Hai to Gensou no Grimgar | Grimgar of Fantasy and Ash Volume 11 Capítulo 05
[Incapaz de Voltar]




As construções da aldeia foram poupadas do avanço do fogo, e a maioria não foi queimada. Provavelmente porque, ainda que por pouco tempo, choveu forte.

Felizmente, se é que algo podia ser considerado sorte nessa situação, aquela construção também estava intacta.

Ela estava lá, no corredor de chão de terra da construção usada como prisão. Estava deitada de costas, olhando para cima, com a mão direita semiaberta ao lado do quadril. Seu braço esquerdo estava ligeiramente dobrado para fora, com a palma da mão voltada para baixo. A perna direita estava um pouco dobrada para dentro, enquanto a esquerda estava quase completamente esticada.

De forma alguma parecia que estava dormindo. Ela estava gravemente ferida.

Seu rosto, com as pálpebras fechadas, parecia completamente desprovido de sangue.

Ele queria, ao menos, colocar seus membros em uma posição correta. Mas o que era certo? A capacidade de Haruhiro de acreditar que algo fosse certo havia desaparecido há muito tempo. Sentia que não havia nada justo neste mundo. Tudo estava errado, e era por isso que as coisas haviam chegado a esse ponto.

Se pensasse a respeito, era isso. Tinha que ser.

Yume caminhou até ela, franziu a testa, alternando entre morder e apertar os lábios, e, por um tempo, ficou olhando para baixo, para ela. Então, caiu sentada no chão. Shihoru, silenciosamente, abraçou os ombros de Yume.

Kuzaku não tentou entrar na construção.

...Por quê? — murmurava para si mesmo. — Isso não pode ser real...

Setora e Kiichi, o nyaa cinzento, também estavam do lado de fora.

Jessie se inclinou sobre a cabeça sem vida dela, acariciando os pelos do queixo.

Enquanto ele permanecia ali, a sombra de Haruhiro caiu sobre ela.

Jessie havia chamado o xamã, ou o que quer que fosse, para tratar Haruhiro, Kuzaku e Yume.

O xamã era um homem com pele como couro velho e rachado, que não se assemelhava nem a um orc, nem a um humano. Jessie o chamava de Niva.

Haruhiro achou que Niva os acompanharia até a prisão, mas Jessie não pediu isso. Haruhiro não ficou muito surpreso. Fosse um xamã, um sacerdote ou o que fosse, uma vez que uma pessoa perdesse sua única vida, não havia como salvá-la. “Existe uma maneira. Apenas uma,” Jessie havia dito.

Haruhiro não acreditou nessas palavras. Não havia mais nada em que ele pudesse acreditar. Ele não tinha a intenção de se agarrar a nada, mas, mesmo assim, trouxe Jessie até o local onde ela dormia e não despertaria mais.

Entendo. Sim, ela está bem morta. — Jessie declarou o óbvio em termos diretos. Levantando o rosto, ele olhou para Haruhiro. — Posso tocá-la?


Hai to Gensou no Grimgar | Grimgar of Fantasy and Ash Light Novel Volume 11 Illustrations

Não pode! — Yume respondeu imediatamente, sua voz baixa, um pouco rouca, mas cheia de intensidade, algo incomum vindo dela. — Que história é essa? Mary-chan é minha companheira. Nem pense em tocar nela.

Jessie deu de ombros.

Achei que seria errado tocar sem pedir permissão, por isso estou perguntando.

Já disse que não pode! — Yume insistiu.

Yume... — Shihoru abraçou Yume e lançou um olhar severo para Jessie. — ...Por quê? Que sentido tem isso que está tentando fazer?

Quero verificar se ela está fresca — respondeu Jessie, sorrindo de forma torta. — Ah. Foi uma escolha ruim de palavras. Muito direto? Minhas desculpas. “Roundabout...”Ele parou por um momento, procurando a palavra certa no idioma que todos ali falavam, e por fim disse: — Não sou muito bom em me expressar de forma indireta. Basicamente, se o corpo estiver muito danificado, isso pode causar problemas. Há preparativos envolvidos, entende? Quero verificar isso.

O que... O que exatamente você está preparando para fazer? — Shihoru conseguiu perguntar.

Eu não disse? Não há dúvida de que ela está morta, mas existe uma maneira de ressuscitá-la. É isso que estou preparando, claro.

Re... — Yume arregalou os olhos, olhando do rosto de Mary para Jessie e de volta. — Ressuscitar... Ressuscitar? Quer dizer trazer Mary-chan de volta à vida?

Jessie não respondeu à pergunta de Yume. Ele voltou o olhar para Haruhiro.

Posso tocá-la?

Haruhiro olhou para Shihoru em busca de uma reação. Não, ele procurava ajuda. Não conseguia decidir nada sozinho. Não conseguia tomar nenhuma decisão. Se Shihoru não acenasse positivamente, Haruhiro provavelmente ficaria calado para sempre.

Sem esperar pela resposta de Haruhiro, Jessie colocou os dedos no pescoço de Mary, levantou o braço dela e tentou dobrar os dedos. Parecia que ele achava que Mary era algum tipo de boneca, testando a movimentação e durabilidade das juntas dela.

Haruhiro sentiu-se tonto. Pare! pensou ele. Queria gritar com Jessie e chutá-lo para longe. Por que não fazia isso? Provavelmente porque não achava que tinha o direito.

Não está em mau estado. — Jessie afastou as mãos do corpo de Mary. — Se começarmos agora, não é necessário nenhum preparo especial. Agora é apenas uma questão de decidir o que fazer.

...O que quer dizer com “o que fazer”? — Haruhiro finalmente abriu a boca, mas foi tudo o que conseguiu dizer.

Vamos ressuscitá-la ou não? — Jessie se levantou e respirou fundo. — Não cabe a mim decidir isso, afinal. Depende de vocês.

Depende... de nós?

Antes disso, acho que devo explicar pelo menos um pouco.

Existe alguma condição...? — Shihoru perguntou, hesitante.

Pode-se chamar de condição, sim. — Jessie ergueu uma sobrancelha e deu uma risada curta. — Querem saber de antemão o que vai acontecer, certo?

Kuzaku, que aparentemente estivera ouvindo do lado de fora, entrou na prisão e ajoelhou-se ao lado de Haruhiro. Por que ele estava ajoelhado daquele jeito? Seu corpo grande tremia.

O que... O que vai acontecer? — Kuzaku perguntou. — Com a Mary-san?

Bem, se eu fizer uma determinada coisa, por enquanto ela voltará à vida.

Haruhiro tentou dizer algo, mas sua voz falhou.

Espere.

Aguarde.

Espere só um pouco.

O que significa isso, “por enquanto”?

Por enquanto.” Que palavras terrivelmente inquietantes. “Por enquanto.” Meu peito está tão apertado que dói. Minha cabeça está uma bagunça.

Há algum tipo de risco? — perguntou Shihoru, fazendo a pergunta certa. Provavelmente, ela era a única com a cabeça no lugar—ou tentando mantê-la no lugar.

— “Risco.” — Jessie repetiu a palavra, inclinando ligeiramente a cabeça. — Risco, é? Pode-se dizer que sim. Vou dizer isso, pelo menos: eu morri uma vez também, e voltei. Não sou o único que voltou assim. A chance de falha é—bem, não vou dizer que não existe, mas podem assumir que é praticamente inexistente.

Você... — Kuzaku olhou para Jessie, sem conseguir falar direito. — Você... morreu uma vez...? Hã...? Morreu...? E depois vo—Q-Quê?

Simplificando, ela pode voltar à vida, como eu, que já morri uma vez. Não há risco, mas há um preço a pagar. Isso porque ela voltará no meu lugar.

Foi difícil entender de imediato. O que Jessie tinha dito?

Ela voltará no meu lugar?

No meu lugar”—o que isso significava exatamente?

Mary estava morta. Mas ele disse que poderia ressuscitá-la de uma certa maneira. Então?

E Jessie?

Para trazer Mary de volta... — A voz de Haruhiro parecia ecoar em algum lugar muito distante. — ...você tem que morrer...?

Sim. Esse seria o fenômeno — disse Jessie, como se não fosse nada.

Isso é... — Shihoru abaixou a cabeça. — M-Mas...

Yume deu um leve tapinha nas costas de Shihoru, como se estivesse tentando confortá-la. O gesto parecia inconsciente. Enquanto movia a mão, Yume parecia estar pensando.

Ha ha... — Kuzaku soltou uma risada curta. Ele já não tinha ideia do que estava acontecendo e, talvez por isso, tenha rido sem querer.

A propósito, vocês não precisam se preocupar com essa parte. — O tom de Jessie era completamente desinteressado. Isso claramente envolvia ele, mas parecia que não tinha nada a ver com ele. — Foi um pouco assustador da primeira vez, mas já passei por isso antes, então sei o que vai acontecer. Minha Jessie Land levou um golpe decisivo. Dá muito trabalho recomeçar do estágio um. Estou feliz em chamar isso de fim de jogo.

F-Fim de jogo? Isso é... — Kuzaku levantou os quadris, ajustou sua posição e pressionou as mãos sobre os joelhos. — ...Irresponsável, não acha? Yanni-san ainda está...

Jessie suspirou e estalou os dedos.

Isso nunca foi uma caridade, para começo de conversa. Fiz isso porque era divertido. Se ficou chato, acabou. É isso que é um fim de jogo, certo?

Esse homem era bizarro.

Ele já havia morrido uma vez, então, por ser sua segunda vida—

Não, e daí que ele sabe como é morrer? Ele ainda vai morrer.

Não, não é isso, certo?

Jessie tinha morrido uma vez e, se eles acreditassem no que ele dizia, alguém tinha morrido para trazê-lo de volta.

Antes disso, Jessie não era essa criatura difícil de chamar de humana, alguém capaz de ignorar um Backstab. Jessie tinha sido humano. Mas, quando voltou, isso mudou.

Haruhiro pressionou as mãos contra a parte de trás da cabeça. Ele agarrou o cabelo. Morrendo e voltando, Jessie acabou do jeito que é agora...?

Ela pode voltar à vida, como eu, que já morri uma vez”, Jessie tinha dito, certo?

Isso não significava que... Mary ficaria como Jessie?

Haruhiro olhou para o rosto de Mary. O sorriso dela, prestes a morrer, tinha desaparecido. Ao analisá-la de perto assim, honestamente, aquilo só poderia ser chamado de uma expressão sem vida. Na verdade, ela não tinha mais expressão alguma. Porque suas funções vitais haviam cessado.

Ele não queria aceitar isso, mas a Mary ali não era mais que um objeto. Ele não conseguia pensar nela dessa forma, muito menos tratá-la como uma coisa, mas esse era o fato. A Mary ali não passava dos restos do que um dia foi Mary.

Se não usassem o método que Jessie mencionava, Mary não apenas permaneceria assim; ela nem mesmo seria capaz de manter a forma que tinha agora.

Levando em conta a estação do ano, ela começaria a se decompor em pouco tempo. Eventualmente, a maldição do No-Life King entraria em efeito, e ela começaria a se mover.

Precisavam enterrá-la rapidamente. Considerando a maldição, o melhor seria cremá-la. Mas ali não era Altana, então não havia crematório. Teriam que queimá-la por conta própria. Veriam Mary sendo consumida pelo fogo com seus próprios olhos.

Ele não queria ver isso. Mas provavelmente não tinha escolha. Se não encarasse isso, com certeza se arrependeria. Mesmo que encarasse, provavelmente ainda se arrependeria. Se fosse o mesmo de qualquer forma, deveria assistir. Haruhiro provavelmente ficaria para ver.

Eu não quero ver isso.

Até mesmo imaginar isso—não, só de tentar imaginar isso—parecia que cada célula de seu corpo seria esmagada em pó. Se alguém enfiar uma barra de ferro quente no meu cérebro e agitá-la, talvez seja assim que se sinta.

Eu não quero isso.

Mary.

Eu realmente não quero.

Ele não queria queimá-la de jeito nenhum. Mas precisava. A única outra opção era...

Trazê-la de volta à vida.

Jessie estava dizendo que era possível. Ele morreria, e Mary voltaria no lugar dele. Isso realmente era algo que poderia ser feito?

Se ela fosse sua mãe, sua amante ou alguém a quem ele devia muito, talvez fosse compreensível. Mas não era o caso. Não havia uma boa razão para ele se oferecer, mas Jessie tinha dito que não se importava de morrer para trazer Mary de volta.

Será que havia algo que ele não estava dizendo?

Por exemplo, será que Jessie estava pensando que estava pronto para morrer? Ou ele preferia estar morto e só queria que tudo acabasse logo? Talvez houvesse algum tipo de desvantagem em voltar à vida e, embora Jessie parecesse saudável, ele realmente não estivesse? Talvez ele estivesse sofrendo ou sentindo algum desconforto e estivesse tentando passar isso para a Mary?

E se ela voltasse, o que aconteceria com a Mary?

Naturalmente, Haruhiro queria que ela voltasse. Se significasse que Mary viva voltaria para ele, ele faria qualquer coisa. Não se importaria em morrer ele mesmo. Na verdade, estava disposto a oferecer sua vida no lugar da de Jessie.

Mas e se isso resultasse em algo com o qual Mary não pudesse ser feliz? “Se for para ficar assim, eu preferia que tivesse me deixado morta.” E se Mary se transformasse em algo que a fizesse sentir isso?

Bem então... — Jessie abriu os braços e olhou para Haruhiro e cada um de seus companheiros.

Haruhiro subitamente ficou desconfiado. Como esse homem era antes de morrer? Ele podia ter sido uma pessoa completamente diferente. Talvez tivesse acabado assim porque foi revivido. Mary poderia ser igual. Se ela voltasse à vida, isso não aconteceria com ela...?

O que vocês vão fazer? — perguntou Jessie. — Enterrá-la ou trazê-la de volta? Decidam o mais rápido possível. Vai ser complicado se a condição dela piorar, e do jeito que as coisas estão, os vooloos vão aparecer até o pôr do sol. Isso leva um tempo, afinal. Se formos fazer isso, quero terminar antes disso.

...Vooloos? — perguntou Shihoru, em um sussurro.

Vooloos. Era uma palavra que eles estavam ouvindo pela primeira vez. Se ele lembrava bem, Jessie e Yanni tinham mencionado antes.

Ele não sabia o que significava, mas “Vooloo yakah,” eles haviam dito.

Não foi Jessie quem respondeu, mas Setora, que estava perto da entrada.

Vooloos são lobos necrófagos — disse ela em um tom estranhamente neutro. — Eles são aparentados aos canídeos, aparentemente, mas também se parecem com felinos. Embora prefiram carniça, às vezes atacam criaturas vivas, incluindo humanos e orcs. Frequentemente, eles atacam caçadores que fizeram uma caça e estão no processo de levá-la para casa. O caçador se torna a caça, e tanto ele quanto sua presa são devorados pelos vooloos. Com tantas pessoas mortas por aqui, não seria estranho se os vooloos sentissem o cheiro.

Os daqui do Vale dos Mil são pequenos, certo? — Jessie apontou para o norte. — A leste das Montanhas Kuaron, há vooloos maiores do que as panteras da névoa do Vale dos Mil. Eles têm o tamanho de ursos. Se tudo tivesse queimado, não sei como seria, mas choveu. As águias e corvos provavelmente já estão se reunindo. Os vooloos serão os próximos. Podemos espantar águias e corvos, mas vooloos são bem mais difíceis. De qualquer forma, precisamos abandonar este lugar por agora. Eu já avisei a Yanni.

Eles já começaram a evacuar? — perguntou Shihoru.

Jessie respondeu: — Sim, isso mesmo — com um sotaque que parecia deliberadamente estrangeiro. — Se eles vão voltar aqui para reconstruir, ou procurar outro lugar, isso é com Yanni e os outros. Não vou me envolver. Perdi o interesse, sabe. Não faço coisas que não quero fazer. Decidi isso antes de morrer, e mantenho essa decisão.

Jessie fez uma pausa.

Então acrescentou: — A propósito. Já que isso provavelmente está preocupando vocês, só vou dizer: nada mudou dramaticamente dentro de mim quando voltei à vida. Vocês podem acreditar nisso ou não. Mas eu sempre tive esse tipo de personalidade. Só ficou mais difícil para mim morrer depois que voltei. Isso foi, bem, acho que é uma grande mudança, não uma pequena. Mas não foi algo ruim. Na verdade, é conveniente.

...Detalhes — Haruhiro disse, pressionando a garganta.

Minha voz... está rouca. Mas é isso. Era isso que eu queria dizer. Por que não consegui dizer antes?

Por favor, nos dê detalhes. Em termos concretos... se ela voltar, como ela vai ficar? O que acontece, e como... Basicamente, quero saber tudo. Para poder tomar uma decisão. Quero dizer, sem realmente entender... eu não posso decidir isso. Porque... não é sobre mim. Não sei como dizer, mas sem poder obter o consentimento dela... seria revivê-la sem permissão. Preciso pensar bem nisso. Preciso de material para refletir. Sem isso, embora não seja impossível...

Eu me recuso a explicar.

Hã?

Já falei mais ou menos tudo o que posso. Existem coisas que eu não posso contar diretamente para vocês, sabe? — Jessie deu de ombros. — Vocês não são idiotas, então entendem, certo? Isso não é normal. É senso comum que as pessoas não podem voltar à vida, e isso é um fato. Coisas assim quase nunca acontecem. É uma ocorrência especial, com condições únicas. Mas não é um milagre. Como nos truques de mágica, por mais misteriosos que pareçam, sempre há uma explicação por trás. Eu não posso revelar o truque. Tenho um motivo para isso. E também não posso contar qual é esse motivo. O que vão fazer? Aceitar minha oferta e trazê-la de volta à vida? Ou vão enterrá-la? Decidam logo. Não me importa qual será.

Haruhiro ergueu os olhos para o céu.

Havia um buraco. Ele conseguia ver o céu. Se o céu estava claro e azul ou escuro com nuvens densas, que diferença fazia?

Isso não valia só para o céu. Pelo menos por agora, ele provavelmente não se importava com nada. Por agora. Era só agora? Amanhã, depois de amanhã, e além disso—com o passar do tempo, isso mudaria?

É, essas coisas acontecem, huh. Isso também aconteceu. Ela estava viva, não é? Passamos um tempo juntos, né.

Será que ele conseguiria olhar para trás e se lembrar disso dessa forma?

Por favor, — Haruhiro manteve os olhos fixos no céu visível pelo buraco no teto. — Se você realmente pode fazer isso, quero que traga a Mary de volta.

Isso é um pesadelo ou um golpe? Ele ainda não conseguia afastar essas dúvidas. No momento seguinte, eu vou acordar, Mary e eu estaremos sozinhos, e Mary estará morta. Não há mais ninguém por perto. Não há nada que eu possa fazer. Mary está simplesmente morta.

Ou então Jessie diria, com um sorriso sem graça: “Foi mal. Era tudo mentira. Meu erro. Só estava te pregando uma peça. Você sabe que não dá para trazer os mortos de volta, certo?”

Não era nenhuma das duas coisas.

Muito bem, vamos ao trabalho.

O que fariam? O que estava prestes a começar?

Estranhamente, não foi apenas Haruhiro, Yume, Kuzaku ou Setora, que ainda estava perto da porta, que não disse nada. Nem mesmo Shihoru perguntou algo a Jessie.

Ninguém abriu a boca, mas quando Jessie disse “Podem sair da frente? Vocês estão no caminho”, Yume e Shihoru se afastaram sem dizer uma palavra, assim como Kuzaku e Haruhiro.

Jessie puxou uma faca e a pressionou contra o próprio pulso. Então disse: — Se Yanni ou os outros aparecerem, não deixem entrar, sob nenhuma circunstância. Isso vai levar horas. Não vou dizer para não olharem, mas não precisam assistir tudo. Alguns de vocês, fiquem lá fora de guarda.

Primeiro Kuzaku, depois Yume, saíram com passos trôpegos. Yume estava atordoada, e Kuzaku tinha lágrimas nos olhos.

Shihoru ficou. Haruhiro também.

Jessie ajoelhou-se ao lado de Mary e murmurou: — É aqui, certo? — Ele cortou o próprio pulso esquerdo. Não demonstrou hesitação alguma. Parecia ter cortado bem fundo, porque o sangue não apenas escorria, mas jorrava. Jessie disse: — Oops. — E rapidamente pressionou o corte contra o ombro de Mary.

Havia um ferimento horrível ali. Era onde ela havia sido mordida pelo guorella, e aquele ferimento talvez fosse a causa direta de sua morte. Era evidente que Jessie tentava encostar o corte recém-feito em seu pulso no ferimento de Mary. Que bem isso faria? Haruhiro não fazia ideia. Era uma cena terrível, mas ele não tentou impedi-lo.

Jessie descartou a faca, segurando seu pulso esquerdo com a mão direita. Parecia estar tentando mantê-lo no lugar. Ele respirou fundo. Fez uma careta.

Haruhiro — chamou.

...Ah... — Haruhiro tentou responder, mas sua voz mal saiu.

Pode me ajudar com isso?

...Com o quê?

Estou segurando, mas quero fixar melhor. É minha primeira vez fazendo isso, então não sei bem o processo. Acho que vai dar certo, porém. Sabe como é, todo cuidado é pouco, né?

Foi Shihoru quem fez o que ele pediu. Ela encontrou um pedaço grande de tecido entre seus pertences e, com o corpo inteiro tremendo e respirações curtas e dificultadas, enrolou o tecido ao redor do pulso esquerdo de Jessie e do pescoço de Mary.

Haruhiro não fez nada. Ele não conseguiu fazer nada. Apenas assistiu.

Shihoru voltou, limpando as mãos na bainha de sua túnica.

...Desculpa — Haruhiro murmurou em voz baixa.

Shihoru envolveu ambos os braços ao redor do braço direito de Haruhiro e virou a cabeça para o lado. Ainda tremia. Devia ser difícil para ela até mesmo ficar de pé. Shihoru precisava de apoio.

Mesmo eu consigo fazer pelo menos isso, então preciso fazer, e devo fazer, Haruhiro pensou.

Haruhiro-kun, se você não tivesse dito aquilo... — ela disse suavemente.

Eu estava errado.

Não era isso.

...Eu teria dito. — completou ela. — “Revive a Mary”... Eu teria dito... então não carregue isso sozinho. Porque a Yume e o Kuzaku-kun... Tenho certeza de que eles teriam feito o mesmo.

Sim — Haruhiro assentiu.

Shihoru não queria que ele a apoiasse. Ela estava tentando apoiar Haruhiro.

A pessoa que estava prestes a desmoronar naquele momento... era ele.

Eu...

Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, Shihoru segurou sua mão com força.

Ele havia jurado que, pelo menos, não se arrependeria. Não sabia o que Mary pensaria, e poderia causar sofrimento a ela. Mesmo assim, Haruhiro não podia deixar que isso o enchesse de arrependimento. Se essa decisão fosse errada, e ele tivesse cometido um erro, Haruhiro assumiria a responsabilidade. Não poderia reclamar se Mary guardasse rancor. Que guardasse. Mas ele não tinha outra escolha.

Qualquer outra opção seria impossível para ele. Não importava quantas vezes retornasse àquela cena, Haruhiro, no fim, sempre pediria a Jessie para fazê-lo. Talvez nem tivesse hesitado.

Se Mary pudesse voltar à vida, é claro que ele desejaria isso. Então, ele não se arrependeria.

Haruhiro apertou a mão de Shihoru em resposta. Seu coração já não batia descontrolado. Também não tinha mais dificuldade para respirar.

Do lado de fora, havia muito barulho por algum motivo.

Croac. Croac. Croac. Croac. Croac. Croac. Croac. Croac.

Era o som de pássaros? Ele olhou para o buraco no teto. Havia vários pontos negros voando de um lado para o outro no céu. Pareciam realmente pássaros.

Jessie, que estava ajoelhado com o joelho direito no chão e o esquerdo levantado, agora estava com os dois joelhos no chão. Seus ombros subiam e desciam levemente. Ele também começou a tossir.

Haruhiro tentou escutar, mas a voz de Jessie era tão baixa que ele não conseguiu entender. No entanto, parecia que ele estava falando com alguém, e não consigo mesmo.

Com quem, exatamente? Mary? Mas Jessie não olhava para o rosto de Mary. Seus olhos estavam fixos no chão.

Droga...! — Kuzaku gritou lá fora.

Quando Haruhiro olhou, os pássaros tinham descido. Os maiores eram águias, e os menores, aparentemente, corvos. Os pássaros se amontoavam nos corpos que antes eram dos aldeões de Jessie Land e dos guorellas.

Kuzaku balançava sua grande katana, tentando espantar os pássaros, mas eram muitos. Yume ocasionalmente balançava sua katana, mas apenas para afastar os pássaros que chegavam perto dela.

Haruhiro não via Setora e Kiichi. Será que tinham ido para algum lugar?

Shihoru — chamou Haruhiro.

...Hm? O quê?

Por que você não se senta?

Eu... estou bem.

Entendi.

E você, Haruhiro-kun? Está bem?

Ele quase respondeu “não sei”, mas engoliu as palavras.

Estou bem. Eu também.

...Certo.

Sim.

Jessie não estava apenas com os joelhos no chão agora; seu cotovelo direito também tocava o solo.

Aquele homem não parece nada bem, Haruhiro pensou, mas não conseguiu entrar no clima para dizer algo a ele.

Mary voltaria à vida no lugar de Jessie.

O que isso significava exatamente? Haruhiro quase voltou a questionar, mas balançou a cabeça.

Não vamos fazer isso. Mesmo que eu pense sobre isso, nada vai mudar. Além disso, já é tarde demais. Não, ele ainda não terminou, então talvez não seja tarde demais para agir. Ainda assim, não tenho intenção de parar Jessie agora. Aconteça o que acontecer, Mary voltará à vida. Vou poder vê-la novamente. Isso não é o suficiente? Talvez não seja bom, mas está bem.

Corvos pousaram no buraco no teto e começaram a grasnar. Estava barulhento, e ele queria espantá-los, mas o buraco estava alto demais para que ele alcançasse saltando e balançando seu estilete. Deveria pedir para Shihoru usar Dark? Não havia necessidade de ir tão longe. Por enquanto, os corvos não mostravam sinais de entrarem pelo buraco, então ele poderia deixá-los em paz.

Jessie finalmente colocou a testa no chão. Haruhiro não conseguia mais ouvir sua voz. Suas costas se moviam devagar, levemente. Ele aparentemente ainda estava vivo.

Mas era bizarro. Mesmo depois de ter sido atingido por um Backstab, Jessie estava bem. Ele não havia tratado o ferimento, mas a ferida havia cicatrizado sozinha.

Naquela vez, o estilete de Haruhiro havia perfurado o rim de Jessie. Era um ferimento fatal e havia cicatrizado, mas agora o homem estava nesse estado deplorável por causa de um simples corte no braço?

Era estranho.

Croac, croac, croac. Croac, croac, croac. Croac, croac, croac, croac.

Os corvos estavam grasnando. Havia muito mais deles do que antes. Não apenas quatro ou cinco. Eram facilmente mais de dez.

Ficou menor...? — disse Shihoru.

Haruhiro sentiu um calafrio.

Seria um truque dos seus olhos? Ele estava imaginando coisas?

Jessie nunca tinha sido musculoso, e também não era excepcionalmente alto. Mesmo assim, o tamanho de seu corpo... Era porque ele estava agachado? Era difícil imaginar que fosse só isso. Ele estava claramente menor. Jessie tinha diminuído. Parecia que havia menos dele, por assim dizer.

Haruhiro apertou os olhos. Não adianta, pensou. Não consigo ver direito daqui.

Shihoru soltou o braço dele.

Haruhiro moveu-se para um ponto onde pudesse ver o perfil do rosto de Jessie. Ele usou o Sneaking naturalmente, sem pensar.

As bochechas e os olhos de Jessie estavam profundamente encovados, e ele parecia extremamente magro. Talvez “dessecado” fosse a palavra mais adequada. Não era só o rosto. Seu corpo inteiro tinha perdido volume. O torso colapsado, as pernas dobradas, tudo estava desconfortavelmente fino. Os braços de Jessie nunca tinham sido tão magros antes. Agora pareciam galhos.

Croac, croac, croac.

Croac, croac, croac.

Croac, croac, croac, croac, croac.

Os corvos grasnavam incessantemente.

Jessie encolhia cada vez mais.

O que era aquilo?

Por que ele não tinha achado estranho antes?

Jessie havia cortado o pulso. Mesmo que o ferimento se fechasse, ele perderia uma grande quantidade de sangue em pouco tempo. Mesmo pressionando a abertura do corte contra o ferimento de Mary e amarrando com um pedaço de tecido como aquele, não faria grande diferença. O tecido ficaria ensopado de sangue rapidamente, e uma poça de sangue se formaria. No entanto, isso não aconteceu.

Jessie continuava encolhendo. Como se ele fosse apenas um saco cheio de sangue. Como se a pele externa tivesse formado a figura humana de Jessie, e o interior estivesse preenchido apenas por sangue. Como se, ao esvaziar o sangue, restasse apenas a pele. Mas isso era impossível, é claro. Sem ossos, músculos e órgãos, ele não poderia ter andado ou respirado.

...Não pode ser. — Shihoru cobriu a boca.

Jessie estava praticamente plano a essa altura.

Que diabos era aquilo?

Croac, croac, croac, croac, croac, croac, croac, croac, croac, croac, croac.

Os corvos grasnavam estridentemente.

Haruhiro vomitou. Não havia como voltar atrás. Ele sabia disso.

Sério? Não, não era verdade. Se ele agisse agora, ainda poderia desfazer aquilo. Honestamente, ele achava que talvez fosse o melhor a se fazer. No entanto, se ele afastasse Jessie, que agora parecia um saco de couro, de Mary, essa possibilidade desapareceria completamente. Ele nunca mais poderia encontrar Mary novamente.

Ele estava disposto a aceitar isso?



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