Seija Musou | The Great Cleric
Volume 01 Capítulo 03
[A Guilda dos Aventureiros]
Com meu primeiro feitiço em mãos, saí à procura de uma clínica que estivesse disposta a contratar um novato como eu, além de alguém para aprender. Infelizmente, segundo o que Kururu disse outro dia, certas clínicas poderiam me fazer mais de escravo do que de curandeiro, me deixando sem tempo para praticar as habilidades que eu realmente precisava. Foi aí que minha experiência em negócios entrou em cena. Eu ia me vender como pão quente. E onde? Em um lugar que provavelmente tivesse a maior necessidade dos serviços de um curandeiro: a Guilda dos Aventureiros.
— Ah... Hora conveniente para lembrar que eu não faço ideia de onde fica nada.
Fiquei um pouco decepcionado comigo mesmo por ter saído correndo da guilda sem nem saber para onde ir, mas certamente eu encontraria alguém. Respirei fundo e segui em frente.
Uma estrada ampla se estendia a partir da Guilda dos Curandeiros, com vários becos ao lado.
— Agora, se eu conseguir não me perder... — murmurei para mim mesmo.
Eu me sentia como um turista passeando por um país estrangeiro. Lojas e barracas vendiam frutas frescas e espetinhos de carne ao longo da rua, mas as duas peças de prata que eu tinha comigo não eram exatamente dinheiro para gastar à vontade. Só de imaginar carregar um monte de moedas de cobre como troco já me fez perder a vontade de comprar qualquer coisa. Além disso, preferia evitar atrair a atenção de batedores de carteira. Pensei em gastar uma prata para estocar ingredientes, mas sem uma renda fixa, não tinha essa confiança. Por enquanto, nada de comer fora.
— Mas, caramba, esses aventureiros... Espadas eu entendo, mas ver eles carregando esses machados enormes e sei lá mais o quê como se não fosse nada é meio assustador.
— Quer repetir isso? Quem aqui tem a cara assustadora?
— O quê...
Virei na direção da voz e dei de cara com aquele mesmo aventureiro intimidador do dia em que cheguei, junto com dois companheiros, todos me encarando. Nenhum deles estava sorrindo.
— Ei, você é aquele curandeiro com quem trombei outro dia, né?
— E-Eu sinto muito por aquilo — gaguejei. — Desde então, tenho me esforçado bastante e finalmente aprendi Cura, então posso usá-la em você como pedido de desculpas, se quiser.
— Como se eu tivesse machucado o bastante pra precisar dessa porcaria! Somos aventureiros, amigo — ele rosnou.
— Bazan, o garoto tá tremendo nas botas — um dos outros comentou. — Você fez algo com ele?
— Ah, eu ouvi ele falando algo sobre aventureiros e ser assustador, então achei que estivesse tirando onda, mas acho que entendi errado.
— Hah! Quem pode culpar o cara? Sua cara realmente é intensa — retrucou o terceiro.
— Cala a boca, Basura. E você, o que tá fazendo aqui, tampinha?
— Er, ah, bom, eu estava tentando ir até a Guilda dos Aventureiros, mas não sei o caminho, então acabei passeando por aí.
— Você ia pros cortiços vestido desse jeito? Tá querendo ser morto? Ou enganado e vendido como escravo? A escravidão pode ser ilegal aqui, mas isso não significa que você não vá ser roubado e largado numa vala.
Aparentemente, agir como um turista distraído me fez ir direto para a parte mais perigosa da cidade sem nem perceber. Meu sangue gelou.
— U-Um, vocês são aventureiros, certo? Podem me dizer onde fica a guilda? Eu realmente agradeceria. — Fiz uma reverência, mas ninguém respondeu. Lentamente, levantei a cabeça e eles me olhavam com as expressões mais confusas do mundo.
— Você é humano... certo? Não é meio-besta nem nada?
— Não, sou humano. Eu disse algo estranho?
— Você sabe que nós somos bestiais, né?
— Sei. Essa é a primeira vez que encontro algum.
— Sua primeira vez?
— Isso mesmo, então me desculpem se fiz algo ignorante que possa tê-los ofendido.
— Bazan, esse moleque não bate bem.
Bazan estalou a língua e suspirou, como se tivesse se rendido.
— Tá bom. Se somos sua primeira impressão, acho que podemos te levar até a guilda.
— Muito obrigado.
— Para de se curvar toda hora!
— Sim, senhor!
— Você vai fazer o moleque chorar, Bazan.
— Ele tem uma cara que só uma mãe poderia amar — os outros dois aventureiros brincaram.
— Basura, cala a boca. Sekiros, você guia.
— Beleza. E aí, qual é o seu nome, garoto?
— Luciel. Acabei de me tornar adulto e minha profissão é curandeiro.
— Luciel, hein? Nós somos a Linhagem do Lobo Branco, um grupo de aventureiros rank B.
— Rank B? Então vocês devem ser bem fortes.
Rank B devia ser bem acima de um aventureiro comum.
— Eh, mais ou menos. Enfim, chega de perder tempo, vamos logo.
— Sim, vamos.
Colocando o medo de lado, entreguei meu destino à boa vontade de Monsieur Sorte e segui o grupo bestial com fé.
— Você é esquisito, sabia, Luciel? — o bestial esguio chamado Sekiros sorriu.
Tentei devolver o sorriso, mas a tensão no meu corpo provavelmente o transformou em algo muito menos amigável. Eles não comentaram nada, no entanto, e me guiaram com segurança até a Guilda dos Aventureiros.
O prédio era mais que o dobro do tamanho da Guilda dos Curandeiros.
— Essa é a Guilda dos Aventureiros?
— Exatamente. É só entrar, ir até a recepção e resolver o que precisa.
— De verdade, muito obrigado. Vou me esforçar para ser útil caso vocês precisem de mim algum dia.
— Cara, só vai logo.
— Sim, senhor!
Incentivado pelo bestial Bazan, tomei coragem, entrei no prédio e congelei no lugar. O salão estava abarrotado, muito mais do que imaginei, e todos ali carregavam espadas como se fossem brinquedos. O que aconteceu com minha amigável Guilda dos Curandeiros? Por que as paredes desse lugar praticamente exalavam intimidação? Parecia que eu tinha entrado no esconderijo de uma gangue.
Adeus, preparação mental. Em momentos assim, só restava não pensar em nada, evitar contato visual e seguir em frente. Mirei na recepção e caminhei até lá com as pernas trêmulas. Indiferença parecia ser a melhor estratégia, já que ninguém me incomodou no caminho. Agora, só faltava falar com a recepcionista.
— Com licença, aqui é onde eu faço o registro na guilda?! — consegui dizer, nervoso.
Então, por um breve instante, o tempo parou para mim.
Era a primeira bestial que eu já tinha falado. Uma mulher-coelho de cabelos azul-escuros, vestindo um uniforme que lhe caía incrivelmente bem. Um único olhar foi suficiente para me cativar.
Mas eu não podia deixar transparecer. Engoli a seco, controlei meu coração disparado e me concentrei. Se eu parecesse deslumbrado ali, já conseguia imaginar os problemas que surgiriam. Algo como: “Quem diabos você pensa que é pra dar em cima da minha fulana?”. Se essa previsão fosse precisa, minha nova vida reencarnado terminaria em meros dez dias. E seria o fim.
Não, obrigado.

Os aventureiros ali estavam todos armados, mas isso era irrelevante. Visualizar-me enfrentando aqueles caras, todos do tamanho de lutadores profissionais, só me fazia imaginar meu próprio fim. Por essa razão, me fechei completamente, restringindo-me a falar apenas com a belíssima recepcionista e nada mais. Ainda assim, acreditava no fundo do meu coração que, um dia, nos conheceríamos melhor.
— É sim — respondeu ela com um sorriso. — Bem-vindo à Guilda dos Aventureiros. Por favor, preencha aqui com seu nome, raça e idade.
Ela me entregou um pergaminho, quase idêntico ao da Guilda dos Curandeiros, exceto pela ausência de um campo para local de nascimento, por algum motivo. Normalmente, eu faria uma pergunta para puxar conversa e aliviar meu nervosismo, mas, no momento, nem isso conseguia fazer.
— Agora, se puder colocar uma gota do seu sangue ou infundir um pouco da sua magia nesse cartão...
Prestando atenção aos detalhes, realizei o processo de registro de maneira casual. Peguei o cartão, infundi um pouco da minha magia nele e o devolvi.
— Obrigada... Senhor Luciel? Vejo que você tem a habilidade de Artes Marciais, então não há problemas quanto a isso.
Haveria problemas se eu não tivesse? Apesar das inúmeras perguntas em minha mente, me contive por enquanto. Finalmente, recebi meu cartão da guilda e me tornei oficialmente um aventureiro.
A recepcionista de orelhas de coelho então começou a disparar as regras e regulamentos da guilda. Eu assenti e respondi, mas nada do que ela dizia realmente penetrava em minha mente. O motivo? Bem, seriam os olhares intensos que sentia perfurando minhas costas. Não era um terror absoluto que me paralisava, mas eu definitivamente me sentia ameaçado. Sem dúvida, estavam exigindo saber por que diabos eu estava agindo tão amigavelmente com a "amada deles", ou pelo menos era o que meu instinto me dizia. A explicação extremamente importante dela entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
O que ficou gravado na minha cabeça foi que não era possível se registrar como aventureiro sem uma habilidade ofensiva e também os detalhes mais básicos sobre como aceitar pedidos. Felizmente, ela repetiu os pontos cruciais, como o fato de que falhar em uma missão resultaria em uma multa.
Basicamente, aventureiros ganhavam dinheiro completando pedidos, e a guilda ficava com dez por cento desse valor para manter as operações. Mesmo sem ter aceitado um único pedido, senti um calafrio percorrer minha espinha quando ela mencionou as penalidades e decidi que não aceitaria nada levianamente, pois um único erro poderia significar meu fim.
Obviamente, comecei no rank mais baixo, H. Ranks mais altos significavam armas e hospedagem mais baratas, além de prioridade nas missões mais desejadas. No entanto, considerei tudo isso irrelevante para mim, já que não tinha intenção de me tornar o "aventureiro mais forte" ou algo do tipo. Ainda assim, fiquei grato por ter adquirido a habilidade de Artes Marciais, já que pelo menos serviu para alguma coisa.
Depois que a recepcionista de orelhas de coelho terminou sua explicação, internalizei os pontos importantes e fui direto ao motivo real de estar ali.
— Obrigado por explicar tudo tão claramente. Agora, tenho uma pergunta. Aventureiros também podem fazer pedidos?
Suas orelhas balançaram enquanto ela inclinava a cabeça.
— Sim, certamente podem.
Ela era incrivelmente fofa, mas não havia espaço nos meus pensamentos para prestar atenção nisso. Pelo bem do meu objetivo e da minha sobrevivência, ignorei as lágrimas que meu coração chorava e iniciei uma negociação de negócios com a senhorita Orelhas de Coelho.
— Mais cedo, você disse que há uma área de treinamento subterrânea que aventureiros podem usar gratuitamente, certo?
— Sim, ela está aberta a todos os aventureiros — respondeu ela.
— Ótimo. Nesse caso, tenho um pedido. Gostaria de saber se seria possível me apresentar a alguém que possa me treinar na minha habilidade de Artes Marciais.
— Acho que isso pode ser providenciado, mas treinamentos particulares possuem uma taxa baseada no tempo de cada sessão. Isso seria um problema para você?
Ela parecia preocupada, o que não ajudava no caso de qualquer mal-entendido. Não, esqueça isso, o mais importante aqui era meu pedido.
Quanto custaria? Claro, não era como se eu estivesse pedindo trabalho voluntário, então fazia sentido ter uma taxa. Infelizmente, nem mesmo minha boa e velha Sorte Monstro poderia me garantir um treinamento gratuito o tempo todo. Ainda assim, se isso aumentasse minhas chances de sobrevivência, eu precisava fazer. Sem muito dinheiro em mãos, a única opção era uma negociação dura. Hora de ficar sério.
Primeiro, o custo.
— Quanto cobraria um instrutor decente e educado?
Eu podia acabar com algum brutamontes que me espancaria ao menor erro.
— Hmm, bem, depende do acordo, mas diria que em torno de uma prata por hora, mais ou menos.
Era uma quantia considerável, dada a minha situação atual. Como esperado, eu realmente teria que me esforçar na negociação. Respirei fundo e ativei o Modo Negociação.
— Se me permite uma sugestão, vocês costumam receber pedidos de cura aqui na guilda?
— Não... Eu não diria que recebemos — respondeu ela, um pouco surpresa.
Isso significava que não havia precedentes. Oferecer algo que normalmente não se faz ou que passa despercebido era um aspecto crucial em uma negociação. Sempre era possível optar por métodos mais seguros e ortodoxos, mas com o risco de ser facilmente rejeitado. Nesse caso, julguei haver a possibilidade de um relacionamento mutuamente benéfico oculto ali e rezei para que ela me ouvisse e levasse a proposta a alguém com autoridade para aceitá-la. Ela parecia hesitante, então dei um exemplo.
— E se, por exemplo, eu oferecesse minha cura para aventureiros feridos enquanto passo pelo treinamento? Isso serviria como pagamento? Supondo que meu instrutor seja um membro da guilda, acredito que isso beneficiaria ambas as partes. O que acha?
Agora ela definitivamente teria que levar isso a um superior. Se fosse recusado, eu teria que pensar em outra coisa.
— Isso... não é algo que posso decidir sozinha. Poderia aguardar um momento?
— Sim, claro. Fique à vontade.
Eu havia feito o que podia por ora. Agora era a vez de Monsieur Sorte. A ele, ofereci minhas orações.
No momento em que a senhorita Orelhas de Coelho saiu, meu Modo Negociação se desativou e as adagas invisíveis em minhas costas voltaram. Talvez porque eu estivesse me achando demais e colocando mais trabalho nela? Seja como for, essa era minha prioridade máxima e eu precisava fazer o que fosse necessário. Ainda assim, rezei pela minha segurança, fosse justificado ou não.
Por algum milagre, ou talvez pelo fato de que não a segui nem me movi um centímetro do balcão, os olhares hostis foram tudo com o que precisei lidar, por mais que quisesse que essa pressão sufocante diminuísse. Estavam me testando? Será que me deixar esperando ali por vários minutos fazia parte de algum ritual cruel de iniciação para novatos?
Finalmente, a recepcionista voltou, e eu soltei um suspiro de alívio. Ou melhor, tentei soltar, mas engoli de volta assim que vi quem estava com ela.
O homem que a acompanhava tinha uma cicatriz no rosto e uma presença tão esmagadora que parecia preencher toda a sala. Ele era mais alto do que eu, não exageradamente musculoso, mas sem dúvida alguém a se temer. Caso contrário, como poderia emanar uma aura tão intimidadora?

Apesar de tudo isso, suas roupas eram simples e feitas para o trabalho. Ele também não tinha nenhuma arma. Talvez fosse apenas um funcionário, e não um aventureiro.
— Você é o fedelho que sabe usar magia de cura? — ele perguntou com uma voz áspera e rude. Senti-me quase engolido pela sua presença.
Exceto pelo rosto, todas as partes do corpo que estavam visíveis exibiam cicatrizes de todo tipo, vindas tanto de lâminas quanto de monstros. Isso era prova suficiente para eu concluir que aquele não era um homem comum. Se por causa da falta de armas ou porque sua expressão feroz ainda parecia humana, comecei a me acalmar. Um dos meus clientes na minha vida passada era um CEO com um rosto assustadoramente semelhante, mas nunca se deve julgar um livro pela capa. Preconceitos machucam tanto você quanto os outros. Com isso em mente, fiz uma saudação adequada.
— Isso mesmo. Meu nome é Luciel, sou um aventureiro recém-registrado. Quero melhorar tanto minha magia de cura quanto minhas habilidades de combate, então pensei em receber treinamento em troca de curas.
— É mesmo? Você é um tipo estranho, pra um curandeiro. O que foi? Cansou do seu amado dinheiro? — Seus olhos me perfuravam como os de um caçador analisando sua presa.
A expressão "amado dinheiro" chamou minha atenção. Os olhares cautelosos ao meu redor só aumentavam minha suspeita. Era assim que as pessoas viam os curandeiros? O conhecimento que me foi dado por Deus não incluía essa resposta. Eu precisaria preencher essa lacuna depois. Por enquanto, aqueles olhares me faziam querer me encolher. Nem consegui suspirar, mas mantive a compostura o suficiente para ir direto ao ponto.
— Dinheiro é importante, mas agora preciso aumentar minhas chances de sobrevivência ao máximo. Por isso, como disse à recepcionista, gostaria de passar por um treinamento enquanto trabalho para cobrir o custo.
— Entendi. E você não parece estar falando besteira — ele disse. — Certo. Deixe-me me apresentar. Meu nome é Brod e sou o instrutor daqui.
— Prazer em conhecê-lo.
— Então, moleque, você tem a habilidade de Artes Marciais, mas por que um curandeiro iria querer habilidades de combate? — Ele me encarava intensamente, como se estivesse me avaliando, analisando minha alma.
Fingir não me levaria a lugar nenhum. Precisava ser honesto.
— Porque sou inútil em uma luta. Não estou nem remotamente preparado mentalmente para isso. Se eu saísse em uma jornada agora, até o monstro mais fraco poderia ser meu fim. Quero evitar isso. Quero me esforçar para ficar forte o bastante para me defender.
Brod assentiu e coçou o queixo, pensativo.
— Certo. Vou te contratar como curandeiro de Rank H para nosso campo de treinamento. Pagarei uma prata por hora. Você decide o tempo e a duração do treinamento. Quando pode começar?
Ele realmente aceitou me treinar. Talvez não fosse tão ruim assim.
— Daqui a três dias, se estiver tudo bem para você.
— Entendido. Nanaella, faça o favor de organizar tudo.
— Claro — ela respondeu. — Ah, Nanaella sou eu. Prazer em conhecê-lo.
— Nanaella, é? O prazer é todo meu.
Quando trocamos cumprimentos, tive a impressão—não, tive certeza—de que os olhares ao meu redor ficaram ainda mais intensos.
— Ahem — Brod pigarreou e, no mesmo instante, os olhos hostis se afastaram de mim.
Meu futuro instrutor com certeza era alguém fora do comum. Eu podia me ver ficando um pouco mais forte com ele me treinando. Depois de agradecê-los mais uma vez, deixei o local e segui de volta para a Guilda dos Curandeiros.
Felizmente, cheguei sem problemas, sem encontrar nenhum membro da Linhagem do Lobo Branco ou qualquer outro aventureiro.
— Você está pingando de suor, está bem?
Monica estava no balcão da recepção, e aparentemente eu estava encharcado. Estava tão desnorteado que nem tinha percebido até ela mencionar.
— Obrigado pela preocupação, mas estou bem. Acho que só suei um pouco correndo até aqui — sorri de volta e segui para o quarto que haviam me cedido.
Sentei-me na cama enquanto pensava nesses três dias que me restavam e decidi usá-los da melhor forma possível. Se não fizesse isso, dificuldades reais me aguardariam neste mundo. Pelo menos era isso que meu instinto dizia.
— Se eu não conseguir usar magia de cura corretamente, não duvido que Brod me jogue para escanteio. A possibilidade é bem alta. Se isso acontecer...
Os curandeiros não pareciam ser muito bem vistos, então eu poderia acabar na mira de alguns aventureiros. E as chances de isso acontecer comigo pareciam ser ainda maiores do que com um curandeiro comum.
Mas se eu ficasse preso a essas possibilidades, entraria em um ciclo interminável de preocupações. Então, decidi me esforçar ao máximo para ficar no lado bom de Brod e deixei por isso mesmo. Até que surgiu um pequeno problema.
Eu já esperava que a quantidade de experiência necessária para subir de nível aumentasse com o tempo, mas descobri que a quantidade de experiência adquirida também diminuía. Com uma imagem firme do ferimento na minha mente, visualizando os vasos sanguíneos, tendões e ossos, lancei Cura, mas, diferente de antes, minha experiência na habilidade aumentou apenas quatro pontos dessa vez.
— Isso significa que preciso aprender mais feitiços? Não, mesmo que aprendesse, só gastariam mais magia.
Pensar nesse quarto sem janelas realmente desgastava minha mente. Mas, se eu queria subir minha magia sagrada de nível, precisava lançá-la repetidamente.
— Pelo menos eu sei quantos pontos preciso, então minha vontade não vai se quebrar.
Meu objetivo estava traçado. Continuei lançando Cura, e apenas Cura, meditando e alongando para evitar sobrecarga mental. Minha única alegria era quando Kururu ou Monica traziam comida. Só esse pequeno gesto já acalmava meu coração. Há quanto tempo eu não me sentia tão feliz apenas por conversar com alguém?
E assim, escondendo esses sentimentos dentro de mim, meu curto treinamento intensivo de três dias com magia sagrada chegou ao fim. Como esperado, não consegui subir o nível da magia sagrada, mas, graças aos meus esforços, habilidades como Foco e Meditação subiram, junto com várias outras. Algumas habilidades pareciam ser mais fáceis de evoluir do que outras.
— Não vou virar um herói da noite para o dia. Não há motivo para me apressar.
Eu já havia conversado com Monica sobre a habilidade de Magia Sagrada uma vez. Ela me disse que chegar ao nível cinco antes dos vinte anos seria impressionante.
— Urgh, não acredito que me empolguei só por causa de uma promessa de encontro se eu conseguisse. Pensando bem, ela basicamente quis dizer que eu nem estaria na disputa a menos que fosse um prodígio de primeira classe.
Provavelmente esse era o truque mais velho do livro... O que todas as belas recepcionistas da Guilda dos Curandeiros usavam para dispensar as pessoas. E lá estava eu, dando o meu máximo por três dias por uma falsa esperança. Quanta ingenuidade da minha parte.
Soltei um sorriso irônico, fiz uma reverência em gratidão ao meu velho quarto e então subi as escadas.
Kururu estava de pé na mesa.
— Bom dia, Kururu — cumprimentei.
— Bom dia, Luciel. Se você já saiu do quarto, então isso significa...
— Isso mesmo. Muito obrigado por esses últimos dez dias. Sou imensamente grato a todos vocês por me ajudarem a chegar à linha de partida como um curandeiro.
— Agradeça a si mesmo. Você conseguiu treinar magia naquele quarto isolado.
— Você me lisonjeia.
— Você já tem um local de trabalho certo, não tem? Pode ser difícil no começo, mas sei que alguém esforçado como você vai se tornar um ótimo curandeiro. Continue firme, tá?
— Sim, senhora. Vou me dedicar para corresponder às suas expectativas. Obrigado mais uma vez.
— Trabalhe duro! E se algum dia encontrar a Senhorita Lumina, não esqueça de agradecê-la também.
— Com certeza, se algum dia nos encontrarmos. Certo, Kururu, estou indo.
Ela riu baixinho.
— Boa viagem.
Saí do prédio da guilda sentindo o olhar dela ainda em minhas costas.
O sol lá fora aqueceu minhas bochechas. Mais um dia de clima perfeito.
— Pensando bem — murmurei —, nunca vi chover desde que cheguei aqui. Embora eu tenha passado todo esse tempo preso naquele quarto, para ser justo.
Me surpreendi ao perceber que minha mente finalmente tinha espaço para se preocupar com algo como o tempo. A tensão que eu nem tinha percebido estar acumulando estava lentamente se dissipando. No entanto, assim que avistei um aventureiro, fui tomado por um medo que queria superar o quanto antes.
Mesmo com esses pensamentos girando na minha cabeça, cheguei à Guilda dos Aventureiros sem nenhum problema. Respirei fundo e entrei. O mesmo ambiente perigoso de antes ainda pairava no ar. Mas dessa vez, senti ainda mais olhares sobre mim. Ou será que era só coisa da minha cabeça?
De qualquer forma, apenas o pensamento de estar sendo observado fez meus joelhos tremerem. No meu trabalho na vida passada, eu já tinha recebido olhares parecidos quando precisava fazer vendas logo depois de fracassar nas metas, mas esse medo era incomparável.
Para não demonstrar mais fraqueza do que já sentia, me apressei até a recepção.
— Bem-vindo. Em que posso ajudá-lo? Veio fazer um relatório? Ou gostaria de registrar um pedido?
Para meu alívio, a recepcionista, dessa vez uma mulher humana de cerca de vinte anos, olhou para mim imediatamente. Parecia que a conversa seria mais fácil desta vez.
Mas, sério, por que essas recepcionistas são sempre tão deslumbrantes?
Ela percebeu que eu havia congelado e repetiu a pergunta. Agradecido por sua gentileza, comecei a explicar o motivo da minha visita.
— Sou Luciel. Fiz um pedido ao Brod, e também aceitei um pedido dele. Ele está por aqui?
— Você é aquele novo aventureiro, certo? Se puder me emprestar sua carta de aventureiro por um momento, vou processar o pedido... — A mulher me analisou de cima a baixo e realizou os procedimentos com eficiência mecânica. — Pedido processado, Senhor Luciel. Pode descer aquelas escadas. Acho que encontrará o Brod no campo de treinamento.
"Essa mulher sabe mesmo fazer o trabalho", pensei comigo. Embora não tenha dito isso em voz alta, fiz questão de agradecer antes de seguir adiante.
— Obrigado, farei isso.
Ela sorriu e fez uma reverência. Retribuí o gesto e desci as escadas.
No fim da escada, se estendia uma sala imensa, muito maior do que o primeiro andar — devia ter uns cem metros de cada lado, se eu tivesse que adivinhar. Ao redor do campo, havia uma pista separada para corrida.
— Esse lugar é enorme — murmurei sem pensar.
De repente, uma voz veio atrás de mim.
— Nada mal, hein? Bom trabalho por não ter fugido, pivete.
Girei surpreso e vi Brod, de braços cruzados e com um sorriso no rosto. Eu estava prestes a perguntar há quanto tempo ele estava ali quando senti uma pressão mortal no ar. Meu corpo reagiu por instinto.
— É aqui que eu morro.
Por um momento, acreditei genuinamente nisso. Minha respiração ficou irregular. Em toda minha vida, passada ou presente, nunca havia sentido um terror tão intenso. Nem mesmo quando aquela bala atravessou meu coração. Ouvi um som de algo tremendo. Só quando Brod dissipou sua aura assassina percebi que era o barulho dos meus próprios dentes batendo de medo.
Talvez ter pedido treinamento a alguém como Brod, que me submetia a uma pressão dessas logo de cara, tivesse sido um erro. Meu eu do passado me devia explicações. A sede de sangue durou apenas um instante, mas nesse curto tempo, eu já havia sucumbido. Assim que acabou, meu tremor cessou, mas minhas pernas quase desmoronaram.
Ainda assim, cerrei os dentes, respirei fundo e abaixei a cabeça com calma.
— O-Obrigado por me aceitar.
— Oh-ho, então você sentiu aquilo, mas não fugiu, hein? Achei que fosse se assustar e desistir.
— E-Eu preciso disso para sobreviver. Quero que me treine de verdade, desde o começo.
— Prove com ações, não com palavras. Vamos começar com o básico, sem moleza.
— Obrigado. Darei o meu melhor.
Um único olhar para o rosto sorridente de Brod, e seus olhos nada amigáveis, foi o suficiente para me encher de arrependimento. Fiz uma reverência mais uma vez.
O treinamento começou imediatamente. Primeiro, para avaliar minha capacidade física, ele me mandou correr pelo campo. E eu corri. E corri.
— Ei, ei, ei! Se mexe, molenga! Corre como se sua vida dependesse disso! Quer virar comida de goblin?! Porque é isso que vai acontecer com essa corridinha ridícula!
Corri e corri, sem fim à vista. Sempre que meu ritmo diminuía, Brod lançava insultos. Pelo menos, estávamos só nós dois ali, o que me poupava do risco de ter armas ou magia voando na minha direção. Mas, por outro lado, Brod não demonstrava nenhuma intenção de aliviar o treino.
"Eu realmente devia ter pedido alguém que ensinasse apenas a lutar..." Esse e outros pensamentos passaram pela minha mente enquanto eu continuava correndo, suportando os berros de Brod, até que, na quinta volta, meu corpo não aguentava mais e ele falou:
— Seus limites físicos são o que são, mas nunca perca a vontade de seguir em frente. Um aventureiro deve assumir que parar significa morte.
Meus pulmões queimavam, cada respiração ecoava nos meus ouvidos. Minhas pernas, meu corpo inteiro, estavam pesados como chumbo. Mas, como ele disse, continuei, balançando os braços desesperadamente, e foi então que percebi algo. Uma mudança crescente. Onde antes havia apenas dor, agora havia... prazer? Mas por quê?
Eu sabia a resposta.
Eu corria. O suor escorria pelo meu corpo. Eu ofegava, enchia os pulmões de ar, depois soltava tudo. E só isso. Eu estava respirando. Eu estava me movendo. Eu estava vivo.
Comparado aos últimos momentos da minha vida passada, aquela sensação horrível de não conseguir mover o próprio corpo, isso não era nada. Além disso, fosse por causa deste mundo ou da minha juventude recuperada, senti uma alegria pura no simples ato de me mover.
Então, minha consciência começou a se apagar.
Um respingo de água veio acompanhado de um arrepio repentino no meu rosto. Dei um pulo e vi Brod ao meu lado, com um grande sorriso e um balde nas mãos.
— Não achei que isso seria o suficiente pra te fazer desmaiar — disse ele.
Minha consciência foi voltando aos poucos. Sem dúvidas, aquele balde estava cheio da água que agora me encharcava. Me preparei ansiosamente para a próxima exigência dele.
— Desculpa, eu sou um completo fracote — me desculpei.
Brod soltou um suspiro.
— Pelo menos agora eu tenho certeza disso. Vamos seguir em frente.
— Uhm, seguir em frente com o quê?
— Vamos expandir o seu alcance de movimento. Alongamentos.
— Tenho um pressentimento horrível sobre isso.
— Assim que seu corpo estiver mais flexível, vamos partir para o combate. Não dá pra correr o risco de você deslocar ou quebrar alguma coisa só de jogar o braço pra frente, moleque.
Ele arqueou uma sobrancelha para mim, mas eu não conseguia evitar a ansiedade. Meu corpo era tão flexível quanto uma árvore. Como esperado, só me aguardava tormento.
— Guh!
Ah, então era assim que se sentia perder a voz de dor. Que história era essa de começar de leve? Fomos direto para a abertura total das pernas. Mesmo que eu quisesse reclamar sobre os capilares que pareciam explodir, a aura intimidadora de Brod me impedia completamente.
— Seu corpo é muito rígido. É assim que você acaba se machucando fazendo até as coisas mais básicas. Quero que você faça mais cinco séries sozinho depois.
Enquanto eu me esticava (e tremia só de pensar nas cinco séries extras), Brod começou a explicar o propósito daquilo.
— Lutas são vencidas com decisões em frações de segundo — começou ele. — É por isso que aumentar sua amplitude de movimento e melhorar suas opções de ataque é tão importante. Se você estiver esquivando, estará limitado ao que seu corpo consegue fazer.
Achei que ele fosse do tipo que falava sobre ideais e me castigava como um espartano, mas minha impressão mudou rapidamente. Ele realmente explicava, de forma lógica, por que aqueles alongamentos eram necessários.
— Ai, ai, isso dói!
Isso não mudava o fato de que ele era um demônio, no entanto.
— Se dói, é porque está funcionando. Vai passar em cerca de um mês.
— U-um mês?!
— Você não disse que queria ficar mais forte?
— Gah... P-Por favor, continue.
Só pude assentir. Eu realmente queria ficar mais forte. E, depois de tantos alongamentos, até me senti um pouco mais ágil do que antes. Fiquei surpreso ao perceber que estava suando quase tanto quanto quando corria. Entre exercícios desajeitados e alongamento, comecei a pensar melhor sobre a segunda opção.
— Ah, Brod... Eu não mencionei antes, mas a verdade é que o único feitiço que eu consigo usar é Cura, e só consigo lançar oito vezes. Isso afeta nosso contrato de alguma forma?
— Nah, isso dá conta do recado. Mas levanta a questão de quão eficazes essas magias são de uma vez, né? Ok, vamos testar.
Ele olhou para mim, segurando uma adaga por algum motivo. Então, simplesmente enfiou a lâmina no próprio braço e a retirou em seguida.
— Que tipo de teste é esse?! Onde você conseguiu isso?! Não, esquece isso, me deixa ver seu braço!
O sangue escorria enquanto eu entrava em pânico. Deixando de lado o absurdo do que ele tinha acabado de fazer, rapidamente conjurei Cura.
— Ó, Senhor, receba minha energia e cure essa ferida. Cura!
O sangramento cessou, mas o ferimento ainda não havia se fechado completamente.
— Nada mal para um feitiço que você acabou de aprender.
Brod afastou o braço como se estivesse satisfeito com o resultado, mas se ele pegasse tétano, não seria nada engraçado.
— Eu ainda não terminei. Não tire o braço. Ó, Senhor, receba minha energia e cure essa ferida. Cura!
Na segunda conjuração, a pele se fechou completamente e eu soltei um suspiro de alívio. Embora questionasse a sanidade de Brod por ter se esfaqueado do nada, senti uma certa satisfação ao vê-lo totalmente curado.
— Está bom agora? — perguntou ele.
— Sim, isso foi só por minha própria paz de espírito. Mas... poderia me fazer um favor e não sair se machucando como se não fosse nada no futuro?
— Claro... Tem minha palavra.
Vê-lo agir de forma repentinamente desconfortável me pegou de surpresa.
Eu acabei de dar uma bronca nele...?
Cortei esse pensamento antes que pudesse se desenvolver. Se o inferno me esperava de qualquer jeito, eu preferia um que queimasse menos minha pele.
Forçando um sorriso, disse:
— Ok, vamos continuar, por favor.
— Agora quero que tente me acertar — ordenou ele. — Do jeito que conseguir. Eu vou revidar, mas pegando leve na dor.
— S-sim, senhor.
Ele estava bravo, e eu me arrependi de tê-lo irritado. Aceitei o desafio com um objetivo muito claro: não morrer.
Brod estava a uns três metros de distância, de braços cruzados.
— Se conseguir me acertar uma vez, terminamos por hoje.
— Uhm, isso significa que eu posso voltar amanhã, então?
— Pode. Com a condição de não sumir do nada e de curar qualquer um, independentemente da raça.
— Eu farei o meu melhor.
— Então venha com tudo.
Mandei um chute com toda a força na direção dele, que o pegou no ar com uma mão e soltou logo em seguida, como se nada tivesse acontecido.
— Você tá falando sério, moleque? Ou essa sua habilidade de Artes Marciais era só papo furado?
— C-claro que estou falando sério! E claro que não era!
— Quem ataca desse jeito tão previsível? Sem fintas? Indo direto no meu estômago? Não me diga que esse é o seu nível.
— É por isso que eu fiz o meu pedido.
— Hmph. Certo, desculpa. Pelo menos tem vontade?
— Tenho. Se possível, quero conseguir enfrentar um aventureiro sem congelar de medo.
Ele riu.
— Muito bem, então. Me ataque com tudo que tem e só pare quando não conseguir mais levantar um dedo.
— Sim, senhor!
Ele tinha razão, eu era um completo novato em combate. Mas, por ora, defini minha estratégia e me preparei para atacar—dois punhos soltos, pé esquerdo meio passo à frente, estilo boxe. Apenas chutes baixos, para minimizar aberturas. Não sabia onde isso me levaria, mas faria tudo que estivesse ao meu alcance. Foquei minha mente e avancei.
— Soco! Chute! Lento! Muito lento!
Aquele “um golpe” nunca veio. Em vez disso, cada um dos meus ataques encontrou apenas contra-ataques.
No começo, ele apenas desviava levemente, mas, conforme meus movimentos ficavam mais pesados e meu raciocínio se tornava cada vez mais simples, ele começou a me dar petelecos na testa e tapas de leve em retaliação. O fato de que não doía indicava que ele estava pegando leve, mas ainda assim, desmaiei inúmeras vezes, apenas para ser acordado com mais baldes d’água.
— A luta real começa quando você não pode mais lutar. Conheça seu corpo. Saiba como ele se move. Foque no presente e não deixe seus golpes ficarem descuidados. Não se perca tentando bater rápido demais; visualize cada golpe acertando.
— Sim, senhor!
Meu Deus, isso era duro. Por que essa abordagem infernal era necessária? Onde ficava a linha entre treinamento militar e puro bullying? Será que aventureiros normais conseguiam acompanhar isso ou nem se davam ao trabalho, já que não rendia dinheiro de verdade? Todas essas perguntas desapareceram da minha mente tão rápido quanto surgiram, à medida que eu era tomado pela exaustão absoluta.
Nunca na minha vida eu havia socado alguém. Talvez eu tivesse feito um pouco de kendo ou judô na educação física da escola, mas nunca tinha entrado em uma briga. Embora entendesse a importância da visualização, tinha pouca noção do meu alcance e da minha distância de ataque, então não conseguia evitar as dúvidas. Várias vezes pensei em desistir, mas meu espírito não se quebrou. Se eu corresse agora, minha vida estaria acabada antes mesmo de começar. Eu não podia desistir.
Nenhum dos meus ataques provavelmente alcançaria o homem à minha frente. Beleza. Então tudo o que eu precisava fazer era continuar tentando até que alcançassem. Isso era tudo que eu podia fazer—atacar um pouco mais perto, desequilibrar o oponente um pouco mais.
As articulações do meu corpo ardiam como fogo, provavelmente porque meu corpo ainda era fraco ou por causa de toda a corrida que eu estava fazendo. Uma das duas. Conforme a dor piorava, uma lâmpada se acendeu na minha cabeça. Por que eu simplesmente não usava Cura em mim mesmo? Não seria capaz de aguentar por mais tempo assim?
— Brod, eu poderia usar Cura em mim mesmo? — perguntei. — Acho que conseguiria lutar melhor depois de me recuperar um pouco.
— Não use. Explico o motivo depois. Quero apenas avaliar seus limites desta vez. Agora, chega de conversa e vem pra cima, pirralho.
— Sim, senhor — respondi, hesitante.
Abaixei minha postura, cerrei os punhos e avancei direto para o estômago de Brod. Ele girou para o lado e varreu minhas pernas, me jogando no chão.
— Péssima ideia, moleque. A menos que tenha uma habilidade absurda para sustentar isso, avançar feito um idiota é um jeito fácil de morrer. Levanta.
Que erro absoluto eu tinha cometido ao pedir ajuda a esse cara. Esse nível de tormento era simplesmente normal por aqui? Só um golpe; era tudo o que eu precisava para acabar com isso. Não pensei em mais nada enquanto continuava me jogando contra meu instrutor.
Não funcionou. Finalmente, caí de bruços no chão, sem um único golpe bem-sucedido para contar vantagem.
— Você aguentou um bom tempo. Tem tenacidade, vou te dar esse crédito. Agora assista o que eu faço enquanto descansa.
Observei obedientemente enquanto Brod começava sua palestra sobre o básico das artes marciais.
— Sabe qual é a coisa mais importante de se lembrar em combate? Vou te dizer. Não morrer, não se machucar.
— Eu não esperava ouvir minha própria filosofia vinda de alguém tão forte quanto você.
— Surpreendente? Você nem sempre vai estar no auge em todas as lutas, e às vezes vai acabar entrando em duas ou mais seguidas.
Isso era verdade, mas só me fazia querer me enfiar em algum lugar seguro na cidade e nunca mais sair.
Brod demonstrou os movimentos em uma velocidade lenta o suficiente para que eu conseguisse acompanhar. Eram refinados e bem treinados, dava para perceber, mas a diferença entre nossos níveis de habilidade me fazia questionar o quanto realmente ajudava assistir alguém tão avançado. Ele explicou que aprender a usar meu corpo não só aumentaria a força dos meus ataques, como também minha capacidade de esquivar dos inimigos, embora houvesse um elemento de puro instinto nisso tudo.
— Não saia usando o que aprendeu logo de cara. Pratique. Grave isso no seu corpo. Faça virar algo natural. Imagino que você entenda por que estou te dizendo isso?
— Sim. Uma casa construída em um dia não resiste à chuva.
— Exato. Observe, aprenda, teste nas lutas de treino como fizemos agora. Só não espere que funcione logo de cara.
Ele me lançou um sorriso provocador. Esse cara definitivamente estava brincando comigo. Mas, pensando bem, eu não duvidava que ele tivesse confiança suficiente para sustentar essa afirmação. Afinal, ele era o instrutor da guilda, então provavelmente era mais forte que o aventureiro médio deste mundo.
— Certo, parece que sua respiração estabilizou. Prepare-se para a segunda rodada.
— Uhm, segunda rodada?
— Segunda rodada. Mexa essas pernas e comece a correr.
— Sim, senhor — acatei, com uma expressão que não poderia ser outra senão puro desespero.
No entanto, isso não fez Brod pegar leve. A coelha de orelhas longas veio à mente, aquela que tinha decidido que ele era o homem certo para o trabalho. Eu tinha pedido alguém “educado”, e estava notando uma clara falta disso aqui. Registrar uma reclamação começava a parecer uma opção razoável.
Para ser justo, ele estava me ensinando corretamente o tempo todo e ainda tinha se oferecido para fazer isso de graça. Mas, ainda assim, isso era muito difícil. Em todos os meus anos, esse nível de loucura era... bem, não incomum, mas ainda assim.
— Cara, vou chorar — ri, delirante.
— Ei, mexa essa bunda! Não temos o dia todo!
— Sim, senhor!
Orando para que ele não aumentasse ainda mais a intensidade desse inferno pessoal, obedeci e corri.
A segunda rodada não foi diferente da primeira. Minha fadiga, no entanto, estava muito, muito pior. Após mais de cinco rodadas, meu corpo estava completamente acabado.
Eu retiro todo aquele otimismo anterior.
— Er...
— O quê, quer mais? — ele desafiou.
— Não, não, não, só achei que fosse um pouco cedo.
— Se continuar assim, vai acabar se machucando.
Uau, então ele realmente estava medindo meus limites. Talvez não fosse tão ruim assim, mas considerando o quanto ele me forçou, ainda era alguém com quem não se devia brincar.
Será que posso trocar de professor...? Provavelmente não...
Na verdade, será que eu conseguiria sequer voltar amanhã? Eu ainda precisava encontrar um lugar para morar o quanto antes. Meu futuro não parecia muito promissor.
— Ah, Brod, posso te perguntar uma coisa?
— Manda.
— Você disse antes para não usar magia de cura. Posso usar agora?
— Não, não pode. Se deixar seu corpo se recuperar naturalmente, vai desenvolver habilidades para se curar sozinho.
— Sério?
— Sério. Se estiver machucado a ponto de não aguentar... bem, faça o que tiver que fazer. Mas se quiser sobreviver, evite usar cura a menos que esteja realmente ferido.
— Entendido. Obrigado por me dizer.
Então havia um ponto fraco inesperado na magia de recuperação. Decidi verificar minhas habilidades depois para testar essa informação.
Brod era surpreendentemente bem informado. Durante todo o treinamento, ele explicou a teoria e a lógica por trás de tudo o que fizemos, então ele tinha que ser um cara legal, certo? Se eu pudesse fortalecer minhas habilidades suportando isso sem cura, então só precisava provar que conseguiria.
Mudando de assunto, já estávamos aqui há um bom tempo, mas nenhum aventureiro sequer apareceu.
— Esse lugar é sempre tão vazio? — perguntei.
— Quase sempre. Não aparecem muitos novatos nessa época do ano. Os aventureiros de nível baixo também não têm muito dinheiro, então preferem arriscar o pescoço no campo em vez de pagar por treinamento formal.
— Ser aventureiro parece difícil. Não sei o quanto minha cura pode ajudar, mas espero ser útil para eles.
Brod não disse nada. Apenas me encarou.
— Tem algo errado? — Mantive a compostura e torci desesperadamente para que esse homem tivesse a cabeça no lugar.
— Se houvesse mais curandeiros como você, o mundo seria um lugar melhor, garoto — ele suspirou, balançando a cabeça.
— Tem certeza de que não está exagerando?
— Não sei qual é a sua visão sobre curandeiros, mas se alguém vier até você pedindo cura, me faz um favor e ajuda essa pessoa, tá bom?
— Certo... Claro.
Por um momento, achei ter visto uma sombra passar pelos olhos dele, mas ignorei.
— Então, mais alguém vai aparecer por aqui?
— Vão. Logo.
Assim que ele disse isso, um grupo de aventureiros desceu as escadas aos tropeços. Eram quatro, garotos e garotas, e pareciam ter mais ou menos a minha idade. Ignorando minha presença, foram direto até Brod, fazendo várias perguntas: se a cura gratuita era real, se não era um golpe.
— Então, o que vai fazer? — Brod perguntou, sua aura intimidadora voltando com força.
O garoto que parecia ser o líder do grupo se virou para mim.
— Você pode... nos curar?
Sorri de lado diante da falta de jeito dele. Era exatamente como um novato confuso pedindo ajuda para um colega de trabalho.
— Onde foi que se machucou?
— Aqui. Minha coxa direita.
O sangue coagulado tinha manchado suas roupas no formato de uma mordida.
— Como aconteceu?
— Fomos cercados por Lobos da Floresta e eu fui mordido.
Eu não fazia ideia do quão fortes esses Lobos da Floresta eram, então não podia dizer se eles eram fracos demais para arrancar pedaços de carne ou se os aventureiros tinham defesas tão altas assim. O que eu sabia, no entanto, era que não queria me meter com essas criaturas.
Cura provavelmente bastaria aqui, mas eu precisava ver o ferimento diretamente ou a visualização era mais importante? Melhor evitar uma acusação de assédio no futuro caso precisasse tratar mulheres, então decidi seguir pelo segundo caminho.
Mas... Lobos da Floresta eram venenosos? Raiva parecia uma possibilidade. Ainda assim, eu não tinha nenhuma magia de cura para venenos, então não adiantava pensar nisso agora.
— Entendi. Certo, vou lançar Cura em você.
— Oh, Senhor, receba minha energia e cure esta ferida. Curar!
Minhas mãos emitiram uma luz azul pálida, envolvendo a coxa do aventureiro. Sucesso.

— Como está? Ainda dói?
— N-Não, já estou bem — ele murmurou, me olhando com uma expressão vazia.
Ele não esperava tanto assim de mim? Ou achava que eu nem iria curá-lo em primeiro lugar? De qualquer forma, ele parecia estranhamente surpreso.
— Fico feliz em ouvir isso. Mais alguém está ferido? — perguntei.
Os outros se aproximaram para receber o mesmo tratamento. Depois de curar todos, eles me agradeceram várias vezes enquanto subiam as escadas de volta. Tentei esconder o leve constrangimento de ter trabalhado com a garota.
— Fiz tudo certo? — perguntei a Brod, virando-me para ele. — Não sei muito bem como isso funciona normalmente, então tentei curar com uma imagem na cabeça, mas...
— Quanto você sabe sobre curandeiros, garoto? — ele interrompeu.
— Não muito. Não tínhamos nenhum onde eu morava.
— Nenhum, é? Então é melhor se preparar, porque você vai ficar bem ocupado.
A certeza com que ele disse isso despertou minha curiosidade. Mas, enquanto eu desse o meu melhor, ganharia algumas melhorias de habilidade como recompensa. E não era como se houvesse tantos aventureiros assim precisando de um curandeiro. Mesmo assim, lembrar Brod dos meus limites parecia uma boa ideia. O menor erro de comunicação poderia criar uma ruptura até mesmo na confiança mais bem estabelecida — e eu falava por experiência própria. Não ia cometer os mesmos erros do passado.
— Tudo bem, mas "Curar" é o único feitiço que eu sei usar, e não consigo fazer isso muitas vezes seguidas.
— Eu sei, e tenho uma proposta. Quero que você cure o máximo que puder, até quase se esgotar, e então faça exercícios como os de hoje antes de começarmos o treino. O que acha?
Isso, é claro, partindo do princípio de que os aventureiros realmente viriam até mim para serem curados. Ao mesmo tempo, ele queria que eu treinasse até cair, dormisse e repetisse tudo no dia seguinte. O que era isso, o exército? Mas, quanto mais eu pensava, mais percebia que não havia desvantagens. No meu antigo mundo, depois que comecei a trabalhar, minha casa virou apenas um lugar para dormir. Isso não seria diferente — só trocaria o trabalho por treinamento militar e estudo. Eu queria recusar, mas não encontrei motivos para isso, então apenas fiz uma reverência.
— Aceito.
Para sobreviver neste mundo, eu precisava de um mínimo de força, e, embora quisesse encontrar uma forma de lucrar, decidi que confiar em Brod, por enquanto, era o melhor a se fazer. No entanto, havia um pequeno detalhe incômodo.
— Hmm, isso significa que nosso acordo continua valendo a partir de amanhã? Ou... espera, o treinamento já começou hoje?
Era verdade que eu tinha presumido que hoje seria mais um aquecimento do que um treino de combate, mas, se ele estava me dizendo que isso foi apenas um treino básico, então os aventureiros desse mundo eram verdadeiros monstros. O fato de ele não me expulsar imediatamente devia ser um golpe de sorte — não, obra do Senhor Sorte.
Se eu queria ficar mais forte, primeiro precisava ter força para acompanhar esse treinamento. E era aí que Brod entrava. As artes marciais iriam evoluir naturalmente com a prática, como aconteceu hoje. Durante as pausas, eu poderia meditar, melhorando tanto minha recuperação física quanto minhas habilidades mágicas ao mesmo tempo. Dois coelhos com uma cajadada só. Vir para essa guilda definitivamente foi a escolha certa.
— Ei, garoto, está ouvindo? Garoto! — Brod interrompeu meus pensamentos.
— O-Opa, desculpa — respondi rápido. — Estava viajando um pouco.
— Talvez eu tenha te forçado demais — ele me olhou com uma expressão preocupada.
Fiquei um pouco mal por deixá-lo preocupado.
— Não, estou bem. Só estava pensando, só isso.
— Bom. Vou dizer mais uma vez: você tem fibra, garoto. Vou treinar você de verdade, então fique aqui no centro da guilda. A partir de hoje.
Ele disse isso de forma casual, mas para mim não era nada casual. A Guilda dos Curandeiros tinha um quarto onde eu fiquei, então, é claro que a Guilda dos Aventureiros teria um também, mas nunca imaginei que um lugar para ficar simplesmente cairia no meu colo. Só que... isso era de graça, ou eles cobravam como a Guilda dos Curandeiros?
— Tem certeza? Eu estava planejando ficar em alguma estalagem e, só para avisar, eu quase não tenho dinheiro.
Brod sorriu e continuou:
— Guarde seu dinheiro. Vamos te dar três refeições por dia também. E parece que você precisa de roupas novas, então vamos arranjar umas de segunda mão para você. Lavadas, é claro, então não se preocupe.
Como é que é? De onde veio esse tratamento real? Eu estava prestes a ser vendido para algum lugar? Não me diga que esse cara tinha... outras intenções. Um suor frio escorreu pelas minhas costas.
— Isso parece suspeito demais. O que você quer com isso?
— Quero ajudar novos aventureiros a viver mais tempo. Se você estiver aqui, posso fazer isso. É isso que eu quero — ele respondeu com firmeza.
Senti uma intensidade nas palavras dele. Se eu pudesse salvar vidas, é claro que queria. Além disso, ganhar a vida como curandeiro neste mundo não parecia tão difícil. Se continuasse curando por aqui, provavelmente ficaria mais próximo dos aventureiros, que poderiam me ajudar se eu me encontrasse em apuros. Trabalhar aqui, dando o meu máximo, tornaria meu futuro muito mais seguro.
— Brod, eu quero ficar mais forte. E não quero que ninguém morra, não só os aventureiros. Se essas são as suas condições, aceito com gratidão.
— Ótimo. Fico feliz. Ah, e a propósito, estou proibindo você de fugir no meio do treinamento. Alguma objeção?
Hmm, será que era seguro concordar com isso? Pensei por um momento, mas se recusasse, perderia o treinamento, o que abriria um novo problema.
— Que tal renovarmos o acordo mensalmente? Isso seria possível?
— Funciona para mim. Vou te fazer ver o quanto esses caras precisam de você.
— Ótimo. Estou ansioso por esse primeiro mês.
— Eu também, garoto. Vou te preparar para um treinamento de verdade até lá, então nada de desistir, entendeu?
— Sim, senhor.
Essas condições não eram ruins. Pelo contrário, só me beneficiavam. Tudo o que fiz foi pedir um treinamento de autodefesa e acabei conseguindo não só isso, mas também estadia e comida grátis. Certamente, isso era a benevolência do Senhor Sorte.
Mas, espera aí, Brod tinha autoridade para decidir tudo isso sozinho? Ele não podia ser o mestre da guilda, podia? Não, impossível. Assumindo que um mestre de guilda sequer gastaria o dia treinando um novato, o resto da equipe provavelmente não o chamaria só de "Brod".
— Ei, tem certeza de que está bem?
Eu me perdi em pensamentos de novo.
— E-Er, sim. Só estava viajando de felicidade. Mas... isso tudo está dentro das regras? O mestre da guilda realmente aprovaria tudo?
— Pode apostar. Eu tenho bastante influência por aqui — ele disse com um sorriso confiante.
Parece que os superiores não seriam um problema, então decidi que mudaria da Guilda dos Curandeiros para a dos Aventureiros. Considerando que até agora a única coisa na qual gastei dinheiro foram taxas, minha sorte devia estar nas alturas.
Muito obrigado, Senhor Sorte.
— Você consegue se mover?
— Sim, de alguma forma — gemi.
— Certo, me siga.
Ele saiu andando, e eu fui atrás, meu corpo exausto gritando de dor. Subimos as escadas e, atrás da mesa da recepção, havia uma porta que levava a um quintal cercado. No meio do espaço, havia um poço operado manualmente.
— Se enxágue aqui. Vou trazer uma troca de roupas — ele instruiu, apontando para o poço com o polegar antes de desaparecer para dentro do prédio.
— Tomar banho em um poço? Isso parece tortura nos padrões modernos. Bem, já que estou aqui…
Acionei a alavanca, e logo a água começou a jorrar pelo bico. Já tinha ouvido falar desses poços antes, mas nunca havia usado um. O fato de funcionar de verdade me animou um pouco. Mas a água poderia ser um recurso precioso por aqui, então peguei um balde, enchi e derramei sobre minha cabeça.
— Deus me ajude...
A água gelada me atingiu, me congelando até os ossos. Não foi uma sensação agradável, nem um pouco, mas conforme fui repetindo, minha mente começou a clarear.
— Sim, isso está frio. Mas, nossa, estou cansado — murmurei para mim mesmo. — Meu corpo está ainda mais pesado do que antes. Bem, isso vai ser meu dia a dia agora, então vou ter que aguentar.
— Aguentar o quê?
Me virei num pulo. Brod estava ali, carregando minhas novas roupas.
— Não me assuste assim! Eu estava falando do meu treinamento.
— É mesmo? Aqui, suas roupas. Vista-se e depois vá para o refeitório. Você sabe onde é, certo?
— Sei, mas isso significa que vou ter que passar no meio de um monte de aventureiros?
— Não sei por que você está tão preocupado, mas não precisa. Ninguém vai mexer com você, garoto — ele disse antes de voltar para dentro da guilda.
— Espero que ele esteja dizendo a verdade...
Eu ainda tinha minhas dúvidas, mas ignorei por enquanto e comecei a me trocar.
— Posso simplesmente pendurar minhas roupas sujas aqui? — pensei em voz alta. — Ah, se reclamarem, eu pego depois.
Depois de enxaguar minhas roupas suadas, as pendurei em um galho conveniente.
— Se deixar assim, vão sujar de novo, sabia?
— Ah, Nanaella!
Me virei e vi a mulher-coelho, Nanaella, parada ali atrás de mim.
— Bom trabalho no treinamento. Ouvi dizer que você também curou alguns aventureiros depois. Muito obrigada.
— Ah, não fiz nada que mereça agradecimento. Precisa de alguma coisa?
— Sim, o Brod pediu para eu lavar suas roupas.
E o que eu fiz para merecer uma recompensa dessas?
— Eu realmente não posso deixar você fazer isso — insisti.
— Então... você não quer que uma pessoa-besta mexa nas suas roupas?
Estou sentindo um mal-entendido aqui.
— Não, não é nada disso! Antes de qualquer coisa, eu ficaria nas nuvens com sua ajuda, mas se descobrirem que uma garota tão bonita está lavando minhas roupas, vou ter que lidar com seus fãs... e eu gosto de estar vivo — recusei com um sorriso. E não era mentira. Aqueles aventureiros me aterrorizavam.
— Se é só isso, então deixe comigo. Vou pendurar suas roupas junto com as outras da guilda amanhã. Imagino que você não vá ter muito tempo para cuidar de roupas sujas, vai, senhor Luciel?
Agora que ela mencionou, fazia sentido. Meu tempo seria bem limitado. Além disso, deixar minhas roupas largadas por aí podia atrapalhar quem fazia a lavagem. Essa parecia ser a melhor solução.
— Ok, você venceu. Desculpe por aumentar sua carga de trabalho, mas obrigado. Se precisar de algo, me avise. Vou ajudar no que puder.
Ela riu.
— Considere suas roupas lavadas.
Eu teria que encontrar um jeito de agradecer depois, mesmo que ela estivesse fazendo isso de bom grado.
Fui para o refeitório, tentando ignorar as vibrações ameaçadoras dos aventureiros, que agora estavam voltando do trabalho. Mesmo tremendo, cheguei sem incidentes.
— Podiam até estar me encarando, mas pelo menos ninguém veio para cima de mim.
Brod acenou para que eu me aproximasse de uma mesa já cheia de pratos de comida.
— Finalmente chegou, hein?
— Desculpe, eu estava limpando as roupas que tirei.
— Hm? A Nanaella não te pegou?
— Pegou, sim. Então entreguei as roupas para ela.
Agora que pensei nisso, onde eu teria que buscá-las depois?
— Ótimo. Agora, coma tudo isso. Mesmo que tenha que se forçar.
— Hã... tudo? — perguntei hesitante.
Havia comida suficiente para alimentar cinco pessoas, ainda que parecesse deliciosa.
— Pode ir com calma, mas coma. Quando terminar, deixe os pratos e desça de novo — ordenou antes de sair.
— Encher a barriga faz parte do treinamento também?
Comecei a comer e descobri que a comida era incrivelmente saborosa. Me concentrei apenas em comer e, de alguma forma, consegui limpar todos os pratos. Depois, fui até onde Brod havia indicado.
Eu esperava encontrar muitos aventureiros pelo caminho, mas quase não havia ninguém. Quando cheguei, vi Brod parado em frente a um quarto ao lado do campo de treinamento.
— Você vai ficar aqui a partir de hoje.
Lá dentro, quatro camas estavam alinhadas contra as paredes.
— Certo. Não haverá mais aventureiros precisando de cura hoje?
— Nenhum por hoje. Descanse para amanhã.
— Obrigado por tudo.
Brod apenas ergueu uma mão em resposta e saiu. Me joguei na cama que ele havia indicado e dormi como uma pedra... ou melhor, como uma pedra com insônia. Na verdade, eu não estava nem um pouco com sono.
— Estou exausto, mas nenhum ser humano moderno conseguiria dormir às sete da noite...
Minha tela de status mostrava o horário, e mesmo se eu dormisse, com certeza acordaria no meio da madrugada. Sem falar que, com todas as dores no corpo, eu duvidava que conseguiria relaxar.
— Mas esse lugar é perfeito para treinar como eu fazia na Guilda dos Curandeiros.
Então, por três horas, pratiquei Controle e Manipulação Mágica, tentei aumentar minha velocidade de conjuração de Cura, alonguei e meditei até finalmente o sono chegar.
— Cara, aconteceu tanta coisa hoje. Parece que minha vida finalmente está começando a andar nesse mundo. Tenho que continuar firme.
E assim, minha nova vida na Guilda dos Aventureiros começou.
— Acordei para mais um teto desconhecido. Demorei alguns momentos até me lembrar de que estava na Guilda dos Aventureiros.
— Que clichê. Essas light novels foram uma péssima influência para mim — murmurei.
Sentei-me e abri minha tela de status para verificar a hora. Passava um pouco das quatro da manhã.
— Cara, estou tão acostumado a dormir seis horas por noite. É impressionante como meus músculos não doem tanto, igual nos tempos de escola.
Ao longo de quase dez anos, adquiri o hábito de dormir seis horas por noite. Apesar de todas as mudanças pelas quais meu corpo passou, incluindo o quão resistente ele se tornou, algumas coisas continuavam as mesmas.
— Acho melhor me levantar e lavar o rosto.
No caminho até o poço, encontrei alguns funcionários, que pareciam chocados ao me ver.
— Bom dia — cumprimentei. — Talvez vocês não tenham ouvido que eu ficaria aqui a partir de agora? Tenho a permissão do Brod, se isso for um problema.
— Ah, hum, não, todos os funcionários sabem. É só que... muitos curandeiros são bem... relaxados com seus horários, então ficamos surpresos em vê-lo acordado tão cedo.
— Sério? Bem, vou me lavar um pouco.
Pensei nos últimos dias. Pelo visto, os curandeiros eram reconhecidos por suas habilidades, mas muitos deviam deixar o tratamento especial subir à cabeça. Pessoalmente, eu não queria levar uma surra de aventureiros, então nem sonharia em agir assim.
O sol ainda não havia nascido, mas os primeiros raios da alvorada começavam a iluminar o céu. Joguei a água gelada no rosto e reorganizei meus pensamentos.
— Tem muita coisa que preciso bloquear da minha mente por agora. Sei o que devo fazer e não posso me perder em pensamentos demais. Só preciso me esforçar ao máximo para melhorar. Um mês e vou superar esse medo. Esse será meu objetivo.
Fui até o campo de treinamento para alguns exercícios matinais. Depois dos alongamentos, comecei a correr algumas voltas.
— Só correr parece um desperdício. E se eu tentar curar alguém enquanto fujo?
Mantive um ritmo leve e lancei Cura, visualizando claramente a magia como sempre. A luz azul pálida saiu mais fraca do que o normal.
— Então, ainda não consigo usar Cura enquanto corro. Vou fazer disso mais uma meta para o mês.
Enquanto continuava meu treino de corrida e cura, Brod apareceu.
— Ei, garoto, café da manhã! Anda logo.
— Bom dia, Brod. Já vou.
Eu nem tinha suado tanto, então segui atrás dele.
— Enquanto trabalhar aqui, vai fazer suas refeições no refeitório. Considere isso parte do seu treinamento, então coma tudo e não desperdice nada.
— Isso não será um problema. A comida estava tão deliciosa que eu adoraria comer mais.
— Ótimo.
O Brod... sorriu? E por que senti um arrepio na espinha? Devia ser coisa da minha cabeça, então ignorei e segui para o refeitório. Era um cômodo pequeno, com apenas quatro mesas altas e quatro assentos no balcão.
Ainda bem que estou sendo alimentado.
Ao entrar, vi um gigante atrás do balcão — um homem enorme, com cerca de dois metros de altura e uma largura proporcional.
— Gulgar, esse é o Luciel, o garoto que mencionei ontem. Quero que prepare três refeições por dia pra ele a partir de agora, se não for um problema. Ele já comeu aqui ontem, mas só pra reforçar — disse Brod ao brutamontes.
Uau, ele lembrou meu nome, notei. No entanto, minha surpresa foi rapidamente ofuscada pelo urso em forma de gente à minha frente, supostamente chamado Gulgar.
— Aí está ele! A comida tá quentinha, prontinha pra você.
— Ah, é um prazer conhecê-lo. Sou Luciel. Muito obrigado por cuidar das minhas refeições. Isso pode soar rude, mas posso perguntar de que raça você é?
Um urso, né? Esse cara só podia ser um urso. Qualquer outra resposta seria uma mentira descarada, eu aposto.
Infelizmente, eu estava errado.
— Do nada, hein? Mas tudo bem. O nome é Gulgar. Sou um homem-lobo, com muito orgulho.
— Entendo. Obrigado por responder.
Senti-me completamente traído. Enquanto conversávamos, ele começou a colocar prato atrás de prato no balcão, e eu congelei.
— Er... isso tudo é para mim...?
— O Brod já pagou, então não se preocupa. Pode comer o quanto quiser.
Isso não era bem o que eu estava perguntando. A quantidade de comida parecia ainda maior do que a de ontem.
— Não sei se consigo terminar tudo isso.
— Parece muito, mas nem é tanto assim. Ah, quase esqueci, toma isso pra acompanhar. É nojento pra caramba, mas faz bem.
Ele colocou um caneco de vidro cheio até a borda com uma substância roxa e fedorenta que parecia completamente venenosa.

— E-E o que é isso? — encarei a ominosa Substância X.
— Basicamente, te ajuda a crescer. Beba e seus músculos, resistência, reflexos, tudo melhora.
Isso me parecia roubado demais. Espera, quão valioso era esse troço? Será que tinha algum efeito colateral para balancear?
— Nunca ouvi falar de algo assim. Quanto tempo dura o efeito? Quais são as desvantagens?
— Dura seis horas. A única desvantagem é que é absolutamente horrível, não se preocupe.
Um sorriso feroz se espalhou pelo rosto dele.
— Esse negócio não é caro?
— Nah, foi o Sábio do Tempo que fez. É por conta da casa. Ninguém quer ficar forte o bastante pra realmente beber essa merda, de qualquer forma.
Será que essa coisa era tão catastroficamente repulsiva assim? Beber isso me deixaria estirado no chão?
— Brod, você já bebeu... — comecei a perguntar, mas percebi que ele já tinha sumido.
— Esse cara já foi faz tempo.
Ele deve ter fugido para escapar do fedor, o desgraçado.
— Ah. Bom, então eu vou começar a comer. — Voltei minha atenção para o banquete à minha frente.
— Manda ver. Se quiser mais, só me chamar que eu preparo alguma coisa!
— Obrigado.
A comida era tão deliciosa quanto no dia anterior. Eu me sentia mal por pensar nisso, mas fazia as refeições que eu tinha no Guilda dos Curandeiros parecerem migalhas. Era boa demais.
Enquanto comia, meus olhos voltavam para a Substância X. Se o efeito dela durava seis horas, isso significava que eu teria que encarar essa coisa em todas as refeições? Não era possível que algum ser vivo fosse feito para ingerir isso. Eu genuinamente temia pelas chances do meu estômago de manter essa coisa dentro.
Foi nesse momento que percebi que já tinha terminado de comer, perdido em meus pensamentos. Surpreendentemente, ainda havia espaço para mais, mas julguei que seria melhor não exagerar, já que o treinamento logo viria. As maravilhas de um surto de crescimento, imagino.
Peguei a caneca e olhei para Gulgar.
— Lá vai.
Um único gole e meu cérebro rejeitou instantaneamente a ideia de que aquilo era algo bebível. Um calor se espalhou pelo meu corpo, gotas de suor se formaram na minha testa. "Substância X" era, de fato, um nome apropriado para esse terror líquido.
O gosto invadiu minha boca enquanto o cheiro sitiava minhas narinas, quase mandando minha consciência para o além. Mas o olhar de Gulgar—digo, o urso—me assustou o suficiente para eu manter o líquido dentro. Um amargor denso, o fedor, a pungência, a ardência, a acidez, uma enxurrada de sensações se revezavam para torturar meus sentidos. Se eu baixasse a guarda por um instante, provavelmente desmaiaria, então tomei a decisão de virar tudo de uma vez só, o que consegui fazer por um milagre. Logo senti um borbulhar estranho, uma sensação de algo se espalhando pelo meu corpo.
— Não é que o moleque bebeu mesmo? Luciel, né? O Brod não tava mentindo sobre sua coragem. — Gulgar me elogiou.
— Uhm, obrigado. — Sério, era seguro beber isso? Fiz um rápido check-up mental no meu corpo, só por precaução, mas parecia tudo certo.
— Agora vai lá e se esforce hoje.
— Obrigado pela comida.
— O almoço vai estar te esperando também, então aproveita.
Desci as escadas.
*
— Luciel, hein? Não acredito que o moleque virou tudo. — Gulgar murmurou para si mesmo, olhando para a caneca vazia. Qualquer pessoa normal teria vomitado ou desmaiado só pelo nojo. — Ah, é, ele tem fibra.
Observou o garoto sair do refeitório. Nunca tinha visto ninguém além do Brod conseguir aguentar aquela coisa, então o novato já tinha pontos com ele. Uma ideia surgiu em sua mente, mas primeiro, ele precisava se livrar do fedor que ficou na caneca.
Tradução: Carpeado
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