Hai to Gensou no Grimgar | Grimgar of Fantasy and Ash Volume 10
Capítulo 09
[Por que você...?]
...Então, percebi uma coisa.
Você está tomando refrigerante, não é? Mesmo reclamando que sua garganta dói, vive tomando bebidas gaseificadas, né?
Esse refrigerante, o que você está bebendo. Me dá um pouco. Só um gole.
Estou com sede.
Minha garganta está tão seca que chega a ser desconfortável.
Você está sentado na frente daquela máquina de vendas, como sempre, tomando refrigerante.
É noite?
Talvez já seja bem tarde da noite.
Está escuro, afinal.
Completamente escuro.
Para onde quer que eu olhe... é um breu total, ou melhor, um vazio escuro.
Exceto por aquela máquina de vendas.
Você está iluminado pela luz da máquina de vendas.
Mas eu não consigo ver seu rosto. É a única coisa que não consigo enxergar.
Estranho. Eu deveria saber como é. Então, por quê?
Quem é você...?
Estou perguntando. Tenho perguntado há um bom tempo. Repetidamente.
Você não me ouve?
E você, está com a cabeça baixa? É por isso que não consigo ver seu rosto?
Você está tomando refrigerante, como sempre. Continuamente bebendo. Só refrigerante.
Por causa disso, há latas vazias espalhadas por aí. Dezenas, centenas, talvez mais.
Aqui, ali, por toda parte. Não estão apenas jogadas; são tantas que parece que você e a máquina de vendas vão ser soterrados por elas.
Ei, você. É perigoso ficar aí.
Levanto minha voz para alertá-lo.
É perigoso, tá ouvindo?
As latas vazias. Elas são estranhas. Continuam aumentando em número.
De onde essas latas vazias estão surgindo?
Heeeey.
Heeeey, eu disse.
Por favor, me responda.
Por que será? Não sei, mas só consigo chamar você daqui.
Não consigo ir até aí.
Você sabe, não sabe?
Ao ouvir uma voz familiar, viro para olhar.
Há alguém ali.
Na escuridão absoluta, há alguém.
Eu sei que está ali. Mas não consigo vê-lo. Ele fala:
Esse não é o seu lugar.
É verdade, diz outra pessoa. Você não pode ir para lá. Ainda não. E não pode vir para cá também.
O que é isso?
O que vocês querem dizer?
Então, eu tenho que ficar aqui...?
Se você quiser vir, pode.
Não. Isso não é bom.
Sim, você tem razão. É cedo demais.
Sim. Não vá para lá. Também não deveria vir para cá.
Vocês dizem isso, mas me deixam completamente sozinho.
Está tão escuro.
Não há nada.
Ficar aqui sozinho pode não ser impossível, mas eu não consigo suportar.
Venha, você diz, da frente da máquina de vendas.
Quando olho, você está se levantando.
Você estava olhando para baixo, mas não mais. Você levanta o rosto e olha para mim.
Com uma das mãos, segura um refrigerante, e seu rosto está negro, como se borrado.
O líquido escorre da boca da lata. Um fluido negro, negro como tinta.
A própria escuridão.
Venha para cá, você diz. Mesmo sem ter algo que se assemelhe a lábios.
Estou sozinho. Venha.
Estou assustado.
Apavorado, mas tão triste que não consigo aguentar.
Eu quero ir.
Quero ir até você.
Não quero deixá-lo sozinho.
Você não pode ir, você diz. Espere. Não vá.
Por que está me impedindo?
Eu não quero te deixar sozinho, e também não quero ficar sozinho. Você sabe disso, certo?
Quero dizer, este lugar...
Onde é?
Oh...
Choco.
Manato.
Moguzo.
Eles não estão aqui.
Nenhum deles.
É isso mesmo. A máquina de vendas.
Ela não está aqui.
Nenhuma luz.
Só a escuridão.
Essa escuridão completa e esmagadora.
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Ouviu o som de alguém engolindo seco.
Logo percebeu que não estava escuro.
Estava em um lugar fechado. Sim, não era ao ar livre. Estava sob um teto. Além disso, era macio. Não estava deitado no chão, ou no piso, mas em uma cama de verdade.
Quando tentou se levantar, alguém chamou seu nome.
— Haru?!
— Huh... Mary...?
Mary. Era definitivamente Mary.
Parece que Haruhiro estava deitado em algum tipo de cama. Mary estava sentada em uma cadeira colocada bem ao lado dele. Ela se levantou com tanta força que quase derrubou a cadeira, então se jogou sobre ele. Não, ela não se jogou exatamente. Mas veio com tanta rapidez que parecia que poderia, colocando a mão esquerda ao lado da cabeça dele para se apoiar, enquanto usava a mão direita para tocar a bochecha e o pescoço de Haruhiro.
O cabelo de Mary caiu sobre o rosto de Haruhiro. Ele podia sentir o perfume dela.
Provavelmente era noite. Estava escuro de um jeito estranho, mas havia uma janela, e um pouco de luz entrava por ela, permitindo que ele visse vagamente o rosto de Mary. Seus olhos, em especial. Não encontravam os dele. Mary o tocava aqui e ali, e então olhava em seus olhos, como se quisesse confirmar se ele estava bem.
Ele queria dizer “Estou bem”, mas não conseguia.
Haruhiro não conseguia tirar os olhos de Mary. Talvez isso fosse impróprio da parte dele, mas, mesmo que não precisasse ser para sempre, queria que ela continuasse o tocando por mais um tempo. Se estendesse os braços, poderia abraçá-la. Esse pensamento lhe ocorreu. De algum modo, sentia que Mary não o rejeitaria. Quando essa ideia tola cruzou sua mente, sentiu-se desesperadamente patético.
— Estou bem, Mary — disse Haruhiro com um sorriso. Será que ele estava mesmo sorrindo? Não conseguia dizer com certeza e não tinha confiança. Sempre era assim.
— ...Entendi. — Mary respirou fundo, levantou-se e acabou sentando-se na borda da cama. As mãos de Mary se afastaram de Haruhiro, e o perfume dela ficou mais fraco. A ponto de ele mal poder senti-lo.
Não sabia se sentia decepção ou alívio. Talvez fosse um pouco dos dois.
De qualquer forma, estava tudo bem. Assim, ele conseguia manter a sanidade. Precisava haver uma distância apropriada entre companheiros. Muito provavelmente, isso era ainda mais verdadeiro quando confiavam suas vidas uns aos outros.
— ...Desculpa — acrescentou ele.
— Por que está pedindo desculpas? — perguntou ela.
— Bem, é que... Não sei. Hm, sobre o que aconteceu pra tudo ter chegado a esse ponto... Eu realmente não sei. Mas, tipo, dá pra dizer que é culpa minha estarmos nessa situação.
Mary balançou a cabeça silenciosamente. Haruhiro já sabia. Era culpa dele. Ele tinha tomado a decisão errada. Mesmo assim, seus companheiros não o culpavam unilateralmente. Ele sabia disso, então quantas vezes ainda ia passar por essa mesma situação?
Não havia tempo para desculpas. Havia muitas coisas que precisava perguntar. Por que não conseguia dizer nada?
Mary permanecia calada.
O silêncio pesava sobre ele. Principalmente sobre seu coração e estômago. Eles doíam.
Eventualmente, Mary fungou.
Haruhiro ficou surpreso.
— ...Mary?
— Me desculpe. — Mary cobriu o rosto com a mão esquerda. Pressionando a área ao redor dos olhos, talvez estivesse tentando conter as lágrimas.
— Não... Mas isso...
— Não é nada. Só... fiquei aliviada.
— Entendo. Se for só isso, bem...
— Idiota. — Mary deu um leve soco no peito de Haruhiro e então riu. Sua mão direita tentou se afastar, mas não conseguiu. Ficou suavemente sobre o peito de Haruhiro. — ...Não. A idiota sou eu.
— Huh?
— Deixa pra lá. Provavelmente não estou dizendo nada com sentido.
— Você... não está?
— Não sou muito esperta, então às vezes faço isso.
— Eu não acho que seja verdade que você não é esperta.
— Tenho medo de ser menosprezada, então só escondo isso — Mary apertou levemente sua mão direita. — Mas tenho certeza de que fica evidente.
Haruhiro soltou um “Ah...” soando como um idiota. Em momentos como aquele, ele se amaldiçoava por não conseguir dizer algo inteligente e atencioso. Mas que tipo de momento era aquele? Que tipo de situação era essa?
— Mary, você é...
O que ela era? Mary era... o quê?
Haruhiro inspirou, expirou.
Palavras, apareçam, ele implorou. Por favor, venham.
Por favor, por favor... apareçam.
Vamos lá. Estou implorando. Não importa quais palavras sejam neste ponto.
— ...insubstituível... — ele concluiu. — Para todos nós... Sim. Você nos salvou. A mim... Meu rosto estava um desastre, não estava? Quem consertou isso foi você, não foi, Mary?
— Porque sou uma sacerdotisa — ela respondeu.
— Você é necessária, Mary. Um... para todos nós... sem dúvida.
— Esse é você, Haru — disse ela. — Sem você, estaríamos em apuros. Todos nós.
— Todos nós... Sim.
— Então...
— Então?
— Estou feliz, Haru. Que... você está aqui. Que eu pude te conhecer.
— Não, eu sou quem... quem deveria dizer isso...
— Dizer o quê? — Mary perguntou.
— Huh?! Oh... bem... Que estou feliz por ter te conhecido... Espera—
O que é isso?, ele pensou freneticamente. Essa conversa?
Estamos agradecidos por termos nos conhecido. Isso não é estranho, por si só. É um fato, afinal. Eu sou grato, sabe? Mas, de alguma forma, isso parece diferente. Huh?
Não parece?
Estou interpretando demais? Demais? Como?
Huhhhhhh? Não sei mais de nada.
— Whuh? — ele começou a vocalizar, mas Haruhiro não tinha ideia do que estava tentando dizer. — Whuh. Whuh. Whuh...?
— Whuh? — Mary repetiu, inclinando a cabeça para o lado.
— Whuh...
Droga.
Sua mente estava em branco. Apesar de estar escuro. Pensando bem, eles estavam dentro de uma construção, mas não havia nenhuma luz.
Uma construção.
Uma construção?
— Whuh...?
Onde ficava essa construção? Naquela aldeia? Se sim, por quê? Haruhiro não parecia exatamente estar amarrado de pés e mãos. Parecia que o mesmo valia para Mary. O que havia acontecido depois que ele desmaiou?
Mary estava ali. Onde estavam Shihoru? Yume? Kuzaku? Setora, Enba e Kiichi?
— Whuh...
Aquele “Whuh.” Quantas vezes ele já tinha dito isso?
Mary começou a rir um pouco, depois retirou a mão que tinha deixado sobre ele.
— Vou te dar um resumo do que aconteceu.
— P-Por favor. Ah, certo... Posso me levantar? Tudo bem?
Mary riu novamente e disse: — Vá em frente.
Quando ele se levantou, sentiu-se um pouco tonto, mas nada parecia estar fora do normal. Considerando que seu rosto tinha sido esmagado antes de desmaiar, bem, era uma melhora.
Mais que isso, pelo comportamento de Mary, parecia que todos os seus companheiros estavam bem. Mary explicou a Haruhiro os eventos que levaram ao homem que se chamava Jessie capturá-lo, forçar seus companheiros a se submeterem e depois levá-los para Jessie Land.
Depois, mesmo que esperassem ser presos juntos, não foi isso que aconteceu. Mary foi designada para cuidar de Haruhiro, enquanto o restante de seus companheiros recebeu ordens para fazer outras coisas em lugares diferentes.
Shihoru foi com Jessie para observar como as coisas eram. Setora, Enba e Kiichi estavam aparentemente confinados em algo parecido com uma prisão. Yume e Kuzaku pareciam ter sido designados para trabalhos também. Shihoru estava sendo forçada a acompanhar Jessie e perguntava a ele várias coisas sobre Jessie Land.
— Quer dizer que ele está revelando o estado real das coisas para a Shihoru? — Haruhiro perguntou.
— Sim. Segundo ela, é isso. Mas pode estar escondendo algo.
— Nunca se sabe... — ele murmurou.
— Para começar, aquele homem levou um golpe direto do seu Backstab, mas ficou bem.
— Ele parece não ser nada além de humano, mas não é — Haruhiro disse. — Gumows, era isso? Os bebês que os orcs obrigavam os humanos a terem?
— Não ouvi muitos detalhes sobre eles — disse Mary. — Mas, basicamente, na guerra em que a Aliança dos Reis derrotou a humanidade, os orcs...
— Ahm, é... Eu meio que sinto pena dessas pessoas. Ah, acho que não são pessoas. Não, mas eles têm sangue humano, então... É, comparados aos orcs puros, eles deveriam ser mais parecidos conosco.
— Os que estão guardando este lugar são gumows de manto verde — disse Mary. — Esta é uma aldeia de gumows, então era de se esperar. Eles são relativamente gentis. Oh, certo.
Mary levantou-se da cama. Havia um móvel parecido com uma mesa perto da parede. Mary voltou segurando algo que estava em cima dele.
— Comida e água. Os gumows trouxeram isso também. Eu experimentei. Não acho que tenham colocado nada estranho.
— Oh... — O estômago de Haruhiro roncou de repente, e sua boca encheu-se de água.
— Espere. — Mary sentou-se novamente na beira da cama. — A comida está embrulhada. Vou abrir agora. Tome isso primeiro.
Haruhiro levou à boca o cantil de couro que havia recebido e bebeu. A água era morna e levemente ácida. Não era uma acidez desagradável, como algo estragado. Era fácil de beber. Ele não conseguiu evitar engolir tudo de uma vez.
— Aqui — disse Mary, oferecendo algo achatado. Obviamente, ele deveria pegar com as mãos, mas, movido pela fome, Haruhiro inclinou o pescoço para morder diretamente o que Mary segurava.
Ela pareceu surpresa, soltando um pequeno grito.
— Eek!
Antes que ele pudesse se desculpar, uma sensação como um choque elétrico percorreu seu cérebro.
— Droga, isso é bom! — exclamou.
— N-Né? Isso aqui é delicioso.
— Isso está me trazendo de volta à vida.
— Apesar de você já estar vivo.
— Bem, sim, mas, sabe...
— Ainda tem mais.
— Ah, claro.
— Aqui.
Ele abriu a boca, e o restante daquela coisa achatada, parecida com um bolinho, foi para dentro. Ele hesitou um pouco, mas não sabia quando teria outra chance de comer, e queria comer, então mastigou e engoliu.
Era realmente delicioso. E ele tinha a sensação de que não era só porque estava com fome.
Primeiro, a textura mastigável era boa. Também tinha um leve sabor salgado. Muito bom.
Além disso, havia algo dentro. Carne moída e vegetais saborosos combinados em um sabor agridoce. Era esse tipo de recheio. Isso também era delicioso. Tinha gosto de civilização. Afinal, ele não comia nada decente há algum tempo. Mas, mesmo sem isso, era provavelmente delicioso. Um sabor de que ele não se cansaria.
Se tivesse que dizer mais, o sabor deixava uma sensação de nostalgia. Como comida caseira. Mas de onde? Ele não sabia, mas era incrível.
— Quer mais um? — perguntou Mary.
Ele não poderia recusar. Mesmo que não fosse Mary oferecendo, ele teria pedido outro. Sem dúvida. Dois, três, comeria tudo que ela tivesse.
— Por favor.
— Diga “Ah”.
— Tá bom. Ah...
Hm?
Com a boca aberta, Haruhiro olhou nos olhos de Mary.
Seus olhares se encontraram.
— Ah...! — Mary desviou o olhar. — D-Desculpe. Eu meio que me deixei levar. N-Não tinha nenhum... significado mais profundo...
— C-Claro. — Haruhiro abaixou os olhos, coçando o ombro mais do que o necessário. — Eu sei disso.
— Pode comer — disse ela, atrapalhada.
Ele mordeu hesitante o bolinho achatado que ela lhe estendeu. Tão bom. Ele podia sentir aquilo se infiltrando em si. O sabor era gentil. Combinaria com qualquer coisa. Sentia que, se essas pessoas comessem isso todos os dias, poderia se dar bem com elas, mesmo sendo de outra raça.
Naturalmente, era apenas uma sensação. Ele não levaria o sabor da comida em consideração ao tomar decisões. Mas era difícil ter uma má impressão. Afinal, já tinha comido o segundo.
— Vamos parar por aqui... tá bom? — disse ele. — Se eu comer tudo de uma vez, meu corpo pode reagir mal.
Mary riu.
— Isso é tão a sua cara, Haru.
— Sério? Por quê?
— O jeito como você tenta se controlar calmamente. Sempre penso que preciso aprender com o seu exemplo.
— Não sou nada de especial... sabe? Não, sério.
— O jeito como você é modesto também.
— Hmm... — Haruhiro começou a se coçar todo.
Ele não era bom em aceitar elogios. Não que não ficasse feliz, mas eles o deixavam envergonhado, e ele não queria se tornar arrogante.
Quero dizer, é óbvio, não é? Fico nas nuvens quando a Mary me elogia tanto. É por isso que quero que ela pare. Não quero ficar feliz demais. Quando coisas boas acontecem, começo a me preocupar. Há momentos bons e ruins. Para cada subida, há uma descida logo à frente. Dizem que vivemos em uma teia de fortuna e infortúnio.
— Mary — ele chamou.
— Sim?
— Eu sinto que...
A janela deste quarto estava posicionada em um ponto elevado, com a persiana de madeira aberta e sustentada por varas. Do lado de fora, estava tudo silencioso.
Até que não estava mais.
To, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to...
Esse foi o som que ele ouviu.
De jeito nenhum, ele pensou. No fundo, não queria acreditar, mas o corpo de Haruhiro reagiu rapidamente.
Ele se levantou rapidamente da cama e tentou olhar pela janela. Sem sucesso. Estava escuro, e ele não conseguia ver nada. Mas aquele som distinto de: to, to, to, to, to, to, to continuava ecoando à distância.
— É um redback.
— Não pode ser... — Mary ficou sem palavras.
Ele entendia. Haruhiro sentia exatamente o mesmo.
Os guorellas eram incrivelmente persistentes. Haruhiro havia matado o redback líder do bando. Mesmo assim, eles continuavam os perseguindo. Parecia que aquele era um bando excepcional, com vários redbacks. A party tinha conseguido escapar arriscando suas vidas e pulando de um penhasco. Era para ter terminado assim.
Não era só as batidas. Ele ouvia outros sons também. Gritos. Não entendia o que estavam dizendo. Era no idioma Gumowan? Havia luzes indo de um lado para o outro. Tochas, aparentemente.
A porta se abriu, e o quarto se iluminou.
— Mary! Haruhiro-kun?!
Era Shihoru. Atrás dela, estava um homem loiro carregando uma tocha. Jessie.
— Estão acordados, hein. Perfeito. Parece que vou precisar da ajuda de vocês — disse Jessie, calmamente.
Ele falava como se não estivesse nem um pouco tenso. Sua expressão também era serena.
Haruhiro se armou com seu estilete e a faca com guarda-mão, além do manto e outros equipamentos que estavam em um canto do quarto, e saiu da casa junto com Mary. Ele estava um pouco instável, mas se continuasse se movendo, ficaria bem. Era uma boa coisa ter comido algo antes.
A aldeia estava surpreendentemente calma. Os moradores não estavam em pânico, saindo correndo de suas casas em desespero.
— Dei ordens para não saírem de suas casas — explicou Jessie enquanto caminhavam. — Parece que estão obedecendo por enquanto. A propósito, os gumows com mantos verdes como o meu são diferentes. Eu os chamo de Esquadrão Ranger. São como minhas mãos e pernas, por assim dizer. São tão bons quanto os soldados voluntários de Altana.
A casa onde Haruhiro e Mary estavam ficava na extremidade da aldeia. Não havia mais construções ao redor por um bom tempo. Aquela estrada já estava no meio dos campos. Havia várias chamas à distância. Não pareciam grandes, mas aparentemente eram torres de vigia.
— Quantos são? — perguntou Haruhiro. — Hum... Desses rangers, quero dizer.
— Vinte e quatro — respondeu Jessie.
Jessie liderava o caminho, Haruhiro vinha logo atrás, e Shihoru e Mary caminhavam lado a lado, fechando o grupo.
To, to, to, to, to, to... To, to, to, to, to, to... To, to, to, to, to, to, to, to, to...
O som das batucadas não parava. Vinham de um lado, e do outro também.
— Algum dano? — perguntou Haruhiro.
— Não... — Jessie começou, mas balançou a cabeça. — Não tenho certeza. Ainda não.
Era culpa deles?
Haruhiro e os outros haviam trazido os guorellas para Jessie Land. Isso poderia ser verdade, mas Jessie também tinha sua parcela de responsabilidade. Ele poderia ter expulsado Haruhiro e os outros, ou matado todos. Não era claro o motivo, mas ele não fez isso. Este era o resultado. Então, podia-se dizer que ele havia causado isso a si mesmo.
Jessie entrou em uma trilha estreita. Havia uma pequena cabana adiante.
Na frente da cabana, alguém gritou alto: — Ahhh!
E começou a balançar uma tocha.
— É o Haru-kun! Shihoruuu! Mary-chan também!
— Yume! — gritou Haruhiro.
Além de Yume, havia outro gumow ranger de manto verde na cabana.
Jessie disse: — Este é Tuoki. — Então apresentou Haruhiro e os outros. O ranger de rosto púrpura acenou com a cabeça.
— Uh, olá... Eu sou Haruhiro.
— O Tuokin aqui é um cara bem capaz, sabia?! — Yume deu um tapa nas costas de Tuoki, fazendo-o tossir.
— Yume, você é amiga dele? — Haruhiro perguntou, surpreso.
— Meio que. Yume acabou de conhecê-lo, sabe? Mas talvez Yume e Tuokin estejam virando amigos. Né, Tuokin?
— Ha-Ah...
— Parece que ele tá meio confuso com isso... — comentou Shihoru.
Yume gritou: — Miauquê?! — Seus olhos se arregalaram, e ela girou para olhar bem para o rosto de Tuoki. — Tuokin, Yume tá te incomodando? É cedo demais pra chamá-la de amiga?
— ...Wah.
— Yume... — Mary balançou a cabeça. — Ele provavelmente não entende você.
— Nuoh, então é isso! — Yume cutucou Jessie nas costelas. — Jessie, se for assim, interpreta o que Yume tá dizendo por um tempo!
— É... Não, não temos tempo pra isso... — respondeu Jessie.
— Funya! É verdade! Haru-kun, estamos numa baita ameixa aqui!
— Encrenca, você quis dizer. É encrenca, não ameixa...
Bem, honestamente, isso era só Yume sendo Yume, então talvez estivesse tudo bem como estava. Haruhiro realmente não tinha tempo para corrigir isso.
A cabana parecia ser um depósito ou um abrigo de descanso, mas havia uma escada do lado de fora da construção, com uma torre de vigia simples incorporada ao telhado. Jessie pediu que Tuoki e Haruhiro o acompanhassem e subiu até a torre de vigia.
Era apertado lá em cima. No máximo, caberiam quatro pessoas. A torre ficava só um pouco mais alta que um segundo andar, mas não havia obstáculos, então era possível enxergar uma grande distância.
Excluindo a torre onde estavam agora, havia um total de outras oito torres com algum tipo de fogo aceso. Elas pareciam posicionadas nos pontos cardeais e intercardeais: norte, sul, leste, oeste, nordeste, sudeste, noroeste e sudoeste.
— Aquela direção é o norte — disse Jessie, apontando e explicando.
Como Haruhiro imaginava, as torres estavam localizadas nas direções cardeais e intercardeais.
To, to, to, to, to, to, to, to...
Se ouvissem com atenção, havia batucadas de guorella vindo de três direções: norte, oeste e sudoeste.
— Isso é uma situação excepcional — disse Jessie, dando de ombros. — Em um bando de guorellas, só o macho dominante faz esses sons. Para ser preciso, não é que nunca aconteça, mas, se um macho que não seja o dominante o fizer, é visto como um desafio. Normalmente, as fêmeas e os jovens se aliam ao dominante, e o macho desafiador é esmagado.
— Ouvi o mesmo — Haruhiro assentiu.
— Daquela mulher da aldeia oculta? — perguntou Jessie.
— Você quer dizer Setora, né? Sim, é isso. Estávamos em Darunggar, um mundo diferente de Grimgar, e...
— Já ouvi o resumo disso pela Shihoru. A Montanha do Dragão de Fogo, né? Parece interessante. Vocês encontraram Unjo em Darunggar, pelo que ouvi?
— Ele é... alguém que você conhecia?
— Não. Não o conheço. Pelo menos não da minha parte.
— ...Huh?
— Jessie! — Tuoki gritou. Ele estava olhando para o nordeste.
Olhando naquela direção, uma das fogueiras nas torres se apagou.
— Ah, droga — Jessie bufou. — Os barulhos eram uma distração? Impressionante.
Ele tinha razão, era impressionante. Os guorellas usaram as batucadas para demonstrar sua presença, dizendo: “Estamos aqui, e vamos atacar vocês agora.” Era intimidação. Enquanto faziam isso, se esgueiraram e atacaram por outra direção.
— Huh, não sei se esse é o momento para se impressionar — comentou Haruhiro.
— Justo. Tuoki.
Jessie deu alguma ordem a Tuoki. Ele assentiu e desceu a escada apressado. Provavelmente iria interceptar os guorellas que vinham do nordeste.
As sete fogueiras restantes permaneciam acesas. Os barulhos de batucadas continuavam.
— Não pode ser que aquele fosse o principal alvo deles... certo? — disse Haruhiro.
— Haruhiro, se fosse você no lugar deles, o que faria com a linha de frente? — perguntou Jessie, assentindo.
— Em vez de usar um ataque leve para nos conter, eu entraria o mais fundo possível. Isso mesmo, os mais jovens... Se eu fosse os guorellas, enviaria os machos jovens, cheios de vigor, para atacar.
— Concordo. Parece que vamos nos dar bem.
— Não tenho tanta certeza disso...
— Não pode simplesmente dizer que vamos nos dar bem, por enquanto?
— Não precisa me ameaçar. Farei o que puder. Mesmo que não fosse nossa intenção, acabamos trazendo os guorellas para cá, no fim das contas.
— São um bando bem inteligente — comentou Jessie. — Eles sabiam que vocês eventualmente iriam para uma aldeia humana, então os deixaram livres. Vocês mataram um redback. Aquele tamborilar... Devem haver vários redbacks. E um grande chefe liderando vários bandos.
— Onde está Kuzaku? — perguntou Haruhiro.
— O grandalhão? Acho que logo estará aqui. Pedi que o trouxessem.
— Setora e Enba?
— Pessoalmente, não confio em pessoas da aldeia oculta.
— Podemos usá-los — disse Haruhiro. — Kiichi também.
— É o nyaa, né? Vou considerar.
— Os aldeões que não são rangers... não sabem lutar?
— Nunca ensinei. São criaturas tão bondosas. Os rangers são os únicos que carregam armas. Acho que há uma faca ou algo do tipo em cada casa. Ferramentas agrícolas também.
— Que lugar é este? — perguntou Haruhiro.
— Jessie Land — respondeu Jessie, com um sorriso satisfeito que parecia completamente fora de lugar. — O campo principal do jogo que estou jogando.
— Jogo...?
Uma vez, Manato tinha deixado escapar essa palavra. Ele tinha dito que isso era como um jogo. No entanto, embora a palavra fosse a mesma, parecia diferente quando Jessie a dizia. Não, não um pouco, completamente diferente.
— Você parece distante, Haruhiro.
— ...Eu pareço?
— Parece. Não importa a vida que levemos, no fim, é como um jogo. Você entende isso, não é?
— Você e eu talvez não nos demos bem.
— Não — disse Jessie. — Você só pensa assim porque ainda não sabe de nada. Se aprender, verá claramente o que quero dizer.
— Não importa o que eu aprenda, isso não vai mudar. Não é um jogo. Não estamos brincando.
Haruhiro não encarou Jessie com raiva. Suas emoções estavam à flor da pele. Parecia estar irritado. No entanto, mesmo que discutisse alto, não poderia provar que estava certo, e não queria realmente provar que Jessie estava errado ou convencê-lo.
Ainda assim, mesmo que não tivesse significado, sentia a necessidade de dizer isso.
Haruhiro respirou fundo.
— Se morrermos, acabou tudo, e perdemos tudo. Podemos nos sentir pequenos e insignificantes. Pode ser um incômodo, pode ser doloroso, e podemos nos cansar disso. Mas até eu penso, de vez em quando, que estou feliz por estar vivo. Afinal, isso significa que podemos rir e chorar.
— Então você está dizendo que a vida é importante?
— Não é questão de ser valiosa ou não. Não sei qual é o valor da vida. De qualquer forma, enquanto eu puder pensar, não quero deixar o que tenho. Não tenho escolha a não ser me agarrar a isso. Quando comecei a fazer isso, eventualmente me vi cercado por tantas coisas que não era mais tão fácil simplesmente jogar tudo fora.
— Na verdade, se você simplesmente se desfizer delas, verá que é surpreendentemente fácil.
— É mesmo? — disse Haruhiro. — Bem, tenho certeza de que você também não quer perder esta aldeia.
— Se os aldeões da minha Jessie Land, que eu tanto me esforcei para construir, fossem exterminados pelos guorellas, talvez eu ficasse um pouco triste, acho.
— Faremos de tudo para evitar que isso aconteça. É melhor preparar todos para uma batalha defensiva.
— Vamos fazer isso — Jessie ergueu a sobrancelha esquerda. — Ainda não é game over.
Pouco depois, Kuzaku foi trazido para a cabana por uma ranger feminina. O fogo na torre ao norte apagou-se em seguida.
Esta cabana ficava a cerca de duzentos metros da aldeia. A torre norte estava a cerca de um quilômetro.
— Haruhiro, vá você — aparentemente, Jessie não pretendia sair da cabana por enquanto.
Quando Haruhiro assentiu, Jessie deu uma ordem à ranger feminina que trouxera Kuzaku. Provavelmente estava dizendo para ela acompanhá-los e observá-los, ou algo assim.
Quando ele desceu a escada, Kuzaku gritou: — Hey! — e estendeu o punho. Haruhiro deu um leve toque com o seu. — É bem mais fácil com você por perto, Haruhiro — disse Kuzaku. — Quero dizer, sem você eu fico tão inquieto. É difícil, cara.
— Tá me assustando um pouco — respondeu Haruhiro.
— Hã?! É assim que você responde?!
— Nah, tô brincando. Ou talvez não...
— Cruel, cara. Mas meio que fiquei feliz, acho.
— Huh? Por quê?
— Quero dizer, você tá sendo um pouco mais rude comigo do que antes. Isso não é bom?
— Você é um total masoquista — murmurou Shihoru.
— Não sou! — Kuzaku negou imediatamente, mas inclinou a cabeça de lado. — Ahhh. Mas também não sou sádico. Isso não combina comigo. Talvez eu não seja um total masoquista, mas, se for pra falar de S e M, bem, talvez eu seja um pouco M...
— A Yume é L, né? Ou talvez F?
— F...? — Mary franziu a testa, parecendo pensar seriamente no assunto.
Lá no alto da cabana, na torre, Jessie ria de forma contida.
— Wolla! — A ranger feminina deu um tapa no traseiro de Kuzaku.
— Sim, senhora! — Kuzaku empurrou Haruhiro pelas costas. — Haruhiro, vamos nessa! A Yanni-san é gente boa, mas dá medo quando fica brava!
A mulher de rosto creme, aparentemente chamada Yanni, gritou: — Waouf! — Sim, ela era uma gumow assustadora.
— Certo, vamos lá — disse Haruhiro. — Se carregarmos tochas, seremos um alvo fácil, então vou contar com você, Kuzaku. Vá na frente. Yume, fique bem atrás, cuidando da Mary e da Shihoru. Isso pode ser uma batalha longa, então economize energia por enquanto, Shihoru. Eu vou ficar logo atrás do Kuzaku.
— Tá!
— Miau!
— Certo!
— ...Entendido!
Quando começaram a caminhar, Yanni rapidamente passou por Haruhiro e foi até Kuzaku. Diferente de Kuzaku, o tanque da party, Yanni não usava armadura nem elmo. Não era perigoso estar na linha de frente? Claro, ela provavelmente tinha sido designada para vigiá-los, mas poderia fazer isso de trás. No entanto, mesmo que dissesse isso, era provável que ela o ignorasse ou até lhe desse uma bronca. De qualquer forma, ela não entenderia suas palavras.
Haruhiro pretendia cortar caminho pelos campos, mas Yanni seguiu pela estrada, e, se Kuzaku tentava se afastar dela, ela gritava: — Wolla!
Andar pelos campos era difícil, e Yanni provavelmente conhecia melhor o terreno em Jessie Land. Haruhiro decidiu deixar a escolha do caminho por conta dela.
To, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to, to... To, to, to, to, to, to, to, to, to... To, to, to, to, to, to, to, to...
O som agora vinha do leste, oeste e sudeste. Se bem lembrava, originalmente vinha do norte, oeste e sudoeste.
Eventualmente, eles ouviram os “Uho, uho, uho, uho!” dos guorellas. Provavelmente haviam notado Haruhiro e os outros.
— Parem! Estão vindo, Kuzaku! — gritou Haruhiro.
— Okay!
Yanni gritou: — Seinea! — e arrancou a tocha da mão de Kuzaku. Ele imediatamente sacou sua grande katana. Aqueles dois estavam estranhamente sincronizados.
Haruhiro empunhou seu estilete também. Respirou fundo, relaxando os ombros e quadris.
— Ho! Ho! Ho! Ho! Ho! Ho!
— Direita, esquerda e à frente! — gritou Yume, disparando uma flecha para a direita.
Ela acertou? Errou? Não estava claro.
— Dark! — gritou Shihoru, invocando o elemental.
— Ó Luz, que a proteção divina de Lumiaris esteja sobre você. Protection! — Mary entoou seu feitiço, e um hexagrama brilhante apareceu nos pulsos esquerdos deles.
Haruhiro percebeu. Não tinha uma base concreta, mas provavelmente não era um redback. Já tinham sido atacados muitas vezes antes, então ele conseguia perceber. Era um macho jovem.
— Shihoru, à esquerda! — ele chamou.
— Certo!
— Está aqui — murmurou Haruhiro.
Primeiro, à frente. Era um guorella. Um macho jovem, como ele esperava.
Quando o Macho A saltou em sua direção, Kuzaku gritou: — Ragh! — e o empurrou com o escudo. Kuzaku não perderia em uma disputa de força quando tinha uma boa pegada no escudo. Não contra um guorella que não fosse um redback.
— Miauuu! — gritou Yume, disparando outra flecha antes de imediatamente descartar o arco e sacar sua katana. Ela desferiu dois golpes contra o Macho B, que avançava ferozmente, e rapidamente circulou para o lado dele.
— Chai, chai, chai!
Yume desferiu golpes poderosos contra o Macho B.
Mas os golpes foram repelidos pela pele semelhante a uma carapaça do Macho B, portanto ele não sofreu dano algum. No entanto, devido aos movimentos incessantes e ataques de Yume, o Macho B estava claramente desorientado. Eventualmente, o Macho B recuperaria o controle, mas, se necessário, Mary ajudaria Yume. Não, antes que chegasse a isso, Haruhiro acabaria com a situação.
Um Macho C vinha diagonalmente pela frente, pela esquerda, pisoteando as plantas parecidas com cevada enquanto avançava. Apesar de ser macho, era menor que um redback e, em vez de andar ereto, caminhava com os nós dos dedos no chão, parecendo menos intimidador.
Ainda assim, se Haruhiro fosse atingido de frente, não sairia ileso, e, com um pouco de azar, poderia até morrer. Ele não era resistente como Kuzaku. Não tinha intenção de enfrentá-lo de frente.
Por isso, Haruhiro correu para a esquerda.
O Macho C rugiu, perseguindo-o de perto.
— Vai! — gritou Shihoru, lançando Dark.
Shuvwooooooooong. Dark voou com um som sobrenatural, e o Macho C não conseguiu desviar.
Foi um acerto.
O Macho C gritou e começou a se contorcer. Era isso que Haruhiro esperava. O momento perfeito para agir.
Haruhiro saltou sobre o Macho C, envolvendo seu braço esquerdo ao redor do pescoço do guorella. Os chifres peludos que cresciam densamente da parte de trás de sua cabeça até as costas o espetavam dolorosamente, mas ele ignorou. Segurando o estilete na posição invertida, Haruhiro o cravou no olho direito do Macho C.
Fundo. Mais fundo. O mais fundo que conseguisse.
Ele retirou a lâmina, ajustou o ângulo levemente e cravou novamente. Repetiu o processo. Uma, duas, três... Oito vezes. Depois disso, o Macho C desabou e parou de se mover completamente.
Haruhiro afastou-se rapidamente do Macho C e deu uma olhada nos outros inimigos. Kuzaku estava golpeando o Macho A com sua grande katana, afastando-o. Yanni o chutava e batia nele com a tocha, enfrentando-o em igualdade de condições. Apesar da dificuldade de acertar um golpe fatal em um guorella, aqueles dois não pareciam ceder tão cedo.
Yume estava um pouco mais distante. Saltando para lá e para cá, ela tentava manter o Macho B longe de Shihoru e Mary.
Mary segurava seu cajado, parecendo indecisa. Deveria apoiar Yume ou ficar ao lado de Shihoru?
Shihoru olhou para Haruhiro. Seus olhos pareciam perguntar se deveria lançar outro Dark.
Haruhiro balançou a cabeça. Stealth. Ele imaginou-se afundando nas profundezas da terra.
Ele estava na mentalidade certa.
Abaixou a cabeça e avançou.
Yume continuava seus movimentos frenéticos, indo para a direita, para a esquerda e para trás.
— Geh! Nyah! Hnghyah! Nyoh! — ela exclamava, balançando sua katana.
Os movimentos de Yume não tinham perdido vigor, e ela não parecia cansada. No entanto, o Macho B parecia ter se acostumado ao padrão dela. Em vez de ser ela quem brincava com o inimigo, agora o Macho B parecia persegui-la. A qualquer momento, poderia pegá-la.
Claro, não vou deixar isso acontecer— era algo que Haruhiro tentava evitar pensar. Ele precisava apenas continuar fazendo o que era necessário. Estava estranhamente desapegado.
Talvez houvesse alguma verdade nisso. Ele achava que tinha de haver.
As emoções tinham grande impacto na percepção e no controle manual. Haruhiro sabia disso. Às vezes, as emoções podiam trazer uma explosão de força, mas, em muitos casos, o efeito era o oposto. Sentimentos abalados causavam erros e deslizes.
— Caramba! — gritou Yume.
O Macho B afastou a katana de Yume com o braço. A espada quase voou de suas mãos, mas Yume tentou firmar os pés. Por causa disso, parou de se mover. Por um momento, ela entrou em pânico. O Macho B não perdeu tempo, aproximando-se e envolvendo-a com seus dois braços.
Haruhiro se lançou sobre as costas do Macho B, enlaçando seu braço esquerdo em torno do pescoço da criatura. Os chifres peludos penetraram em sua carne, mas ele não sentiu dor real.
Ah, estão me espetando, foi sua única reação. Ele poderia reclamar da dor depois.
Haruhiro cravou seu estilete no olho direito da criatura. O mesmo método de antes: crava o estilete e tira, repetidamente, sem nenhuma hesitação.
— Funyaaa...! — Yume empurrou o Macho B com as duas pernas. Isso fez o Macho B rolar, e Haruhiro quase acabou por baixo dele.
Ele pulou para o lado, evitando o impacto, levantando os ombros, soltando o ar e relaxando enquanto se afastava. Ao mesmo tempo, inclinou a cabeça para o lado.
Seus olhos deviam parecer incrivelmente cansados naquele momento. Embora, na verdade, ele não estivesse tão exausto assim.
— H-Haru-kun, obrigada!
— Tudo bem... — Haruhiro respondeu, acenando vagamente, mas então os olhos de Yume se arregalaram.
— V-Você tá sangrando! Tá pingando por todo lado!
— Estou bem.
Ele já havia previsto que os chifres peludos poderiam acertá-lo, e não havia ferimentos particularmente graves. Embora doesse. Seu peito e braços começavam a sentir a dor gradualmente, mas isso não o atrapalharia em combate, e ele achava que poderia aguentar. Bastava pedir para Mary curá-lo mais tarde.
— Yume, volte para onde Mary e Shihoru estão. Podem aparecer novos inimigos.
— C-Certo! E você, Haru-kun?
— Parece que sou o mais rápido para acabar com os guorellas.
Respire fundo. Solte o ar.
Afunde. Stealth.
Será que ele tinha pegado o jeito? Algo assim? Estava conseguindo entrar no ritmo mais facilmente do que antes.
Melhorar era algo estranho, não era como escalar uma encosta gradualmente. Em vez de ganhos lentos e incrementais, parecia acontecer em saltos. Ele praticava dia após dia, testando várias estratégias, mas parecia que nada mudava. Então, depois de um tempo assim, de repente, ele subia um degrau. Algo que antes o frustrava por não conseguir fazer, de repente, ele conseguia.
Será que ele tinha subido um degrau? Mesmo que fosse isso, não podia deixar isso subir à cabeça. Precisava manter a cautela.
Kuzaku usava Block para defender os ataques do Macho A, ocasionalmente usando Bash e Thrust para contra-atacar. Yanni, por sua vez, usava Kuzaku como um escudo humano enquanto focava em desestabilizar o Macho A.
Eles não pareciam improvisados. Quanto mais Haruhiro observava, mais pareciam uma boa dupla. Mas faltava-lhes a capacidade de desferir um golpe decisivo.
Sabendo da força de Kuzaku, não seria impossível para ele penetrar a pele semelhante a uma carapaça de um guorella com sua grande katana. Porém, ele precisaria de um golpe com bastante impulso ou um balanço incrivelmente forte para conseguir. Para fazer isso, precisaria primeiro imobilizar o guorella ou, ao menos, desequilibrá-lo.
O estilo de luta de Kuzaku era confiável. Ele atraía o máximo de inimigos possível, forçava-os a atacá-lo, resistia a todos os golpes e protegia seus companheiros. Ele estava dando tudo de si em seu papel como tanque.
Isso, por si só, não era ruim, claro. Na verdade, era algo digno de elogio. Ele havia crescido muito até aqui.
Gostaria de poder elogiá-lo sem reservas, mas... pensou Haruhiro. Honestamente, ainda não é o suficiente.
Se fosse ousar dizer, Moguzo cumpria seu papel como tanque enquanto ainda tinha poder para decidir o desfecho das batalhas. Moguzo era um guerreiro, enquanto Kuzaku era um paladino defensivo.
Ainda assim, apesar dessa diferença, Kuzaku tinha altura, braços longos e uma força incomum que superava a de Moguzo. Ele deveria ser capaz de fazer mais. Agora que sua defesa estava quase completamente sólida, isso deveria dar vida aos seus ataques. Conhecendo sua personalidade, Kuzaku certamente queria contribuir mais para a party. Além desse desejo, ele tinha capacidade.
Kuzaku era focado ao ponto de ser obstinado. Isso era uma força. Porém, uma vez que escolhia um caminho, ele avançava como um javali enfurecido, sem olhar para os lados.
Haruhiro era o líder, então cabia a ele segurá-lo pelas rédeas, direcionando Kuzaku para cá ou para lá. Se Kuzaku começasse a estagnar, a culpa seria de Haruhiro. Por mais pretensioso que fosse dizer isso, não era dever de Haruhiro desenvolver Kuzaku em um paladino que fosse mais do que apenas um tanque? Mesmo assim, não seria bom se Kuzaku se esforçasse demais, e por enquanto, as coisas estavam bem como estavam.
Eu vou terminar isso.
Haruhiro não estava sendo excessivamente entusiasmado. Sentia que era algo natural e inevitável que ele faria.
Haruhiro se moveu pelo campo, circulando por trás do Macho A.
Não era apenas o Macho A; todos, inclusive seus companheiros, haviam parado de prestar atenção em Haruhiro. Por isso, o Macho A não se virou.
Weruu, ruu, ruuuu, ruu, ruu, weruuuuuu!
Houve um som que eles ainda não tinham ouvido antes. Provavelmente, não estava muito longe.
O som não vinha de algumas dezenas de metros; estava a pelo menos cem, ou algo em torno disso. Pelo timing, no instante em que o Macho A ouviu, ele fez uma curva brusca—e seus olhos cruzaram com os de Haruhiro.
Haruhiro não conseguiu evitar ficar atordoado com isso. Não havia como prever tal coisa.
Mas, bem, a vida era assim. Coisas desse tipo aconteciam. Se ele conseguisse evitar morrer com um único golpe, não estava sozinho, tinha seus companheiros, eles dariam um jeito.
Haruhiro abaixou o corpo, assumindo uma postura defensiva. Tudo bem, venha, pensou ele.
No entanto, o Macho A não foi em direção a Haruhiro. Ele passou ao lado, embora não muito perto, correndo com os punhos no chão em alta velocidade até um ponto mais afastado.
Nesse caso, isso não é andar com os punhos, é correr com os punhos, né? Bem, é muito trabalho diferenciar isso, então “andar” está bom, pensou Haruhiro para si mesmo.
Ele sequer tinha sido considerado uma ameaça. O Macho A recuou sem nem ao menos lançar um olhar para Haruhiro. Provavelmente, aquele som era o grito de um guorella, um sinal de retirada.
— Ele... fugiu? — Kuzaku disse, com os ombros subindo e descendo a cada respiração. — Você acha que foi isso?
Yanni se moveu lentamente, segurando a tocha, enquanto olhava ao redor, inquieta.
Weruu, ruu, ruuuu, ruu, ruu, weruuuuuu!
Lá estava aquela voz de novo.
Haruhiro pensou por um instante, pediu a Mary para curá-los e decidiu ir até a torre de vigia ao norte. É claro que ele não baixaria a guarda, mas provavelmente não encontrariam inimigos.
Isso não era complacência. Havia um fluxo nas coisas. Os guorellas haviam recuado. Eles provavelmente não atacariam novamente tão cedo.
Embora fosse chamada de torre, era alta o suficiente apenas para alguém pular sobre ela, sem telhado, mais parecendo uma plataforma simples. A torre de vigia ao norte havia desmoronado, e as pernas de suporte e a cesta que segurava a fogueira tinham sido destruídas, ficando jogadas no chão por perto.
Havia um único ranger caído de bruços ao lado da madeira queimada da fogueira, que não tinha sido completamente apagada. Mary correu até ele, tentando erguê-lo, mas parou no meio do movimento, com os ombros caídos.
Yanni virou o ranger no lugar dela. Ele não tinha rosto. Fora atacado de surpresa pelos guorellas e teve o rosto arrancado a mordidas. Obviamente, o ranger estava morto.
Eles ouviram aquele mesmo “Weruu, ruu, ruuuu!” cinco vezes, e então o som cessou. Depois disso, começaram a ouvir, ou não ouvir, batucadas vinda de todas as direções.
Eles voltariam para Jessie ou ficariam ali? Era uma decisão difícil, mas Yanni não se afastava do corpo do ranger morto. Haruhiro não se sentia confortável em deixá-la ali, e, se quisesse que voltassem, Jessie provavelmente enviaria um mensageiro.
Ele e os outros decidiram permanecer nos restos da torre ao norte e observar o que o inimigo faria. Mas Haruhiro tinha certeza de que eles não se moveriam.
Ele não achava, por um momento, que aquilo era o fim, mas provavelmente os guorellas os intimidariam com as batucadas durante a noite e não os atacariam. Por alguma razão, Haruhiro estava quase certo disso.
Como ele previu, as batucadas pararam quando o céu começou a clarear, e, no fim, os guorellas só realizaram aquele único ataque naquela noite.
Pouco depois do nascer do sol, Jessie apareceu. Alisando a barba, ele perguntou a Haruhiro: — O que acha?
— Acho que eles vão voltar.
Seria ótimo se não fosse o caso, mas ele teve que dar essa resposta. Não tinha nenhuma prova concreta, então não tinha certeza se deveria dizer isso com tanta certeza. De certo modo, era sua intuição. Porém, em sua mente, Haruhiro imaginava um único guorella com três ou quatro redbacks sob seu comando, liderando um grande bando de mais de cinquenta.
Um redback entre redbacks. Era excepcionalmente grande, forte, mas, acima de tudo, astuto e ardiloso. Estava se divertindo com a caça. Seguiu Haruhiro e sua party enquanto faziam o máximo para fugir, e ficou exultante ao encontrar um novo campo de caça em Jessie Land. Ele decidiu fazer seus subordinados descansarem, como se estivesse se preparando.
Essa cena poderia ser toda imaginação de Haruhiro, mas isso era bom. Se vissem que o inimigo era mais assustador e numeroso do que esperavam, os guorellas fugiriam. Haruhiro quase rezava para que fosse assim.
— Denko — disse Jessie, lançando um olhar para os restos do ranger. — Incluindo ele, perdemos três rangers. Isso nos deixa com vinte e um rangers, eu, e vocês.
— Você não vai libertar a Setora? — perguntou Haruhiro. — Ela seria uma aliada valiosa em combate.
— Não consigo imaginar alguém da aldeia oculta lutando por Jessie Land.
— Isso não se aplica só à Setora. Nós somos iguais.
— Por que vocês não fugiram? Se tivessem matado ou imobilizado a Yanni, poderiam ter feito isso.
— Honestamente, isso nunca me passou pela cabeça, mas isso significaria deixar a Setora para trás, certo? Não tenho certeza se conseguiria fazer isso. Além disso, o nosso Kuzaku parecia estar se dando bem com a Yanni-san.
— Uh, olha só — interrompeu Kuzaku. — Só pra deixar claro, eu e a Yanni-san não temos esse tipo de relação.
— ...Nem achei que tivessem, cara.
— Quer dizer, a Yanni-san pode não parecer, mas ela tem seu lado fofo, sabe? Acho que é meio rude dizer que ela não parece.
Yanni pareceu captar o rumo da conversa.
— Ahh?! — Ela deu um chute no quadril de Kuzaku.
— Ai! Ei, para com a violência, Yanni-san! Isso não é nada fofo!
Shihoru sorriu de canto.
— Vocês dois parecem realmente próximos.
— Basicamente, isso significa que ele tem boas habilidades de comunicação, diferente de mim... — Mary murmurava para si mesmo.
— A Yume também fez amizade com o Tuokin. — Yume inflou uma das bochechas. — Jessie, o Tuokin não tá machucado, né? Ele tá bem?
— Tuokin está ileso — respondeu Jessie com um leve dar de ombros. — Ele é o líder dos rangers. Pode ser pequeno, mas é inteligente.
— Fuuu — disse Yume, impressionada. — Yume sabia que o Tuokin era bom no que faz. Ele consegue resolver as coisas quando se esforça.
— Por sinal, o ranger em quem mais confio depois do Tuokin é a Yanni — continuou Jessie.
— Ela é forte, afinal — disse Kuzaku.
— Nara! — gritou Yanni imediatamente, dando outro chute na bunda de Kuzaku. Ele estava usando armadura, mas parecia ter doído.
— Oh, também... avisem os moradores para... — começou Haruhiro, mas parou e olhou para o sul. Não era que tivesse ouvido algo... Ele achava. No entanto, só podia dizer que algo o incomodava.
— Foi descuido meu — disse Jessie, virando-se e indo embora. — Yanni! Afta ewa!
Yanni olhou para o corpo de Denko, demonstrando alguma hesitação. Mesmo assim, imediatamente respondeu: — Yai! — e saiu correndo.
— Haruhiro-kun?! — gritou Shihoru.
Haruhiro chamou seus companheiros: — Vamos! — e seguiu atrás de Jessie e Yanni.
Jessie parecia calmo, mas Yanni estava inquieta. De vez em quando, tentava apressar o passo, só para ser repreendida por Jessie.
— Yanni-san... — Kuzaku parecia extremamente preocupado com Yanni. — Ei, Haruhiro, você não acha que...?
Antes que Haruhiro pudesse responder, provavelmente, Yume disse: — Gworellons?! — Algo que poderia não fazer sentido, mas parecia fazer. — Yume parou de ouvir as vozes deles, então tava toda relaxada!
— ...Isso pode ter sido a armadilha — disse Shihoru.
Ela provavelmente estava certa.
— Setora! — chamou Mary.
Não era como se Haruhiro não estivesse pensando na Setora e em seu grupo. Mas foi um pouco surpreendente. Não apenas Mary, nenhum dos seus companheiros tinha uma boa relação com Setora.
— Haru! Se a Setora tá na prisão, ela não pode fugir! Temos que nos apressar e salvá-la!
— Uh, sim.
— Tenho certeza de que a Setora está esperando você ir buscá-la!
— T-Talvez você tenha razão...
O que era isso? Haruhiro pressionou a mão contra o peito. Essa sensação desagradável. Mary não estava dizendo nada de errado. Apesar disso... ele estava irritado? Mas por que Haruhiro estaria irritado? Não, parecia que ele não estava exatamente irritado. Contudo, se alguém perguntasse o que ele estava sentindo, não saberia dizer.
Kuzaku levantou a voz, por alguma razão: — A Setora importa mesmo?!
— É claro que importa! — Mary retrucou imediatamente.
— Tá, dizer que ela não importa pode ser exagero, mas ainda assim! Ela é mesmo tão prioritária assim? Quero dizer, ela nem é uma de nós, sabe?!
— Ela salvou nossas vidas várias vezes! Além disso, a Setora ama o Haruhiro! — retrucou Mary.
— Isso é problema dela, não é?! O Haruhiro só está sendo obrigado a fingir ser o namorado dela, ou amante, ou seja lá o que for, porque ele não teve escolha! Não faz diferença qual dos dois seja!
— Então está dizendo para simplesmente abandoná-la?!
— Eu não estou dizendo isso! Só que...
— Só que o quê?!
— Ah, tanto faz! Eu não quero brigar com você! Eu nem entendo por que você está tão a favor dela!
— Nem eu!
Se a discussão continuasse, Haruhiro poderia intervir para pará-la. Ou talvez não. Talvez ele nem conseguisse dizer nada, no fim das contas. Ele se perguntava o que teria feito. Não sabia.
De qualquer forma, era bom que a discussão tivesse terminado. Aquilo lhe dava um nó no estômago. Por que Kuzaku e Mary estavam discutindo por causa da Setora? Ele conseguia entender o lado de Kuzaku, mas, enquanto não era Kuzaku, não fazia sentido para Haruhiro que Mary defendesse Setora.
Talvez Mary realmente ache que eu deveria ficar com Setora? Não preciso que ela decida isso por mim, no entanto...
Bem, não que eu pretenda abandonar Setora.
Ele conseguia ouvir o que pareciam ser gritos. Estavam a uns trezentos metros da aldeia. O que estava acontecendo lá? Algo estava acontecendo? Eles ainda não conseguiam ver, mas aquilo não era bom. Parecia ruim.
Haruhiro de repente percebeu que algo estava errado. Ou melhor, finalmente caiu a ficha de que algo estava errado com ele. Quando ele acordou, sozinho com Mary, sentiu-se meio eufórico. Quando os guorellas apareceram, ele poderia estar mais tenso.
Ele estava calmo. Calmo demais, talvez. Não era do tipo que se envolvia profundamente nas coisas, mas parecia haver uma pequena, muito sutil, distorção entre ele e a realidade.
Os gumows não eram tão diferentes dos humanos. Mesmo que pensasse nisso, Haruhiro provavelmente só tinha visto os restos do ranger que caiu na torre norte como um objeto. Ele se solidarizou, mesmo que minimamente, com Yanni, que havia perdido um dos seus? Quase nada. Não, absolutamente nada. Não parecia real, de alguma forma. Como se ele estivesse em um jogo.
Mas isso não é um jogo.
Ao longe, Haruhiro viu um guorella arrombar uma porta e invadir uma casa. Aquele grande guorella, que andava com os nós dos dedos de casa em casa, provavelmente era um redback. Quantos guorellas tinham entrado na aldeia?
— Haruhiro! — Jessie jogou algo para ele. — Tire aquela mulher Shuro daqui!
A chave da prisão. Era a chave da prisão.
— Certo — disse Haruhiro, pegando-a. — Onde ela está?!
— Shihoru deve saber! Yanni, wolla!
— Yai!
Jessie levou Yanni consigo e parecia que ele agiria separadamente de Haruhiro e os outros a partir dali.
— Eu lidero! — Shihoru tentou seguir à frente.
— Não! — Haruhiro a deteve. — Kuzaku, você vai na frente! Shihoru, fique atrás de mim e nos guie!
— Entendido! — gritou Kuzaku.
— ...Certo!
— Yume, fique de olho ao redor! Mary, proteja Shihoru e Yume!
— Miau!
— Certo, pode deixar comigo! — respondeu Mary.
— Haruhiro-kun, por ali! — Shihoru apontou à frente e para a direita.
Haruhiro hesitou. Eles chegariam à aldeia em breve.
Havia gritos e berros dos gumows e rugidos dos guorellas. Alguns gumows estavam caídos na estrada. Todos ensanguentados. Seus braços e pernas haviam sido arrancados, e seus rostos estavam esmagados. Havia até gumows com a cabeça destroçada.
A maioria deles não se mexia. Provavelmente não estavam respirando. Não eram só adultos; havia crianças também. Por que não estavam dentro de suas casas? Aquilo não era bom. Será que pensaram que a crise havia acabado quando o sol nasceu? Jessie não deveria ter dito que era seguro sair ainda.
Não—Justo quando pensou nisso, um grupo de gumows correu para fora de uma das casas. Em seguida, um guorella os perseguiu. O guorella havia entrado naquela casa, então eles não tiveram escolha a não ser fugir. Era isso? Mas, mesmo fugindo...
Ohh. Aquilo era terrível.
O menor gumow, provavelmente equivalente a uma criança humana de cinco ou seis anos, foi pego pelo guorella. Era um jovem macho. O jovem macho derrubou a criança gumow e mordeu sua cabeça, esmagando-a com os dentes. Não a comeu, apenas cuspiu os restos. Em seguida, arrancou um braço e começou a mastigá-lo.
A mãe gumow soltou um grito e tentou avançar contra o guorella, mas o pai gumow a segurou, prendendo seus braços para trás.
O que aconteceria com aquela família? Haruhiro não sabia.
Haruhiro e os outros precisavam contornar a direita da aldeia e encontrar a prisão onde Setora estava sendo mantida. Não podiam salvar aquela família, e tampouco tinham tempo para assistir ao desfecho deles. Haruhiro não tinha certeza se se sentia mal por isso ou não.
Mas, se sentisse, deveria salvá-los sem hesitar. Ou melhor, não teria tentado? No fim, gumows não eram humanos. Eram feios e, além disso, embora ele não pudesse dizer que aquilo não tinha nada a ver com ele, era uma crise. Não podia se compadecer por todos eles.
Ao mesmo tempo, pensou que estava errado. Sentiu pena deles. Mas o que poderia fazer? Nada.
— Ali! — apontou Shihoru.
A porta da construção indicada por Shihoru estava quebrada, e havia até dois guorellas no telhado. Eram pequenos, claramente diferentes dos machos. Aqueles dois eram fêmeas.
Kuzaku estava intimidado pela voz aguda: — I-Isso não é brincadeira!
— Chame a atenção delas! — Haruhiro deu um leve tapa no braço de Kuzaku. — Vou olhar lá dentro!
— Isso é loucura, Haruhiro! Nem consigo imaginar que ela esteja bem!
— Tanto faz, só faça! Não saberemos até verificarmos! — Haruhiro respirou fundo e se acalmou. — Pessoal, deem suporte ao Kuzaku! Por enquanto, só eu preciso entrar! Se eu precisar de vocês, vou gritar!
— Não, mesmo que você grite...! — Kuzaku bateu no escudo com a mão que segurava a grande katana. — Droga! Ei, venham aqui, suas guorellas fêmeas! Vou acabar com vocês! Não desse jeito, claro! Só avisando!
Parecia que as duas fêmeas estavam interessadas em Kuzaku. Aproveitando essa brecha—
Afunde. Stealth.
Aparentemente, a construção não tinha janelas. Ele teria que entrar pela porta.
Yume disparou uma flecha contra as fêmeas, e Shihoru lançou Dark.
Haruhiro escorregou para dentro da construção pela entrada.
Havia três celas à esquerda e à direita de um corredor separadas por grades. Aquele que batia nas barras da cela frontal à direita era Enba. O nyaa emitia gritos agudos.
— Goooohhh! Gaaahhhh! Oooohhhh! — Um guorella soltava rugidos incríveis enquanto sacudia violentamente as grades da cela ao fundo, à direita. Setora devia estar lá.
As grades pareciam ser uma mistura de ferro e madeira, mas um dos guorellas parecia prestes a derrubá-las a qualquer momento. Infelizmente, o cabelo daquele guorella era vermelho. Um redback.
Não hesite.
Haruhiro sacou o estilete e o segurou de forma invertida. O redback ainda não o tinha notado. Ele avançaria assim.
Quando tentou dar um passo à frente, o redback olhou em sua direção, com as mãos ainda nas grades.
Haruhiro engoliu em seco. Todo o seu corpo enrijeceu. O coração disparou, e ele sentiu uma pulsação aguda.
Era bizarro, mas o redback estreitou os olhos, exibiu dentes pontiagudos como presas... e sorriu. Foi o que pareceu.
Agora que tinha sido detectado, ele não conseguiria derrotá-lo. Zero chances. Haruhiro sabia disso. Se não fugisse, seria morto.
Naquele momento, ele não pensou nem um pouco em Setora. No final, isso provavelmente foi o melhor.
Haruhiro se virou imediatamente. Foi no mesmo instante em que o redback começou a correr, ou talvez Haruhiro tenha sido um pouco mais rápido.
Assim que saiu pela porta, Haruhiro saltou para o lado direito. Sentiu algo como uma explosão bem atrás dele. O redback tinha avançado, ao que parecia.
— Gah?! — gritou Kuzaku.
Kuzaku tinha sido jogado para longe pelo redback?
Haruhiro rolou, levantou-se e olhou para o telhado. As guorellas fêmeas ainda não haviam descido. Yume não estava tão longe.
— Yume, aqui está a chave! Pegue a Setora! — gritou Haruhiro.
— Certonya! — Yume pegou a chave que Haruhiro jogou para ela e correu para a entrada da prisão.
— Whoa... — disse Kuzaku. O quê?
O redback.
O redback estava girando Kuzaku no ar. Pelo pé. Ele havia agarrado a perna de Kuzaku e o estava rodopiando em círculos.
— Kuza—!
— Zaaaaaaaaahhhhhhh! — O redback arremessou Kuzaku.
Ei.
Qual foi.
Como consegue fazer isso?
Kuzaku estava voando. Ele desenhou uma parábola suave no ar antes de colidir com uma casa a não dez, mas vinte metros de distância.
— Mary! — gritou Haruhiro, tentando avançar contra o redback.
E então? Ele questionou a si mesmo. O que vou fazer? Esse é um inimigo que consigo enfrentar de frente?
Inspire.
Expire.
Bom. Agora relaxe.
Afrouxe os joelhos. Os cotovelos. Os pulsos e os tornozelos. Solte todas as articulações. Incline-se um pouco para frente. Assim está bom.
Ele lambeu os lábios.
Mary estava correndo em direção a Kuzaku agora.
Shihoru estava escondida atrás de uma casa próxima.
Yume já estava dentro da prisão.
As duas fêmeas ainda estavam no telhado, como sempre.
O redback enrugou o rosto coberto por uma pele semelhante a uma carapaça e, então, sorriu novamente.
Isso quase fez Haruhiro sorrir também. Mas, claro, não porque achasse engraçado. Não era isso.
Aquele desgraçado. Está tirando sarro de mim?
— Qual é o seu problema, cara? — rosnou Haruhiro.
— Ohh. — O redback estreitou a boca e emitiu um som. Ele estava claramente zombando.
Mesmo assim, não precisava se irritar. Haruhiro respirou fundo mais uma vez.
Era difícil demais derrubar as fêmeas, sem falar no redback, mas ele precisava ganhar tempo de alguma forma. Havia poucas coisas que Haruhiro podia fazer, mas, bem, ele faria o que pudesse. Daria cem por cento disso.
O redback virou as costas para ele.
— ...Hã? — disse Haruhiro.
Imediatamente, ele pensou: Não fique desapontado. No momento em que relaxasse, ele poderia atacá-lo.
Mas suas preocupações foram em vão.
O redback virou o rabo para ele e fugiu, e as duas fêmeas também foram embora.
— Não faço ideia do que acabou de acontecer...
Seja como for, aquilo tinha salvado sua pele. Isso era o mais importante agora. Ele precisava mudar o foco.
Shihoru saiu do esconderijo e correu até ele.
— Agora há pouco... — foi tudo o que ela disse.
Setora, Enba, Kiichi e Yume saíram da prisão. Setora abaixou a cabeça, parecendo cabisbaixa. Pelo menos, era o que parecia, mas não era isso.
— Haru — ela disse —, obrigada... Você também, Yume.
— Oh... — Haruhiro respondeu de forma desajeitada. — N-Não foi nada.
— Nyeh! — Yume fechou um olho e levantou o polegar.
Todos se apressaram para onde Kuzaku e Mary estavam. Kuzaku estava ferido, com alguns ossos quebrados, hematomas e um corte, mas Mary nem precisou usar o Sacrament. Ela conseguiu curá-lo apenas com Cure.
— Cara, às vezes fico impressionado com o quão resistente eu sou — disse Kuzaku.
— Isso não é algo ruim — Mary lançou-lhe um olhar ligeiramente severo. — Mas não fique confiante demais.
— Tá. Desculpa por todo o trabalho. Eu me desculpo.
— Não precisa fazer isso. É meu trabalho.
— E então? — Setora parecia ter voltado ao seu estado habitual. — Vamos sair daqui?
Haruhiro trocou olhares com Shihoru.
Aproveitar o caos e escapar de Jessie Land. Não seria impossível. Era essa a sensação que ele tinha. Talvez fosse até o que eles deveriam fazer. Se considerassem apenas o que era benéfico para eles, ou sua própria segurança, provavelmente era o melhor a se fazer.
Shihoru abaixou os olhos primeiro. Ela não conseguia decidir. Isso devia ser o que ela estava pensando. Provavelmente se sentia culpada por não conseguir expressar uma opinião.
Mas tudo bem. Shihoru estava tentando aliviar o peso de Haruhiro. Isso já era suficiente. Realmente ajudava.
Por que precisavam de um líder? Para tomar decisões em qualquer situação. Era isso que um líder fazia, e esse era o papel de Haruhiro.
Ele podia errar. Podia se arrepender das escolhas. Mas, ainda assim, se chegassem a uma bifurcação, à esquerda ou à direita, ele precisava escolher.
— Precisamos afastar os guorellas. — Haruhiro ajustou levemente o aperto no seu estilete, respirando superficialmente. Ele olhou de canto de olho para a direita. — De qualquer forma, se não nos livrarmos deles, podemos correr, mas não vamos conseguir escapar.
— É... — Kuzaku deu uma risadinha dentro do elmo, então completou: — Sim! — Foi claramente um grito para se animar.
— Vamos manter a atenção enquanto avançamos. — Mary levantou seu cajado e ficou ao lado de Shihoru, fazendo o sinal do hexagrama. — Ó Luz, que a proteção divina de Lumiaris esteja sobre você. Protection.
Shihoru olhou para o hexagrama que apareceu em seu pulso e assentiu.
— Um de cada vez... e com certeza!
— Por enquanto... — Yume encaixou uma flecha e a disparou. — Comecem por ali!
A flecha disparada por Yume acertou um guorella macho jovem, a cerca de cinquenta metros, que estava devorando um gumow, mas ricocheteou.
— Enba, ajude-os. — Setora segurava Kiichi nos braços e deu ordens ao golem. — Não tem escolha. Estamos todos no mesmo barco aqui.
O macho jovem avançou em uma fúria desenfreada diretamente na direção deles.
Um de cada vez, e com certeza. Era algo simples, mas Shihoru estava certa. Os guorellas eram inimigos assustadores, mas não sozinhos. O método de Kuzaku, Yume e Enba atraírem a atenção do inimigo para que Haruhiro se aproximasse com Stealth e desse o golpe final funcionava até mesmo contra um redback. Por isso, evitavam enfrentar dois ou mais ao mesmo tempo sempre que possível.
Se fossem obrigados a lutar contra vários guorellas, usariam o Dark de Shihoru para imobilizar um, e Haruhiro o eliminaria rapidamente. Nesse intervalo, Kuzaku e os outros aguentariam o máximo possível, reduzindo o número de inimigos um a um. Podiam ser cinquenta ou cem. O princípio era o mesmo.
Os guorellas haviam cometido um erro fatal: o local. Eles atacaram a aldeia. Talvez tenham pensado que era um campo de caça ideal. Mas, para a party, podiam usar as construções para separá-los. Os guorellas estavam embriagados pela matança, focados apenas em devorar, o que tornava tudo mais fácil.
Mesmo agora, um gumow após o outro estava sendo morto. Diante dos olhos de Haruhiro e sua party, vários gumows perderam suas vidas. Quem sabia quantas vítimas já havia?
Vamos fazê-los pagar. Eles estão ferrados. Vamos matá-los.
Haruhiro se esforçava para não pensar assim. Não podia deixar seu coração se inflamar. Por ora, apenas reduzir o número dos guorellas, um por um. Esse era o único foco.
Ele não podia eliminar erros. Porém, podia reduzir o número que cometia. Não, mas...
Isso está quase perfeito, não está?
Ele percebeu que, tirando seu próprio ferimento causado pelos chifres peludos dos guorellas, ninguém estava precisando da ajuda de Mary. Até mesmo Kuzaku, o tanque da party, estava com mais espaço para manobrar graças a Enba, e não sofria ferimentos que precisassem de cura com magia de luz.
Haruhiro matou catorze machos e três fêmeas. Pelo que parecia, Jessie estava liderando um grupo de rangers habilidosos para eliminar os guorellas um a um, e eles se cruzaram várias vezes.
Não havia mais aldeões circulando do lado de fora. Todos os sobreviventes deviam estar dentro de casa.
Agora, os guorellas estavam começando a fugir ao ver Haruhiro e sua party.
Eles não haviam eliminado nenhum redback ainda. Na verdade, nem estavam vendo um. Isso chamou sua atenção como algo estranho.
— ...Achei — disse Haruhiro. — Ali está um.
Estava praticamente de pé no meio de um cruzamento, olhando na direção deles.
Quando seus olhos encontraram os de Haruhiro, aquele guorella abriu a boca e mostrou a língua, vocalizando algo como “Wuehh”.
Haruhiro soube imediatamente. Era aquele redback.
— Eu vou matá-lo! Kuzaku, vai!
— Beleza!
Quando Kuzaku avançou com sua armadura rangendo, o redback entrou calmamente na construção à esquerda deles. Estava agindo descaradamente, como se fosse o dono do lugar.
Kuzaku deu uma olhada para trás, mas continuou avançando.
Por que eu não o parei? Haruhiro pensou. É isso. Preciso pará-lo. Algo está errado. Precisamos tomar cuidado com esse redback.
— Kuzaku, pa—
Era tarde demais. Kuzaku foi jogado para fora como se tivesse sido arremessado por uma explosão. Sem perder tempo, um guorella saltou sobre ele.
Era um guorella. Mas o que havia de errado com aquele guorella? Era grande, mas seus chifres peludos... Eram longos, mas tinham muito volume também. Pareciam uma juba de leão. Eles eram vermelhos.
Não, mais que vermelhos. Vermelho profundo.
Era um Redback.
Não. Comparado aos Redbacks que tinham visto até agora, era metade maior e tinha o dobro de chifres peludos. Era claro que não era um Redback comum.
Seria ele? O Redback entre os Redbacks? Era isso?
— Dark! — Shihoru chamou Dark e imediatamente o mandou. — Vai!
O grande Redback saltou, esmagou Kuzaku e tentou devorá-lo.
Dark voou com um som sobrenatural, shuvwoooong, atingindo o grande Redback bem na lateral.
— Guhh... — O grande Redback gemeu por um momento, com o corpo inteiro tremendo, e parou. Mas só por um instante.
— Haaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhh! — O grande Redback levantou os dois braços e os abaixou com toda a força.
Kuzaku não estava apenas recebendo pancadas. Ele tentava se defender com o escudo. Mas conseguiria se defender completamente?
Bum, bum, bum, bum. O grande Redback parecia ter confundido o escudo de Kuzaku com algum tipo de instrumento de percussão. Haruhiro só podia assumir que sim. Ele estava golpeando o escudo com as duas mãos, batendo loucamente.
Se Kuzaku estava recebendo tantos golpes, mesmo com o escudo, devia ser difícil. Seria difícil mesmo que não fossem sequenciais. Haruhiro não suportaria nem um único golpe.
— Kuza... Kuzaku! — Haruhiro gritou e tentou pular sobre o grande Redback.
Mas foi jogado para trás com apenas um braço. O impacto foi tão forte que ele pensou que seu corpo tinha sido rasgado ao meio. Que poder incrível.
Haruhiro caiu de braços e pernas abertos.
— ...Ohhhh... — gemeu. Estava doendo, ou melhor, sentia como se cada nervo de seu corpo tivesse se desfeito, e era impossível se mover.
Eu não tenho tempo para isso. Levanta. Fica de pé. Rápido, levanta e se acalma. Isso não vai funcionar. Preciso esfriar a cabeça e fazer isso direito. Dá para dizer que é a minha única arma aqui.
— Haru-kun! — Yume o ajudou a se levantar.
Mary estava correndo em sua direção.
Kuzaku. E o Kuzaku?
— Ugaaaahhh, gooooohhh! — e — Oh-booooohhhh, duaaaaaahhhh! — rugia o grande Redback.
— Hungh! Gahh! Hyagh! — Kuzaku gritava.
Kuzaku estava em apuros. O grande Redback o tinha à sua mercê.
Que diabos é aquilo? É loucura demais. Que se dane! Ninguém falou nada sobre isso! Não dá. Preciso me acalmar. Como se eu pudesse. Mexe. Meu corpo não se move. Por quê? Estou com medo? Sim, estou com medo. Claro que estou com medo. Reconheço isso. Mas, mesmo com medo... ainda estou vivo. Há coisas que posso fazer. O quê? O que estou dizendo que posso fazer?
— Ó Luz, que a proteção divina de Lumiaris esteja sobre você. Cure! — Mary curou os ferimentos de Haruhiro. Mas não dava para saber exatamente quais eram suas lesões.
Pensa.
Enba apareceu. Ele não lutou corpo a corpo com o grande Redback, nem desferiu um chute voador, mas subiu para o topo do corpo massivo do Redback. Ele podia fazer coisas assim?
Enba conseguiu subir no grande Redback. Ele se agarrou ao corpo dele. Enba tinha apenas um braço, mas ainda tinha duas pernas. Contudo, se ele ia se segurar assim, obviamente os chifres peludos o espetariam.
Haruhiro conseguia lidar um pouco com aquilo, mas não chegaria tão longe. Parecia que os golems não sentiam dor, então talvez Enba estivesse bem.
Também parecia que aquilo era problemático para o grande Redback. Ele interrompeu seu ataque a Kuzaku e levantou os dois braços. Tentou sacudir Enba de cima dele.
Haruhiro olhou para Setora. Ela segurava Kiichi com força, uma expressão intensa no rosto.
Seus olhos se encontraram com os de Shihoru. Shihoru assentiu.
— Dark!
— Yume, salve o Kuzaku! — ordenou Haruhiro. — Mary, prepare-se para curar!
— Miau!
— Okay!
Eles conseguiam fazer isso, e iriam fazer. Provavelmente só teriam uma chance. Não podiam errar o momento.
O grande Redback finalmente pegou Enba.
— Enba! — gritou Setora.
Sua força era absurdamente poderosa. Aconteceu em um instante. Carne, ossos e armadura voaram por todos os lados. Parecia que Enba tinha sido despedaçado.
Ao presenciar aquilo, por mais cruel que fosse, Haruhiro conseguiu confirmar para si mesmo: Bom. Estou calmo.
— Vai! — Shihoru lançou o Dark.
Mas não era um Dark comum. Era um Dark pequeno, muito pequeno, que tinha sido refinado ao máximo possível. O menor Dark, com poder total.
Se isso não funcionar, nada vai, Haruhiro disse a si mesmo. É o nosso máximo agora. Vai, vai, vai, vai!
O grande redback ainda não tinha notado o Dark mínimo, mas de poder máximo. Ele acertou o pescoço do guorella.
Shwoop! Foi absorvido pelo pescoço do grande redback.
— Agora! — Haruhiro deu a ordem.
Corra. Corra. Corra!
— Hah... — o grande redback inspirou. — Koh! — fez um som estranho. — Ah! — arqueou para trás e começou a se contorcer de dor. — Na-goaaahh! — tropeçou, afastando-se de Kuzaku.
Haruhiro correu para chegar ao lado de Kuzaku. Ele estava caído sob o escudo.
Ele está vivo? Por favor, esteja vivo.
Haruhiro enfiou as mãos debaixo das axilas de Kuzaku e começou a puxá-lo. Yume também estava ajudando.
— Mary! — Ele nem precisava ter chamado. Mary já estava ali.
— Ó luz, que a proteção divina de Lumiaris esteja sobre você! Sacrament!
Luz, flua, brilhe em Kuzaku, cure seus ferimentos, estou contando com você—
Haruhiro voltou à realidade. Ele se virou.
Shihoru. Ela estava sozinha. Shihoru estava. Eles a tinham deixado sozinha.
Depois de usar o Dark mínimo e de poder máximo, ela devia estar exausta. Talvez nem conseguisse se mover direito. Mas eles a tinham deixado sozinha. Mesmo sabendo que havia outro redback. Eles tinham esquecido? Que erro. Um erro terrível.
O redback sorridente. Quando ele tinha saído da construção? Haruhiro queria gritar: “Atrás de você!” E avisá-la. Mas parecia que não daria tempo. Afinal, ele já estava bem ao lado de Shihoru, se aproximando por trás. Por isso, honestamente, Haruhiro desistiu, achando que era impossível.
— Marc em Parc! — uma voz gritou.
E foi por isso... que, só desta vez, Haruhiro não poderia estar mais agradecido. Ele estava tão agradecido que poderia jurar lealdade àquele homem para o resto da vida.
Jessie. Ele chegou no momento exato.
Jessie lançou seu Magic Missile contra o lado do rosto do redback sorridente, forçando-o a recuar.
— Ho?! — o redback sorridente tropeçou, tentando olhar na direção de Jessie.
— Marc em Parc! — Outra esfera de luz voou, acertando a nuca do redback sorridente dessa vez.
Yume entrou em ação, puxando Shihoru pela mão. Shihoru tropeçava, mas conseguiu acompanhar Yume de alguma forma.
Jessie disparou uma série de Magic Missiles contra o redback sorridente, que finalmente fugiu para um beco.
— Shihoru é a minha favorita, sabia? — gritou Jessie. — Não gostaria que ela fosse morta!
Jessie deu ordens aos rangers que o seguiam, incluindo Tuoki, Yanni e outros, com um tom incomumente afiado para ele. Parecia que planejava mandar os rangers atrás do redback sorridente. Mas a party ainda precisava lidar com o outro.
— Ufa... Gah...! — Kuzaku se levantou com um salto.
Do, do, do, do, do, do, do, do, do! O grande redback batia no peito com as duas mãos. O som ecoava, fazendo os estômagos deles vibrarem.
Mas—ele era enorme! Quando se levantou, era absurdamente grande! Fazia Kuzaku, com seu escudo e grande katana, parecer uma criança.
— Marc em Parc! — Jessie tentou acertar um Magic Missile nele, mas o grande redback balançou o braço e o dissipou.
Shihoru estava recuando, sendo puxada por Yume. Não retornaria para a linha de frente tão cedo. Eles teriam que matar aquela coisa com apenas Haruhiro, Kuzaku, Mary e Jessie? Não, havia outros também.
— Eeeeeeeeahhhhhhh! — Setora soltou um grito de batalha e avançou contra o grande redback. Ela não estava com Kiichi. Ela estava segurando algo que parecia uma vara extremamente longa, talvez um pedaço de material de construção, com as duas mãos. O grande redback sequer parecia estar prestando atenção nela.
Setora se aproximou com facilidade e enfiou a ponta da vara na garganta dele.
— Deeeeeeyahhh!
Claro, era apenas uma vara comum que ela havia pego de alguma casa desmoronada. O grande redback mal se moveu, a vara quebrou, e Setora foi arremessada para trás. Por que Setora fez algo assim?
— Como ousa fazer isso com Enba?! — ela gritou.
Oh, era por isso.
Haruhiro achava que aquilo era uma estupidez. Mas ele não podia culpar Setora. Além disso, isso lhe deu uma ideia.
— Ataque! — Haruhiro ordenou a Kuzaku. — Você não consegue se defender totalmente, então ataque com tudo que tiver, Kuzaku! Você tem uma força que nenhum de nós tem!
— Tá bom! — Kuzaku jogou o escudo de lado e desenhou um hexagrama com sua grande katana. — Ó Luz, que a proteção divina de Lumiaris esteja sobre você! Saber! — Em um instante, ele segurou a grande katana envolta em luz com ambas as mãos e avançou contra o grande redback.
Não, eu sei que disse para atacar, mas isso foi direto demais, pensou Haruhiro. Você não podia ter pensado em algo mais engenhoso?
Mas talvez truques fossem desnecessários. Kuzaku avançou contra o grande redback, curvou o corpo para trás o máximo que pôde e então desferiu um golpe com a grande katana. O grande redback não recuou nem tentou desviar.
Foi pego de surpresa? Ou confiava que sua pele, semelhante a uma carapaça, o protegeria? Cometeu um grande erro.
— Uau! — Jessie gritou.
Sério? Caramba. Kuzaku, cara, quanta força bruta você tem? Haruhiro claramente o havia subestimado. Nunca pensou que Kuzaku fosse tão forte.
— Zweeeeeeeeeaaaaaaaaaaeeeeeeeeeh!
A grande katana de Kuzaku cortou a pele em forma de carapaça do grande redback, penetrando profundamente em seu ombro esquerdo. O corte foi tão fundo que continuou diagonalmente até o meio do torso, talvez um pouco abaixo, tudo de uma só vez.
— Ohh-ah... Uhhh... Goh... — parecia que o grande redback não entendia o que tinha acontecido com seu corpo. Talvez Kuzaku também não entendesse. Ele estava completamente encharcado pelo sangue do grande redback. O sangue não escorria; ele jorrava como uma erupção.
— Hã? Quê? S-Sangue?! — gritou Kuzaku.
Haruhiro suspirou.
O grande redback. O redback entre os redbacks. O líder aterrorizante e excepcional desse bando de guorellas. Honestamente... É. Eu não achava que era possível. Achei que talvez não pudéssemos derrotá-lo. Kuzaku. Foi o Kuzaku, hein. Kuzaku conseguiu. Eu achava que ele precisava melhorar seus ataques, mas, pensar que ele tinha tanto potencial não explorado assim. Foi um erro feliz de cálculo. Não, o grande redback ainda não morreu. A grande katana de Kuzaku provavelmente alcançou seu coração. Mesmo assim, ele não caiu ainda. Embora pareça que está prestes a desabar, continua de pé. Acho que é só uma questão de tempo. Esse ferimento poderia tê-lo matado instantaneamente. Logo, o bando de guorellas vai perder o grande guorella. Seu líder. Quando isso acontecer...
Algo caiu do céu. Haruhiro, reflexivamente, deu um salto para trás, desviando.
A coisa que atingiu o chão usava um manto verde. Era um ranger gumow. Os braços, pernas e pescoço do gumow estavam dobrados de maneira estranha. Haruhiro achava difícil distinguir os rostos dos gumows, mas reconheceu a pele púrpura.
Ele se virou, olhando para cima, lançando o olhar na direção de onde o ranger havia sido arremessado. No topo de uma construção próxima, estava lá. No momento em que estreitou os olhos e sorriu, Haruhiro percebeu que havia entendido errado. O grande redback não era o líder do bando.
— ...É você, hein.
— Fooo, fooo, fooo — começou a assobiar.
Estava zombando deles novamente—
Não.
Não.
Haruhiro gritou: — Inimigos! — Foi tudo que conseguiu dizer.
Do topo daquela construção, daqui, dali, do beco à frente, de trás, os guorellas apareceram de uma só vez.
Era um sinal. Aquele assobio. Era provavelmente um chamado para que viessem.
De algum lugar, ouviram uma voz gritar: — Tiarg! Jessie! — Provavelmente era Yanni. Yanni ainda estava viva. Ela estava avisando Jessie sobre algo. Tinha que ser sobre isso.
Os guorellas eram inteligentes. Mas ainda eram apenas bestas, então poderiam ser eliminados um por um. Era o que Haruhiro havia pensado.
De fato, tinha sido assim até então, e quando derrotaram o grande redback, Haruhiro estava setenta ou oitenta por cento certo de que tinham vencido.
E, ainda assim, em algum momento, foram cercados.
Os guorellas avançaram de todas as direções.
— Todos! — Haruhiro ordenou. — Fiquem juntos, não se separem! Yume, Shihoru! Venham para cá!
— Droga, Haruhiro! Meu escudo...! — gritou Kuzaku.
— Esquece isso! Balance a espada!
— Shihoruuu, você tá bem? — gritou Yume. — Vem com a Yume!
— Sim, estou bem!
— Setora, levanta! — chamou Mary. — Vamos, você tem o Kiichi, não tem?! E o Haru também!
— Silêncio, sacerdotisa! Não preciso que você me diga o que fazer!
— Haruhiro! Use a prisão! — gritou Jessie. — Se você estiver lá dentro...!
— E você, Jessie-san?! — ele gritou de volta.
— Vou procurar a Yanni e os outros! Vá!
Kuzaku estava balançando sua grande katana como um louco. Haruhiro conseguiu, de alguma forma, se juntar a Shihoru, Yume, Mary e Setora, e seguiu em direção à prisão. Mas será que conseguiriam chegar?
— Kuzaku, por aqui! — ele chamou.
— Sim, eu sei!
Claro, ele sabia, mas se Kuzaku parasse de balançar sua grande katana por um instante que fosse, seria derrubado na mesma hora.
Por sua parte, Yume e Mary estavam fazendo o possível, claro, mas até Shihoru usava seu cajado, e Setora ameaçava os guorellas com aquela vara quebrada que havia encontrado em algum lugar; eles mal conseguiam aguentar.
É por isso que depende de mim, Haruhiro disse a si mesmo. Eu preciso fazer isso. Eu vou. Eu. Nesta situação, cercado por inimigos? Sim. Faça. Afunde. Stealth.
Quando era encurralado, ele realmente conseguia fazer.
Silêncio... Não era exatamente isso, mas nenhum dos ruídos o incomodava. Porque não precisava ouvi-los, sem dúvidas.
Haruhiro afastou-se de seus companheiros, caminhando sozinho entre os guorellas.
Ele podia ver a linha. Brilhando vagamente. Ele não se movia, apenas a seguia. Já estava decidido que Haruhiro seguiria aquela linha. Direção, ângulo, velocidade, ele não precisava pensar em nada disso.
Seu campo de visão subitamente se elevou. Como se estivesse olhando de cima, num ângulo. Ele mesmo, seus companheiros, os guorellas, Jessie, Yanni e os outros. Ele sabia onde todos estavam, talvez não como a palma de sua mão, mas quase isso.
Primeiro, este aqui. O jovem macho que Mary acabou de atingir com seu cajado. Vou envolver meu braço esquerdo em seu pescoço e cravar o estilete em seu olho direito.
Depois, este. O que Kuzaku fez recuar ao balançar sua grande katana. Também um jovem macho. Vou matá-lo.
Depois, este que está tentando atacar Shihoru. Seus chifres peludos têm um pouco de vermelho. Ele também morre.
Com isso, abriu-se um caminho estreito.
— Corram para a prisão! — gritou Haruhiro para seus companheiros e imediatamente afundou novamente.
Stealth. Eu tenho que remover os obstáculos, aqueles que atrapalham meus companheiros. É possível. Para mim. Só eu posso fazer isso.
Não acho que tenho poderes especiais. Não tenho. É só porque é agora. Neste momento, estou desempenhando o papel que me foi dado. Só isso. Se me encher de mim mesmo, vou tropeçar. Já falhei inúmeras vezes assim. É por isso que sei.
Eles estavam quase na prisão onde Setora tinha sido mantida.
— Entrem primeiro! Eu entro por último! — gritou Kuzaku, ainda balançando sua grande katana. Sua resistência e determinação eram admiráveis.
Shihoru, Setora, Mary e então Yume correram para dentro da prisão. Kuzaku estava se atrapalhando na entrada.
Eu posso ajudar, pensou Haruhiro. O macho, aquele que estava teimosamente avançando e recuando, atacando Kuzaku. É um redback. Se eu derrubá-lo, Kuzaku terá mais facilidade. Sem problemas. Posso lidar com isso. Veja.
Haruhiro já estava atrás dele. Agarrou-o, envolveu o braço esquerdo em seu pescoço e cravou repetidamente seu estilete em seu olho direito. Como de costume.
Está bem. Vá. Ele nem precisou dizer antes que Kuzaku entrasse correndo na prisão.
Haruhiro o seguiu.
Ele foi tomado por tontura. Estava ficando sem forças. Não conseguia se manter de pé. Caminhar estava fora de questão...
Mas ele ainda continuou pelo corredor, ajoelhando-se em frente a Mary. Ele se apoiou de quatro. O que Kuzaku estava fazendo?
— Oraah! Rahh! — Pelo que parecia, ele estava segurando os guorellas que tentavam entrar na prisão com sua grande katana. Nada bom. Mary e os outros diziam algo.
Oh, certo. Sangue. Cada vez que matava um guorella, era ferido pelos chifres peludos deles e perdia sangue.
— Mary, cura... desculpa — ele disse de forma fragmentada. Sentia que ia desmaiar. Não podia deixar isso acontecer.
Mary usou magia de luz nele. Cure.
Ele se sentiu um pouco melhor. Ou pelo menos pensou. No mínimo, conseguia ficar de pé. Mas ainda era difícil respirar.
— Droga! — gritou Kuzaku. — É difícil usar minha katana! Tá tão apertado que só consigo estocar aqui dentro!
— E agora? — alguém gritou.
...Shihoru, né? Kuzaku. Está ruim? Quem foi mesmo que disse pra gente vir até a prisão? Jessie, né? Aquele cara. Mas, em um lugar mais aberto, poderíamos fazer mais. Será que é hora de pensar nisso? Não, né? Precisamos agir.
— ...Aquele ali — murmurou ele.
Certo. Precisamos matá-lo. É o líder. Se o derrubarmos, isso acaba. Se não, nunca vai terminar.
— Eu vou fazer isso... — ele murmurou. — Um ataque, com tudo que tenho. Vou... sair. Vou encontrá-lo... e acabar com isso. Por mim mesmo...
— Certo, mas...! — Yume tentou argumentar.
— Eu vou fazer! — ele gritou, interrompendo-a. — Não temos escolha. Se continuar assim, seremos exterminados. Todo mundo vai morrer. Eu vou fazer isso. Escutem, todos contra-atacam juntos. Nesse tempo, eu saio. Um, dois...!
— Zuooooahhh! — Kuzaku se jogou contra vários guorellas, derrubando-os. Ele chutou o guorella à sua frente e balançou sua grande katana. Kuzaku provavelmente estava usando o restante de suas forças. Sua katana grande cortou a cabeça de um guorella.
Ao ver os guorellas recuarem assustados, Yume gritou: — Miaurrr! — e foi atrás de Kuzaku.
Shihoru mandou um Dark. Setora jogou algo. Haruhiro tentou se concentrar.
Stealth...
Ele não conseguiu usar. O que está acontecendo? Estranho.
Deslizando pela brecha entre Yume e Kuzaku, um guorella macho entrou na prisão. Ele precisava detê-lo. Precisava lutar. O guorella estava vindo em sua direção. Por que ele não tinha força na mão que segurava o estilete? O inimigo estava bem ali.
— Não! — Mary avançou, acertando a cabeça do guorella com seu cajado. Ele achou que a viu imediatamente recuar o cajado, tentando desferir outro golpe.
Ela não conseguiu.
O guorella segurou o cajado com as duas mãos, puxando-a para si.
Shihoru gritou: — Mary! — e Setora berrou: — Solte-o!
Isso mesmo, Mary. Você tem que soltar.
Com o cajado ainda em mãos, Mary caiu em direção ao guorella.
Foi então que, finalmente, Haruhiro conseguiu se mover.
— Ohh... — Ele gemeu, e ouviu um som de algo se quebrando.
Mary fez o que Setora disse e soltou o cajado. Mas o guorella não tinha interesse no cajado e agarrou outra coisa, ou melhor, a abraçou.
— Ahh! — Shihoru deixou escapar um grito fraco.
Naquela mesma posição, o guorella mordeu a área entre o ombro e a nuca de Mary.
Logo depois, Haruhiro o agarrou. Ele praticamente se pendurou no guorella enquanto cravava seu estilete no olho direito da criatura.
Os olhos de Mary se arregalaram, e ele conseguiu ver.
Eu preciso me apressar. Depressa. Depressa. Tenho que matá-lo. Ou será tarde demais. Tarde demais? Para o quê...?
Quando o guorella morreu, Mary caiu no chão com ele. Foi difícil tirar o guorella de cima dela. A força—Ele não tinha força. Nem nos braços, nem nas pernas, nem em lugar algum.
Enquanto fazia algo...
— Como ela está?! — Setora perguntou.
Haruhiro não respondeu.
Os olhos de Mary estavam semicerrados, e ela tremia. Tossiu, e sangue saiu.
— Magia! — Haruhiro chamou por ela. — Mary, use magia. Você precisa se curar. Depressa. Mary.
Mary tentou levantar a mão direita. Parecia que não conseguia movê-la. Era uma lesão? Os ossos? Estavam quebrados? Onde? Como?
Haruhiro largou o estilete e levantou a mão direita dela com as suas. Mary gemeu e balançou a cabeça.
Estava doendo? Muito? O que ele podia fazer?
Magia. O sinal do hexagrama. Para isso, ela precisava da mão. O encantamento. Não dava certo só com o canto? Se ela não podia mover a mão, não conseguia usar magia de luz? Que droga. Como isso funcionava?
— Mary? Mary?! — ele gritou. — O q-que eu devo...?
Algo. Mary estava tentando dizer algo. Haruhiro aproximou o ouvido dos lábios dela.
— Mary? O quê? Mary, o que você está dizendo?!
— Ha.
— Sim. O quê?
— ...Haru.
— Hein?
— Eu...
— Sim.
— Haru... você é quem... eu...
— Quem o quê? O que foi, Mary...?
Mary inalou profundamente.
Mary estava tentando respirar? Ou dizer algo? Haruhiro afastou o rosto um pouco e olhou para ela.
Por quê? Por que ela estava sorrindo? Não estava sofrendo? Não doía? Não estava com medo?
Por que você está sorrindo?
Mary.
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O que eu quis dizer com subir um degrau?
O que eu quis dizer com vou desenvolver o Kuzaku?
O que eu quis dizer com minha intuição está afiada?
O que eu quis dizer com consigo ver o redback entre os redbacks na minha mente?
Eu não entendi nada.
Não consegui fazer nada.
Não fui capaz de fazer nada.
E foi assim que isso aconteceu.
Está tudo acabado. Ou deveria estar.
Aquele homem diz: — Existe um caminho. Apenas um.
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