nem preciso dizer que isso seria preocupante para mim. Apesar de ter recarregado minhas Relíquias, meus Anéis de Segurança não eram ilimitados.
Eu me sentia mal pelos caçadores encarregados de alimentá-lo, mas esse foi o compromisso final das minhas negociações com Sitri, então não havia nada que pudéssemos fazer além de aguentar.
***
Levando Tino comigo, fugi da casa do clã.
Eu realmente não tinha planos para sair, mas provavelmente seria forçado a alimentar a quimera se voltasse — prefiro passar essa.
Felizmente, agora eu tinha Tino como companhia. Tê-la como escolta era tranquilizador e, mais importante ainda, compartilhávamos o amor por doces.
Vamos transformar isso em um encontro para nos mimarmos pela primeira vez em muito tempo.
Vendo que Tino ainda estava cautelosa com a casa do clã, propus: — Já que estamos fora, que tal irmos comer algo doce de vez em quando? É por minha conta.
Tino nunca havia recusado um convite assim antes. Então pensei que ela ficaria radiante desta vez também, mas sua resposta foi inesperada.
— B-Bem... Eu estou muito, muito feliz que tenha perguntado, mas... um, Mestre... você não tem dívidas para pagar?
Isso... era um ponto muito válido e eu não tinha absolutamente nenhum contra-argumento para isso.
A expressão de Tino ficou carregada de preocupação, parecendo muito mais grave do que a minha — a pessoa que realmente tinha a dívida.
— Um... dói-me dizer isso, mas... talvez você devesse reduzir um pouco seus gastos...? Claro, farei tudo o que puder para ajudar com isso também. Embora seja uma quantia considerável que você deve…
— N-Não se preocupe. Veja bem, afinal é para Sitri que devo dinheiro…
Se fosse apenas um agiota qualquer, certamente eu não estaria tão calmo quanto estava agora.
Mas às minhas palavras evasivas, Tino respondeu com um tom direto que era incomum para ela: — Isso não vai funcionar, Mestre! Casar-se com Siddy é a pior coisa que você pode fazer para pagar suas dívidas.
Eu... realmente não posso argumentar contra isso.
Fiquei sem palavras.
O tom na voz de Tino mudou abruptamente e ela disse enquanto seus grandes olhos negros se enchiam de lágrimas:
— A-Aliás, se Siddy e o Mestre se casassem... tenho certeza de que não poderíamos mais andar juntos assim novamente.
— Tenho certeza de que isso não aconteceria —
— Vai sim! Mesmo que ela possa me emprestar você por um tempo, Siddy definitivamente tentará monopolizá-lo!
Sua voz estava frenética.
O que exatamente ela prevê? E qual seria o ponto em me monopolizar?
Embora, para começar, eu nunca tive a intenção de me casar só para pagar dívidas.
Além disso, antes mesmo de Tino me desprezar por isso, Lucia nunca permitiria que isso acontecesse de qualquer forma. Minha irmã parecia determinada a transformar seu irmão em um homem “de verdade”.
Parecendo muito mais motivada do que eu estava, Tino murmurou com uma expressão mais séria do que nunca:
— Vou manter apenas o mínimo necessário, vender o resto dos bens e esvaziar as economias. Tenho certeza de que se trabalhar com Lizzy conseguirei quitar os bilhões — hã?! I-Isso significa que se eu quitar a dívida metade do Mestre será m-minha...?
— Tino?
Palavras inquietantes chegaram aos meus ouvidos, mas infelizmente eu era o tipo de pessoa capaz de pedir dinheiro à família sem piscar os olhos. Quero dizer, mesmo agora, apesar de carregar uma dívida de dez dígitos, ainda andava descaradamente sob o sol como se nada estivesse errado. Viu?
Enquanto isso, Tino balançava a cabeça vigorosamente como se tentasse afastar pensamentos impuros.
— N-Não, não vai acontecer. Afinal... tudo o que é meu é do Mestre e eu sou do Mestre…
Você é o quê do Mestre?
Preciso repreender Liz na próxima vez que a vir para garantir que ela não coloque ideias ainda mais estranhas na cabeça da Tino.
— Você não precisa vender seus pertences. Deve haver uma solução melhor…
Não consigo pensar em nada agora, mas deve haver algo. Bem, Eva descobrirá algo se as coisas piorarem demais... Não, não, não! Isso não serve! Preciso parar de depender dos outros como primeira opção.
Então Tino bateu palmas subitamente.
— I-Isso mesmo! Mestre! Somos caçadores! Que tal irmos a um cofre e recuperar algumas Relíquias? Por sorte o leilão está chegando e tenho certeza de que elas alcançarão preços altos!
Ela propôs a abordagem ortodoxa… Isso era tão típico da Tino — tão diferente de mim! Mas claro… Essa foi minha primeira ideia antes mesmo dela trazer isso à tona.
Tino olhou para mim com olhos brilhantes.
— Embora pareça trapaça ou um pouco injusto para outros caçadores… com sua visão estratégica você certamente sabe qual cofre terá Relíquias valiosas certo?
Que tipo de super-humano seria esse? Relíquias aparecem aleatoriamente nos cofres! Embora existam clãs tentando prever estatisticamente nunca ouvi falar disso funcionar direito.
Naturalmente isso está além das minhas capacidades…
— Isso mesmo, até para mim... uh... sim, no máximo, eu diria que minha precisão ao prever Relíquias é de cerca de cinquenta por cento—
— Cinquenta por cento?! U-Uau, como esperado do Mestre...
Isso não vai acontecer.
O que eu queria dizer era que qualquer previsão poderia acertar ou errar. E, desta vez, minha intenção era errar.
Eu poderia simplesmente mandá-la para um cofre de tesouro de baixo nível e ela ficaria satisfeita ao descobrir que não havia Relíquias lá. Ou, pelo menos, entenderia a situação. Afinal, explorar essa minha júnior para pagar minha dívida era uma péssima ideia.
Talvez eu tenha percebido um pouco tarde, mas o carma estava contra mim.
Soltei um pequeno suspiro e fiz uma nova sugestão para Tino.
— Bem, vamos pegar algo doce como pré-celebração. A precisão da minha previsão de Relíquias pode ser cinquenta-cinquenta, mas isso aqui vai ser absolutamente perfeito.
Foi a outra parte que nos notou primeiro.
Estávamos em um caminho estreito, afastado da rua principal, um atalho para o meu café favorito ultimamente. Era um trajeto onde carruagens não passavam e o fluxo de pessoas era mínimo.
Um homem esguio e de cabelos longos, familiar — Lackey A — me viu e ficou surpreso.
— Hã? Você é—
— Ah! Ah, não... Eu esqueci completamente quem você é...
Era um homem que eu definitivamente não queria encontrar agora.
Eles eram Arnold Hail e seu grupo; invasores de Nebulanubes, a Terra das Névoas.
Eu tinha me trancado até agora justamente porque pensava “Não, deixa eu ficar na minha para não cruzar com esses caras” e, ainda assim, lá estavam eles. Isso tinha passado completamente despercebido.
E, pior ainda, mesmo que eu não me lembrasse deles, pareciam saber quem eu era. Provavelmente me rastrearam através da Liz.
Pelo visto, nem o aviso severo que pedi para Gark enviar através da Eva, antecipando uma possível retaliação, fez diferença.
Por que nada pode acontecer exatamente como eu quero? Que pena. Eu estava prestes a curtir um chá da tarde divertido com a Tino...
— Você esqueceu?!
— Seu desgraçado... achando que pode nos menosprezar só porque está um nível acima!
Não, não é isso... só deu um branco total.
Os capangas de Arnold estavam agitados e, no centro deles, Arnold deu um passo à frente. De qualquer ângulo que se olhasse, ele claramente não estava ali para bater papo.
Seu corpo era tão robusto quanto o de Gark. Nas costas, carregava uma espada enorme, e o olhar dourado e afiado brilhava com uma luz quase inumana. Mesmo comparado ao resto do grupo, sua presença era esmagadora. Um caçador comum, sem costume com esse tipo de coisa, certamente ficaria paralisado.
O motivo pelo qual eu ainda conseguia me mover normalmente era minha forte resistência à intimidação. Já fui ameaçado tanto por humanos quanto por demônios, e meus companheiros também eram um bando de aberrações. Por isso, eu tinha aprendido instintivamente que, mesmo um golpe mortal, seria desviado pelos meus Anéis de Segurança.
Arnold falou com uma voz baixa e ameaçadora:
— Mil Truques... você tem coragem de vir nos procurar.
Parece que minha pior previsão se concretizou: eles estavam aqui por mim, aparentemente. Nem precisava dizer que estavam em busca de vingança; eu já esperava por isso. E foi exatamente por isso que pedi para Eva fazer Gark enviar um aviso para contê-los. Mas, como de costume, acabaram colocando a culpa em mim ao invés da Liz.
Com aquele caçador feroz exalando sua aura intimidadora, as poucas pessoas que ainda estavam na rua desapareceram. Como esperado dos habitantes da capital. O instinto para evitar desastres era afiado.
Mas isso era ruim— muito ruim.
Nem mesmo Tino teria chances contra um oponente de Nível 7. E, agora mesmo, ela analisava a força do inimigo com uma expressão sombria no rosto.
— Não me diga que quer resolver isso bem aqui...
— Saque suas armas, Mil Truques— não, na verdade, não vou deixar que você ache que pode ver toda a profundidade da nossa força tão facilmente.
Arnold estava indo direto para a briga sem negociação ou explicação. Ele era impulsivo demais. Nem sequer empunhava a espada.
Levaria tempo para os guardas chegarem naquele beco estreito e, para começar, nem era certo que viriam.
— Eu ouvi falar, Mil Truques. Parece que você fez um golem voar apenas com sua aura, não foi? Ha ha ha, se isso for verdade, por que não nos mostra?
Ele devia estar falando do golem Akasha. Já expliquei isso tantas vezes para todo mundo.
— Foi um mal-entendido! Eu não fiz o golem voar; ele voou sozinho!
— Hã...?! Para de falar merda! Onde já se viu um golem simplesmente sair voando sozinho?! — gritou um dos capangas, com o rosto vermelho de raiva.
Quem diria? Mas ele existe.
O oponente era de Nível 7. Eles deveriam entender se eu explicasse. Eu não era bom em persuasão, mas não tinha escolha.
Respirei fundo, e Arnold e seu grupo ficaram em silêncio. Então, falei com uma voz calma, tentando ao máximo não provocá-los.
— Bem, vamos nos acalmar. Eu entendo sua raiva. De verdade. Ser espancado em público, do nada, é irritante, e eu entendo. Não posso dizer que não compreendo por que vieram atrás de mim para se vingar. Não importa de quem foi a culpa, a Liz definitivamente exagerou. Sim, eu também acho. Apesar disso, vou pedir que não me acertem com toda a força, por favor...
— ...
— Mas tentar me encurralar em um beco estreito assim não parece muito inteligente. Não podemos resolver isso com um pedido de desculpas? Eu abaixo a cabeça e, se for preciso, até me ajoelho diante de vocês. Que tal?
— ...
Apesar dos meus esforços para ceder, a expressão de Arnold não mudou. Dava para ver que ele nunca tinha visto um Nível 8 se ajoelhar antes. Meu pedido de desculpas tocava direto no coração das pessoas.
Continuei tentando apelar para Arnold e seus companheiros desesperadamente.
— Olha, vocês conseguem ver, não é? Estou prestes a sair em um encontro com a Tino. Qualquer homem entenderia o que isso significa, certo? Eu estava ansioso por isso.
Droga, o que esse cara está pensando?, ponderou Arnold enquanto se esforçava para conter sua fúria e observava as costas do jovem despreocupado.
Esse encontro havia sido inesperado. De acordo com as informações que haviam reunido, o Mil Truques quase nunca saía de sua sede, então Arnold achava que precisaria bolar um plano para encontrá-lo. Ele havia planejado essa saída apenas para reconhecimento e não esperava realmente encontrá-lo pessoalmente.
É claro que, se acabassem se esbarrando, isso não seria um problema para Arnold. Ele era um caçador, e caçadores nunca negligenciam seu equipamento.
Por outro lado, era a aparência do Mil Truques que parecia suspeita: além de suas roupas casuais parecerem totalmente inadequadas para combate, ele também não portava nenhuma arma visível. Claro, ele poderia ter escondido suas armas de diversas maneiras, então era necessário cautela, mas cada um de seus movimentos parecia excessivamente vulnerável.
Ele está tentando me atrair para um contra-ataque? É por isso que está mostrando tantas brechas de propósito? Mas suas ações parecem tão óbvias...
Para piorar, esse encontro provavelmente não foi um acaso. Arnold teria pensado de outra forma se tivessem se cruzado na rua principal, mas considerando que estavam em um beco isolado, parecia mais lógico assumir que isso era resultado da visão estratégica do Mil Truques, como os rumores diziam.
Arnold não sabia o que pensar disso. O Mil Truques apareceu provocando, vestindo-se de forma chamativa, e então começou a alegar que não queria lutar. E agora, ignorando tudo isso, ele estava sugerindo que continuassem em uma rua mais movimentada. Suas intenções eram alarmantemente impossíveis de decifrar—verdadeiramente condizentes com o nome "Mil Truques".
Temos a vantagem numérica.
Embora a jovem que acompanhava o Mil Truques fosse consideravelmente capaz (ou melhor, por qualquer ângulo que olhasse, ela parecia mais forte que o próprio Mil Truques), ela ainda não se comparava a Arnold ou Eigh. Uma rua mais ampla seria mais vantajosa para Arnold, já que seu grupo era maior.
Isso é um tipo de handicap que ele está se impondo? Mas por quê...?
Arnold já estava quase certo da sua vitória.
O Mil Truques era tão fraco que, se Eigh não tivesse identificado sua aparência com antecedência, eles provavelmente teriam passado por ele sem perceber. Seus movimentos eram a definição de "amador". Ele era um nível 8, então era difícil imaginar que o que viam na superfície fosse todo o seu poder, mas Arnold não conseguia sequer imaginar perder para ele.
Essa era a primeira vez para Arnold. Ele entenderia se a força do oponente fosse tão inconcebível que não conseguisse enxergar seu limite—mas havia simplesmente força de menos ali.
— Arnold, não baixe a guarda. Esse cara é confiável o bastante para ter a confiança do chefe da filial da Associação.
— Sim, eu sei.
Ele cerrou os dentes e lançou um olhar feroz para a nuca do adversário, mas o comportamento do Mil Truques permaneceu inalterado.
Essa situação era realmente estranha.
Pela avaliação de Arnold, o Mil Truques era tão forte quanto uma pessoa qualquer tirada da multidão, mas era difícil acreditar que um fraco assim poderia ignorar intimidação com tanta calma—era tudo muito incongruente.
Vou entender a essência dessa discrepância se lutar contra ele?
O Mil Truques seguiu em frente com confiança, sem demonstrar qualquer intenção de fugir, e, fiel às suas palavras, parou bem no meio de uma rua principal lotada.
Bancas de rua alinhavam os lados da avenida, e uma multidão incomumente grande, algo raro na Terra das Névoas, preenchia a via.
Ele deve estar maluco.
Fazer um escândalo num lugar assim certamente atrairia a atenção dos guardas. Sem falar que, se fosse derrotado ali, diante de tantas testemunhas, o nome "Mil Truques" seria manchado.
Krai Andrey se virou lentamente. Cada um de seus gestos parecia desprovido de motivação, mas seu olhar parecia sussurrar sutilmente:
— Se estiver com medo, podemos parar por aqui.
— Humph. Besteira.
Isso não era verdade. Arnold nunca sentiu medo desde que se tornou um caçador.
Ele empunhava a grande espada em suas costas, uma arma única feita com os materiais do Dragão do Trovão que eles haviam caçado. Seus companheiros de grupo seguiram seu exemplo, assumindo suas posturas com movimentos treinados.
Eigh se aproximou e, com uma voz provocativa, disse:
— Quero ver qual de vocês dois é mais forte—você ou Arnold. Você realmente nos fez engolir um sapo dessa vez. Vai enfrentar todos nós ao mesmo tempo sendo um Ladino de Nível 8, certo?
— Ugh... Eu posso não? Na verdade, eu não queria...
A atitude de Krai não mostrava sinais de mudança, nem agora. Sua inquietação ao olhar ao redor, aparentemente aflito, só aumentava a frustração deles.
O homem diante deles era um Nível 8, um caçador de nível superior ao de Arnold, o Matador de Dragões. Se ele não demonstrasse a gravidade adequada, a civilidade do grupo—e, consequentemente, a de Arnold—seria manchada.
— Entendo... Então você é um tolo que subiu de patente apenas se aproveitando da sorte e da força de seus companheiros. Isso já me diz bastante sobre os modos dos Grieving Souls.
Ao ouvir as palavras de Arnold, Krai levantou as sobrancelhas, não em raiva, mas em surpresa.
Seu oponente estava cheio de falhas e os menosprezava. Isso ia ser mais fácil do que tirar doce de criança.
Porém, no instante em que Arnold deu um passo à frente, a jovem ao lado do Mil Truques imitou seu movimento e ficou em seu caminho.
— O quê? Cai fora — rosnou Arnold.
A jovem vestia roupas pretas projetadas para mobilidade e um par de luvas marrons para proteger os punhos. O ar ao seu redor estava tão carregado que era quase possível ouvi-lo crepitar. Seus olhos negros eram afiados, e suas pupilas cristalinas queimavam com chamas de espírito combativo.
Ela era uma Ladina. Ladinos geralmente não eram especializados em combate direto e não se saíam bem em lutas um contra um contra Espadachins de peso como Arnold. A menos que suas habilidades fossem significativamente superiores, ela provavelmente não teria a menor chance. Embora fosse consideravelmente forte para sua idade, não era forte o bastante para enfrentar Arnold e seu grupo no estado atual.
Ela deve ser, no máximo, Nível 4 ou 5.
Ainda assim, apesar da intimidação de Arnold, a garota que o Mil Truques chamou de "Tino" mais cedo permaneceu impassível.
— Eu não. Sou madura. O bastante. Para ficar parada. Enquanto escuto. Pessoas. Insultando. O Mestre!
Seu peito subia e descia lentamente a cada respiração. Seus olhos queimavam com uma fúria fria, mas ela não estava tomada pela raiva. Não havia tensão em sua postura—ela estava em um estado ideal para lutar.
Ela não entende a diferença entre nossos níveis...? Não, não é isso...
Ela compreendia a diferença, mas mesmo assim estava disposta a desafiar a luta.
A jovem diante deles ainda era muito nova, mas, sem dúvida, tinha um talento excepcional e potencial para se tornar uma caçadora de elite no futuro.
A disparidade de forças era evidente. Mas caçadores que ousavam encarar o desafio—como ela—eram fortes. Mesmo que não fosse capaz de derrotar Arnold, ela ao menos tinha uma pequena chance de derrotar Eigh ou outro membro do grupo, caso fosse um confronto um contra um.
Com os olhos ligeiramente arregalados, Eigh a advertiu:
— Ei, garotinha, você não tem chance de ganhar. Sua determinação é admirável, mas saia da nossa frente. Nosso alvo é só aquele cara ali.
Não era como se ela tivesse os insultado antes. Eles não tinham interesse em apagar uma centelha promissora antes da hora.
Tino não respondeu a essas palavras. Em vez disso, virou-se para o homem atrás dela e perguntou:
— Mestre, por favor, me deixe lidar com isso! Eu vou fazer com que se arrependam de insultá-lo!
Talvez sentindo a luta iminente, os transeuntes começaram a se afastar, deixando uma área vazia ao redor.
As palavras da jovem eram incrivelmente audaciosas e insensatas diante de um oponente de Nível 7. Considerando a incompatibilidade de suas classes, ela não teria chance nem mesmo se Arnold estivesse desarmado. Essa luta só poderia terminar de um jeito.
Naturalmente, não havia como o Mil Truques não perceber isso. Certamente, ele não permitiria que ela assumisse o desafio. Afinal, conter jovens imprudentes era a responsabilidade dos caçadores de alto nível.
Era isso que Arnold e seus companheiros acreditavam.
Krai Andrey, sorrindo com os olhos bem abertos, disse:
— Beleza, vá em frente. Mas toma cuidado.
— ?!
— O quê?
Os membros da Névoa Caída, até mesmo Arnold, ficaram sem palavras. Talvez porque isso também tenha sido uma surpresa para a própria Tino, um leve traço de confusão passou por suas pupilas.
Inacreditável. Isso é absurdo... O que ele está pensando?
Arnold não havia insultado Tino, mas sim Krai. A lealdade de Tino a Krai a levou a se colocar no caminho de Arnold. Sua lealdade era genuína, mas Tino não tinha a capacidade para isso.
Eu teria impedido. Isso nem precisaria ser discutido, eu simplesmente impediria.
Arnold teria impedido. Ele teria intervindo, agradecido por suas palavras gentis e avançado ele mesmo. Isso é o que um herói faz. Mas e esse homem diante dele?
O Mil Truques simplesmente recuou e, para a surpresa de todos, cruzou os braços e assumiu a postura de espectador.
...Inacreditável.
Olhando para as expressões de seus companheiros, Arnold viu rostos que pareciam igualmente perplexos com a atitude dele.
Tino, sua raiva de momentos atrás agora parcialmente dispersa, levantou a voz hesitante:
— Uh... Mestre?
— Certo. Na última vez, na Toca do Lobo Branco, você não teve uma oportunidade decente. Por que não me mostra os resultados do seu treinamento?
— S-Sim, Mestre. Por favor, testemunhe meu valor — respondeu Tino, sem conseguir disfarçar o tremor em sua voz.
Ela ergueu o rosto e encarou Arnold com firmeza. Suas pupilas brilharam levemente—provavelmente não de raiva.
— N-Não zombe do meu Mestreeeeeeeeeee! — gritou Tino em desespero. Cerrando os punhos, ela reduziu rapidamente a distância entre ela e Arnold.
***
Eu não entendia muito bem a situação, mas parecia algo bem sério.
Enquanto observava Tino lutando contra o grupo de Arnold, periodicamente desviava o olhar ao redor em busca de aliados.
A Primeiros Passos, como clã, tinha várias peculiaridades, incluindo muitos jovens talentosos e sendo liderado por uma bela vice-líder.
Mas o mais notável era o tamanho do clã. Para simplificar, nosso clã era muito maior do que qualquer outro.
Trazer Arnold para uma área mais movimentada foi uma jogada proposital para facilitar a busca por aliados. O grupo dele era grande, com oito pessoas, mas a Primeiros Passos tinha mais de cem. E a qualidade dos nossos caçadores não era baixa; se eu conseguisse reunir metade deles, nem mesmo um oponente de Nível 7 teria chance contra nós.
Lamentavelmente, quando se tratava da habilidade de pedir ajuda para aliados, ninguém no nosso clã me superava. Os membros também já estavam acostumados com isso.
— Ei, ô, Mil Truques! Tá olhando o quê?! Foca na luta aqui! Essa garota tá lutando por você, sabia?!
Enquanto olhava ao redor, por algum motivo, os inimigos começaram a zombar de mim.
Era o Capanga A. Ele estava ao lado de Arnold até agora.
— Ah, é. Foi mal, foi mal. Desculpa aí, A. É que eu também tô ocupado...
Apressei-me em voltar a observar a luta. Mas, sinceramente... como posso dizer...? O combate era tão impressionante que eu não conseguia processá-lo direito.
Tino e Arnold pareciam estar em pé de igualdade. Tino lutava com as mãos nuas, e Arnold também havia descartado sua espada para um combate corpo a corpo. Era simplesmente uma briga pura.
Os companheiros de Arnold, atrás dele, se abstinham de entrar na luta, mas nossa enorme desvantagem permanecia inalterada. Ainda assim, parecia que eles não pretendiam ajudá-lo.
Então, de repente, o Capanga A recuou alguns passos, assustado.
— C-Como você sabe meu nome?!
— Hmm...? Hã? ...Ah, então seu nome era realmente ‘A’? Isso é uma surpresa...
Eu gostaria de conhecer os pais que deram esse nome pra ele.
Embora eu só tivesse falado o que pensei, o rosto de A ficou cada vez mais vermelho.
— Mestre?! Mestre! Por favor, olhe para mim!!! — gritou Tino.
Tino e Arnold tinham diferenças gritantes de altura e porte. Sua ousadia diante do enorme Arnold me lembrava de sua mestra, Liz.
Arnold, por sua vez, exibia uma expressão feroz.
Ele recuou levemente para evitar o chute giratório de Tino e, ao fazer isso, com a palma da mão, interceptou um golpe rápido e irregular que cortou o ar com um ruído agudo.
Eu não entendia nada de artes marciais, mas sabia reconhecer algo incrível.
Desde quando Tino ficou forte o suficiente para enfrentar um oponente de Nível 7 de igual para igual?
Então, nesse momento, avistei uma figura familiar ao longe, no fim da rua.
Era Sven, um verdadeiro guerreiro que ostentava o título de "Matador de Dragões".
A sorte estava ao meu lado!
Sem pensar muito, acenei e sorri para ele.
— Mas que porra você tá fazendo?!
— Ah, foi mal, é que vi um amigo meu ali...
Arnold revirou os olhos. Aproveite a vida enquanto pode, porque seus minutos estão contados.
Ele já estava totalmente ocupado lidando apenas com Tino; se Sven se juntasse a nós, não perderíamos.
Isso aí. Vai lá, Sven.
Sven me notou de longe com sua visão especializada de Arqueiro. Ele trocou olhares com seus companheiros ao redor, olhou de novo para minha mão acenando, assentiu como se tivesse entendido o gesto e me mostrou um joinha.
E então, foi embora com seus companheiros, me deixando ali, pulando e acenando desesperadamente para chamar sua atenção.
Sério mesmo?
— Haaa... Haaa... Mes...tre... por favor... seja... mais... sério! — disse Tino, quase sem fôlego, sem parar seus movimentos.
O que você quer dizer? Eu estou sendo muito sério. Estou muito seriamente tentando fazer o que posso... Droga, Sven. Acho que só posso contar com aquele pseudo-bonitão agora, né? ...Mas ele ainda não voltou dos recados para aquele nobre.
Sentindo-me um pouco cansado, sentei-me em uma caixa de madeira próxima.
Eles pareciam equilibrados. Talvez—só talvez—ela conseguisse dar um jeito mesmo sem ajuda. E ainda havia a chance de os guardas aparecerem aqui no final das contas.
Os ataques de Tino eram rápidos. Seus chutes e golpes se encadeavam como uma corrente, dando um vislumbre do talento pelo qual Liz era reconhecida. Embora não estivesse no mesmo nível de Liz, ela se movia quase como o vento.
Acho que vou focar na torcida então.
— Vai, Tino, vai com garra! A maré mais forte não para! A nossa fé em Tino não falha!
— Mestre! Por favor, pare com essas coisas estran—
— Você consegue derrotá-lo! Só mais um pouco e você acaba com o Arnold! Vamos, dê tudo de si!
— Hã?!
Naquele momento, Arnold congelou, e o chute e o golpe de Tino acertaram seu corpo exposto.
De alguma forma, minha torcida parecia ter distraído ele. Ela o atingiu em cheio em um ponto crítico. Mas Arnold não caiu. Seu corpo apenas balançou ligeiramente e, sem demonstrar sinais de dor ou desconforto, ele voltou seu olhar—não para Tino, mas para mim.
— "Só mais um pouco... e ela pode me derrotar"?!
Hã? Espera aí... Será que... ele estava se segurando esse tempo todo?
Com um grunhido abafado, ele lançou seu braço direito musculoso em um golpe.
Era um golpe incrivelmente poderoso, que só poderia ser descrito como aterrorizante. Como se os golpes de Tino fossem uma brisa leve e os de Arnold um vendaval feroz.
Tino recuou apressadamente para evitar o ataque de cima, mas não conseguiu a tempo.
Instantaneamente, juntou as mãos para tentar bloquear o golpe, mas o punho de Arnold desviou facilmente suas mãos e desestabilizou completamente sua postura.
Claro, Arnold não desperdiçaria essa oportunidade.
— Mes—
Seus olhos dourados brilharam.
Arnold agarrou a gola da camisa de Tino e a ergueu no ar.
Tino se debateu para se soltar, mas foi sacudida como se não pesasse nada e, num instante, foi arremessada contra o chão.
Um estrondo ensurdecedor.
Tino, ao cair de costas, soltou um pequeno gemido de dor.
Mesmo assim, a mão de Arnold permaneceu firme em seu pescoço.
Ele era forte—forte demais. A situação virou drasticamente a seu favor num instante.
Parecia que eu tinha sido o único a pensar que eles estavam em pé de igualdade.
— Chega com essa. Falta de respeito. Mil Truques! — rugiu Arnold enquanto continuava a prender Tino no chão.
Com seu grito estrondoso, até eu franzi a testa instintivamente.
— Como ousa se colocar num pedestal como se fosse um rei?!
Isso é ruim.
O grupo de Arnold estava quase ileso, com oito membros, e do nosso lado só restava eu, agora que Tino foi nocauteado.
Se Sven tivesse se juntado a nós, a história poderia ser diferente; talvez tivéssemos conseguido salvar a situação. Mas do jeito que estava, a coisa era péssima.
Eu tinha meus Anéis de Segurança comigo, mas me perguntava se eles realmente aguentariam o ataque feroz de Arnold.
De qualquer forma, eu não estava me comportando como um rei nem nada, mas dizer que Arnold—com as veias saltando no rosto—estava furioso seria um eufemismo.
Meu coração batia pesado, mas, fingindo serenidade, me levantei da caixa de madeira.
Eu tomei minha decisão. Não importa o quão bem eu me ajoelhe e peça desculpas, eles não vão me perdoar agora...
Eu não queria usar isso, se possível, mas não havia outra escolha.
— Eu não estou me achando um rei nem nada... Mas acho que não tenho escolha.
O silêncio era absoluto.
Talvez sem saber o que esperar de mim, Arnold e seus companheiros não pareciam dispostos a se aproximar.
Eu era o caçador mais fraco da capital, mas, como diz o ditado, um rato encurralado também morde um gato. A maioria das minhas Relíquias era inútil em combate, mas eu tinha algo especial reservado para momentos como esse.
Puxei debaixo da camisa uma Relíquia em forma de pingente que usava no pescoço. Era uma estrela dourada de cinco pontas com um cristal incrustado no centro. Dentro do cristal translúcido, um negrume profundo girava como um céu noturno.
Era um Manifesto de Aspiração. Junto com os Anéis de Segurança, essa era minha tábua de salvação. Mesmo nas situações desesperadoras no Covil do Lobo Branco, eu não tinha usado essa Relíquia.
Essa Relíquia era originalmente uma ferramenta criada por um técnico apaixonado por magia. Sua habilidade absurda permitia armazenar um feitiço e liberá-lo à vontade, com um custo de mana cem vezes maior que o normal. Todo o meu poder vinha da riqueza acumulada pelos Grieving Souls, e essa Relíquia era o auge de tudo.
Ela continha um feitiço de magia gravitacional, uma magia tão difícil quanto a magia elemental de trovão.
Foi Lucia—grande maga dos Grieving Souls, que possuía o maior poder ofensivo e sempre recarregava minhas Relíquias enquanto resmungava—quem imbuíra esse feitiço nela.
Ela era a manipuladora de todos os fenômenos, o símbolo supremo da feitiçaria. Ela era Lucia Rogier, o Avatar da Criação—minha irmã mais nova.
Talvez por ser um estoque de feitiços, essa Relíquia tinha uma drenagem de mana extremamente lenta. Por isso, era meu trunfo para quando Lucia estivesse longe por longos períodos.
Ela me disse para usá-la apenas em situações de risco de vida. Eu não sabia dizer se essa era uma delas. Mas Tino estava em apuros, e se eu não a usasse agora, quando mais usaria? Ele estava lutando por minha causa, afinal. Mesmo que de alguma forma conseguíssemos sair dessa ilesos sem minha ajuda, eu não me perdoaria por não ter feito nada por ele.
Como se tivessem percebido algo estranho na minha mudança de atitude, os capangas se dispersaram e começaram a me cercar.
Mas eu não estava preocupado.
Arnold, ainda segurando Tino no chão, de alguma forma empunhou sua grande espada com uma das mãos.
Essa era uma magia imbuída por minha irmã mais nova—meu orgulho.
Estufei o peito e tentei parecer o mais confiante possível.
— Não se preocupem. Eu não vou tirar a vida de vocês.
Os capangas de Arnold prepararam suas armas, e Arnold largou Tino, avançando com ousadia.
Então, silenciosamente, liberei a magia selada na Relíquia.
***
Lucia havia se esforçado imensamente para me dar essa carta na manga.
— O quê?! Líder, o que você quer dizer?
— Você quer que eu imbuía um feitiço que ‘não seja letal’, ‘possa subjugar caçadores de alto nível’, ‘tenha uma grande área de efeito’ e ‘não cause danos colaterais’ ao mesmo tempo? Você está pedindo demais.
— Como você sabe, Líder, a magia gravitacional já é avançada por si só, e, pra piorar, é uma magia obscura. Você entende? O consumo de mana dela aumenta drasticamente com o alcance, e além disso, você não quer só aumentar o poder, mas também fazer com que atenda a todas essas exigências. Construir feitiços delicados assim exige uma quantidade absurda de mana—basicamente, a magia que você está pedindo é impossível, sabia? Espera, não. Eu vou ter que pesquisar primeiro...
— Desculpa, mas pode buscar algumas poções de restauração de mana com a Siddy? Pegue todas que puder.
— Aqui. Pegue isso, é o que você pediu—o quê? Claro que não; o que você esperava? Uma magia perfeita assim não existe, é claro! Eu a inventei! Analisei todos os tipos de magia gravitacional e desmontei seus mecanismos—teria sido muito mais simples se fosse só para matar os oponentes, mas como você insistiu em tudo isso... Esse é um feitiço completamente inútil, com um tempo de conjuração de trinta minutos. E agora estou sem mana nenhuma—não quero ver sua cara por um tempo. Agora, saia! Acabei de virar a noite! ...O quê? Você quer que eu recarregue suas outras Relíquias também?!
***
O esforço de Lucia deu frutos. A batalha terminou silenciosamente num instante.
Os capangas que estavam me cercando até agora foram esmagados contra o chão sem chance de resistir. O som de armaduras batendo no solo ecoou, e as armas caíram de suas mãos.
— O-O quê... foi isso...? Isso foi... magia?! Essa... magia...!
Arnold mal conseguia se sustentar com a grande espada cravada no chão. Ele estava de joelhos, suportando o peso. Seu corpo tremia, e sua cabeça balançava violentamente. Talvez por estar usando toda sua força, sua pele estava tingida de vermelho vivo.
— Estremeci levemente com a cena, mas parecia que ele estava tão sobrecarregado que não conseguia tomar nenhuma ação ofensiva.
Sentei-me novamente na caixa de madeira e cruzei as pernas. Depois de liberar a magia contida no pingente, guardei a Relíquia que havia perdido seu brilho.
— Esse foi o Comando do Tirano, um feitiço original. Acho que a força dele foi um pouco reduzida, mas ainda assim, foi algo e tanto, não acha?
Minha irmã, Lucia, desenvolveu esse feitiço durante uma noite inteira sem dormir. É claro que tinha que ser "algo e tanto".
Os olhos de Arnold vagaram entre seus companheiros de equipe e, então, ao ver as casas intactas e os cidadãos perplexos ao longe, sua voz tremeu.
— O que... que loucura é essa...? I-Isso é... magia gravitacional? Impossível! Mas...?
— É um feitiço revolucionário. Não danifica casas nem machuca outras pessoas. Talvez eu não seja a melhor pessoa para dizer isso, mas esse feitiço é incrível, não acha?
Esse era um feitiço criado pela minha irmãzinha, Lucia, através de tentativa e erro. É claro que tinha que ser "incrível".
Nem mesmo uma rachadura apareceu no pavimento.
O brilho dessa magia estava no seu alto poder e na precisão do alvo. O Comando do Tirano não afetava nem mesmo uma mosca além de seus alvos e, além disso, possuía o poder de imobilizar completamente um Caçador de Nível 7. Essa era a magia não letal perfeita!
Claro, não era como se eu conseguisse usá-la ou algo assim, então não podia me gabar muito...
— Você...! Você é um Magus...?! Maldição! — rugiu Arnold.
Mesmo gritando daquele jeito, ele não era nada assustador enquanto ainda estava de joelhos.
Enquanto eu exibia um sorriso convencido, uma voz cheia de angústia de repente chegou aos meus ouvidos.
— Mes...tre... Socorro...
Olhei para o lado.
Tino estava deitada no chão. Parecia que uma força gravitacional considerável estava agindo sobre ela. Sua voz tremia, e seus membros estavam grudados no chão, se contraindo espasmodicamente.
Isso estava completamente fora das minhas expectativas.
Um dos capangas de Arnold, subjugado pela gravidade, resmungou em tom acusatório:
— A-Aaté... sua...companheira...? Você... demônio... Ugh...
— Espera, espera! Desculpa. Foi mal.
Apressadamente, estendi a mão para Tino, que chorava no chão.
Na verdade, o Comando do Tirano determinava seu alvo com base na força da mana absorvida. Tanto eu, como usuário, quanto qualquer coisa que eu tocasse, ficávamos isentos do efeito, mas fora isso, era indiscriminado, desde que o alvo fosse um Caçador razoavelmente habilidoso. Ele também tinha um alcance bem amplo, então, embora não houvesse ninguém por perto à vista, provavelmente havia vários Caçadores por aí sendo esmagados pela gravidade agora.
Foi mal. Não mata ninguém, então por favor me perdoem.
Tino, finalmente livre da gravidade, cambaleou ao se levantar. Como uma pequena compensação, ofereci meu ombro para apoiá-la.
Ela estava em frangalhos e completamente bagunçada, mas não parecia ter ferimentos graves. Sua tosse intensa provavelmente era resultado dos danos que Arnold havia causado. Talvez já fosse tarde demais para ela se recuperar disso... Acho que devo compensá-la com algo doce depois.
— Bem, Arnold, já se acalmou?
— M-Merda. Isso... é ridículo. Por que um Magus do seu calibre—
— Eu não sou um Magus, no entanto. Enfim.
— Hã?!
Agora vinha o verdadeiro dilema: eu só tinha restringido os movimentos de Arnold, e nada mais.
Por mais impressionante que fosse em termos de poder, precisão e alcance, infelizmente, a magia de gravidade que Lucia tinha imbuído não durava muito. Durante esse curto intervalo de tempo, eu precisava, de alguma forma, acabar com o espírito de luta de Arnold e seu grupo.
Arnold, Eigh e o restante da sua equipe, apesar de estarem de joelhos e com as mãos no chão, ainda não haviam perdido a determinação. Cada um deles me olhava com olhos brilhando como feras famintas.
— Parece que eles ainda não desistiram.
— Não sabem a hora de desistir — ela tossiu com dificuldade. — Eles não entendem a diferença entre o seu poder e o deles... Mestre... Ah, obrigada pela massagem. Meus ombros já estão bem.
— Ora, ora, você se esforçou bastante agora há pouco, então deixe-me continuar um pouco mais com a massagem.
Sem contato físico comigo, a gravidade logo faria seu efeito sobre ela. Tudo o que eu podia fazer era operar a Relíquia e lançar o feitiço exatamente como estava. Lucia talvez fosse capaz de personalizá-lo no momento para excluir certas pessoas, mas isso estava além de mim.
Talvez por ter decidido me bajular, Tino se desculpou levemente, me agradeceu e se apoiou em mim.
Seu corpo delicado era surpreendentemente leve, tão leve que era difícil imaginar que ela tinha enfrentado Arnold em combate. Talvez fosse um pouco tarde para isso, mas agora comecei a me sentir um pouco enjoado — jogar uma garota como ela no chão não parecia uma ação muito apropriada para um Caçador de Nível 7.
Apesar de eu ter forçado várias tarefas para Tino, parecia que ela ainda não tinha desistido de mim.
Suspirei e, me sentindo exausto do fundo do coração, olhei para Arnold.
Eu não estava mais usando honoríficos com ele.
— Arnold, desculpa, mas eu tenho preparativos a fazer para o leilão e outras coisas. Estou bem ocupado e, sinceramente, não tenho tempo para lidar com vocês. Perdão, tá bom?
— !
Arnold rosnou com uma expressão demoníaca. Talvez tenha mordido a língua, pois uma gota de sangue escorreu do seu queixo.
Eu não tinha tempo para lidar com eles e, além disso, já tinha acabado meu estoque de Ordens do Tirano, que eram necessárias para enfrentá-los. Até mesmo Lucia, que tinha imbuído o feitiço, não estava por perto.
Droga. Se ao menos Sven, Ark ou qualquer outro estivesse aqui...
Foi então que tive uma grande ideia.
— Bem, hmm... mas, se vocês ainda insistem em lutar comigo depois de tudo isso, então vamos estabelecer alguns pré-requisitos.
— Pré-requisitos?! — repetiu Arnold.
Eu não estava exatamente em posição de impor condições, mas parecia que isso poderia funcionar de alguma forma.
Com uma expressão muito séria, olhei para os membros da Névoa Caída, que ainda estavam no chão.
Com ousadia, declarei:
— Eu sou o mestre da Primeiros Passos. Seria sem sentido lutar contra o chefe logo de cara. Então, se quiserem me enfrentar, primeiro terão que superar algumas etapas. Entenderam? Se querem trocar golpes comigo, primeiro devem derrotar os principais grupos que formam nosso clã: Cruz de Obsidiana, Luz das Estrelas, Ark Bravo e Cavaleiros da Tocha! Quando conseguirem isso, então, sim, eu considerarei lutar contra vocês de igual para igual.
E antes que Arnold e sua equipe, ainda presos ao chão, pudessem reagir, peguei a mão de Tino e fugi dali.
Eu era fraco. Mas, apesar disso, ainda era um Nível 8. Já era caçador há cinco anos e tinha aprendido a entender um pouco da mentalidade de delinquentes: eram fortes e valentes, não se importavam com os problemas que causavam ao redor e, acima de tudo, adoravam desafios difíceis.
Voltamos para o beco e, quando Arnold e seus capangas finalmente sumiram de vista, Tino perguntou timidamente:
— Hm, M-Mestre... Tem certeza de que isso foi uma boa ideia?
— Foi. Mais importante, você está bem?
— S-Sim, estou bem, Mestre. M-Mas... me desculpe por não ter correspondido às suas expectativas.
— Ah, não se preocupe com isso. Foi só um erro meu ao avaliar a situação.
Sabe, eu realmente não consigo perceber a diferença quando as pessoas ficam fortes demais...
Eu ainda conseguia notar a diferença de força entre Liz e Tino, mas não conseguia distinguir muito bem quando se tratava de oponentes como esses, especialmente porque eram de classes diferentes.
Ele foi astuto ao segurar seu verdadeiro poder para parecer que estava perdendo!
Tino hesitou por um momento e depois apertou os lábios com força, como se estivesse segurando as lágrimas.
Será que está chateada com seu mestre tolo?
No fim das contas, embora Arnold fosse a raiz do problema, eu estava desapontado com Sven por ter abandonado seus companheiros. Bom, ele não tinha obrigação de ficar, mas eu apreciaria se ele não atormentasse nossa Tino assim.
— Não se preocupe. Sven vai ficar feliz em lutar.
De qualquer forma que se olhasse, ele me deixou, seu mestre de clã, completamente indefeso. Com certeza, ele aceitaria de bom grado levar a pior dessa vez... provavelmente.
Nosso clã era super talentoso. Mesmo que Arnold fosse um Nível 7, não havia como ele chegar até mim.
— Todo mundo no Ark Bravo e na Luz das Estrelas é forte e sedento por batalha. Se der alguma coisa, eles vão adorar a oportunidade de mostrar sua força... provavelmente.
Enquanto eu falava despreocupadamente, Tino piscou repetidamente e então, com uma expressão um tanto desanimada, disse:
— Mas, Mestre... O último grupo que mencionou, os Cavaleiros da Tocha, não estão em uma expedição de longo prazo? Eles não estão na capital...
— Ah, é mesmo? Eu tinha esquecido completamente disso!
— Mestre...
Tino me lançou um olhar confuso enquanto eu falava com um tom indiferente.
Uma expedição? Eu não fazia ideia. Bom, se eles quiserem lutar comigo, boa sorte tentando encontrar os Cavaleiros da Tocha!
Os Cavaleiros da Tocha eram um grupo particularmente peculiar, mesmo entre os caçadores. Priorizando a disciplina, sua estrutura era mais parecida com a de uma unidade militar do que com a de um grupo de caçadores. Eles viajavam pelo mundo aceitando pedidos em diversos países, como mercenários. Retornavam à capital apenas algumas vezes ao ano.
— E isso não é problema meu. Afinal, eu só disse que vou “considerar lutar com eles de igual para igual” se realmente derrotarem todas as quatro equipes! Eu não disse que vou lutar! Eu só disse que vou considerar!
E se realmente derrotarem as quatro equipes, podem se autoproclamar os mais fortes o quanto quiserem.
Já havíamos percorrido uma boa distância, então soltei a mão que estava segurando.
Com gestos animados, disse: — Quero dizer, estou ocupado e não tenho tempo para eles. Sem contar que o leilão está prestes a começar também!
— S-Sim... claro, Mestre. Há algo especial nesse leilão?
— De qualquer forma. Estávamos indo buscar algo doce antes de sermos interrompidos, então por que não vamos buscar agora?
—?! Mestre...
Tino parecia bem também, e se deliciar com algo doce era o melhor jeito de lidar com problemas como esse.
Ao ouvir minhas palavras sinceras, Tino fechou os olhos em silêncio e, então, olhou para mim como se tivesse tomado uma decisão.
— Mestre, ainda não consigo superar ter mostrado um lado tão vergonhoso de mim — não posso ir com você buscar algo doce!
Sua expressão se contorceu de angústia, seus ombros expostos e membros esguios tremendo.
Fiquei boquiaberto ao olhar para Tino, que irradiava a aura de uma donzela em apuros. Vendo-a daquele jeito, não pude evitar sentir vergonha por ter enviado minha aprendiz contra um Caçador de Nível 7 e, além disso, não ter me sentido particularmente culpado.
— Você não precisa se sentir mal por iss—
— Não, Mestre! Eu— Eu— Se eu continuar dependendo da sua bondade, me tornarei uma inútil!
Oi. Quem está falando aqui é o “Mestre” que depende excessivamente da bondade de todos e atualmente está caindo na inutilidade no tempo presente contínuo.
— Mestre, por favor! Me dê uma chance! Me dê uma chance de me redimir!
Embora já estivéssemos longe da rua principal, ainda havia um bom número de transeuntes. Toda a atenção agora estava voltada para a voz alta de Tino.
— Ei, ei, ei, fala baixo...
— Diga-me quais tesouros deseja, Mestre! Apenas observe, e eu trarei as Relíquias de volta, custe o que custar, e pagarei sua dívida! — gritou Tino.
Lágrimas surgiram nos cantos de seus olhos, e suas bochechas estavam coradas de empolgação. Claramente, ela não estava nada calma.
Perder para Arnold bem na minha frente realmente a deixou tão frustrada assim?
— Certo, certo, entendi. Se acalma!
O jeito como ela gritou fez parecer que eu estava sobrecarregado por uma dívida enorme... Bom, eu estava.
Em resposta às minhas palavras, o fervor de Tino diminuiu ligeiramente.
Tino deu um passo à frente, segurou ambas as minhas mãos e, com um rubor profundo no rosto, hesitante, disse: — E, Mestre... se— por acaso— eu conseguir trazer as Relíquias como espera... você poderia... hã... me... me recompensar...?
Uma recompensa...? Será que há algo específico que ela quer?
Talvez devido ao nervosismo, o rosto de Tino ficou vermelho até a ponta das orelhas. Eu podia sentir sua energia interna sendo transmitida através de nossas mãos entrelaçadas.
Agora que penso nisso, já pedi a ajuda dela inúmeras vezes, mas essa era a primeira vez que ela solicitava uma recompensa. Considerando suas contribuições passadas, não havia nada de errado em dar uma ou duas recompensas mesmo que ela não tivesse pedido; embora eu tivesse a sensação de que Tino provavelmente não aceitaria.
Depois de refletir um pouco enquanto olhava para o rosto de Tino, assenti levemente.
***
Ela sentia uma ardência feroz dentro de seu corpo. Um calor tremendo subia de seu coração, percorria todo seu corpo e propagava uma força explosiva para seus membros.
“Sombras Confinadas” era o nome de uma técnica de combate inventada há muito tempo. Tinha sido um último recurso desesperado, utilizado pela primeira vez por um Ladino fraco, cujas habilidades ofensivas só serviam como suporte em combates contra espectros.
Era um treinamento intenso do corpo. A combinação de foco mental e uma técnica de respiração única concedia aos Ladinos que a dominavam uma “velocidade” como se suas próprias vidas estivessem em chamas.
Velocidade era poder, e a essência desse poder transcendia meros aumentos de evasão: punhos impulsionados por um equilíbrio superior e uma aceleração que superava até o som eram capazes de estilhaçar espectros e monstros — como uma tempestade negra.
Dentro dos amplos campos de treinamento subterrâneos da casa do clã, reinava o silêncio, exceto pelos ecos incessantes de membros cortando o ar e objetos duros retinindo contra metal.
Uma dessas vozes era a de Sombra Partida.
Ela vestia um traje que não atrapalhava em nada seus movimentos e um par de botas prateadas robustas cobrindo metade de suas pernas.
Do outro lado da arena, diante dela, estava um boneco de metal negro, projetado para se mover apenas em suas articulações.
Envolta em um calor fervente, Liz lançou uma sequência de ataques em silêncio. Varria os pés do oponente, derrubava-o e o pisoteava. Erguia-o e o arremessava ao chão com o calcanhar da mão. Fumaça gerada pelo atrito subia do piso, mas ela não parava.
Sua implacável barragem de golpes já teria extinguido a vida de seu oponente há muito tempo, caso fosse uma criatura viva.
O boneco de metal era, sem dúvida, apenas um boneco. Não podia ser manipulado como um golem, nem possuía qualquer consciência — era meramente um pedaço de metal.
Não era apenas uma casca vazia; era preenchido com metal até o núcleo, e seu exterior era revestido com uma liga especial, tornando-o excepcionalmente pesado e inquestionavelmente resistente. Graças a esse revestimento, possuía uma resistência extremamente alta tanto a ataques mágicos quanto físicos, assim como o golem outrora conhecido como Akasha. Embora não tivesse os mecanismos para se mover como Akasha, ao menos em termos de durabilidade, estava à sua altura.
Cada um de seus golpes carregava uma aura de letalidade. Ela socava e chutava o boneco, repetidamente arremessando-o ao chão e contra as paredes.
A uma curta distância do campo de batalha, Sitri observava o frenesi da irmã com um caderno na mão.
— Liz, eu já te disse que isso não vai acontecer! Desista, vai? A durabilidade dele foi ajustada para suportar seus ataques.
— Cala a boca. Siddy! Eu. Estou. Treinando. Então cala a boca! E prepara o próximo!
— Ah, qual é! Eu também não estou livre!
Sitri fez um biquinho, mas Liz não lhe deu sequer um olhar.
A filosofia por trás do design de Akasha era simples: ela havia sido criada para superar os Grieving Souls e apenas eles.
Depois de explorar ao máximo o conhecimento tecnológico, os recursos financeiros e as conexões da Torre Akáshica, o colossal golem tornou-se o fruto de anos de pesquisa incansável, baseada em uma vasta quantidade de dados. Ele já havia ultrapassado há muito tempo o nível dos golems comuns.
Tudo começou com mera curiosidade, mas com o tempo, Sitri ficou profundamente envolvida na criação e aprimoramento de Akasha.
Foram tempos maravilhosos. Mesmo agora, ao recordar os dias de pesquisas incessantes, cheias de tentativas e erros, Sitri ainda sentia o coração disparar de empolgação.
Nascida de uma obsessão que beirava a loucura, Akasha ultrapassou completamente os limites da tecnologia golem de ponta.
Igualar-se ao poder dos Grieving Souls, mestres de habilidades únicas, não foi uma tarefa fácil. Não havia atalhos; Akasha foi o resultado de testes repetitivos e aprimoramentos contínuos.
Criada para um propósito singular, Akasha foi construída com uma capacidade tão elevada que poderia ser considerada a inimiga natural dos Grieving Souls: possuía um escudo forte o suficiente para resistir aos golpes de Luke, capacidade de sustentação de combate como a de Ansem, conhecido por sua força muscular e resistência excepcionais, além de um sistema sofisticado de análise de informações quando operada por um humano. Além disso, estava equipada com uma espada personalizada para ataques de longo alcance.
O maior investimento de Sitri foi no desenvolvimento do corpo do golem. Para que Akasha fosse uma ameaça real aos Grieving Souls, seu metal precisava ser resistente o bastante para suportar a magia de Lucia, cuja área de efeito era praticamente impossível de evitar, e os golpes de Liz, rápidos demais para serem bloqueados com um escudo. Foi nesse aspecto que Sitri investiu a maior parte dos recursos, sem ceder às advertências de seu mentor ou até mesmo de superiores mais influentes.
Sua irmã, Liz, possuía um talento genuíno. Ela dominou uma técnica que, dizem, levaria anos para aprender, e agora era reconhecida por esse nome como seu título. Seus golpes eram livres de hesitação e medo, exibindo um poder muito além de sua capacidade física.
Ainda assim, Liz era inegavelmente humana—seus punhos não foram feitos para esmurrar pedaços maciços de metal. Enquanto o treinamento avançava, seus punhos cerrados ficaram ensanguentados, provavelmente com alguns ossos quebrados sob a pele machucada.
A cada rajada de vento, o sangue pingava e manchava o chão, mas sua determinação não mostrava sinais de enfraquecimento. Ela deveria estar sentindo dor, mas era impossível dizer apenas por seu olhar penetrante.
Estava claro que sua irmã mais velha era uma guerreira e caçadora de primeira classe. E o melhor ainda estava por vir. Na verdade, as habilidades físicas de Liz haviam melhorado consideravelmente desde que Sitri começou a desenvolver o corpo de Akasha. Claro, Sitri levou esse crescimento em conta. Ainda assim, ela não permitiria que Liz destruísse o golem em que trabalhou por anos só por conta disso. Sitri não tinha intenção de abrir mão de sua supremacia sobre Liz tão cedo.
Suas antigas conexões com a Torre Akáshica, que antes eram extremamente úteis, agora já não existiam mais.
— Isso é difícil demais! Isso é um inferno! Droga! Eu consigo socar esse pedaço de armadura! Nem estou usando minha técnica secreta!
— Ladinos nem têm técnicas tão poderosas assim...
E, para começo de conversa, havia algo fundamentalmente errado em tentar vencer esse golem em um combate corpo a corpo e desarmado.
Franzindo a testa de frustração, Sitri continuou anotando rapidamente em seu bloco de notas.
O treinamento intensivo de Liz era uma oportunidade valiosa para coletar dados.
Os Grievers cresceram juntos através da rivalidade mútua. Considerando a possibilidade de que a armadura de Akasha fosse violada, Sitri não podia se dar ao luxo de ficar acomodada. Ela precisava planejar o próximo passo—a força de um Alquimista estava nos "aprimoramentos".
Então, Liz, que não dava sinais de desacelerar, parou de repente. O boneco de treinamento, que ela estava arremessando de um lado para o outro, desabou no chão.
Ofegante, Liz olhou para Sitri. Seus olhos estavam vermelhos, seu rosto queimava de calor. Ainda suava, mas seus passos continuavam firmes.
— Siddy, quebrou. Me traz o próximo!
Suspirando profundamente, Sitri se virou para o boneco abandonado.
Não havia dano visível. Embora a liga metálica especial estivesse manchada com o sangue de Liz, permanecia quase intacta. Mas, ao olhar mais de perto, ela percebeu rachaduras visíveis na articulação do cotovelo direito. Para garantir mobilidade, as articulações eram inevitavelmente mais frágeis do que as áreas ao redor.
O produto final, Akasha, mitigou esse problema com múltiplas camadas de armadura protetora sem comprometer os movimentos, mas havia limites para o que podia ser feito com esse boneco de treino.
— Não dá pra melhorar isso um pouco?
— Para de reclamar! Já é incrivelmente difícil produzir esse metal!
Já fazia um tempo desde que as pesquisas sobre golems na Torre Akáshica foram encerradas. Os materiais estavam praticamente esgotados, e só com os recursos da Torre foi possível investir tanto na criação de um golem.
Sitri pegou uma poção reparadora de metal de sua bolsa e derramou cuidadosamente sobre a rachadura. Fios de fumaça se ergueram, e a rachadura desapareceu diante de seus olhos. A resistência do golem havia diminuído um pouco, mas não havia nada que pudesse fazer quanto a isso.
Mesmo que uma articulação se quebrasse, no fim das contas, era apenas um boneco. Isso não deveria atrapalhar o treinamento...
Sem ter ideia dos pensamentos de Sitri, Liz gritou:
— Isso não serve para o meu treinamento. Ei, me traz aquele grandalhão irritante! Agora!
— Eu não posso fazer nada quanto a isso... Você sabe como o Bureau de Investigação dos Cofres é cheio de gente rígida...
Sitri achava a situação extremamente lamentável. O golem tinha sido sua obra-prima, um testemunho de sua rivalidade mútua. Mais importante do que suas especificações avançadas, ele carregava memórias.
Originalmente, ela planejava recuperá-lo quando se separasse da Torre Akáshica em bons termos. No entanto, considerando como tudo havia acontecido, não havia muito que pudesse fazer a respeito. Ela detestava a ideia de sua obra-prima sendo adulterada por Alquimistas incompetentes, mas seu apelido, "Ignóbil", era um empecilho quando se tratava de lidar com organizações afiliadas ao governo.
— Se nem o Krai conseguiu fazer nada a respeito, não tem nada que eu possa fazer para mudar isso, né?
No exato momento em que Sitri soltou essas palavras resignadas com um suspiro, a fúria de Liz se dissipou.
— Então, deixando de lado esse assunto inútil, quanto custaria se você fizesse outro? Eu também posso contribuir um pouco.
O temperamento de Liz, que subia e descia drasticamente, era uma de suas características marcantes. Ela podia ser egocêntrica e explosiva, mas não era tola.
Afastando a franja ensopada de suor de forma aparentemente irritada, ela soltou uma respiração quente.
— Se continuar assim, o Krai Baby vai achar que estou criando um ponto fraco para ele, não vai? Você entende o que quero dizer? Isso é uma questão de orgulho! Não posso simplesmente deixar passar!
— Eu tenho os planos na cabeça, mas estou um pouco sem grana no momento. Além disso, estive fornecendo poções a preço de custo para outra questão, então pode levar um tempo...
Sitri não era uma comerciante. A maior parte de seus bens estava investida em equipamentos e materiais valiosos. Seu estoque de poções era abundante, mas não do tipo que pudesse ser vendido em grandes quantidades de uma só vez. Transformá-las em dinheiro levaria tempo.
Recriar Akasha não era impossível para Sitri. Com Noctus e o resto da equipe fora de cena, se ela não retomasse a pesquisa, o desenvolvimento daquele golem nunca recomeçaria. E isso seria profundamente decepcionante para ela, como sua criadora.
Mas, ao mesmo tempo, Sitri sentia que havia chegado ao seu limite. Ela havia relatado ao seu mentor que Akasha fora criado para segurança, mas, na realidade, o verdadeiro propósito era servir como alvo de treinamento para os Grieving Souls. E, ainda assim, esse objetivo continuava inacabado.
Embora Akasha fosse uma criação notável considerando a tecnologia moderna de golems, ele não passava de um brinquedo quando comparado aos seus atuais companheiros de equipe. Ele podia resistir contra alguém de baixo poder de ataque como sua irmã mais velha, mas mesmo assim não conseguiria dar o golpe final. E, se fosse colocado contra os atacantes do grupo, Luke e Lucia, talvez pudessem até perfurar sua armadura, que já havia sido projetada considerando o crescimento futuro deles.
O mais importante era que Akasha tinha uma fraqueza fatal: sendo uma construção inorgânica, ele não podia crescer absorvendo material de mana como humanos e monstros. Só poderia se tornar o mais forte através de atualizações constantes baseadas em um acúmulo de conhecimento e tecnologia superiores. Mas havia limites para o que um único indivíduo podia alcançar—afinal, Sitri era uma caçadora de tesouros antes de ser uma pesquisadora.
Talvez o golem devesse ter sido criado com material vivo. Matadinho era o auge de suas criações até aquele momento, embora, em seu estado atual, ela provavelmente pudesse criar criaturas mágicas ainda mais poderosas.
Para acompanhar os Grieving Souls, que avançavam rapidamente, como sua Alquimista, ela precisava buscar alturas ainda maiores. Recusava-se a se tornar um peso para sua equipe por causa de suas próprias deficiências.
Com esse pensamento, sua atenção naturalmente se voltou para os materiais promissores vindos do exterior. E então, Sitri se lembrou de algo que os caçadores dos Passos haviam mencionado antes.
— A propósito, ouvi dizer que Arnold tentou atacar Krai, e que o T enfrentou ele.
— Hm? Como é que é? O Krai Baby é tão exigente! Isso não seria demais para a Tino vencer?
Os olhos de Liz se arregalaram no início, mas logo sua voz assumiu um tom sutilmente animado.
Aquele homem era consideravelmente poderoso como caçador, e absolutamente qualquer caçador deveria ser capaz de reconhecer isso à primeira vista: ele não era apenas um caipira qualquer.
No entanto, Liz provavelmente estava mais satisfeita só porque ouviu que sua aprendiz, Tino, havia enfrentado esse adversário formidável por vontade própria. Os Grieving Souls sempre enfrentavam inimigos assustadores; era gratificante para Liz ver um vislumbre desse espírito em sua fofa discípula e irmãzinha. Mesmo que ela tivesse sido derrotada—ser derrotada não era problema—o desespero era o que fazia as pessoas crescerem.
— Então, como foi?
— No fim, Tino levou uma surra feia, e o Krai finalizou tudo com magia gravitacional.
— Ah, você quer dizer aquela "Ordem do Tirano" da qual a Lucia vive reclamando? Esse feitiço era ridiculamente exagerado, mas ridiculamente poderoso — disse Liz com admiração, entendendo imediatamente sua intenção.
Lucia Rogier era uma pessoa diligente. Além de ter assumido a responsabilidade de carregar as Relíquias, ela vinha dominando vários tipos de magia para atender às exigências frequentemente absurdas que lhe eram impostas desde que Krai adquiriu o Aspiration Manifest. Ela havia se aprofundado em uma ampla variedade de feitiços, desde os amplamente conhecidos até aqueles que caíram no esquecimento por serem praticamente inúteis. Seu conhecimento abrangia muitos feitiços que superavam até mesmo a expertise de pesquisadores especializados.
Além disso, quando se tratava de feitiços originais, os oponentes certamente se viam perdidos para entender o que os havia atingido. Isso era ainda mais agravado pelo fato de que, ao lançar esses feitiços através do Aspiration Manifest, nem mesmo era necessário entoar encantamentos.
O clima de treinamento havia mudado.
Instruindo Matadinho, que estava por perto, a arrumar o boneco golem, Sitri perguntou:
— E então, Liz? Talvez seja melhor esmagar Arnold e seu grupo?
A força do Crashing Lightning era real. Se os Grieving Souls estivessem com o grupo inteiro reunido, o Crashing Lightning não seria páreo, mas, do jeito que as coisas estavam, havia uma pequena chance de que esse fator tornasse o resultado imprevisível.
Sitri Smart era naturalmente uma pessoa preocupada.
No entanto, em resposta às palavras de sua irmã mais nova, Liz respondeu sem pensar muito: — Hmm, não podemos simplesmente deixá-los em paz? Mas vou matar todos eles se o Krai Baby mandar. Eles foram os que derrotaram a T, certo? Matá-los antes que a T tenha sua vingança não vai ajudá-la, vai?
— Ai, Liz, não use o cartão de mentora só porque a T foi bem na luta!
Se Tino tivesse hesitado e recuado em vez de enfrentá-los, Liz teria matado Arnold e dado uma surra nela na hora.
Em resposta às palavras exasperadas de Sitri, Liz sorriu complacente e disse: — Ponto pra mim! Vou garantir que seja elogiada desta vez.
— Foi a T que se esforçou, não foi...?! Se for o caso, deveríamos elogiar a T…
— As conquistas da T são minhas conquistas! Se você tem um problema com isso, por que não fala com o Krai Baby, que fez da T minha aprendiz?
Às provocações de sua irmã mais velha, que carregavam um toque de zombaria, Sitri retrucou com uma expressão irritada.
A Ordem do Tirano de Krai era uma carta na manga de uso único. Ele não poderia usá-la novamente caso fosse atacado.
Sitri sabia disso, mas não estava preocupada. Liz também não parecia preocupada. Se fosse pedido a elas, dariam suas forças, seus corpos e suas almas para ele. Escutariam qualquer preocupação que ele tivesse; forneceriam tanto dinheiro quanto ele precisasse. No entanto, oferecer sem ser solicitado seria um insulto ao orgulho dele.
Isso era confiança.
Claro, Arnold podia ser forte e Krai talvez não fosse tão poderoso assim, mas independentemente disso tudo, Krai Andrey não perdia. Sitri, amiga de infância dele, sabia disso muito bem.
Afinal, esta era Zebrudia, a capital — o playground de Krai Andrey.
O Relâmpago Devastador estava prestes a aprender a essência do Mil Truques.
Tradução: CarpeadoPara estas e outras obras, visite Canal no Discord do Carpeado – Clicando Aqui
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