Nageki no Bourei wa Intai shitai | Let This Grieving Soul Retire Volume 03 – Capítulo 1 [Os Poderosos e os Poderosos]



Em um canto da capital, Arnold Hail e seus companheiros de grupo se reuniram em um quarto de uma estalagem frequentada por caçadores.

Cinco a seis membros era geralmente considerado o tamanho ideal para um grupo típico, mas Nevoeiro Caído era um grupo de oito homens, com cinco na linha de frente e três na retaguarda. A maioria deles havia sido atraído pela reputação de Arnold.

Sua terra natal, Nebulanubes, a Terra das Névoas, possuía um ambiente muito mais traiçoeiro do que Zebrudia. A estação chuvosa dominava a maior parte do ano, e havia apenas alguns dias de céu limpo. Na neblina densa e sempre presente, o mal proliferava, e mesmo dentro da cidade, não se podia sentir completamente seguro devido aos monstros que se infiltravam sob a cobertura da neblina. Comparado ao seu lar, a capital de Zebrudia era como um paraíso.

— Droga. Aquela garota tratou o Arnold como se ele fosse um caipira qualquer. O Matador de Dragões e portador de um epíteto chegou, mas ela não mostrou um pingo de respeito! — disse um dos membros, batendo na mesa com raiva.

O que lhes veio à mente provavelmente foi a garota que estava sentada atrás do balcão da Associação dos Exploradores. Como se esperava da famosa capital, ela era de fato uma mulher brilhante com um rosto notavelmente bem-apessoado. Apenas por isso, a Terra das Névoas simplesmente não podia se comparar à capital.

No entanto, por mais que ela tivesse um semblante afável, suas palavras careciam do respeito e reverência que se esperava para caçadores de alto nível. Se ela não conhecesse as conquistas de Arnold, isso até seria compreensível, mas ela já sabia seu nome antes mesmo de mencioná-lo. Ficou claro que ela simplesmente os subestimou.

— Bem, é assim que as coisas são; afinal, somos estrangeiros — disse Eigh, o capanga e vice-líder de Nevoeiro Caído, calmamente. — O que. Logo vamos calar a boca dela com nossas habilidades. Ver o rosto dela se contorcer de espanto será satisfatório.

Nesta era, considerada o auge dos caçadores de tesouros, as notícias sobre caçadores de alto nível se espalhavam rapidamente. Embora a chegada de caçadores poderosos fosse vista como uma oportunidade para as cidades fortalecerem suas forças, isso também significava que o território dos caçadores locais seria perturbado. A essa altura, os caçadores mais sensatos já deviam ter ouvido falar da chegada de Arnold e estavam em alerta.

O grupo de Arnold tinha duas escolhas diante de si: podiam reconhecer seu status como recém-chegados e se submeter aos mais fracos, ou podiam silenciá-los com sua própria força. Mas, na realidade, era como se não houvesse escolha. Conhecer seu lugar e se curvar para os inferiores era um ato de fraqueza, e isso não era algo que um herói como Arnold, o Matador de Dragões, faria. Portanto, havia apenas um caminho: sufocar a concorrência pela força e demonstrar seu valor por meio de sua proeza. Afinal, essa era a opção mais simples e preferida pelos caçadores, que eram, em grande parte, passionais e meritocráticos. E, de fato, esse era o objetivo de Arnold ao vir para essa capital—adquirir ainda mais poder e ganhar ainda mais renome.

Arnold era um caçador de Nível 7 com um epíteto, e alguns caçadores podiam não ter coragem de enfrentá-lo com base apenas nisso. Mas tudo bem. Arnold não tinha interesse nos fracos. Os adversários que ele buscava devorar eram os fortes da capital. Ele precisava fazer com que os caçadores da capital soubessem, o mais rápido possível, que o herói de Nebulanubes era digno de ser reconhecido como tal—e não apenas um caipira qualquer—também em Zebrudia.

— Mas, Arnold, esta capital realmente faz jus à sua reputação como a terra santa dos caçadores de tesouros. Há uma abundância tanto de cofres de tesouro quanto de caçadores com epítetos por aqui, diferente da Terra das Névoas — disse Eigh com um sorriso astuto, colocando sobre a mesa a lista de cofres de tesouro e a lista de caçadores de alto nível com epítetos que residiam na cidade, que haviam recebido na Associação dos Exploradores.

Embora o ambiente da Terra das Névoas fosse cruel e os monstros ali fossem problemáticos, o número de cofres de tesouro na região era escasso. A qualidade dos caçadores em uma região era diretamente proporcional ao número de cofres de tesouro que ela possuía.

— O Inferno Abissal, a Tempestade Prateada... Esta é uma seleção de peso de caçadores renomados. E também há nomes que eu nunca ouvi falar. Isso é melhor do que imaginei. — Com isso, um sorriso profundo surgiu no rosto de Arnold.

Dentre esses caçadores, podiam haver guerreiros capazes de rivalizar com Arnold, que havia reinado supremo na Terra das Névoas. Enfrentar duelos de vida ou morte contra oponentes formidáveis era exatamente o que fazia a alma de Arnold arder.

— Parece que vamos nos divertir um pouco.

— Por onde deveríamos começar? Quero dizer, talvez seja melhor coletarmos algumas informações sobre essa capital primeiro — disse o fiel capanga, exibindo um sorriso predatório.

— Somos recém-chegados a esta terra, e devemos liberar nossos espíritos selvagens e fazer uma entrada marcante. Essa é a forma dos caçadores, pois é ao exibir nossa coragem que gravamos nossos nomes em suas memórias. Vamos mostrar aos caçadores desta terra nossa verdadeira força. Ah, que doce expectativa eu tenho de ver a expressão daquela recepcionista quando nossos caminhos se cruzarem novamente!

***

As coisas não vinham dando certo para mim ultimamente.

A sorte de uma pessoa subia e descia. Quando pegavam a maré certa, tudo fluía sem esforço, mas quando a maré virava, até os menores deslizes levavam a consequências desastrosas.

A questão mais urgente no momento era recarregar meus Artefatos. Para falar a verdade, meu plano original era esperar Lucia, que sempre os recarregava para mim, voltar. No entanto, se Luke tivesse começado seu treinamento no fundo do cofre do tesouro, levaria um tempo até que ela retornasse.

A maioria dos meus Artefatos estava sem mana, e até metade dos meus Anéis de Segurança estava descarregada. Minha única carta na manga era um único Artefato que Lucia havia infundido com magia. Mas, ao contrário dos Anéis de Segurança, ele não podia ser usado para autodefesa.

Eu não podia simplesmente ficar esperando ser morto pelo Devorador de Malícia—seria um destino patético até para mim. Mas o problema persistia: como eu poderia recarregar mais de quinhentos Artefatos?

Recarregar Artefatos era, de fato, um grande fardo para os caçadores. Esses poderosos artefatos exigiam quantidades imensas de mana, proporcionais ao seu nível de poder. Um caçador comum geralmente conseguia recarregar apenas um ou dois Artefatos, enquanto até os Magos mais experientes, com grandes reservas de mana, atingiam seus limites após recarregar apenas cinco ou seis.

Aqueles que esgotavam sua mana eram atingidos por um cansaço avassalador, tão intenso que podiam até perder a força para ficar de pé. Pior ainda, se não estivessem acostumados com o processo, podiam até desmaiar no ato—por isso, a exaustão de mana dentro dos cofres do tesouro era uma das coisas mais perigosas para um caçador.

Por essa razão, os caçadores geralmente não possuíam muitos Artefatos. Afinal, havia um limite para quantos Artefatos se podia recarregar, mesmo contando com a ajuda dos Magos do grupo. Além disso, os próprios Magos precisavam de mana para conjurar feitiços, o que os deixava com pouco a oferecer.

Embora a mana fosse naturalmente restaurada com alimentação e descanso adequados, ela era um recurso extremamente valioso para caçadores, e muitas pessoas não entendiam isso.

Mesmo assim, os membros do meu clã eram boas pessoas, e eu tinha certeza de que me ajudariam se eu pedisse.

Mas havia um problema: a quantidade.

Se fossem apenas um ou dois Artefatos, eu nem pensaria duas vezes—mas eram mais de quinhentos. Esse número era tão grande que era questionável se até mesmo a maioria dos Magos do clã reunidos conseguiriam fornecer mana suficiente. Nesse sentido, minha irmã mais nova, Lucia, que sempre lidava com essa tarefa, era uma Maga excepcional.

Os Anéis de Segurança, em particular, exigiam uma grande quantidade de mana. Sua habilidade era simples: bloquear qualquer ataque, mas apenas uma vez. Era justamente essa simplicidade que os tornava tão poderosos como Artefatos, razão pela qual todos consideravam tê-los para maior segurança. No entanto, recarregar um Anel de Segurança exigia de cinco a dez vezes mais mana do que um Artefato comum. Era uma quantidade absurda, a ponto de ser um grande desafio até mesmo para um caçador médio recarregar um único anel.

Mas eu não podia deixar de recarregá-los—na verdade, eles eram minha prioridade máxima.

Os Anéis de Segurança eram minha linha de vida.

Sem eles, eu já teria morrido várias vezes nas últimas semanas.

Sentindo uma pressão reconfortante em meus ombros, soltei um suspiro fraco sem pensar muito. Então, virei-me e perguntei:

— Ah... Uh, Sitri, o que eu devo fazer?

— Hã...? Sobre. O quê?! — respondeu uma voz meio sonhadora e febril.

Era Sitri, perguntando, apesar de ainda estar cansada de sua última exploração. E, por alguma razão, ela estava massageando meus ombros.

Eva estava ocupada com o trabalho. No escritório da mestre do clã, só estavam eu, afundado na minha cadeira de sempre, e Sitri, vestindo roupas um pouco mais casuais do que o normal.

Sitri tinha muitos hobbies, e um deles era massagens; em particular, ela gostava de fazê-las, mas não de recebê-las. E devido à sua rotina ocupada, não era sempre que tínhamos tempo juntos. Depois que ela voltava de suas viagens, havia se tornado um costume conversarmos enquanto ela me fazia uma massagem assim.

Ela não apenas resolvia meus problemas como também massageava meus ombros, e ainda por cima eu devia dinheiro para ela... O que isso fazia de mim? Para qualquer um de fora, eu devia parecer um total fracassado.

— Hmm...? E então. Como foi? Gostou? — disse Sitri com uma voz levemente doce.

Seus dedos finos deslizavam pela minha nuca em movimentos circulares, traçando um caminho até os ombros e pressionando firmemente meus músculos nem tão tensos assim. Ela parecia conhecer bem os pontos de pressão. A cada toque firme, uma sensação arrebatadora subia pela minha espinha, me proporcionando um prazer intenso que quase me tirava o fôlego.

Sitri conhecia muito bem o corpo humano. Uma Alquimista não era apenas uma excelente cientista, mas também uma maga e uma médica. Talvez essa massagem também fosse parte de suas pesquisas.

Os membros dos Grieving Souls se davam bem, mas Sitri e eu éramos particularmente próximos. Isso porque, na época do nosso treinamento antes de nos tornarmos caçadores, Sitri teve um desenvolvimento mais lento do que os outros. No fim das contas, a maestria da profissão de Alquimista exigia um vasto conhecimento e equipamentos adequados, o que tornava o crescimento nessa área mais demorado. No entanto, naquela época, Sitri era atormentada por um sentimento de inferioridade, e eu, sem talento e sem rumo, a encorajei. Aparentemente, a grata e leal Sitri ainda se lembrava disso.

Desde então, Sitri sempre demonstrou preocupação comigo, mesmo que já tivesse retribuído esse favor com juros há muito tempo.

E, para ser sincero, era questionável se aquilo sequer podia ser chamado de favor. Afinal, eu não tinha como recusar quando ela dizia pensativa:

— Eu paro se você não gostar...

Certo, vá em frente. Se é isso que você quer, eu serei seu objeto de experimento o quanto quiser.

Pressionando firmemente, ela aplicou força ao longo da minha coluna em movimentos circulares, gradualmente massageando e relaxando os músculos. Apesar de sua aparência esguia, Sitri era forte.

Sua respiração roçou a parte de trás da minha cabeça, perto da minha orelha, enviando arrepios pela minha espinha, e meu corpo esquentou como se estivesse pegando fogo.

Uma voz doce e febril, tingida de excitação, atingiu meu ouvido.

— Mmm...! Você está tão! Duro! Krai. Você é. Incrível—mmm! Aaah...!

Não era nada demais, mas como a situação estava começando a ficar estranha, eu preferia que ela evitasse fazer esses sons suspeitos.

Como diabos uma massagista podia emitir uma voz tão sedutora?! Meus ombros nem estavam tão tensos assim.

Eu suprimia os sons estranhos que quase escapavam por conta do imenso prazer que estava sentindo e me esforçava ao máximo para manter a compostura. Respirando fundo para acalmar meu coração acelerado, me dirigi à mente do nosso grupo, que, por algum motivo, parecia estar operando em alta voltagem.

— Ah... Sobre minhas relíquias, eles vão... ficar perigosamente baixos se eu não recarregá-los em breve.

— Mmm...! — veio a voz aparentemente pungente de Sitri.

De onde saiu isso...?

Infelizmente, esse não era um trabalho para Sitri. Embora Alquimistas fossem uma subclasse de Magos, sua reserva de mana era apenas tão profunda quanto a de um Caçador comum; sua reputação era tão baixa que Alquimistas geralmente eram considerados Magos sem talento. Embora a capacidade de mana dela fosse maior do que a de um Alquimista médio, ainda estava no mesmo nível de um Caçador comum—e sua mana era preciosa.

— Só se eu...! Conseguir modificar! Noctus Cochlear...! Aaah...! — a voz ofegante e sedutora continuou.

Decidi ignorar o que quer que fosse essa coisa perigosa que ela estava falando. Eu não podia reagir a cada pequena coisa assim se quisesse acompanhar Sitri.

Levantando as pontas dos dedos dos meus ombros, Sitri deslizou suavemente os braços para frente, dos lados da minha cabeça, em um movimento de alongamento.

Seus seios pressionaram firmemente a parte de trás da minha cabeça, seios que eram bem maiores do que os da irmã dela, e eu podia sentir seu coração batendo.

Ela tinha que ser muito desavisada, por mais próximos que fôssemos. Embora normalmente não demonstrasse, Sitri tinha um gosto por contato físico, assim como sua irmã, Liz, e, segundo ela, o contato íntimo a ajudava a recarregar sua energia.

Isso nem era mais uma massagem. Seus braços, curvados à minha frente, agora se moviam para apertar meu corpo com força, como se quisessem roubar meu calor, seus dedos finos tremendo como se estivessem resistindo a algo.

Eu não conseguia identificar o cheiro exato, mas havia uma fragrância levemente doce e incrivelmente agradável no ar.

As provocações de Sitri eram tão travessas quanto as da irmã dela. Honestamente, meu coração estava disparado, mas eu resistia com uma força de vontade de ferro.

— Hmm, no pior dos casos, talvez eu tenha que pedir ajuda à Starlight.

Starlight era o maior grupo de Magos em Primeiros Passos, composto por seis membros que eram eminentes até mesmo dentro da capital. Seus integrantes não eram humanos comuns: eles eram Espíritos Nobres, conhecidos por sua aptidão excepcional para a classe de Magos, muito além da dos humanos puros. Eram um grupo de garotas com sensibilidades únicas e, bem, para dizer de forma direta, naturalmente olhavam os humanos de cima para baixo.

E, é claro, também me olhavam de cima para baixo, então era altamente duvidoso que me ajudassem com um assunto tão particular.

Mas espera aí, elas estão na capital?

Sitri soltou um gemido abafado e pressionou suas bochechas coradas contra as minhas.

— Ooh, vamos...! Krai... por favor, não... fale de outras mulheres... quando estamos... fazendo isso...!!!

Fico feliz que ela esteja se divertindo, mas por favor saiba que, se alguém nos visse, quem seria mal-entendido aqui seria eu, ok?

O sussurro de Sitri fez cócegas no meu ouvido.

— Minha irmã não está aqui... Essa é nossa única chance. Vamos... sinta mais de mim...

— É, aham.

Liz viria voando para cá se estivesse por perto, com certeza. Qualquer um que entrasse nessa sala também poderia interpretar a cena da pior maneira possível. Só a voz de Sitri já era completamente inadequada.

E justo quando falei isso, a porta do escritório do mestre da guilda se escancarou violentamente naquele momento inoportuno.

Eva colocou um dedo na testa, suas sobrancelhas franzidas e suas bochechas levemente coradas.

Havia pouquíssimas coisas que poderiam fazer Eva, que geralmente permanecia impassível, exibir uma expressão assim.

Me desculpa mesmo!

— Se não se importam que eu pergunte... o que vocês dois estavam fazendo?

— Como pode ver, estou recebendo uma massagem nos ombros.

Estávamos devidamente vestidos, e nada de errado tinha acontecido entre nós.

— S-Só para deixar claro... esse andar é proibido para Caçadores... — disse Eva, com a voz trêmula, apontando o óbvio. Ela nem tinha levantado tanto a voz, provavelmente porque essa não era a primeira vez.

Me desculpa mesmo!

Light Novel Let This Grieving Soul Retire! Volume 3 08 Online em Português PT-BR

—V-Você não sabe de nada! Por favor, não se intrometa entre Krai e eu!

—Calma, calma. Não precisa jogar lenha na fogueira.

Se Eva ficasse com raiva, quem sofreria era eu. Sitri podia se divertir à vontade, mas esperava que não esquecesse disso.

Dei um leve toque nos braços entrelaçados, e Sitri, entendendo meu gesto, soltou sua pegada a contragosto.

Me levantei e me senti incrivelmente leve. Como se todo o cansaço que restava tivesse sido lavado — e era exatamente por isso que eu não conseguia recusar suas massagens.

Enquanto girava levemente os braços para testar a condição deles, Sitri, com um sorriso tão inocente que ninguém acreditaria que ela tinha acabado de falar de forma sugestiva, disse:

—Que tal uma massagem no corpo inteiro da próxima vez, e não só nos ombros? O que acha?

Hmm... Difícil resistir.

—Tenho uma poção perfeita para isso. Tenho certeza de que... será uma experiência tão prazerosa que você nunca sentiu nada parecido antes.

—Sinto que isso provavelmente faria mais mal do que bem, então acho melhor passar.

Talvez fosse algo natural para Alquimistas, mas sua mania de querer usar poções e agulhas em qualquer oportunidade possível parecia ser um dos poucos defeitos de Sitri.

—Muito bem, por mais que eu não esteja no clima, é hora de recarregar minhas Relíquias. Preparação é essencial, certo?

—Deixe-me ajudar também... já que é parcialmente minha culpa que suas Relíquias ficaram sem mana — disse Sitri. — Tenho uma boa ideia.

Ter Sitri ao meu lado era como ter o poder de uma multidão. Ao contrário de mim, ela possuía poder de verdade.

Pedindo desculpas com um sorriso para a ainda corada Eva, decidi levar Sitri comigo para dar uma olhada no salão.

—A propósito, Sitri, você parece estar bem ocupada ultimamente. Já resolveu tudo?

Caçadores de tesouros excepcionais costumavam desempenhar múltiplos papéis, e meus companheiros de equipe não eram diferentes: Lucia, excelente como Maga; Anthem, mestre na magia de cura capaz de regenerar membros perdidos; e Sitri, versada em todos os tipos de conhecimento como Alquimista, todos recebiam inúmeras propostas de diversas organizações e estavam particularmente atarefados.

As falsas acusações não mudaram a rotina de Sitri; por isso, ela raramente aparecia no salão do clã. Um de seus laboratórios ficava no terceiro andar da casa do clã, então ela ocasionalmente me visitava. No entanto, não era surpreendente que alguns dos membros mais novos do clã não conhecessem seu rosto.

—Ah... na verdade, recentemente perdi meu cargo no laboratório que eu frequentava... — disse Sitri.

—O quê?

Meus olhos se arregalaram ao ouvir aquilo.

Sitri era brilhante — tão brilhante que suas habilidades lhe renderam o apelido de “A Prodígio” na capital.

Eu não conseguia acreditar que ela teria sido demitida de um laboratório, a menos que isso tivesse algo a ver com as falsas acusações manchando sua reputação.

Será que eu deveria pelo menos dizer algumas palavras de conforto como amigo?

—Bem... em vez de ter perdido meu cargo... é mais correto dizer que o laboratório... deixou de existir — ela disse. — É que... poxa vida! Como você sabe, Krai, eu não fui boa o suficiente... Que vergonha!

Enquanto tentava encontrar as palavras certas, as bochechas de Sitri coraram levemente e ela abaixou a cabeça, envergonhada.

Entendi... Então o laboratório ao qual ela pertencia faliu, concluí.

Sitri era uma prodígio, mas não uma deusa; uma Alquimista, mas não uma comerciante. Ou seja, ela não poderia lidar com tudo perfeitamente. Eu não sabia exatamente o que aconteceu, mas parecia que seu laboratório estava em uma situação que não podia ser resolvida apenas com um membro talentoso.

Quanto ao “como você sabe”, eu não tinha certeza do que ela queria dizer com isso; talvez o laboratório de Sitri fosse um nome de peso que eu deveria conhecer.

—Bem, essas coisas acontecem às vezes. O importante é aprender com os erros. Da próxima vez, você com certeza fará melhor — eu disse.

—É, você tem razão.

—Eu posso não entender de alquimia ou de quais laboratórios fecham, mas conheço você, Sitri.

Ela era inteligente, habilidosa, curiosa e trabalhadora — embora um pouco excêntrica —, uma mulher de talento e carisma. Parecia que ela pensava demais nas coisas às vezes, mas talvez fosse apenas porque eu pensava de menos.

—É... você não sabe de nada. Não sabe.

—Se quiser, pode continuar sua pesquisa no laboratório da casa do clã...

—É mesmo?!

Com meu comentário casual, Sitri levantou a cabeça e me encarou intensamente.

Eu disse algo estranho? Seus estudos eram completamente desconhecidos para mim.

Eu não sabia nada sobre suas pesquisas, e provavelmente não entenderia mesmo que ela me explicasse. No entanto, o laboratório espaçoso da casa do clã tinha todo o equipamento de ponta que Sitri mesma reuniu, então não deveria faltar nada nesse sentido. A menos que houvesse outros problemas além das instalações.

Sitri pareceu hesitar por um momento, mas então um doce sorriso surgiu em seu rosto enquanto ela dizia:

—Muito obrigada pela oferta. Mas receio que esses experimentos possam acabar te causando problemas, então vou ter que recusar.

Não precisa se preocupar com isso... era o que eu ia dizer, mas me segurei a tempo.

Sitri e eu não éramos do tipo de amigos que escondiam segredos um do outro. Se ela disse que os experimentos poderiam me causar problemas, então eles realmente deviam ser arriscados o suficiente para isso — e não era meu papel, como leigo, dizer o contrário sem necessidade.

Juntando as mãos, Sitri falou em um tom animado:

—Além disso, vou ficar bem; logo encontrarei outro laboratório. Dessa vez, farei melhor.

—É, sei... Bem, sem pressa. Descansar também é importante para o corpo.

Eu tinha certeza de que Sitri logo encontraria outra oportunidade. Não parecia haver muito que eu pudesse fazer por ela.

No fim, o que eu ofereci não passou de uma tentativa morna de consolo, mas, por algum motivo, Sitri assentiu feliz mesmo assim.

Apesar de ser de dia, o salão estava cheio de rostos conhecidos. Nem todo caçador visitava cofres do tesouro todos os dias. Preparação era essencial para explorar cofres, e os caçadores também precisavam estar em boas condições físicas antes de entrar em um.

O salão servia como um refúgio para esses caçadores; um local onde os membros do clã podiam trocar informações, sem a presença de estranhos. Com refeições e bebidas gratuitas, era um lugar ideal para passar o tempo.

Estreitando os olhos, Sitri olhou ao redor do salão como se estivesse avaliando o ambiente.

—Faz um tempinho que não venho aqui...

Embora nós, os Grieving Souls, ocasionalmente saíssemos para comer juntos, geralmente nunca usávamos o salão, já que alguns de nós tinham a tendência de começar discussões com outros grupos. Claro, nós os impediríamos—era melhor fazer nossas refeições em outro lugar do que criar um clima tenso entre meus amigos, especialmente considerando o quão impulsivo Luke era com sua espada. Essa era uma decisão triste de se tomar.

Um por um, as pessoas no salão começaram a notar minha presença. Alguns exibiam expressões confusas, enquanto outros franziram a testa. Alguns arregalaram os olhos, e outros acenaram para nós.

No meio deles, um homem alto, cercado por vários grupos, exclamou ao nos ver:

— Oh, olha só, é o Krai e a Sitri—que visão rara ver vocês dois no salão. O que os traz aqui?

Era Sven Anger, líder do Obsidian Cross, um dos principais grupos da Primeiros Passos. Ele foi quem reuniu as diversas equipes para investigar as anomalias na Toca do Lobo Branco—um homem muito mais confiável do que alguém como eu. Para um caçador, ele era bastante atencioso e bem acessível, ficando atrás apenas de Ark se considerássemos apenas pessoas de fora do meu grupo.

— Ah. Bom, surgiu um imprevisto... Parece que está bem agitado por aqui. O que está acontecendo?

Pelo que parecia, eles haviam juntado várias mesas e um clima animado, transcendendo os limites dos grupos, havia se formado. Porém, minha chegada parecia ter esfriado um pouco os ânimos. Como o salão não servia álcool, era raro ver uma atmosfera tão festiva ali.

Com uma expressão surpresa, Sven respondeu à minha pergunta:

— Hã... Ah, pode não ser do seu interesse, Krai, mas tem havido alguns rumores ultimamente. Parece que, enquanto estávamos ocupados investigando o incidente, um caçador de alto nível chegou à cidade.

— Ah, isso... Todo mundo parece estar bem preocupado com isso.

— Então você já ouviu? Claro que estamos preocupados, não estamos? Principalmente porque esse novato tem uma certificação de nível parecida com a sua e a minha. Dizem que ele não é exatamente o tipo mais pacífico.

— Eu... não estou completamente desinteressado, mas, sinceramente, não ligo muito.

— Isso é a definição perfeita de ‘desinteressado’. Mas falando sério, você considera um Nível 7 alguém com quem ‘não se importa muito’? CM, você com certeza tem nervos de aço para manter essa expressão tranquila de sempre. Mas, dito isso, não pretendemos ficar parados caso ele resolva arranjar confusão com a gente — disse Sven, expressando um sentimento profundo enquanto fazia um comentário equivocado.

Dei de ombros e forcei um sorriso sem entusiasmo.

Não era que eu tivesse nervos de aço; pelo contrário, meus nervos eram de gelatina. Era por isso que raramente saía da sede do clã: enquanto eu não saísse, não me envolveria em problemas, não importava o quão azarado eu fosse.

Para falar a verdade, eu estava mais preocupado com os leilões do que com um caçador.

— Minha única preocupação é se a Liz vai querer brigar ou não...

— Heh heh heh. Isso com certeza vai acontecer.

Ela era sempre a primeira a arranjar briga... Talvez eu devesse avisá-la com antecedência.

— Então, o que te trouxe aqui, CM, se não está interessado no novato?

— Ah, certo. Eu estava pensando se poderia pedir a alguém para recarregar minhas Relíquias. Tenho um número considerável delas.

— Recarregar Relíquias...? — repetiu Sven, arregalando os olhos e levando a mão ao queixo.

Os outros ao redor também trocaram olhares.

— Normalmente, peço para a Lucia fazer isso, mas ela ainda não voltou...

Enquanto explicava, percebi que talvez estivesse pedindo o impossível. Mana era um recurso tão essencial para caçadores quanto dinheiro. Já havia solicitado a recarga de algumas Relíquias antes, mas desta vez era uma quantidade bem maior.

Sven olhou para Marietta, a Maga do Obsidian Cross, que estava por perto.

— Eu não me importo muito — disse Sven —, mas tem certeza de que quer expor seus trunfos?

Essa era uma preocupação desnecessária. Independentemente de expor ou não meus segredos, eu era fraco.

Então, Sitri, que havia permanecido em silêncio até aquele momento, juntou as mãos e abriu um sorriso incontrolável ao dizer:

— Sven, tecnicamente, receio que você esteja ligeiramente enganado. O que Krai quis dizer é que ele está disposto a arriscar a exposição de suas vulnerabilidades para oferecer a todos vocês uma oportunidade de treinamento.

Os membros do salão se reuniram ao redor de Sitri.

Foi uma jogada bem habilidosa da parte dela, mesmo que alguns dos presentes provavelmente nem a conhecessem. O fato de Sven não ter contestado pode ter contribuído bastante para seu sucesso.

Em meio ao clima animado, completamente diferente de um momento atrás, Sitri continuou com uma voz penetrante e um sorriso cativante:

— Todos vocês que estão aqui no salão hoje, considerem-se incrivelmente sortudos. Krai prometeu a vocês um treinamento altamente eficiente.

Enquanto todos na sala estavam empolgados, eu era, de longe, o mais confuso. Eu não lembrava de ter dito nada grandioso assim, e, além disso, era eu quem estava pedindo ajuda.

Mesmo assim, ninguém disse uma palavra; até Sven parecia olhar para Sitri com um olhar curioso. Um dos membros, como se estivesse hipnotizado pelos olhos serenamente brilhantes de Sitri, engoliu em seco ao ouvir suas palavras.

Sitri ergueu o indicador e se inclinou para frente, como se estivesse compartilhando um segredo.

— O que há de fantástico nesse treinamento — disse ela — é que, diferente dos desafios habituais dele, não há risco de morte!

— O que... você disse?!

No instante em que Sitri proclamou essas palavras, todos, que até então estavam indiferentes, ficaram agitados. Até Sven arregalou os olhos.

Eu parecia ser o único que não estava acompanhando a situação.

Gente... vocês estão empolgados demais, não acham?

— Hã... Eu preferiria que parássemos de chamar tudo de desafio...

— Atualmente de folga? Sem problemas: sem necessidade de preparação! Não só não levará muito tempo, como vocês verão os benefícios quase imediatamente! Este é o treinamento que os elevará a um nível comparável ao da Lucia como Magos! Vou contar um segredinho para vocês: este é, na verdade, o método de treinamento exclusivo do nosso grupo, a receita secreta especial de treinamento do Krai. Mas hoje, estamos tornando isso acessível para o bem de todos!

Nos olhos de todos, surgiu um brilho de ceticismo ao ouvir aquelas palavras.

Lucia Rogier era universalmente reconhecida como a Maga suprema da capital. Sua presença era exatamente a razão pela qual Starlight, o grupo de Nobre Espíritos sempre arrogantes e desprezadores de humanos, havia se juntado ao Primeiros Passos.

No entanto, a ideia de que qualquer um poderia se tornar igual a Lucia como Magus parecia nada mais do que uma piada. Pelo menos para mim soava como uma piada. Ou melhor, eu não tinha absolutamente nenhuma recordação de um método de treinamento assim—isso era inovador demais.

— Este treinamento é projetado especificamente para Magos, então, infelizmente, nem todos poderão participar—mas, uma vez que passem por esse treinamento, seu poder como Magos—e como caçadores—vai crescer dramaticamente, sem dúvidas. Claro, a participação não é obrigatória—alguém aqui gostaria de se retirar do treinamento?

Confusos com o pedido brusco de Sitri, os membros do grupo reunido trocaram olhares.

Ela sério acabou de perguntar "se alguém gostaria de se retirar" em vez de "se alguém gostaria de participar"?

Marietta, que estava ouvindo a conversa ao lado de Sven, ergueu timidamente a mão. Embora não estivesse vestindo seu traje de maga, provavelmente por ser seu dia de folga, um pequeno cajado podia ser visto pendurado em sua cintura.

— Tem certeza... de que isso é realmente seguro? Krai também disse que a recente missão de investigação não seria perigosa...

O olhar afiado de Marietta estava me matando...

— Garanto que sou menos rigorosa que Krai.

— Um treinamento tão conveniente assim? Nunca ouvi falar de algo assim. Qual é o truque? — perguntou um caçador com um olhar duvidoso.

Como esperado de um caçador, pareciam estar dispostos a participar mesmo que tivessem sido persuadidos a isso—que grupo motivado.

Em resposta à pergunta cética, Sitri levou um dedo aos lábios e inclinou a cabeça de forma fofa.

— Bem, vejamos... A exaustão de mana fará parte do treinamento, então pode ser difícil para aqueles que não estão acostumados. Mas tenho certeza de que todos do Primeiros passos já têm uma boa experiência com isso, então ficarão bem... Mas se houver algum Mago que não consiga lidar com esse tipo de coisa, talvez seja melhor não participar.

— Não há nenhum Mago assim aqui. Todo Mago já experimentou algo tão normal quanto a exaustão de mana em algum momento — disse Marietta em um tom exasperado.

Várias vozes de concordância ecoaram ao seu redor.

— A exaustão de mana se cura rapidamente, então fiquem tranquilos. Eu cobrirei as poções de restauração de mana para esse propósito. A propósito... hm... não quero zombar de ninguém ou algo assim... mas tem alguém aqui que não suporta o amargor das poções de restauração de mana?

Os Magos na sala trocaram olhares em resposta à sua pergunta hesitante. Seu descontentamento era evidente em suas expressões.

As poções de restauração de mana eram úteis para caçadores, mas tinham uma desvantagem bem conhecida—o gosto era horrível. Sua pungência e amargor, que pareciam estar diretamente ligados à sua eficácia, eram ditos como um sabor incomparável a qualquer outra coisa neste mundo. Mesmo Magos experientes hesitavam em bebê-las em situações de vida ou morte por causa disso.

Eu havia tomado um gole do que Lucia bebia antes, e no momento em que tocou minha língua, perdi a consciência e só acordei várias horas depois. Desde então, passei a admirar os Magos. Beber poções de restauração de mana sem hesitar parecia ser um sinal de um Mago de alto nível.

Um dos Magos trocando olhares falou com um tom aparentemente insatisfeito:

— Não seja ridícula. Podemos não estar no mesmo nível que vocês, mas ainda somos Magos em treinamento. Já bebemos nossa cota de poções de restauração de mana, não vamos fraquejar agora.

— Peço desculpas. Nesse caso... acredito que não haverão problemas — disse Sitri.

Ela inclinou levemente a cabeça em desculpas e mais uma vez olhou para os rostos dos indivíduos reunidos.

Com uma expressão séria, abriu os lábios e disse:

— Agora, deixem-me repetir isso uma última vez: Esta... é nossa receita secreta de treinamento. Se alguém recusar essa oferta agora, provavelmente não terá outra chance. Dito isso, também é verdade que isso não deve ser feito logo após uma grande missão. Não forçarei ninguém a participar, mas, uma vez dentro, espero que vão até o fim. Então, alguém aqui não quer participar deste treinamento?

...Eu deveria ter mencionado antes, mas Sitri era uma pessoa astuta. Sua aparente inocência escondia uma astúcia profunda que beirava a duplicidade. Sitri sempre agia com cautela; ela não mentia, mas tinha uma propensão para circunlocução. Entre meus amigos de infância, era uma das que exigiam mais atenção em suas palavras. Por exemplo, se Sitri dissesse que algo não seria letal, ela poderia ter omitido o fato de que poderia ser incrivelmente doloroso—muitas vezes, havia informação crucial escondida no que ela não dizia.

Eu preferia não me lembrar muito disso, mas houve um momento em que ela e Liz quase chegaram a um conflito mortal por causa de sua “comunicação intencionalmente ambígua”.

A tensão pairava no ar. E eu temia que fosse por causa da minha presença na sala. Era compreensível que eu fosse considerado indigno de confiança depois do incidente Noctus Cochlear—de fato, nenhum mestre de clã jamais havia sido tão impopular quanto eu.

Justo quando Marrietta estava prestes a falar, uma voz clara e gélida interveio de repente.

— Que discurso interessante, Sitri Smart.

Instantaneamente, Sitri estreitou os olhos antes de recuperar seu sorriso sereno de antes.

Ela se virou na direção da voz e saudou:

— Ora, ora... Que coincidência.

Adentrando a sala estava uma mulher esguia e imponente, cujos traços refinados representavam o auge da beleza neste mundo. Seu rosto impecável era adornado por olhos cintilantes como ametistas; seus longos cabelos dourados fluíam como fios de seda ao sol, reluzindo de forma deslumbrante. Sua beleza era tão hipnotizante que parecia irreal.

E, ao seu lado, havia uma mulher de cabelos prateados, igualmente encantadora.

A beleza delas era quase alienígena. Na verdade, elas não eram humanas: eram conhecidas como “Espíritos Nobres”, um nome que denotava sua linhagem exaltada. Eram mais longevas que os humanos e possuíam uma beleza muito além da que qualquer mortal poderia alcançar. E, por isso, desprezavam os humanos.

Entre os Sapiens, os Espíritos Nobres eram extremamente raros e, consequentemente, quase nunca apareciam em assentamentos humanos, sendo uma visão incomum até mesmo na capital. Assim, o grupo exclusivamente composto por Espíritos Nobres, Starlight, liderado por uma mulher dessa raça, Lapis Fulgor, era uma raridade absoluta no mundo inteiro—um verdadeiro fenômeno.

Por outro lado, seu desprezo inconsciente pelos humanos os tornava um grupo problemático, ficando atrás apenas dos Grieving Souls nesse quesito.

— Lapis, Kris... Que surpresa ver vocês duas visitando o salão — disse eu, em um tom amigável.

Ao ouvir minhas palavras, Kris Argent, a garota de cabelos prateados ao lado de Lapis, lançou-me um olhar feroz, seus olhos brilhando com um frio desdém.

— Fraco humano. Quantas vezes preciso lhe dizer para parar de falar com Lapis de maneira casual para que você entenda?

A voz de Kris era elegante, mas sua escolha de palavras soava um tanto rude.

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Repreendendo Kris, Lapis disse:
— Kris, chega. Por mais imbecil que ele seja, ainda é o mestre do clã. Este é um assentamento humano, e devemos aderir aos costumes humanos aqui... E sua linguagem honorífica está vacilando.

— Fraco humano. Vamos ceder apenas na medida em que Lapis generosamente permitir. Eu ordeno que fique no seu lugar. Senhor.

Franzindo as sobrancelhas, Kris virou-se de mau humor.

Ela sempre foi uma garota interessante. Mas, por mais infantil que fosse, era uma Maga de primeira classe. Como era uma Nobre Espírito, sua aptidão para a classe de Magus dizia-se ser centenas, senão milhares de vezes maior que a dos humanos. Talvez não fosse surpresa que sua autoestima fosse inflada.

— Pensar que um humano tão fraco seja, de fato, irmão mais velho de Lucia é realmente inacreditável.

Embora os Nobres Espíritos geralmente desprezassem os humanos, havia uma única exceção: os Magi. Em suma, para os Magi mestres, a aptidão para a magia era aparentemente um critério que ultrapassava as barreiras raciais. Na verdade, quanto mais desfavorecida e desvantajosa fosse a raça, maior respeito tinham por seus Magi. De fato, foi minha irmã adotiva mais nova, Lucia, uma Maga excepcional, que levou Starlight a se juntar à Primeiros Passos desde o início.

Parecendo concordar com as palavras de Kris, Lapis esboçou um sorriso levemente amargo.

— Possuir tal poder em um corpo humano... Se ao menos ela fosse uma Nobre Espírito! Poderia ter alcançado o ápice das artes mágicas.

— Ainda não é tarde demais. Você deve entregar a Srta. Lucia de uma vez! É um desperdício deixá-la nas mãos de um fraco humano que sequer entende o básico sobre magia! Senhor!

— Como já disse muitas vezes: vocês são livres para recrutá-la como quiserem; não vou impedi-los. Mas a decisão caberá inteiramente a Lucia. Eu não vou ditar o que ela escolhe. Na verdade, como irmão dela, nem que eu quisesse poderia forçá-la a tomar qualquer decisão.

Quando fundamos o clã, foi Sitri quem convenceu Starlight a se juntar. Ela usou o direito de recrutar Lucia, que já era reconhecida como uma Maga excepcional na época, como moeda de troca. Mas, para ser honesto, não era realmente sobre o direito de recrutamento ou algo assim: nosso grupo operava com uma política de portas abertas. E desde então, algo absolutamente inconcebível para os Nobres Espíritos aconteceu—Starlight ficou sob o guarda-chuva de nosso clã, um clã criado por humanos. Três anos depois, ainda permaneciam como membros do clã. A fixação deles em Lucia dizia muito.

Com os lábios franzidos, Kris caiu em silêncio. Lapis, colocando uma mão na cabeça de Kris, lançou um olhar de desprezo para Sitri.

— Então... uma receita secreta de treinamento? — disse Lapis. — Qualquer um pode se tornar um Magus no nível de Lucia, você diz? Besteira...! Tal treinamento não existe nem entre os Nobres Espíritos.

— Diga o que quiser, mas a verdade é que Lucia conquistou seu título graças ao treinamento criado por Krai. Bem, suponho que seja compreensível que seja difícil de acreditar para vocês, Nobres Espíritos, que nasceram como uma raça esmagadoramente privilegiada e, ainda assim, ficaram atrás de Lucia.

— Tch... Patético. Uma provocação inútil, Ignóbil — retrucou Kris, seu rosto ficando vermelho de raiva diante das palavras de sua oponente.

Lapis também parecia descontente.

Era genuinamente assustador quando beldades como elas ficavam verdadeiramente irritadas.

No entanto, Sitri permaneceu impassível enquanto examinava o ambiente.

— Então, alguém gostaria de ser o primeiro a passar pelo treinamento e mostrar para as céticas Lapis e Kris os resultados?

Ela realmente estava confiante nesse “treinamento”, hein... Só viemos aqui hoje para pedir ajuda para recarregar as Relíquias e, de repente, estávamos nesse assunto.

Após um breve silêncio, Marietta da Obsidian Cross foi a primeira a levantar a mão.

— Tudo bem. Acho que... eu topo. Todo mundo parece estar com medo.

— Tem certeza, Mari?

— Sim. Depois daquela missão recente, percebi que preciso de um treinamento intensivo.

Como esperado de uma Cross. Apesar de provavelmente conhecer bem Sitri, seu desejo de se aprimorar a convenceu do contrário.

Satisfeita, Sitri acenou para Marietta, que deu um passo à frente.

— Muito bem, vamos começar. Embora eu deva dizer que o conteúdo do treinamento em si não é tão desafiador.

Em meio a olhares céticos, Sitri deu uma rápida olhada em um relógio de bolso prateado que retirou do bolso para verificar as horas, ergueu o dedo indicador em um gesto decisivo e declarou animadamente:

— Para começar, vamos carregar mana nas Relíquias. Convenientemente, Krai tem várias Relíquias descarregadas.

— Sim?

Os olhos de Marietta se arregalaram, confusos.

Conforme Sitri indicou, entreguei um Anel de Segurança descarregado.

Com uma expressão intrigada, Marietta começou a carregar mana. O tempo passou em silêncio, e sua expressão mudou de confusa para tensa.

— Espera aí?! — disse ela após uma longa pausa. — Que tipo de Relíquia é essa? Não está carregando nem um pouco!

— Continue carregando.

— ...

O sangue esvaiu do rosto já pálido de Marietta; em sua testa, formaram-se gotas de suor frio. Apesar de ser uma Maga de nível bastante alto mesmo dentro da Steps, parecia que recarregar um Anel de Segurança ainda era um fardo para ela.

Falando nisso, a sensação de esgotamento de mana, segundo Lucia, parecia extremamente semelhante à de estar tão bêbada que não conseguia se manter de pé. No entanto, Marietta continuou a carregar, apoiando-se na mesa com uma das mãos.

Alguns minutos se passaram, e a Relíquia foi finalmente recarregada. Naquele momento, os lábios de Marietta estavam azulados, e seus dedos tremiam. Ela pressionou a mão contra a testa e fez uma careta, provavelmente sofrendo de dor de cabeça.

Sitri pegou o Anel de Segurança da mesa e acenou com aparente satisfação.

Ao devolvê-lo para mim, disse:
— Agora, terminamos a primeira carga. Próximo passo—vamos carregar a próxima Relíquia.

— Espera?! O quê?!

— Espere aí. Mari já está no limite!

— Não se preocupe; eu a pararei quando chegar ao limite. Isso não mata—já foi provado.

Apesar das objeções dos companheiros de equipe de Sven, Sitri não lhes deu atenção e entregou a próxima Relíquia a Marietta.

Com as mãos trêmulas, Marietta aceitou a Relíquia e recomeçou a carregar.

Logo, sua respiração ficou irregular—um sintoma claro de esgotamento de mana. Se continuasse assim, logo ficaria completamente esgotada.

Com todos observando ansiosamente, Sitri começou a explicar para eles.

— Deixe-me oferecer uma breve explicação aqui — disse ela. — A força de um Mago é proporcional à sua capacidade total de mana. A noção predominante de que as mulheres são mais adequadas para se tornarem Magas é sustentada pela tendência de sua capacidade total de mana crescer mais facilmente. Enquanto isso, os limites de nossos reservatórios de mana normalmente crescem durante a infância e se estabilizam por volta da adolescência. E é por isso que os Espíritos Nobres se destacam como Magos: acredita-se que eles não apenas—claro—possuem aptidão para magia, mas também envelhecem de forma diferente dos humanos, o que lhes concede um período prolongado de crescimento de mana.

Finalmente incapaz de permanecer de pé, Marietta caiu de joelhos no chão. Sua mão, que aterrissou com um baque sobre a mesa, se abriu involuntariamente, e o Anel de Segurança escorregou de seus dedos. O carregamento ainda não estava completo, mas parecia que sua mana havia se esgotado.

Sitri pegou o Anel de Segurança e continuou sua explicação.

— E assim, embora o crescimento da nossa capacidade de mana pare completamente por volta da adolescência, existe uma exceção conhecida sob uma circunstância específica. Nessa condição, nossa capacidade pode se expandir por mais cinco a dez por cento, aproximadamente, após o crescimento ter parado. Esse é um fenômeno que normalmente chamamos de "über recuperação". Alguém aqui sabe qual é a circunstância que pode causar esse aumento?

Um dos Magos na sala respondeu com dificuldade:

— Esgotamento...de mana...?

— Correto! Quando nossa mana é esgotada e depois recuperada, o limite superior aumenta significativamente!

Foi nesse momento que todos souberam: isso não ia acabar bem. Os Magos, que momentos antes estavam tão interessados nas palavras açucaradas de Sitri, empalideceram; até Lapis assumiu uma expressão severa—certamente eles entenderam a gravidade do que Sitri acabara de dizer.

Um método fácil? Eficiente? De jeito nenhum.

De fato, o fenômeno da über recuperação de mana era relativamente conhecido, mas ninguém o praticava de bom grado—o fardo sobre o Mago era simplesmente grande demais. A expansão da capacidade de mana ocorria porque o corpo estava se preparando para a morte e tentando se adaptar à situação com todas as suas forças.

— Eu ouvi dizer que a capacidade de mana expande durante a recuperação, senhora. Mas até nós precisaríamos de um tempo considerável—

— E é aqui que minha poção especial de restauração de mana entra em cena.

Em resposta à pergunta de Kris, Sitri puxou do bolso uma poção com um certo orgulho. Era uma poção de tom escuro e turvo, como se tinta preta tivesse sido dissolvida nela.

Eu pensei que poções de restauração de mana deveriam ser... de uma cor mais vibrante?

Segurando o conta-gotas, Sitri disse confiante:

— Esta é a fórmula especial desenvolvida para Lucia. No caso de Marietta, eu suspeito que apenas algumas gotas já seriam suficientes para a recuperação.

— Espera aí—

Mas a tentativa de Sven de intervir veio um instante tarde demais.

Sitri injetou o líquido do conta-gotas contendo sua poção especial de restauração de mana na boca de Marietta, que estava inconsciente devido ao esgotamento de mana. Então, o corpo esguio de Marietta, que até então estava imóvel como um peixe encalhado, se arqueou bruscamente para cima.

Ao testemunharem aquele movimento nada humano, os membros do clã ao redor soltaram gritos e recuaram rapidamente.

Sitri, por outro lado, se inclinou sobre a pobre Maga, que jazia ali no chão, completamente imóvel.

— Impressionante, Marietta. Achei que você pelo menos vomitaria, apesar da sua firme determinação — murmurou Sitri diante da plateia atônita.

Dito isso, ela puxou as pálpebras de Marietta para examinar suas pupilas. Depois, deu um leve tapa em sua bochecha, ergueu sua cabeça e conferiu seu relógio de bolso antes de assentir com um sorriso largo.

— Em apenas três minutos e vinte segundos, sua mana aumentou em cerca de dez por cento. Este é o poder da receita secreta de treinamento de Magos desenvolvida por Krai, aquele que treinou Lucia. Repita esse processo continuamente, e você verá um crescimento dramático no seu poder. Com uma capacidade de mana aumentada, você terá maior resistência em combate e mais mana de sobra para aprender novos feitiços. O crescimento de um Mago—o pilar central de qualquer equipe—aumenta significativamente a taxa de sobrevivência do grupo. Que método de treinamento eficiente! Isso é magnífico!

Que método de treinamento cruel e diabólico. Obviamente, eu não tinha a menor lembrança de ter inventado algo assim. Lapis franziu a testa e verificou o estado de Marietta.

— Mas Marietta ainda não recuperou a consciência—

— Está tudo bem; ela vai se acostumar. Além disso, eu irei fornecer as Relíquias e as poções para que vocês possam focar unicamente no carregamento de mana. Não se preocupem se eu não for rápida o bastante para atender todos; se necessário, invocarei alguns golens para cobrir quem eu não conseguir alcançar. E fiquem tranquilos—não adianta tentar fugir. Vocês só precisam se acostumar.

— Completamente insana... Isso não pode ser chamado de treinamento — disse um dos membros do clã, de olhos arregalados, olhando para Sitri como se ela fosse um demônio.

O motivo pelo qual a über recuperação de mana não havia sido incorporada aos treinos normais até então era, em parte, devido ao alto custo das poções de restauração de mana, mas, mais provavelmente, porque o esgotamento de mana era "incrivelmente doloroso". Além disso, no treinamento de Sitri, a pessoa teria que consumir repetidamente poções de restauração de mana que eram ainda mais dolorosas de beber. Qualquer Mago experiente poderia perceber o quão torturante isso seria.

Sitri permaneceu impassível. Piscou e disse, como se estivesse apenas afirmando o óbvio:

— Mas Lucia realmente ficou mais forte com esse treinamento. Ela passou por esgotamento de mana e se recuperou usando minhas poções repetidamente. Considerando a eficiência, acho que esses pequenos desconfortos são apenas riscos insignificantes... Não é como se vocês esperassem superar os Espíritos Nobres em força sem nenhum sacrifício ou esforço... certo?

Ela manipulou a plateia com sua argumentação lógica. Perplexos com sua declaração, todos, incluindo Lapis, ficaram em silêncio diante da enigmática expressão de Sitri.

Para ter sucesso, é preciso fazer esforços à altura. Tendo testemunhado o crescimento dos Grieving Souls, eu sabia disso muito bem.

— Conforme sua reserva de mana se expande, esgotá-la completamente se torna cada vez mais difícil. O uso de magia exige uma concentração intensa, então é preciso uma força de vontade sólida para zerar sua mana apenas conjurando feitiços. No entanto, ao carregar Relíquias, você pode facilmente exaurir sua mana sem toda essa complicação. Felizmente, não faltam Relíquias para carregar. Certo, Krai?

— Ainda há... algumas ce— digo, pelo menos dezenas delas.

A maior parte da minha coleção que decorava meu quarto privado estava inutilizável no momento.

Sven me olhou com um olhar atônito.

— Dezenas...?! Sério, Krai?

— Graças à consideração de Krai, todos os nossos Magos aqui podem receber treinamento.

Entendo... Então essa é a "ideia" de que Sitri falou mais cedo.

Considerando que Sitri conseguia preparar as caras poções de restauração de mana por conta própria, isso era, de fato, um acordo mutuamente benéfico—embora parecesse meio enganoso. A tarefa era simplesmente exigente demais, e eu duvidava que alguém fosse cair tão fácil nessa lábia.

Todos os Magos que estavam ouvindo a conversa trocaram olhares silenciosos entre si.

Enquanto isso, Marietta continuava inconsciente.

Lápis, de braços cruzados e com uma expressão problemática no rosto, perguntou:

— Ignóbil , a irmã mais nova de Krai, Lucia, realmente passou por esse treinamento?

— Mas é claro. Eu mesma preparei as poções. Além disso, ela nunca demonstrou qualquer sinal de dificuldade durante o treinamento de fortalecimento de mana.

Sim, aham. Nem percebi.

Era verdade que ela sempre reclamava toda vez que eu conseguia uma Relíquia que precisava ser carregada, mas minha irmã, tão capaz quanto era, nunca se recusou a fazê-lo.

Respirando fundo, Sitri olhou ao redor da sala e então levou o dedo indicador aos lábios.

Ela disse:

— Isso não tem a ver com talento ou qualquer outra coisa; e não se limita à Lucia. O motivo pelo qual meu irmão mais velho—Ansem—Krai e os outros Grievers têm um nível ligeiramente maior do que todos aqui é por causa dos desafios que enfrentamos—suamos um pouco mais, sangramos um pouco mais, derramamos um pouco mais de lágrimas do que vocês. Não me diga que vão reclamar de uma provação que Caçadores muito mais jovens já superaram.

...Eloquente como sempre. Bem, não que eu tenha derramado uma única gota de sangue, suor ou lágrima...

Após ouvir seu discurso, Lápis permaneceu em silêncio por um tempo antes de finalmente falar, com um olhar carregado de significado:

— Hmmmm? E eu achava que humanos precisavam de um talento extraordinário só para chegar perto do poder de um Espírito Nobre. Mas parece que Lucia foi o resultado de um treinamento severo demais. Impressionante! Agora eu a quero ainda mais, Krai Andrey.

Claro... Ela é minha querida irmãzinha. Mas talvez eu devesse reduzir a quantidade de Relíquias no meu arsenal...?

O talento mágico de Lucia já havia se manifestado desde o início. Talvez, entre nós, os seis membros fundadores dos Grieving Souls, ela tenha sido a mais talentosa. E era por isso que eu nunca havia pensado muito nisso, mas ao ver essa situação lamentável diante de mim, talvez Lucia também estivesse sofrendo bastante sem que eu percebesse.

Quando chegamos à capital pela primeira vez, eu tinha apenas uma Relíquia—uma sem importância, que só aumentava ligeiramente minha resistência quando equipada. Ela exigia apenas uma pequena quantidade de mana para ser carregada. Desde o começo até agora, carregar minhas Relíquias sempre foi responsabilidade de Lucia. Mas conforme minha coleção crescia constantemente, Lucia nunca fez uma cara de desagrado—nem qualquer outra expressão, na verdade.

Ao me lembrar da voz fria e direta de Lucia, um suor frio brotou subitamente na minha testa.

Ela vinha agindo de forma um tanto distante ultimamente. Achei que talvez fosse apenas uma fase tardia de rebeldia adolescente, mas será que esse era o motivo? Eu devia tentar animá-la quando ela voltasse.

— Mas, Sitri Smart — interrompeu Lápis de repente enquanto eu refletia sobre essas coisas —, você mencionou antes sobre "superar Espíritos Nobres em força", certo?

— Sim? Eu disse. O que tem isso?

Olhando para Sitri, que exibia um olhar curioso, os olhos lilás-pálido de Lápis brilharam instantaneamente.

— Isso. Não. É. Verdade! Absolutamente não é verdade! Sim, talvez Lucia Rogier seja, sem dúvida, uma Maga excepcional, talvez aquela que possui o mais diverso repertório mágico que conheço—ela realmente faz jus aos seus apelidos—mas por mais que eu a admire, nunca, jamais, considerei que ela fosse superior a nós! Nunca!

Foi uma explosão de emoções ardentes; sua voz transbordava confiança esmagadora e um claro desprezo pelos humanos.

Sitri olhou para mim e soltou um pequeno suspiro de irritação.

— Ugh. Confiança é algo bom, mas nada é mais desagradável do que uma arrogância infundada—não, não estou tentando menosprezar Starlight. Mas sério, seu Kris foi certificado para um nível ainda mais baixo que o nível 6 da Lucia. Além disso... vocês se acomodam demais no privilégio de terem nascido em uma raça superior. Pode ser um viés meu, mas será que esse foi o motivo pelo qual Lucia recusou o convite de Starlight?

— !!!

Lápis mordeu firmemente os lábios vibrantes em frustração ao ouvir essas palavras extremamente desrespeitosas e superficiais, mas não conseguiu dizer nada.

Esse era um insulto que normalmente justificaria uma retaliação em forma de feitiços ofensivos por parte de um Espírito Nobre comum.

Mas Lápis gritou em resposta:

— Kris. Não vamos ficar parados suportando tais insultos!

— Sim! Senhora!

O rosto de Kris estava tão vermelho de vergonha quanto o de Lápis.

Eu estava preocupado que seus olhares assassinos, por algum motivo, parecessem estar direcionados a mim em vez de Sitri, mas acho que não podia dizer muita coisa, já que eu era algo como o supervisor dela.

— Sinto muito se Sitri fez alguns comentários inapropriados; permita-me me desculpar. Eu até faço uma reverência se desejar.

— Não precisa! Senhor! Você, humano fracote, se curva demais. Senhor! Pense duas vezes antes de abrir essa boca! Senhor!

Mas essa é minha única habilidade especial... falando nisso, isso me lembra da vez em que me curvei para Kris com tanta força que chorei...

Ignorando meu dilema, Lápis ficou furiosa e bateu na mesa com força.

— Não quero suas desculpas, Mil Truques! Vamos provar isso. Somente ao verem vocês, humanos tolos, boquiabertos de espanto com essas caras estúpidas, nosso orgulho ferido será acalmado. Estamos "nos acomodando"? No fim das contas, não há nada que humanos possam fazer que nós, Espíritos Nobres, não possamos realizar! Kris!

Estufando o peito esguio, característico dos Espíritos Nobres, Kris cuspiu em minha direção e exigiu:
— Ei, me entregue as Relíquias já! Senhor! E traga tudo o que você tem! Senhor! Com minha capacidade de mana dezenas de vezes maior que a de qualquer humano, não há como eu ser superada, nem mesmo por Lúcia. Senhor!

— Ah, claro. Se é isso que você quer... — disse Sitri em um tom preocupado, abaixando o olhar.

Não que faça diferença, mas Espíritos Nobres definitivamente não lidam bem com provocações, não é?

— Hã, por favor, tentem não se esforçar demais. Enquanto Lúcia pode carregá-las sem problema algum, nenhum outro ser humano provavelmente conseguiria realizar tal façanha. Acredito que isso seja um grande desafio até mesmo para Espíritos Nobres.

— Você é tão irritante! Eu disse que consigo, então guarde minhas palavras. Madame! Vou provar que não sou como esses Magos humanos covardes que vacilam só com suas palavras. Madame! Agora cale a boca e traga as Relíquias. Madame!

Os ouvidos de Kris já estavam surdos aos avisos de Sitri. Sitri era esperta e certamente tinha formulado suas palavras dessa maneira de propósito.

Com o olhar baixo, Sitri exibiu um leve sorriso.

— Se você diz... Lápis, Kris, por favor, liberem todo o poder dos Espíritos Nobres.

Golems de pedra controlados por Sitri colocaram as Relíquias uma a uma diante de Kris, que arregaçou as mangas.

Enquanto a pilha de Relíquias crescia e a determinada garota Espírito Nobre arqueava as sobrancelhas, Sitri falou em um tom suave:
— Isto... é o “Mil Provações”.

No meio do fim da tarde, Eva correu para dentro do salão tingido pelo pôr do sol. Ao se deparar com a devastação no cômodo, pressionou a mão contra a testa e olhou para mim, que estava sentado ocioso à mesa.

— O que... aconteceu? — perguntou.

— Então, houve esse confronto de orgulho entre caçadores e...

— Finja que eu não perguntei.

Ah. Ok.

A cena no espaçoso salão era difícil de encarar: algumas pessoas estavam convulsionando e se contorcendo, seus troncos caídos sobre as mesas, enquanto outras estavam esparramadas no chão, imóveis. Algumas ainda estavam conscientes, mas apenas murmuravam coisas incompreensíveis. Alguns chegaram a vomitar no começo, mas os golems de Sitri já haviam limpado tudo—felizmente, ninguém pode vomitar mais do que tem no estômago. Caçadores agarravam seus companheiros caídos, sacudindo-os pelos ombros, como se estivessem segurando os corpos recém-caídos de seus camaradas durante uma exploração de tesouros, em total descrença.

Embora eu assistisse em silêncio, meu coração doía terrivelmente. Ironia do destino, eu mesmo sentia que ia vomitar.

Kris, ainda consciente em uma das mesas, ergueu a cabeça. Seu rosto estava completamente pálido, e a franja suada grudava em sua testa—mas sua beleza permanecia, algo digno de um Espírito Nobre orgulhoso, devo dizer.

Com olhos desfocados, ela olhou para a mesa e gemeu:
— Argh, argh... Quantas... faltam? Senhor.

— As de maior capacidade já foram. Restam apenas 152!

— Cento...?! Seu humano fraco. Não ouse esquecer o que disse no começo, senhor...

Na verdade, acho que ela se saiu muito bem.

Ela precisou repor sua mana algumas vezes, mas conseguiu recarregar todos os Anéis de Proteção—um feito que diz muito sobre sua enorme capacidade de mana.

A propósito, os outros Magos todos desabaram no meio da “batalha de recarga”. Eles, não querendo perder, foram inspirados por Kris, que continuava a infundir mana mesmo ofegante. Quando eu disse que isso era um “confronto de orgulho entre caçadores”, eu realmente quis dizer isso.

Observando Kris com as pernas cruzadas, Lápis franziu a testa.

— Entendo, isso realmente é severo — disse. — Mas Kris, você não vai desistir. Tenho que dizer que isso despertou meu interesse. Isso pode ser útil para nós também. Kris, você não vai reclamar disso, vai?

— Nãããão... claro que não. Madame Lápis! Ugh... humano mentiroso! Agora traga... as restantes... Relíquias. Senhor!

Que determinação notável. Talvez ela já tenha passado do ponto de não retorno.

Não pude evitar de oferecer uma mão amiga; eu não tinha interesse algum em forçar uma garota às lágrimas só para carregar minhas Relíquias.

— Não, não se preocupe. Já carreguei as Relíquias absolutamente necessárias. O resto não é tão importante. Você não precisa se forçar ao limite.

— O quê?! Besteira! Senhor! E-eu ainda... estou bem! Senhor! Agora, rápido... traga mais. Senhor!

Eva, aparentemente entendendo a situação, ficou perplexa. Sitri, por outro lado, arregalou os olhos.

Bem, acho que isso realmente é um treinamento para ela. Talvez eu a deixe continuar até que esteja satisfeita.

— Tem certeza?

— Sim. Manda ver.

O golem retirou as Relíquias já carregadas e trouxe novas.

As Relíquias restantes eram as de menor prioridade—as Relíquias de armas. Ao contrário das Relíquias de acessórios, que pareciam meros ornamentos, essas Relíquias de armas tinham um brilho distinto que as diferenciava das armas comuns: uma espada com lâmina transparente, uma katana com um hamon que tremeluzia como chamas, uma lança negra que absorvia toda a luz, um escudo circular que brilhava como pedras preciosas, e assim por diante.

Diante do brilho das Relíquias de armas, os membros que cuidavam de seus companheiros caídos suspiraram em admiração.

Relíquias de armas e armaduras tinham um valor muito maior do que as outras. Nas mãos de guerreiros experientes, podiam liberar um poder incomparável, mas para alguém como eu, cujas habilidades em todas as artes marciais eram inferiores às de um amador, eram inúteis—meros itens de coleção decorativos. Talvez apenas eu e Matthis, que gerenciava uma loja de Relíquias, tivéssemos uma coleção tão grande.

— H-humano fraco, você está falando sério...? — perguntou Kris, atônita.

O que quer dizer com “Está falando sério”? Foi você quem disse que ia carregá-las.

Essas Relíquias de armas e armaduras tinham uma capacidade menor de reter mana em comparação com outras Relíquias. Esse era um dos motivos pelos quais caçadores de tesouros limitavam suas coleções ao que podiam carregar sozinhos. Infelizmente, mesmo com todo o esforço que Kris colocaria nelas, essas Relíquias provavelmente só durariam alguns dias, e era por isso que eu as tinha deixado por último.

Kris gemeu e pegou uma adaga curta, com cerca de vinte centímetros de comprimento, incrustada de gemas.

Então ela realmente vai fazer isso.

— Talvez ela estivesse fazendo isso por orgulho? Talvez por teimosia? Ou talvez estivesse disposta a ir tão longe para aumentar sua capacidade de mana?

E foi então que tive uma ideia brilhante. Embora meu hobby fosse colecionar Relíquias, eu também adorava usá-las—não apenas deixá-las guardadas. Mas ultimamente, eu não tinha conseguido usá-las, já que Lucia estava ausente.

— Sabe de uma coisa? E se eu usar as Relíquias imediatamente depois que a Kris as carregar—

Kris, que estava prestes a infundir mana na adaga, congelou com uma expressão chocada. Enquanto isso, os olhos de Sitri brilharam.

— Ah, é aquele treinamento de resistência que a Lucia vivia reclamando. De fato, isso pode ser viável para alguém tão formidável quanto a Kris, diferente da Lucia — disse Sitri.

...Talvez eu deva um pedido de desculpas para a Lucia?

Kris, recuperando a compostura, gritou com a voz trêmula:

— I-I-I-Inseto humano fraaaaco!

— Certo, certo, vamos encerrar por aqui. Uma coisa é treinar, mas nós, da equipe, é que teremos que limpar o salão, sabia?! Tenho certeza de que você entende, Krai, certo? — interveio Eva, batendo palmas como se quisesse mudar de assunto.

Os Magos caídos se apoiaram nos ombros dos companheiros e cambalearam de volta para cima.

Parece que Sitri estava certa: não havia feridos graves.

— Tudo bem. Eu cuido do resto aqui, então, Krai, por que você não vai para outro lugar com suas Relíquias? Sim, o treino acabou! Se quiser mais, faça outro dia—e em outro lugar! Aqui não é um campo de treinamento, afinal—é um lugar para relaxar, tá? Desencana! Tem até alguns forasteiros no salão! O que você vai fazer se começarem a espalhar boatos estranhos sobre a gente por causa disso?

Ela tinha um bom ponto.

Com um tapa nas costas de Eva, fui empurrado para fora do salão junto com Sitri.

Espiando pela porta entreaberta, percebi que provavelmente não haveria problema. Eva, que administrava o clã sozinha, parecia ter Lapis, Kris e os caçadores na palma da mão—assim como eu, é claro.

— Como me saí, Krai? Acho que você conseguiu carregar a maioria das suas Relíquias. Espero ter sido útil — disse Sitri, sorrindo sem um pingo de arrependimento.

Eu estava cansado demais para pensar, então apenas dei um tapinha no ombro de Sitri enquanto ela se aconchegava mais perto de mim.

A família Rodin era uma linhagem antiga e prestigiada de caçadores de tesouros em Zebrudia, a terra sagrada dos caçadores. Suas origens remontavam a Solis Rodin, aquele que desafiou e derrotou o Deus Celestial que apareceu no cofre do tesouro de Nível 10, o Santuário do Deus Celestial, então localizado próximo à capital da época, depois que o Deus Celestial reduziu milhares de quilômetros ao redor a cinzas.

Em reconhecimento a esse feito, que havia escapado das forças de Zebrudia por completo, o imperador da época perguntou a Solis se ele gostaria de receber um título de nobreza. Mas Solis recusou a oferta, alegando ser apenas um simples caçador. O imperador, louvando sua postura humilde como um modelo para os caçadores, concedeu a Rodin o título de "Herói". Desde então, apenas a família Rodin teve permissão para reivindicar o título de "Herói" dentro do império.

Ark Rodin era um descendente dessa família renomada e havia recebido educação desde a infância para se tornar um caçador de primeira classe. Solis Rodin tinha sido um caçador supremo, com um conjunto de habilidades abrangente. Sua linhagem, a família Rodin, se destacava em todas as áreas há gerações, e Ark não era exceção. Conquistando cofres de tesouro de alto nível que representariam um desafio para caçadores comuns com facilidade, Ark ganhou um apelido. Ainda jovem, ele já era considerado um candidato ao posto de caçador mais forte do império e, antes que percebesse, Ark passou a ser chamado pelo mesmo título concedido ao seu ancestral—"Herói".

O nome "Rodin" tinha um peso especial na capital. Desde que Ark se tornou caçador, seu nome atraiu atenção.

Essa não era a primeira vez que ele recebia um convite de um nobre. Embora a família Rodin seguisse o princípio de manter distância das autoridades, ao mesmo tempo, não era viável se desconectar completamente delas se alguém quisesse navegar pelo mundo dos caçadores sem dificuldades.

Ark e seu grupo, Ark Brave, conhecidos por suas conquistas na Prism Garden, chegaram a uma festa nos territórios do Marquês Sandrine, muito distante da capital. Após um banquete agitado, frequentado por muitos nobres, Ark se viu convocado para um escritório, onde havia apenas mais um homem presente.

— Então esta é a renomada "Flor Celestial"? Impressionante...

Um homem de meia-idade, vestido com um imponente casaco vermelho-escuro, soltou um suspiro de admiração enquanto observava um peculiar buquê de pétalas transparentes dispostas em um vaso.

O anfitrião da festa, que convidara Ark e seu grupo para este banquete, não era outro senão Nahum Sandrine, chefe da família Sandrine. Ele era um nobre de alta patente com vastos territórios na região oeste do Império de Zebrudia e era conhecido como o líder influente de uma facção política, apesar de ser "apenas" um marquês. Devido a um contato anterior, quando Ark recebeu uma solicitação para investigar um cofre do tesouro em seu território, Sandrine era uma casa pela qual Ark nutria certa simpatia.

Essas flores eram um produto do cofre do tesouro. Pareciam totalmente translúcidas, como obras de vidro, mas tinham a textura de flores comuns. Seus detalhes delicados eram tão belos que nenhum artesão poderia replicá-los.

— É uma criação feita de material de mana, nem sequer uma Relíquia. Provavelmente não durará muito tempo no mundo exterior — disse Ark.

Era uma flor que crescia abundantemente na parte mais profunda da Prism Garden. Apesar de sua aparência mística, a flor não possuía poderes especiais e não despertava interesse entre caçadores de alto nível como Ark. Ele colheu algumas no caminho de volta desta vez como uma lembrança de ter alcançado as profundezas de um cofre do tesouro altamente desafiador, sem nenhum motivo especial. No entanto, uma coisa era certa—Prism Garden jamais poderia ser conquistado por caçadores comuns. A Flor Celestial, capaz de manter sua forma apenas por um breve momento antes que seu material de mana se dissipasse e ela se dissolvesse no ar, servia como um símbolo para os nobres demonstrarem suas conexões com caçadores de tesouros excepcionais.

Ark recordava o tempo em que flores do Jardim Prisma eram trazidas pelos Grieving Souls e exibidas com luxo no lounge da casa do clã, e não pôde evitar sorrir para si mesmo.

O marquês, por outro lado, simplesmente tocou o queixo e estreitou os olhos ao ouvir as palavras de Ark.

— Evanescente, não é? Mas era justamente essa a fonte de sua beleza. Ah, um jardim onde flores assim florescem exuberantemente... Eu adoraria vê-lo com meus próprios olhos antes de partir — murmurou o marquês.

Isso seria bastante difícil, pensou Ark sem dizer em voz alta.

O Jardim Prisma era um lugar inóspito para qualquer um que não fosse caçador: sua densa névoa de pólen corroía os corpos dos intrusos, enquanto fantasmas adaptados ao ambiente espreitavam entre as inúmeras flores em plena floração, ansiosos para colher as almas dos invasores com olhos aguçados. Percorrer o cofre seria praticamente impossível para ele, mesmo com a escolta de algumas centenas de cavaleiros de uma ordem.

O cofre era simplesmente um mundo à parte.

— E se — vamos apenas supor — Ark, você, a pessoa mais forte e celebrada da capital, me escoltasse —

— Sua Excelência, esse lugar não é adequado para alguém de sua posição nobre. Embora eu certamente possa derrotar os fantasmas, não é um ambiente que a carne viva possa suportar. Nós também enfrentamos nossas dificuldades lá desta vez.

Ao ouvir a resposta imediata de Ark, o Marquês Sandrine soltou um gemido frustrado, mas não disse mais nada.

Ocasionalmente, nobres imprudentes em Zebrudia levavam seu exército particular para explorar cofres de tesouro, apenas para encontrar tragédia.

Explorar com um fardo a reboque era muito mais desafiador do que apenas lidar com o próprio cofre, e ainda mais quando o fardo era uma pessoa a ser escoltada. Para os caçadores, poderia ser uma grande oportunidade de estabelecer conexões com nobres, mas frequentemente o indivíduo escoltado acabava morto.

E assim, numa tentativa de mudar completamente o assunto, Sandrine balançou a cabeça vigorosamente. Ele colocou um sorriso profundo e algo afável no rosto, mas o brilho nos olhos era incrivelmente afiado.

— Agora, Ark, eu me pergunto: você pensou sobre nossa discussão anterior?

Ark permaneceu em silêncio.

O Marquês Sandrine havia abordado Ark várias vezes para recrutá-lo como seu caçador privado.

Os caçadores eram considerados os ativos mais poderosos que um nobre podia possuir em Zebrudia. Não importava quantos cofres de tesouro de alto nível existissem em seus territórios; seriam inúteis para os nobres sem caçadores capazes de recuperar os tesouros lá dentro. E assim os nobres estavam ansiosos para adquirir caçadores excepcionais, e Ark e seus companheiros estavam particularmente em destaque.

Ser um caçador reservado significava priorizar os pedidos do nobre em troca de certas recompensas. Embora reduzisse sua liberdade, não era de forma alguma um mau negócio para os caçadores. Tal arranjo simbolizava status e poderia vir com vários benefícios materiais; poderia até permitir adquirir novos parceiros excepcionais por meio de conexões e obter acesso a cofres de tesouro restritos. Acima de tudo, essa nomeação servia como o mais próximo que um caçador podia receber como prova definitiva de sua confiabilidade, uma qualidade altamente valorizada pela Associação dos Exploradores. Era como receber o selo oficial de aprovação da classe dominante de Zebrudia, uma potência mundial. Apenas se tornar um caçador privado já poderia elevar seu nível.

Mas Ark balançou a cabeça com um sorriso gentil.

— É uma honra, mas minhas desculpas, senhor.

— Hmmmm, os Rodins não servem aos nobres, hein? O primeiro Rodin certamente deixou para trás um preceito familiar bastante incômodo.

— Ainda temos coisas que devemos fazer. Por favor, nos perdoe gentilmente.

Solis havia sido uma figura digna do nome de herói, mas parecia que ele havia enfrentado algumas disputas difíceis com pessoas no poder. E como resultado disso, Solis estabeleceu um preceito familiar que sem dúvida desempenhou um papel na prosperidade dos Rodins.

No entanto, essa não era a única razão pela qual Ark não servia aos nobres — ele ainda não havia alcançado o que buscava como caçador.

Como o Marquês Sandrine mencionara anteriormente, uma parcela nada insignificante dos nobres afirmava que Ark era o mais forte da capital. Embora alguns pudessem ser tendenciosos, sua afirmação não estava necessariamente errada. Mesmo os caçadores enfraqueciam com a idade e nenhum caçador permanecia no auge para sempre. Ark ainda estava na casa dos vinte anos e tinha grande potencial para o futuro.

No entanto, opiniões sobre quem seria o próximo mais forte da capital dividiam os caçadores em dois campos.

Com uma expressão descontente, Lord Sandrine disse:

— O Mil Truques, hein? — um nome que se espalhou rapidamente nos últimos anos.

Novamente, Ark permaneceu em silêncio.

— Ouvi esse nome muitas vezes — continuou o marquês. — Seu nome carrega tanto fama quanto infâmia. Certamente eu não imaginava que chegaria o dia em que outro caçador ameaçaria a posição dos Rodins…

Foi como um raio em céu azul.

Ele nunca teve rival. Claro que considerando apenas força havia alguns indivíduos que superavam Ark. Porém eram todos pessoas que haviam trilhado o caminho da caça por muito mais tempo — pessoas que Ark estava destinado a superar num futuro próximo. Ark costumava apenas olhar para aqueles acima dele e isso bastava. Quem poderia imaginar que alguém da mesma geração surgiria como rival para Ark Rodin?

As palavras do Lord Sandrine afirmando que a posição de Ark Rodin estava ameaçada eram equivocadas. A palavra "ameaçar" não existia no dicionário dos Rodins. Se surgisse alguém capaz de rivalizá-lo ele apenas confrontaria essa pessoa diretamente e com justiça. Na verdade isso era algo desejado por ele: preferia não continuar sozinho nesse caminho.

Ali Ark recordou-se do rosto daquele jovem homem e falou com uma expressão amarga:

— Mas Sua Excelência... ele — o Mil Truques — na verdade não está motivado…

— Mmwuh...?!

Os feitos do Mil Truques eram inegáveis. No entanto, ao mesmo tempo, o homem permanecia um enigma para Ark. Krai Andrey era um homem misterioso, perpetuamente tranquilo e com uma postura relaxada. Para piorar, suas atividades diárias sequer eram aparentes. Ultimamente, ele nem mesmo se aventurava nos cofres de tesouro com seu grupo, tornando impossível competir com ele—era completamente elusivo.

Notando a postura respeitosa de Ark, o marquês decidiu mudar de assunto e disse:


— Bem, de qualquer forma. Mas, Ark, lembre-se disso: nós, a nobreza do império, estamos do seu lado. Devemos uma dívida de gratidão à Casa Rodin, independentemente do que sua família pense sobre isso.

— Obrigado. É uma honra.

— Ah, a propósito, um convidado da festa, Lord Gladis, mencionou que gostaria de falar com você. Seria ótimo se pudesse visitá-lo antes de retornar à capital. Ele mencionou algo sobre você ensiná-lo a manejar a espada? Meu Deus, vocês da família Rodin são verdadeiramente valentes e admiráveis.

Ark riu e acenou em resposta enquanto o Marquês Sandrine dava de ombros de forma brincalhona.

***

Diante da casa do clã Primeiros Passos estendia-se a rua principal, onde pessoas e carruagens passavam incessantemente. Uma caminhada de cerca de dez minutos por essa rua levava a um caminho estreito e, no final dele, estava uma casa isolada com telhado vermelho—a casa da aprendiz de Liz, Tino Shade. Era uma casa adorável, completa com um pequeno jardim plantado com flores minúsculas; uma residência que não se associaria imediatamente a um caçador à primeira vista. Era espaçosa para uma única ocupante; talvez ela estivesse considerando a possibilidade de ter um parceiro romântico morando ali algum dia.

Visitando a casa da minha júnior pela primeira vez em muito tempo, eu estava procurando por Liz. Sem um lugar fixo para chamar de lar, ela frequentemente ficava no campo de treinamento do clã, na casa de sua mestre—antiga Sombra Partida—ou na casa de sua discípula Tino, agindo como se fossem suas próprias residências. Ela era realmente um espírito livre.

Após minhas batidas na porta e um breve silêncio, uma voz baixa respondeu. Não era o tom familiar que Tino usava ao falar comigo; era sua voz formal.

— Sou eu, sou eu. Vim procurar pela Liz.

A propósito, Sitri estava aqui comigo também.

— Oh?! Mestre?! U-Um momento por favor!

Sons apressados vinham do interior da casa, seguidos por um momento de silêncio antes que a porta se abrisse lentamente.

Espiando pela fresta da porta, ela abriu um largo sorriso ao confirmar meu rosto. Após o tumulto que os eventos no lounge haviam causado em meu coração no outro dia, agora me sentia em paz.

— Mestre! Pensar que viria à minha casa! Por favor, entre. Desculpe-me, mas Lizzy está no chuveiro—!!!

Foi tudo o que Tino conseguiu dizer. Ao me ver, ela corou e ficou em silêncio com os olhos arregalados.

Não era minha primeira vez visitando a casa dela e ela sempre me recebia calorosamente. Tenho que dizer: ela é uma ótima júnior.

— Desculpe pela visita inesperada... Vou embora assim que encontrar Liz…

— Não, não, não. De forma alguma! Se estiver tudo bem para você, Mestre, sinta-se sempre bem-vindo para visitar mesmo sem motivo específico…

Ela é tão doce que quase não dá para acreditar que é realmente aprendiz da Liz. Mas bem... Eu raramente saio da casa do clã então dificilmente viria aqui “só para passar o tempo”. Ainda assim sua consideração é realmente tocante. Deveria levá-la para comer bolo na próxima vez.

— Ah! Comprei chá delicioso e biscoitos em preparação para o Mestre vir a qualquer momento! Lizzy vai demorar no banho então por favor aproveite os petiscos!

Vê-la tão animada me fez sentir meio culpado.

Quando estava prestes a entrar seguindo Tino com seu sorriso radiante, Sitri, que estivera silenciosa atrás de nós todo esse tempo, falou com uma voz calma:
— Eu também estou aqui, sabia? T?

— Hã...? Uh... S-Si... ddy?!

O sorriso dela desapareceu instantaneamente.

Tino chamava Liz de “Lizzy” devido ao vínculo fraternal entre elas e chamava sua irmã mais nova Sitri de “Siddy”. Embora apenas Liz fosse mentora de Tino, ela também chamava Lucia de “Lucy”. Para Tino—uma filha única—isso provavelmente refletia a irmandade escolhida que compartilhava com as garotas como se fossem realmente suas irmãs mais velhas.

Sitri gentilmente empurrou minhas costas e entrou na casa comigo fechando a porta atrás de nós.

— Já que não pudemos nos cumprimentar adequadamente da última vez... há quanto tempo não nos vemos T?

— S-Sim... Faz tempo Siddy. Peço desculpas por não ter conseguido cumprimentá-la direito.

Em pânico total Tino continuava inclinando a cabeça em desculpas repetidas—a reação completamente oposta àquela quando falava comigo.

Embora geralmente fosse derrotada por Liz durante os treinos parecia achar lidar com Sitri ainda mais desafiador. Por outro lado Sitri parecia ter simpatia por Tino... Bem provavelmente havia várias razões por trás disso tudo.

— Hmm está tudo bem... Não se preocupe? Todos estávamos ocupados naquela hora inclusive Krai. Fico feliz em vê-la agora já que não tivemos chance recentemente…

— Eek?! — gritou Tino, enrijecendo como um sapo sob o olhar atento de uma cobra enquanto os olhos rosados e translúcidos de Sitri a perfuravam com seu olhar penetrante.

Indiferente à reação exagerada de Tino, Sitri entrou casualmente no cômodo e olhou ao redor.

A casa de Tino estava impecavelmente organizada. O lugar mal tinha pertences além do mínimo necessário de móveis, e claramente carecia de qualquer sensação de vitalidade. Não havia sinais de hobbies ou interesses pessoais, mas podia-se dizer que isso refletia bem a personalidade de Tino.

— T, você parecia tão animada em ver Krai finalmente aparecer, mas por que não disse algo como “você é sempre bem-vindo” para mim?

— C-Claro, foi minha falha! É só que... fiquei um pouco surpresa... Você também é sempre bem-vinda... Siddy.

Os olhos de Sitri brilharam enquanto ela se aproximava da obviamente nervosa Tino, tão perto que alguém poderia confundi-las com duas pessoas prestes a se beijar. Lambeu os lábios e colocou a mão na bochecha de Tino.

— T, como você está? Ficou mais forte novamente? Minha irmã tem sido dura com você?

— S-Sim. E-Eu estou bem.

— Se Lizzy for dura demais com você, me avise, certo?

— E-Eu estou bem. S-Sério, estou bem.

Ao som da voz incomumente persuasiva e animada de Sitri, Tino estremeceu com um arrepio repentino. Ela me olhou com uma expressão lacrimosa.

...Sim... uh-huh...

Como se conduzisse um exame minucioso, Sitri olhou profundamente nas pupilas escuras de Tino.

— Se as coisas ficarem difíceis, me avise a qualquer momento, certo? Pode contar comigo — e eu vou te deixar muito mais forte com muito menos esforço do que sendo aprendiz da minha irmã.

— !

— Você não precisará passar por treinamentos difíceis achando que vai morrer. Tenho certeza de que será fácil para você com seus talentos. Posso até recomendar sua entrada nos Grieving Souls imediatamente se isso parecer bom para você.

— Siddy...! V-Você está muito perto!

Os dedos de Sitri deslizaram da bochecha de Tino, traçaram o contorno do pescoço dela e tocaram sua clavícula. Seu braço esquerdo envolveu as costas de Tino, bloqueando efetivamente qualquer tentativa de fuga. Sitri, uma Alquimista, e Tino, uma Ladina, deveriam ter níveis diferentes de habilidades físicas, mas o corpo esguio de Tino simplesmente tremia e não mostrava sinais de resistência.

O nariz de Sitri moveu-se ligeiramente enquanto ela farejava o aroma dela.

Seus dedos acariciaram o ombro avermelhado de Tino, traçando-o como se confirmasse sua forma. Continuaram pelo braço superior e desceram. A cada centímetro da pele que os dedos de Sitri tocavam, o corpo de Tino tremia levemente.

— Músculos da mais alta qualidade moldados pelo combate e uma estrutura corporal esguia acompanhada por sentidos aguçados — este é o corpo saudável de uma Ladina caçadora especializada. Seu sangue, sua carne e seus ossos estão todos bem polidos e transbordando talento. Oh, Krai, por quê? Eu queria que você tivesse me dado ela em vez da Lizzy... Eu poderia tê-la tornado perfeita!

— ?! Por favor, Mestre, me salve...!

Parece que Sitri não terá uma aprendiz tão cedo.

Ela está olhando para uma pessoa como quem olha para um rato de laboratório?

Sua mão brincava com o corpo de Tino enquanto se movia impiedosamente: amassava seus seios, acariciava sua barriga e tocava suas coxas expostas pelos shorts — parecia exatamente como uma cobra devorando lentamente um sapo. A cada toque, Tino tremia e soltava pedidos fracos por ajuda.

— Está irradiando. Ah, tão adorável — continuou Sitri. — Se ao menos você fosse um garoto! Então seria tão simples quanto apenas acasalar com você. Mas como é uma garota... vou precisar escolher um parceiro adequadamente para evitar erros…

Ok, isso está saindo do controle.

Finalmente intervi ali.

— Certo, já chega. Lembre-se: Tino é aprendiz da Liz afinal.

— Haaaaahh... Sim... ela é.

Com um suspiro profundo, Sitri afastou-se e Tino, aparentemente no limite, recuou até encostar-se a uma parede.

Ela devia estar realmente aterrorizada; afinal, Tino — que não recuava nem diante dos fantasmas mais assustadores — parecia prestes a chorar.

— Desculpe; eu estava só brincando. Você parecia tão feliz que eu não resisti em te provocar um pouco — disse Sitri como desculpa, embora suas ações até agora não parecessem nada “só brincadeira”.

Tino parecia pensar o mesmo enquanto cobria o peito com os braços e exibia um rosto pálido.

— Mas escute-me. Parece que a T gosta muito do Krai mas não gosta tanto assim de mim; reagiu como se o namorado dela tivesse aparecido para passar tempo juntos do nada. Eu gosto muito da T também — é razoável eu sentir um pouco de ciúmes, não acha?

Não acho.

Provavelmente Tino era apegada a mim porque eu era praticamente a única pessoa capaz de parar Liz.

Então Sitri direcionou sua atenção para mim e cutucou meu ombro como se estivesse emburrada.

— E além disso, Krai nunca vai à minha casa passar tempo... Não deveria também estar indo à minha casa se passa tempo na da T?

— O tempo voa sempre que estou na sua casa. Além disso, você está sempre ocupada.

— Vou liberar minha agenda para você tanto quanto quiser.

Diferente de Liz e eu, que tratávamos a casa do clã como nosso lar próprio, Sitri possuía uma propriedade na capital. Eu já havia passado algum tempo na casa dela algumas vezes e ela sempre me recebia calorosamente.

Era uma casa fantástica mas também tinha o lado negativo de ser confortável demais. Sitri me conhecia bem demais e sabia exatamente como me agradar nos pontos certos. Na primeira vez que fui à casa dela até fiquei sem palavras ao perceber que duas semanas haviam passado sem eu notar. Posso ser um completo desastre às vezes.

Com Tino ainda mostrando sinais de medo segui-a até seu quarto. Não havia nada na sala de estar também; as mesas e cadeiras estavam polidas à perfeição; eu não conseguia imaginar o que Liz e Tino poderiam ter feito ali afinal.

— Então, T — disse Sitri —, você arrumou tudo às pressas pensando: ‘Ah não! O Krai veio à minha casa.’ Não foi? Este lugar está limpo demais.

— Huh?! N-Não, n-n-não é isso de jeito nenhum?!

Entendi... Então ela deve ter arrumado tudo às pressas agora há pouco, quando ouvi aqueles sons apressados vindo de dentro.

Eu realmente não me importava se o quarto dela estivesse bagunçado, mas decidi não insistir no assunto.

Tino parecia um pouco envergonhada, mas se sentou e preparou chá para nós de forma atrapalhada, sem dizer uma palavra. Junto com o chá, ela também trouxe alguns biscoitos de uma confeitaria famosa, da mesma onde eu já havia comprado lembrancinhas antes.

— Então, o que te trouxe até a Lizzy? — perguntou Tino.

— Ah, não é nada importante. Bem, como Liz e Sitri voltaram sãs e salvas da expedição ao cofre de tesouro, pensei que poderíamos ir todos juntos à taverna.

Caçadores que arriscavam suas vidas explorando cofres de tesouro frequentemente comemoravam seu retorno seguro com um grande banquete. Era a forma deles de celebrar o sucesso, elogiar os feitos uns dos outros e fortalecer seus laços; também servia como fonte de motivação para a próxima aventura.

No caso do nosso grupo, como eu, sendo o líder, não os acompanhava nas missões, era costume que sempre que o grupo retornasse realizássemos um banquete festivo para ouvir as histórias das aventuras deles. E cada relato sobre a dureza e crueldade das aventuras me fazia apreciar ainda mais a tranquilidade do meu papel como mestre do clã e, ao mesmo tempo, me fazia sentir um pouco mais culpado.

— Entendi... Isso parece maravilhoso. Eu adoraria fazer isso também algum dia.

— Eu te recomendaria para o grupo num piscar de olhos se dependesse de mim — respondi.

— N-Não, isso não é necessário. Sou aprendiz da Lizzy e esperarei até que tanto ela quanto você, Mestre, aprovem.

Tino corou e sorriu timidamente. Em seus olhos, vi um brilho de anseio.

Certo... Ir à taverna só nós três pode ser um pouco solitário; talvez eu devesse levar Tino também.

Enquanto continuávamos conversando agradavelmente enquanto apreciávamos os deliciosos biscoitos, os olhos de Tino se arregalaram ao ouvir sobre os eventos no lounge.

— Espíritos Nobres, você disse? Eu me sinto... desconfortável perto dessas pessoas. Talvez sejam as diferenças raciais, mas de qualquer forma, os olhares deles para com o próprio mestre do clã estão longe de serem apropriados!

— Calma, T. As pessoas vêm em todos os tipos — disse Sitri calmamente à Tino, que estava incomumente ressentida.

— E além disso, Espíritos Nobres são uma raça sobre a qual quase não há pesquisas; tê-los por perto é algo bastante afortunado, sabia? Agora que eles desceram à nossa sociedade humana, desde que tomemos cuidado para não irritá-los, tudo ficará bem. Além disso, aqueles corpos com aptidão mágica excepcional deles são partes biológicas... particularmente úteis, eu diria.

— ?! Mestre...!

— É só uma piada ao estilo Sitri.

— Apenas deixe-os dizer o que quiserem. Afinal, esses Espíritos Nobres que dependem das qualidades físicas inatas deles não são páreo para Krai. Com seu pensamento simples e direto, eles são mais fáceis de lidar do que humanos com princípios e ideologias tão variados.

— É... uh-huh…

Eu realmente não me importava muito com isso, mas gostaria que ela parasse de me envolver em todas as suas declarações.

De repente, uma voz abafada veio do fundo da sala. Era uma voz familiar.

— T! T?! Estou sem toalha aqui?!

— Entendido!!! Vou levar uma agora mesmo.

— Não te disse da última vez para garantir que tivesse uma pronta antes? Puxa…

Tino começou a se levantar da cadeira, mas antes que pudesse fazê-lo ouviu-se o som de uma porta se abrindo com um estrondo.

Do banheiro emergiu um corpo de pele bem bronzeada. Entrando na sala com confiança como se dissesse que não tinha nada a esconder, ela arregalou os olhos ao nos avistar — Sitri e eu.

A única coisa adornando seu corpo era um anel de platina em torno dos tornozelos — suas Apex Roots. Seus longos cabelos úmidos grudavam na clavícula enquanto gotas escorriam por sua pele impecável até seus tornozelos brilhando como um reflexo radiante.

Ao meu lado Tino soltou um grito agudo:

— Lizz—?! O Mestre está—

— Yo! E aí? Não é o Krai Baby aqui? Heh heh, te peguei me procurando enquanto estou no banho! Que safadinho você é!

— Liz! Vá se vestir direito antes de entrar! Quantas vezes preciso te dizer isso?! — disse Sitri.

Liz entrou na sala com um sorriso inocente no rosto. Sem perder tempo Sitri moveu-se atrás de mim e cobriu meus olhos.

Na escuridão senti uma pele quente e úmida entrar em contato com minha mão.

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— Siddy?! Por que você está cobrindo os olhos dele?

— Tenha um pouco de consideração! Não está vendo que o Krai está desconfortável?

— Ah, qual é, não tenho nada para esconder do Krai Baby — você não está desconfortável, certo?

— Estou.

Zebrudia ostentava uma grande variedade de lojas voltadas para caçadores de tesouros: havia instalações de treinamento, lojas de armas e armaduras, lojas especializadas em Relíquias e até mesmo corretores de informação que lidavam exclusivamente com notícias sobre fantasmas e monstros. Também era possível encontrar lojas que ofereciam serviços de caçadores de aluguel, permitindo que aventureiros contratassem membros temporários para seus grupos.

Entre essas opções, as tavernas eram um dos tipos de estabelecimento mais comuns em Zebrudia. Os caçadores de tesouros adoravam álcool, e a maioria dos grupos comemorava suas conquistas e sua sobrevivência em suas tavernas favoritas, festejando após saírem vitoriosos de cofres repletos de perigos. Eles brindavam às conquistas uns dos outros, celebravam a sorte de terem sobrevivido a mais um dia sem incidentes e comiam e bebiam quase como se estivessem lavando suas emoções — seja a euforia, a empolgação ou o medo.

Os caçadores consumiam comida e bebida em quantidades muito superiores às de uma pessoa comum, e como eram conhecidos por serem um tanto rudes, havia diversas tavernas na capital voltadas exclusivamente para esse público. Esses lugares priorizavam quantidade em vez de qualidade, servindo bebidas em volumes absurdos. O simples fato de ser possível pedir álcool por barril já dava uma ideia da imensidão das porções disponíveis.

Junto com Sitri e a elegantemente vestida Liz, cheguei à nossa taverna de sempre, o Pavilhão do Galo Dourado.

O Pavilhão Dourado era uma marca de tavernas voltadas para caçadores, com várias filiais espalhadas pela capital, e cada uma delas era famosa por pratos exclusivos. Liz sempre priorizava quantidade em vez de sabor, e Sitri geralmente aceitava qualquer sugestão minha, então a responsabilidade de escolher a taverna sempre recaía sobre mim.

Tino me olhou com uma expressão meio apreensiva e perguntou:

— Mestre, tem certeza de que posso ir também?

— Claro! — respondi. — Quatro é mais animado que três, afinal.

E então, fui pego de surpresa pelo choque visível no rosto de Tino quando Liz disse:

— Você vai ficar para trás.

Ao abrirmos as grandes portas duplas, feitas sob medida para caçadores musculosos, fomos imediatamente engolfados pelo cheiro forte de álcool. A taverna estava lotada de caçadores que haviam encerrado suas explorações nos cofres de tesouros mais cedo e estavam agora celebrando o fim do dia.

Uma caçadora robusta deu um chute em um homem completamente bêbado que estava desmaiado no chão, arrastando-o até um canto. Mesmo ao ser jogado contra a parede, ele começou a roncar ruidosamente, alheio a tudo. As armas encostadas contra cada mesa deixavam claro que aquele lugar pertencia a caçadores. Os gritos de raiva, as risadas bêbadas e as discussões acaloradas, que costumavam me aterrorizar quando comecei minha jornada como caçador, agora não passavam de um ruído de fundo familiar.

Aquilo era um banquete de heróis.

A cena que eu havia imaginado nos tempos em que admirava os caçadores agora se desenrolava diante dos meus olhos: um lugar onde apenas os fortes e dedicados eram celebrados, e os fracos eram descartados — um lugar que eu jamais conseguiria entrar sem Liz, Sitri ou os outros.

— Sim! Consegui o lugar bem ao lado do Krai Baby! Siddy, você pode sentar do meu outro lado. Não precisa ficar perto dele.

O garçom nos guiou até uma mesa redonda nos fundos da taverna, e Liz imediatamente pegou o assento ao meu lado direito, toda animada. As mesas da taverna eram feitas para acomodar grupos grandes, mas, como sempre, Liz estava sentada perto demais. Normalmente, isso não me incomodaria, já que Anthem, Luke e os outros costumavam estar por perto, mas hoje, comigo sozinho e três garotas (visualmente) fofas ao meu lado, era impossível não atrair olhares.

— Tanto faz, não me importo, mas... Você não deveria sentar ao lado da T? — disse Sitri. — Ela é sua aprendiz, afinal, e além disso, eu tenho algo para conversar com o Krai.

Com um sorriso largo e completamente imune à presença intimidadora de Liz, sua irmã mais nova segurou o braço de Tino. A garota se encolheu, tremendo, talvez ainda traumatizada pelo que acontecera na frente de sua casa mais cedo.

A mentora olhou para sua aprendiz ansiosa e decidiu não mencionar o assunto.

— Ah... Ah... Tudo bem — disse Liz. — T vai estar servindo, então nem precisa de um assento. Traga os pratos e bebidas que eu pedir! Para começar, vá buscar cerveja dourada — dez canecas grandes, e rápido, por favor.

Pobre Tino! Até eu teria dito algo nessa situação. Pega leve com nossa mascote, vai. Estar sentada ao lado da Sitri já vai deixar ela no limite.

— Tino, o lugar à minha esquerda está livre, por que não se senta aqui comigo?

— Hã?! P-Posso?!

Por um momento, Tino ficou boquiaberta antes de abrir um sorriso radiante.

E então, me dei conta.

Será que... Será que isso é o que chamam de "uma flor em cada braço"? Sempre achei que aquele Ark, que anda cercado de beldades e está sempre no modo harém, era ridículo, mas... uau... Isso... Isso é incrível.

Mas, surpreendentemente, não é nada superior.

Acho que devo me desculpar com ele na próxima vez que nos encontrarmos.

Ao meu redor, as flores venenosas e cheias de espinhos — Liz e Sitri — lançavam olhares ameaçadores para a pobre florzinha inocente — Tino.

— Tsk... Se o Krai Baby diz... Mas T, eu te mato se me fizer passar vergonha.

— T, o Krai às vezes não consegue manter as mãos longe. Então, sabe, ele pode tentar fazer com você algo parecido com o que eu fiz. E, T, você não conseguiria recusar se ele tentasse, não é? É melhor deixar um ou dois lugares vazios entre vocês, só por precaução.

Enquanto Liz resmungava, Sitri tentava espalhar um rumor desagradável sobre mim, tudo com um sorriso no rosto.

Será que a Sitri realmente me vê assim?

Tino se aproximou cautelosamente e se sentou ao meu lado esquerdo, com as costas perfeitamente retas e uma postura impecável. Talvez por causa das palavras de Sitri, seu pescoço ficou vermelho — e ela estava adorável daquele jeito. Não pude evitar sentir um enorme alívio e conforto ao estar entre os membros do meu clã.

(Claro, Liz e Sitri também têm suas qualidades...)

Então, as bebidas foram servidas. Liz, Sitri e Tino receberam cada uma uma caneca extra grande da famosa cerveja dourada da taverna, enquanto na minha caneca havia um líquido âmbar, um chá especial com uma tonalidade semelhante ao uísque. O licor dos Caçadores tinha um teor alcoólico elevado; se eu tivesse escolhido o que elas estavam bebendo, meu fígado não sobreviveria à noite.

Assim que levantamos nossos copos, Sitri e Liz brindaram com grandes sorrisos, enquanto Tino, apreensiva, seguiu o exemplo.

— Bem, pode ser um pouco cedo, mas um brinde ao retorno seguro de Liz e Sitri do Palácio Noturno! Saúde!

Com isso, nossos copos se chocaram e fizeram um tilintar harmonioso.

O banquete havia começado.

— Hã? Apareceu um Espadachim mais forte que o Luke? Por quê... Isso não é justo! — disse Liz, batendo sua caneca vazia na mesa, seus olhos brilhando com um perigo latente.

Em resposta ao comportamento da irmã, Sitri riu suavemente e traçou o centro do braço esquerdo com o dedo.

— A culpa é sua por ter voltado tão cedo... Luke ficou radiante. Ele investiu sozinho no momento em que viu que o oponente empunhava uma espada, e acabou sendo espancado com um único golpe. Ele deveria saber melhor quando o adversário não era humano... Que cara imprudente.

Como sempre, tinham histórias impressionantes para contar.

Caçadores de alto nível eram aberrações, mas os fantasmas que residiam nos cofres do tesouro que eles tentavam conquistar geralmente eram ainda mais resistentes do que eles. Mesmo que Luke fosse um homem que dedicou sua vida ao caminho da espada e fosse considerado um dos melhores Espadachins da capital, ele ainda não era páreo para os monstros extravagantes que habitavam os cofres de alto nível.

Isso era especialmente verdadeiro para os Grieving Souls, que sempre ultrapassavam seus limites ao desafiar cofres do tesouro que mal estavam dentro de sua liga. O cofre que haviam conquistado dessa vez, o Palácio Noturno, era um cofre de Nível 8. Como a média de nível dos nossos membros era um pouco abaixo de sete, eles ainda não haviam atingido o nível recomendado para enfrentá-lo. E pelo que acabei de ouvir, essa foi apenas mais uma aventura exaustiva como sempre.

Mas, ao vê-los voltando com sorrisos como esses, provavelmente era melhor eu não dizer nada sobre isso. No começo, eu ficava apreensivo com as ações imprudentes dos meus amigos próximos, mas agora eu confiava neles. Embora Luke e os outros geralmente agissem sem consideração pelos demais, minhas palavras ainda tinham peso sobre eles—afinal, eu era o líder do grupo. Portanto, eu precisava escolher bem o que dizer.

Sobre a mesa, grandes pratos cheios de comida, que Tino havia pedido, ocupavam todo o espaço disponível. Empilhados sobre os pratos havia uma montanha de karaage, batatas fritas, carne grelhada com osso, fish and chips e até mesmo macarrão com molho de carne. Essa quantidade daria para eu comer por uma semana inteira; só de olhar, já me sentia cheio.

E... batatas fritas e chips são a mesma coisa! Também não há salada—não estamos comendo vegetais o suficiente...

Sitri, depois de esvaziar sua caneca de um gole só, soltou um suspiro um tanto erótico, mas seu olhar não mostrava nenhum sinal de embriaguez.

Apesar do nome "cerveja", a cerveja dourada tinha um teor alcoólico superior a trinta por cento, sendo forte o suficiente para embebedar até mesmo Caçadores.

Eu me pergunto o que está acontecendo dentro do corpo dela.

Até mesmo Tino, que estava timidamente bebendo de sua caneca, de alguma forma já tinha consumido uma quantidade semelhante de álcool.

Liz, por outro lado, segurava ferozmente um grande pedaço de carne assada com osso de origem desconhecida, levantando-o e mordendo com entusiasmo.

Sitri, de maneira um pouco mais elegante, cortava seu bife com faca e garfo, realizando movimentos que seriam dignos de uma nobre, se não fosse pelo tamanho do bife, que mais parecia um enorme pedaço de carne bruta.

As três eram vorazes, com apetites que ultrapassavam o nível saudável.

Eu me pergunto para onde toda essa comida desaparece.

Notando meu olhar em sua barriga bronzeada, que nunca parecia inchar, não importava o quanto ela comesse, Liz se inclinou e envolveu suavemente meu braço com o dela.

Sorrindo radiante como uma flor em plena floração, ela disse:

— Hmm? O que foi, Krai Baby? Por que parece que não está comendo?

Não era que eu não estivesse comendo; era só que Liz e as outras estavam comendo demais. Sempre achei que as porções aqui eram grandes demais: um único pedaço de karaage e eu já ficava satisfeito—eu comia devagar.

Olhando para mim, o comedor leve, Sitri esboçou um sorriso irônico.

— Você não terá força suficiente se não comer direito. Mesmo a magia de cura do meu irmão mais velho não será tão eficaz se ele não se alimentar bem.

— É, também fico com muita fome quando tenho que regenerar um braço ou uma perna com isso... Krai Baby, você vai passar aperto em emergências se não se alimentar bem. Deixa eu te dar comida. Aqui, abra a boca. Aaah—

Espero muito que uma emergência dessas nunca aconteça...

Liz lambeu os lábios e segurou algumas batatas fritas bem na frente dos meus olhos. Embora ser tratado assim em público fosse embaraçoso até para mim, Liz, que possuía um coração de aço, não aceitava desculpas desse tipo. Talvez ainda houvesse alguma bondade nela, já que pelo menos me ofereceu algo fácil de comer nessa posição.

— Liz, você está indo rápido demais. Por mais que sejamos Caçadores, temos nossos limites. Você vai acabar ficando bêbada nesse ritmo, sabia? E se desmaiar de novo, como da outra vez?

— Estou perfeitamente bem. E isso não é nada; pode muito bem ser só água! Vamos, Krai Baby, diz ‘aaah’ para mim? — respondeu Liz com as bochechas levemente coradas e uma voz melosa, ignorando o conselho de Sitri.

Meu braço estava pressionado firmemente contra o peito dela. Com tanta insistência, eu não podia recusar. Relutantemente, eu estava prestes a abrir a boca quando percebi que Tino, sentada ao meu lado, arregalou os olhos. No entanto, seu olhar não estava voltado para mim, nem para Liz, que segurava algumas batatas fritas em uma mão.

— Vamos, vamos, Krai Baby. Diz ‘aaah.’

— Aahum.

Aceitei as batatas fritas oferecidas e, então, segui o olhar de Tino: seus olhos estavam fixos em Sitri. Com um sorriso no rosto, Sitri mexia sua caneca de cerveja dourada com um mexedor.

...Hmm? Mas isso não é um coquetel—é cerveja dourada.

Mastigando distraidamente as batatas fritas salgadas, Liz, aparentemente satisfeita, finalmente soltou meu braço.

A essa altura, Sitri já havia removido o mexedor.

Repreendendo Liz, que havia retornado à sua posição original, Sitri disse:
— Poxa! Liz, você está incomodando o Krai de novo...

— Não é incômodo nenhum, certo, Krai Baby? — perguntou Liz com um sorriso.

Eu não poderia balançar a cabeça em discordância.

— Krai, você é muito indulgente com a Liz... Se ela ficar bêbada até cair, eu paro ela, tá?

— Eu não vou ficar bêbada até cair. Siddy, o que você tem visto em mim esse tempo todo? Já superei faz tempo algo tão banal quanto álcool—

Como se quisesse provar seu ponto, Liz virou a caneca de cerveja que estava à sua frente.

Tino soltou um pequeno grito.

O líquido dourado na caneca, que estava cheia até a borda, desapareceu num piscar de olhos.

Batendo a caneca vazia na mesa, Liz disse:
— A propósito, Siddy, você é da Akasha—?!

Mas antes que Liz pudesse continuar, seus olhos perderam o foco, e seu corpo balançou violentamente. Os pratos empilhados fizeram barulho quando ela quase perdeu o equilíbrio, conseguindo se segurar na beirada da mesa no último momento. Sua respiração estava pesada, e seu olhar vagava sem rumo, como se estivesse tonta.

— Viu, Liz? Eu te avisei... — disse Sitri com um suspiro, rindo enquanto arqueava levemente os olhos.

Liz sacudiu a cabeça vigorosamente e ergueu os olhos desfocados para Sitri, lançando-lhe um olhar acusador.

— Si...ddy... Você batizou minha bebida?!

— Ei! Não joga essa culpa em mim! Além disso, Liz, achei que você já tinha ‘superado faz tempo algo tão banal quanto drogas’. Não é mesmo, T?

— E-eu... eu não vi nada. Eu não vi nada mesmo.

Tino, com lágrimas nos olhos, apertou sua própria caneca e balançou a cabeça freneticamente.

Em nossa breve estadia na taverna, Liz já havia esvaziado sete canecas. Talvez por estar há um tempo sem visitar um lugar assim, parecia que ela estava bebendo num ritmo bem acelerado. Apesar de tudo, Liz ainda era humana; então, com essa quantidade de álcool, ela certamente ficaria pelo menos um pouco bêbada.

Apesar da fama sombria do apelido de Sitri, ela não era alguém tão cruel a ponto de batizar a bebida da própria irmã—ainda mais porque não teria motivo para isso.

Enquanto isso, eu tentava acalmar Liz, que parecia prestes a avançar.

— Calma aí, Liz. Sitri não fez nada. Você só deve ter bebido um pouco demais.

— Hã?! Tá falando sério, Krai Baby? Você não vai ficar do meu ladooo?!

Liz parecia genuinamente chocada, algo raro de se ver.

Mesmo que ela diga isso... você ia começar uma briga desse jeito, não ia? Por mais que eu tentasse, não dava pra não sentir pena da Sitri.

— Estou falando sério. Seríssimo. E não é questão de tomar partido. Então, quer um chá? Talvez eu tenha dado um gole sem querer.

— Claroo.

Parecendo desanimada, Liz pegou a caneca de chá que lhe foi oferecida com as duas mãos e virou tudo de uma vez.

Beber era uma coisa, mas ela também deveria considerar o ritmo. Se a Liz, que era de alto nível, entrasse numa bebedeira frenética e começasse a causar, provavelmente quase ninguém conseguiria detê-la. Se as coisas saíssem do controle, ela poderia até ser banida do lugar. E não seria a primeira vez, o que seria uma baita dor de cabeça.

Sitri colocou duas canecas de cerveja dourada na frente de Liz, que finalmente havia se acalmado. O líquido translúcido e dourado cintilava dentro das canecas. Aparentemente, mais bebida havia sido servida.

Pratos e copos continuavam a ser trazidos para a mesa assim que terminávamos a última rodada; provavelmente porque Liz havia, sem cerimônia, pedido comida para dez pessoas. Ela mesma se colocou nessa situação.

— Tá vendo, Liz? Os pedidos que você fez mais cedo chegaram agora. Que tal um concurso de bebida? Faz tempo que não fazemos um. Podemos até apostar toda a conta da noite—

— Yeaaaaaaah?! Você vai batizar de novo, néééé?! Não fica toda metidaaa! Só porque o Krai Baby te perdoa não quer dizer que eu vou, okaaay?! — disse Liz com a voz arrastada de uma bêbada brigona.

Liz não só ainda insistia que Sitri havia batizado sua bebida, como Sitri também estava tentando fazer a já bêbada Liz participar de um duelo de bebedeira. E ainda por cima, tinha colocado a conta da noite na aposta sem nem perguntar.

Eu disse que ia cobrir a conta, então me deixa pelo menos fazer isso...

Pensei em conferir o dinheiro na minha carteira sem que percebessem, mas então percebi que a tinha deixado no quarto ao enfiar a mão no bolso.

Liz agarrou a gola de Sitri e a levantou do chão, mesmo estando cambaleante. Seu olhar agora estava completamente fixo nela.

Ainda assim, Sitri não parava de sorrir.

— Não se esqueça — disse Liz. — Eu te dei uma mããão pra fazer aquele golem, apesar de tuuudo! Você, pirralha, claramente tá fazendo contramedidas contra cada um de nóóós!

— Krai, me ajuda, por favor. Minha irmã mais velha está fazendo acusações infundadas contra mim...

— Pode anotar! Aquela desgraça inútil não vale nadica sem a resistência deleee! Ele só é durááável, mais nada! Se o Luke tivesse aqui, ele já teria cortado aquele trambolho bem no meião!

— Isso é só porque ainda não fizemos nenhum treinamento de combate! Com mais uns ajustes, até alguém como você—

— Ouviu issooo?! Krai Baby, você ouviu?! É tudo culpa da Siddy! Bota a Akasha na lista das vítimas dela tambémoo!

Isso é novidade—ela já tá assim depois de só sete canecas.

Liz largou Sitri e se jogou em mim enquanto soltava mais besteiras. Segurei seu corpo e afaguei sua cabeça.

— Pronto, pronto. Você tá sendo paranoica demais. Foi graças à Sitri que conseguimos resolver o caso dessa vez, todo mundo sabe disso.

— Krai Baby?! Você sabe de tudo, sabe simmm! Por queee tá do lado da Siddy?

Bom, eu não estou, na verdade.

Não era questão de ficar do lado da Sitri só porque era a Sitri, mas sim porque o que Liz dizia parecia mais que ela só queria arranjar confusão, enquanto Sitri tinha um ponto. Bom, no fundo Liz provavelmente nem acreditava de verdade que Sitri era culpada disso.

Sitri olhou para mim com uma expressão meio enfeitiçada.

Eu admitia que adorava a Liz, mas não planejava fazer julgamentos tendenciosos por causa disso—imparcialidade era uma das poucas virtudes que eu possuía, afinal.

Sitri empurrou uma das canecas na direção de Liz.

— Liz... vamos lá. Vamos fazer um concurso de bebida, tá bom? Não se preocupa, mesmo que você fique detonada, eu cuido de você e te coloco na cama. Você pode fugir com o rabo entre as pernas se não aguentar... Ou, se já estiver se sentindo tão mal assim, talvez seja melhor se deitar? Ei, T, você cuida da Liz, não cuida?

— Eu não vi nada, não ouvi nada...

Tino estava completamente inútil no meio da chamada briga entre irmãs. Parecia que hoje era um dia de azar para ela.

Liz obviamente ficou provocada, seus olhos brilhando, e ela se balançou ao se levantar. Tentando se despertar, ela bateu forte nas próprias bochechas com as duas mãos.

Segurando firme a caneca à sua frente, ela rugiu:

— Yeaaah?! Co...como quiser, Siiiddy! Quem você pensa que é? Sua merdinha de irmãzinha. Não ache que pode me vencer só porque colocou veneno na minha bebida!

— Claro que você diria isso, Liz. Mas eu não envenenei nada... Seu espírito é impressionante, apesar de estar quase desperdiçada. Por favor, pega leve comigo...

Soltando uma risada curta, Sitri pegou a caneca gigantesca à sua frente, assim como Liz fez. Apesar de ser apenas uma competição de bebida, a atmosfera era semelhante a um duelo.

Tino olhou para Liz, um tanto preocupada.

Mas por que Liz ainda insiste que Sitri colocou veneno na bebida...

Foi então que tive uma ideia brilhante. Não querendo me gabar, mas eu era bastante confiante quando se tratava de mediar discussões.

Estalando os dedos, me dirigi às duas participantes prestes a começar a competição de bebida e disse:

— Antes de começarem a competição, por que não trocam as canecas? Sabe, Sitri com certeza está se sentindo desconfortável com toda essa suspeita, e, Liz, isso é aceitável, certo?

— O quê?

Dessa forma, ninguém sairia infeliz. Certamente os sentimentos de Sitri não seriam feridos por algo tão trivial também. Eu estava confiante na minha solução, mas, por alguma razão, o sorriso de Sitri congelou ali mesmo.

Liz pegou a caneca das mãos paralisadas de Sitri e empurrou a que estava segurando para ela. Virou tudo de uma vez e limpou os cantos da boca. Um sorriso triunfante surgiu em seu rosto.

— Hmph. O carma é uma desgraça! Você realmente achou que Krai Baby ficaria do seu lado? Nos seus sonhos! Você deveria ter desistido antes; isso é o que você ganha por tentar algo engraçadinho! Se for uma nova droga que pode penetrar minha resistência, você não vai sair impune, Siddy! Eu bebi a minha; agora, beba a sua, sua merda. Beba! Beba! Beba!!!

Com Liz pressionando-a, os olhos de Sitri se mexiam inquietos. Sua mão estava prestes a alcançar a bolsa de poções pendurada na cintura, mas parou abruptamente sob o olhar de Liz.

Elas brigam com tanto carinho. Sério... Elas parecem estar se divertindo muito...

Com a boca cheia de um chá gelado que acabara de chegar, olhei em volta da taverna. Cada mesa estava tão animada quanto a nossa, o barulho era quase ensurdecedor, mas de alguma forma agradável. Era bom experimentar algo assim de vez em quando.

Com um humor sentimental, voltei meu olhar para Liz e vi que ela e Sitri ainda estavam discutindo. Apesar de suas muitas diferenças, como o olhar nos olhos, altura e tamanho dos seios, ao vê-las lado a lado assim, ficava evidente que eram de fato irmãs.

Reprimindo um bocejo, falei casualmente:

— Vocês duas são bem próximas, hein? Ah, talvez eu devesse pegar um sorvete— Tino, você quer também?

— Mestre...— ela disse, murchando e afastando a cadeira das duas, como se tentasse se distanciar delas, — obrigada.

Mas Sitri não parecia mais composta há pouco tempo? Me pergunto por que as coisas mudaram...

O material de mana aprimorava todos os aspectos das habilidades de um caçador, não apenas suas capacidades físicas brutas, mas também seus sentidos, como visão, audição e tato— até mesmo sua resistência a toxinas era aumentada. E é por isso que as bebidas servidas em bares para caçadores tinham um teor alcoólico absurdamente alto: eles não ficavam bëbados com álcool normal. Caçadores de alto nível eram completamente diferentes por dentro.

O Mil Truques não era exceção a esse fenômeno: quase nunca vi Liz, Sitri ou os outros ficarem bëbados nos últimos anos. Ainda assim, algo estava errado aqui. O rosto de Liz estava vermelho enquanto ela virava uma nova prata ale (que ostentava o dobro do teor alcoólico da ale dourada, famosa por ser inflamável). Sitri estava sorrindo por fora, como sempre fazia, mas seu olhar estava claramente desfocado.

Os únicos sóbrios eram eu, que não tinha tocado em uma gota de álcool, e Tino, que estava se encolhendo para tentar evitar chamar a atenção de suas duas "irmãs" enquanto esvaziava silenciosamente seus copos.

Soltando um barulho incomum, arrastado e inarticulado, Sitri se agarrou a mim. Ela estava completamente bëbada.

— Kraaai, você não estava me tratando como uma carteira mágica que cospe dinheiro sozinha?

— É, aham...

— Sniff, sniff... Liz, você ouviu ele? Krai me trata apenas como uma mulher conveniente.

— Cobre ale, em um barril. E me traga tudo desta parte do menu. Siddy, carteira!

— Sniff, sniff...

Com uma mão, afastando Sitri, que fingia chorar de se jogar em mim, Liz gritou um pedido de comida absurdamente vago.

Nossa mesa se transformou em um caldeirão de caos. O cheiro de álcool no ar era tão forte que poderia deixar alguém tonto apenas por estar por perto, e pratos vazios se acumulavam na mesa um após o outro. Os clientes que antes me olhavam com inveja agora estavam de olhos arregalados, espantados com os modos de Liz e Sitri ao comerem.

Um carrinho trouxe um barril com uma torneira, mais largo do que um abraço poderia envolver.

Liz roeu ferozmente o osso de carne e depois virou o líquido marrom-avermelhado de uma vez.

— Aaah... Isso é tão bom... Faz tempo que eu não fico bëbada... Bom trabalho, Siddy. Me traz mais uma rodada!

— Ugh... Liiiz, sua resistência cresce rápido demaaaais... Isso era para ser minha cartada final... Sua tolerância aumenta em instantes, não importa o quão forte eu faça... Talvez eu devesse desistir de fazer elas...

— O quê? Mas esse não é o seu trabalho, Siddy? Quem vai construir nossa resistência se você não fizer isso?

Sniff, sniff... Kraaai, a Liz está me tratando como uma mulher conveniente!

— Ei!!! Siddy! Para trás! Eu disse nada de tocar no Krai Baby! Nada de tocar... N-Ã-O, não! T, proteja esse lado para mim!

— Sim, madame.

— Eu te emprestei mais de uuuum bilhão de gild! Vou fazer você me pagar com seu cooorpo!

Com Sitri tentando dar a volta, Liz abriu os braços bem largos para bloqueá-la. Pelo visto, ela ainda estava bem.

Se fosse uma briga de verdade entre irmãs, eu teria separado as duas, mas Sitri parecia bastante satisfeita, apesar dos gritos. A gentileza era uma das muitas virtudes de Sitri.

— Que bom que vocês duas estão se divertindo. A propósito, Sitri, acho que... eu esqueci minha carteira...

— Mestre... você é um demônio...

Sniff, sniff...

Se Ansem estivesse aqui, ele cobriria para mim—e eu sempre pagava ele depois.

Os Grievers sempre funcionaram na base do dar e receber. Embora eu raramente "desse", talvez eu tenha "recebido" mais da Sitri do que de qualquer outro. Eu simplesmente não conseguia evitar depender dela.

Enquanto eu me desculpava mentalmente, a porta de entrada se escancarou com um estrondo.

A algazarra diminuiu um pouco quando um grupo grosseiro chutou a porta e entrou no estabelecimento—provavelmente um grupo de caçadores. Era uma equipe consideravelmente grande para uma taverna, com oito homens, todos armados até os dentes. Os oito tinham físicos robustos e intimidadores, típico de caçadores, mas a presença imponente deles enquanto varriam a taverna com os olhos exalava uma forte sensação de ameaça.

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Tino franziu a testa e sussurrou:

— Esses são os novatos...

Caçadores excepcionais, sejam eles nacionais ou estrangeiros, se reuniam na capital de Zebrudia. E como caçadores não toleravam ser menosprezados, os recém-chegados costumavam estar sempre em alerta. Muitos acabavam entrando em conflito com os caçadores já estabelecidos na capital. Isso era quase um rito de passagem. Havia até mesmo alguns caçadores ridículos que provocavam outros de propósito para estabelecer hierarquias—e era exatamente essa a atmosfera que senti emanando do grupo que havia acabado de entrar.

Para mim, o mais problemático era que muitos desses novatos nunca tinham ouvido falar do nome "Mil Truques". O apelido era bem conhecido entre os caçadores da capital, mas fora dela, o mundo era vasto, e mesmo que alguns tivessem ouvido o nome, poucos reconheciam meu rosto. Em outras palavras, eu era um alvo fácil para ser provocado por conta da minha aparência frágil.

O homem no centro era enorme. Ele usava um conjunto de protetores de perna ligeiramente desgastados, mas incrivelmente robustos, de coloração cinza. Sua armadura era minimalista e feroz, cobrindo apenas as partes essenciais, combinada com um casaco marrom-castanho. Sob sua cascata de cabelos louro-escuros naturalmente desalinhados, exibia uma expressão visivelmente descontente. Ele carregava uma espada maciça nas costas, semelhante ao jovem Gilbert, mas seu físico era muito diferente, exalando uma aura intimidadora muito mais poderosa.

Com quase dois metros de altura, seu corpo também era proporcionalmente mais largo. Seu porte era comparável ao de Gark. O caçador mais imponente que eu conhecia era, sem dúvida, Ansem, mas esse homem facilmente entraria no top dez.

Pelo menos, ele não era um novato. Seria mais adequado chamá-lo de um renomado caçador estrangeiro.

Encolhendo meu corpo, silenciosamente esperava que isso não se tornasse algo problemático.

Enquanto isso, Sitri observava atentamente o homem que parecia ser o líder e soltou um suspiro fervoroso.

— Esse corpo está magnificamente bem treinado; até mesmo sua postura é refinada. O material de mana nele é de primeira linha também. Ele deve ser um caçador de alto nível. Aaaah... Que maravilhoso!

— O quê? Sitri, você gosta desse tipo de cara? Eca.

Liz cruzou as pernas com confiança e riu, enquanto Tino também olhava para Sitri com surpresa.

Impassível diante dos olhares delas, Sitri continuava a encarar o homem com olhos ardentes.

— Liz, você não entende. No fim das contas, a força física básica é crucial para um tipo masculino... Caçadores de alto nível com altas taxas de absorção e limites de material de mana são simplesmente perfeitos. O que você acha, Krai?

E, de repente, fui colocado no centro das atenções.

Hmm... Parece que Sitri gosta mesmo de machos.

Ela era do tipo quieta, então eu imaginava que seu gosto para homens também tenderia para os mais reservados. Mas parecia que havia coisas sobre ela que até eu não conhecia.

Com um leve toque de solidão indescritível, respondi:

— É, aham, músculos são importantes mesmo.

— Eu sabia! Você é o cara, Krai! Você entende, ao contrário da Liz! Matadinho foi feito de remendos, e sua integridade está um pouco... você sabe, desgastada. E sua aparência é um tanto desconcertante, então levá-lo por aí causa certa comoção—estava pensando se não deveria conseguir mais um guarda-costas. Cara, isso é tão bom; me pergunto qual é o nível dele... Queria ter trazido Matadinho comigo. Gostaria de ver como eles se comparam...

Senti que a conversa de alguma forma não estava se conectando.

Com olhos de donzela apaixonada, Sitri encarava o caçador. Sitri era essencial para nosso grupo, mas se algum dia ela quisesse partir, eu apoiaria sua decisão. Cada um tinha seu próprio caminho, e eu não tinha direito de impedir ela, ou qualquer outra pessoa. Eu tinha certeza de que chegaria o dia em que todos os membros dos Grieving Souls seguiriam suas próprias jornadas.

— Você, saia do meu caminho.

Espero que ele pare de agir assim.

Os novatos não perderam tempo em provocar outros caçadores. Aproximando-se de uma das mesas, um deles bateu a cabeça de um caçador completamente embriagado sobre a mesa sem dizer uma palavra.

O som de pratos se estilhaçando ecoou. A atmosfera esfriou instantaneamente, e o alvoroço na taverna cessou.

O capanga que tinha esmagado a cabeça do caçador era um homem de cabelos longos presos para trás. Com um sorriso intimidador, ele olhou para os outros caçadores na mesa, que foram pegos de surpresa pelo ataque repentino.

— Cara! Qual é, velho? Tem outros lugares disponíveis—!

Ignorando-os, os novatos expulsaram os caçadores da mesa à força.

Os caçadores estavam em desvantagem numérica, e alguns estavam embriagados também. Mas, acima de tudo, os novatos pareciam muito acostumados com esse tipo de ação. Embora os caçadores da mesa tivessem suas armas por perto, elas foram chutadas para longe antes que pudessem alcançá-las, e logo foram cercados e espancados.

Era absurdo que eles ainda não tivessem sido presos. Isso já não era um crime? No entanto, curiosamente, esse nível de violência não era considerado um crime entre caçadores, contanto que as vítimas também fossem caçadores. Como essa era uma profissão relativamente violenta e a reputação importava, as vítimas raramente denunciavam. Além disso, se fossem presos por esse tipo de violência, Liz e Luke estariam em sérios apuros, então eu não podia realmente me opor. O mundo em que vivíamos era insano.

O clima animado tinha sido arruinado, mas Liz, por algum motivo, estava com um brilho nos olhos.

Umedecendo minha garganta com um chá, observei a situação.

Lá, um dos capangas se anunciou em voz estridente.

Todos os olhares na sala se voltaram para eles.

— Escutem bem! Somos a Falling Fog de Nebulanubes, a Terra das Brumas. E gravem bem isso: este homem aqui é conhecido como o caçador mais poderoso da Terra das Brumas—Arnold Hail, o Trovão Devastador!

Permanecendo em silêncio diante da apresentação do Capanga A, um homem, que presumi ser Arnold, recostou-se arrogantemente na cadeira e cruzou os braços.

Os atendentes, percebendo a confusão iminente, discretamente se afastaram.

Arnold... Um Arnold de Nebulanubes, hein? Sinto que ouvi esse nome em algum lugar recentemente... Onde foi mesmo?

Franzi a testa e inclinei a cabeça, mas minha memória estava turva sob a influência do forte cheiro de álcool.

Enquanto isso, a hipnotizada Sitri observava o capanga e sua patética tentativa de intimidação.

Desistindo de tentar lembrar, soltei um suspiro profundo e me ajeitei na cadeira.

Sério, se eu estivesse sozinho, já estaria pagando a conta e indo embora.

Então, um capanga respirou fundo e, com um tom solene, disse algo inacreditável:

— Escutem bem, seus caçadores idiotas da capital—Arnold aqui... é um Nível 7!

O quê...?! Ele disse "Nível 7"? Quer dizer que esse cara, na companhia desses capangas de quinta categoria, está no mesmo nível que Ark? Cara, esse mundo realmente enlouqueceu.

Na realidade, os critérios para certificação de níveis pela Associação dos Exploradores não eram padronizados. Enquanto alguns ramos focavam apenas em habilidades de combate, outros valorizavam mais a personalidade. Mas, de qualquer forma, um homem que espancava outros caçadores sem hesitação ser reconhecido como Nível 7 era uma prova alarmante do declínio da honra dos caçadores.

Vou adicionar isso à minha lista de coisas para zoar o Gark da próxima vez que o vir.

Ao ouvir essas palavras, Liz arregalou levemente os olhos e inclinou a cabeça.

— Entendi... A Terra das Brumas, hein... Nunca estivemos lá antes, não é, Krai Baby? Se você fosse de lá também, não seria um Nível 10?

— De jeito nenhum, de jeito nenhum... Acredito que um Nível 9 ou 10 exigiria que filiais do mundo todo se reunissem para avaliar as circunstâncias— E eu nem quero subir de nível, para começar.

— Bem... se eu esmagar esse cara, talvez eu possa virar Nível 7 também?

— Hmm... Matadinho com uma base de Nível 7... Eu adoraria conhecê-lo melhor. Ei, Krai, posso ir? Provavelmente eles não conhecem ninguém aqui, já que são novatos—talvez essa seja uma oportunidade?

Liz soltou um suspiro profundo, enquanto Sitri parecia inquieta.

Ninguém se preocupava com os caçadores espancados.

Bem, acho que eu terei que me preocupar por eles.

Nível 7—mesmo que fosse uma avaliação de um país pequeno, ainda era um nível impressionante o suficiente para fazer um oponente pensar duas vezes.

Eram oito deles. E mesmo que o Relâmpago Estrepitoso não estivesse à altura do nível, ainda estavam todos armados.

Preciso admitir que estar embriagado nos colocava em desvantagem.

Confirmando que ninguém havia se manifestado em resistência, Arnold zombou dos caçadores com um sorriso presunçoso.

— Heh. Nada além de covardes... Acho que até mesmo a capital não é grande coisa. Você, traga bebida e mulheres para mim.

— Entendido.

Capanga A começou a vasculhar a taverna, mas, infelizmente, eram poucas as tabernas voltadas para caçadores que tinham atendentes atraentes.

Com os olhos semicerrados, ele percorreu o local até me ver monopolizando três garotas no fundo da taverna. Seus lábios se curvaram em um sorriso maldoso.

Opa, pera lá. Ele está realmente pensando em mexer com caçadoras de outros grupos? Isso é permitido na Terra das Brumas? Que tipo de lugar desorganizado é esse?

Vai ser ruim se eles começarem a me menosprezar—até eu estou pronto para brigar. Você tem certeza? Eu vou lutar pelo menos. Tino também vai, e Liz ainda mais. Tem certeza mesmo? Sitri? Hmm... na verdade, não sei sobre ela...

Tino parecia bastante contrariada.

Capanga A se aproximou da nossa mesa e sorriu. Mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, Liz ao meu lado se levantou.

Olhando para o surpreso Capanga A, que arregalou os olhos com essa reviravolta inesperada, Liz corou e disse com um sorriso radiante:

— Oh? Quer que eu sirva sua bebida? Bem, acho que não posso recusar, posso?

— L-Lizzy?! Eu posso ir em seu lu—

— Esquece. Sente-se. Eu vou mostrar—como—se—faz.

Colocando o dedo nos lábios de forma provocante, Liz piscou para a atordoada Tino.

Esse é o olhar dela quando está prestes a aprontar algo.

Ela estava vestida de forma reveladora e, embora não tivesse muitas curvas, se olhasse bem, dava para notar um pouco de busto. Sua pele bronzeada exalava um charme saudável. Seu rosto era atraente e, para quem não conhecia sua verdadeira natureza, ela provavelmente parecia encantadora.

— Ei, Liz, isso não é justo!

— Quem chega primeiro, bebe primeiro!

Capanga A olhou para mim como se eu fosse um covarde.

O que eu deveria fazer?

Liz pegou um caneco e despejou uma cerveja de cobre avermelhada do barril.

Com uma expressão duvidosa, o nariz do Capanga A se contraiu por um instante. Ele deve ter percebido pelo cheiro que o conteúdo era uma bebida extremamente forte.

Mas antes que pudesse expressar sua dúvida, Liz começou a caminhar com o caneco na mão. Aproximando-se da mesa de Arnold, ergueu o caneco, mantendo seu sorriso.

— Você queria bebida, não queria? Como estou de bom humor, vou lhe oferecer uma especial. Oh, não, Liz, como você é generosa!

E então, sem cerimônia, ela virou o caneco e despejou todo o líquido na cabeça de Arnold.

— O quê—?!

— Vou lhe dar o caneco também. Oh meu! Isso também serve como desinfetante! Dois coelhos com uma cajadada só! Isso é uma nova invenção, talvez?

E logo depois de dizer isso, ela bateu com o caneco na cabeça encharcada de Arnold.

Ela abriu um sorriso radiante e não hesitou nem um pouco.

Os companheiros de Arnold ficaram boquiabertos com as ações dela.

Ah... Ela fez isso.

Arnold e sua gangue podiam estar acostumados a brigas, mas para Liz, bater nos outros fazia parte da rotina diária. A palavra "aviso" simplesmente não existia no vocabulário dela. Ela era a Sombra Partida, uma garota que desferia golpes em uma velocidade divina, sem deixar rastros.

Arnold segurou a cabeça e cambaleou. Talvez ela o tenha acertado em um ponto crítico.

Ainda assim, Liz não demonstrou um pingo de misericórdia.

Mantendo o sorriso no rosto, ela ergueu a perna bem alto e, com chutes giratórios, mandou os Capangas B, C, D e E — que ainda tentavam entender a situação — voando. Os quatro homens grandes e totalmente armados, junto com as mesas ao redor que estavam no caminho, rolaram pelo chão como bonecos de pano. Seus movimentos eram ágeis, e sua força, como sempre, absurda.

O primeiro homem que veio para cima de Liz recobrou a consciência e assumiu uma postura defensiva, mas já era tarde demais. Ele levou mais um dos chutes relâmpago de Liz e foi magnificamente lançado pelo ar, levando comida e bebida junto. Ele até tentou levantar o braço instintivamente para se defender, mas Liz, equipada com suas botas Relíquia, desferia chutes como se fossem disparos de artilharia. Aqueles chutes estavam em um nível que nenhum caçador comum poderia suportar.

Os caçadores ao redor estavam completamente atônitos. Os mesmos que tinham começado a violência agora estavam sendo esmagados por uma violência ainda maior. Não era de se estranhar que todos estivessem com essas expressões. Eu mesmo estava do mesmo jeito. Quem visse essa cena pela primeira vez reagiria exatamente assim.

Depois de lidar com eles, Liz alegremente jogou a caneca sem alça de lado e agarrou Arnold, que ainda estava meio consciente, pelo cabelo. E, sem hesitar, começou a esmagar a cabeça dele contra a mesa repetidas vezes. Ela estava totalmente decidida a acabar com ele.

Bem, eles começaram essa briga, então, de certa forma, isso foi apenas o resultado das próprias ações deles...

Sitri se levantou e, com um gemido, se jogou para cima de mim como se estivesse desabando.

— L-Liz, isso é maldade! Eu disse que queria ele. Você sempre pega tudo o que eu quero... Krai, pode dar uma bronca nela, por favor?

— Isso provavelmente não funcionaria.

Gritos e rugidos furiosos ecoavam pela taverna.

Enquanto Sitri se agarrava ao meu pescoço, enroscando os braços em mim, eu comecei a dar tapinhas reconfortantes na cabeça dela.

Tino, por outro lado, olhava para Sitri como se estivesse vendo um demônio.

Olhei ao redor da taverna. Não estava completamente destruída, mas os danos eram severos.

Agora que começavam a entender a situação, os caçadores ao redor começaram a torcer para o furacão chamado Liz.

A coisa já tinha saído do controle.

E quem vai ser culpado por tudo isso depois? Aposto que eu.

Levantei-me silenciosamente.

Acho melhor eu pagar a conta o mais rápido possível...


Tradução: Carpeado
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