Ela fora uma garota gentil, conhecedora e perspicaz.

Nem todos os humanos nascem iguais. Mesmo aqueles que nascem na mesma cidade, criados no mesmo ambiente e que se esforçam igualmente podem acabar com habilidades drasticamente desiguais. Como todos os membros dos Grieving Souls eram extremamente dedicados, a disparidade entre suas habilidades, devido às diferenças de talento natural, se tornava ainda mais evidente.

A garota que aspirava se tornar uma Alquimista trabalhava tão duro quanto os outros, e isso a preocupava. Seus amigos estavam subindo cada vez mais rápido e alto, ameaçando transformar a distância entre eles em um abismo intransponível. Ela nunca parava de aperfeiçoar sua arte, sempre lutando sozinha, como se estivesse consumindo sua própria alma no processo.

Mais do que qualquer um, eu sabia o quanto ela havia se dedicado; sua determinação brilhava como um farol que eu não conseguia encarar por muito tempo. Como amigo, eu precisava ajudá-la, então ensinei Sitri a pedir ajuda.

Para mim, ela era uma heroína, enfrentando uma jornada que eu não podia. Eu acreditava que seu esforço incansável, apesar da falta de talento natural, atrairia pessoas que quisessem ajudá-la, levando-a a alcançar resultados comparáveis aos outros Grieving Souls um dia. Mesmo que ela não fosse a mais forte entre nós, era a mais estudiosa. Como eu não podia ajudá-la diretamente, ao menos podia confiar nela e esperar por seu sucesso.

Por isso, eu não fiquei nem um pouco surpreso quando ela foi a primeira do nosso grupo a causar um grande impacto na capital, mas, ainda assim, senti alívio. Celebramos juntos quando ela teve sucesso, e eu a consolei quando falhou; vi seu sorriso e suas lágrimas mais do que qualquer outro. Não havia mais nada que eu pudesse fazer por ela, e eu não esperava que isso mudasse tão cedo.

A quieta e gentil Sitri enfrentaria mais provações do que qualquer um de nós. Mas ela era forte o suficiente para admitir seus erros. E como podia transformar fracassos em sucessos, iria cada vez mais longe.

A voz de Sitri ecoava na minha cabeça.

— Eu estraguei tudo, Krai...

— Mesmo que o culpado se entregue agora... eles não vão confiar em mim, não é?

— Eu aceitarei o apelido; parte da culpa é minha também.

— Há muitas coisas que posso aprender com isso. Da próxima vez... da próxima vez, eu não cometerei um erro assim. Serei melhor.

— Mas eu consegui colocar as mãos em alguns ingredientes maravilhosos. Então, no fim, tudo deu certo.

— É incrível! Nesse ritmo, ele pode continuar se adaptando a cofres de tesouro de nível mais alto. O caminho é o orgânico! Eu desperdicei muitos ingredientes, no entanto... De qualquer forma, o nome dele é Matadinho!

— Fiz amizade com uma Alquimista! Ela tem cabelos deslumbrantes e olhos que simplesmente chamam atenção, e...

— Agora quero alguns ingredientes infundidos com magia. Mas com a segurança reforçada...

— Os ingredientes do distrito decadente não servem... São de qualidade tão baixa que nem posso usá-los para um modelo de produção em massa...

Agora eu estava de volta à minha posição habitual no escritório do mestre do clã, ouvindo o relatório de Eva.

— Hmm. Então eles estavam fazendo umas pesquisas bem malucas — eu disse.

— Você parece desinteressado — disse Eva.

— Isso é porque eu estou desinteressado... O passado deve ficar no passado, eu diria.

Três dias haviam se passado desde que Noctus Cochlear (um dos superiores da Torre Akáshica) e sua equipe foram presos. As patrulhas tensas dos cavaleiros da Terceira Ordem estavam diminuindo, sinalizando o retorno da tranquilidade à capital. Uma ordem de sigilo significava que a maioria dos não caçadores nem sabia o que estava acontecendo para começo de conversa, mas eu presumia que até eles podiam sentir que a tempestade havia passado.

— Desmantelando fantasmas, quimeras, um golem... e um slime. Eles tentaram de tudo, não foi? — eu disse.

Praticamente uma feira de exposição de alquimia, não é?

O relatório não incluía muitos detalhes, mas o slime que haviam confiscado do quartel-general na capital era aparentemente o pior dos piores. Sven parecia abalado com isso, pelo menos quando começou a tagarelar enquanto me sacudia violentamente pelos ombros, com a expressão de quem teve um encontro com a morte.

Eu ainda tinha a impressão de que slimes eram as criaturas mais fracas que existiam, mas fiquei tentado a ver quem venceria uma luta entre o slime da Torre Akáshica e o Slime da Sitri... Por outro lado, eu não tinha interesse em me aproximar de nenhum dos dois.

No fim das contas, o caso foi encerrado quando o líder, Noctus Cochlear, foi preso. Embora ele e seus homens tivessem perdido a memória nos momentos anteriores à prisão, os registros experimentais foram confiscados pelo império, e todos foram enviados para a grande prisão de South Isteria para aguardar julgamento.

Todos os envolvidos na investigação, incluindo os membros do meu clã, receberam um bônus ainda maior do que o prometido, em troca de manterem sigilo absoluto sobre os detalhes descobertos durante a investigação.

Agora que os culpados haviam sido presos, os últimos dias foram definitivamente um alívio, pois eu não precisava mais aturar Gark e Kaina batendo na minha porta a todo momento.

Enquanto eu aproveitava um dia tranquilo, polindo minhas Relíquias, a estrela do espetáculo entrou pela porta.

Sitri realmente havia se superado dessa vez. Ela assumiu a liderança dos caçadores no meu lugar e descobriu a causa das anomalias no cofre do tesouro. Depois de voltar à capital, localizou sozinha o esconderijo da Torre Akáshica e capturou o grupo que havia escapado da caverna fora da Toca do Lobo Branco — uma atuação de destaque, se é que já vi uma. Ela até cuidou do Slime da Sitri, que eu acidentalmente deixei escapar. Na verdade, a maioria de suas conquistas acabou me salvando de encrencas. Se eu fosse o imperador, sem dúvida a premiaria com uma medalha.

A heroína do dia, minha velha amiga, se aproximou com passos silenciosos e sorriu animadamente.

— Consegui passar naquela reunião — disse ela.

— Ótimo trabalho, Sitri. Acha que vão reverter seu rebaixamento? — perguntei.

Mais de três anos haviam se passado desde que Sitri foi acusada de um crime que não cometeu. Seu nível havia sido reduzido para valores negativos, e ela ficou marcada com o terrível apelido de “Ignóbil”. Naturalmente, eu tentei protegê-la disso com todas as minhas forças, mas foi inútil. A pressão do império era grande demais, e eu não era nem forte nem influente o suficiente para fazer algo a respeito na época. Até hoje, ainda não consigo aceitar que ela foi punida sem provas concretas. Sitri foi claramente incriminada. Caso contrário, nem mesmo haveria um conjunto de evidências circunstanciais para justificarem culpá-la. Ela apenas sorriu e me perdoou por falhar tão pateticamente em protegê-la. Ainda considero isso meu maior fracasso desde que me mudei para a capital.

Sua irmã, por outro lado, deu gargalhadas à vontade ao ouvir sobre a despromoção de Sitri.

Pelo que me disseram, as incríveis contribuições de Sitri neste caso recente poderiam levar à revogação de sua despromoção. Gark também estaria completamente do lado dela.

Minha esperança foi destruída, no entanto, quando ela exibiu um sorriso gentil e balançou a cabeça.

Suspirei. Então, não havia jeito…

— Como já faz alguns anos, eles disseram — explicou Sitri. — Mas raramente sou chamada pelo meu apelido agora, então ele deve ser retirado em alguns anos de qualquer forma.

— Hmm... burocracia no seu melhor.

— A falta de memória recente deles jogou contra mim. Eles suspeitaram que eu agi de má-fé.

— O quê? Isso não é culpa sua — assegurei a ela. — Além disso, Talia também perdeu a memória, não foi?

Talia era uma companheira de clã e amiga de Sitri. Ela encontrou Talia detida no esconderijo da Torre Akáshica. Elas estavam investigando por que a equipe de Noctus a havia sequestrado, mas como os culpados perderam a memória, duvido que a verdade algum dia venha à tona. Só nos restava agradecer que Sitri conseguiu resgatar Talia ilesa.

— As coisas teriam sido diferentes se, digamos, evidências ligando a Torre Akáshica à fuga da prisão fossem encontradas... Mas isso seria conveniente demais, não seria? — disse ela.

— Certo... A vida nem sempre funciona assim.

— Como fui a primeira a pisar no esconderijo deles, era prematuro esperar muito desta vez.

— É... uh-huh?

— Sou a única que sente que vocês dois nem sempre estão na mesma sintonia? — interveio Eva.

Se não estávamos, isso era totalmente culpa minha. Sitri era tão absurdamente inteligente que eu frequentemente não conseguia acompanhar o que ela dizia. E essa era minha resposta padrão, fosse eu capaz ou não de entender ou até mesmo ouvir o que alguém estava dizendo. Uma vez, conversei com Sitri perguntando o que ela queria dizer toda vez que eu não entendia algo. Aquela conversa foi tão tediosa que decidi ignorar qualquer confusão ou curiosidade sobre os tópicos das conversas dela. Meu método funcionava até agora, então não via necessidade de mudá-lo.

Percebendo o clima, Eva se retirou. Aparentemente, ela respeitava o pouco tempo precioso que eu podia passar com meus companheiros de grupo atualmente.

Sitri me encarou diretamente.

— Krai, muito obrigada... por tudo — disse ela.

— Eu é que devo agradecer — respondi um pouco envergonhado.

Sitri tinha acabado de voltar para a capital quando eu a envolvi nisso... E agora ela estava me agradecendo? Que tipo de besta insensível eu era! Eu confiava demais em Sitri e em seu sorriso sempre gentil.

— Não... isso foi muito melhor do que da última vez! — exclamou ela sem nenhum traço de estresse na voz. — Dá pra perceber o quanto cresci. — Sua expressão parecia mais radiante do que o normal também.

— Você fez um bom trabalho então? — perguntei.

— Sim! Como resgatei Talia no processo, não há do que reclamar.

Sitri estava radiante; seus brilhantes olhos rosados combinavam com os de Liz. Vê-la assim me lembrava que ela e Liz eram realmente irmãs.

— Exceto... — disse ela. — Eu precisava apresentar um culpado, então decidi adiar a aquisição dos ingredientes mágicos.

— É... uh-huh.

Sorrisos fazem o mundo girar. Ser um caçador não é fácil: há muitas dificuldades que fazem você querer desistir ou vomitar por aí. Ainda assim, eu realmente queria que Sitri continuasse sorrindo apesar de tudo isso. Para esse fim, faria qualquer coisa... até me aposentar da caça ao tesouro.

— Falando nisso, você resolveu aquela história que estava mencionando? — perguntei.

Juntando as mãos, Sitri respondeu com um sorriso:

— Sim. Graças à água colorida!