Hai to Gensou no Grimgar | Grimgar of Fantasy and Ash Volume 10 Capítulo 03
[Mantendo a Proximidade ]




Haru-kun! — gritou Yume. — O Kuzakkun tá aqui!

Hã?! Onde?!

Aqui! Por aqui! Por aqui, Haru-kun!

A voz de Yume vinha de onde o rio corria. Haruhiro avançou afastando-se bastante da margem, aproveitando a força da correnteza para meio que nadar rio abaixo.

Ele não foi a um ponto onde seus pés não pudessem tocar o chão. Se fosse arrastado pela correnteza, estaria encrencado. Não era um nadador particularmente bom, então poderia acabar se afogando.

Estava escuro como breu, mas, com o reflexo da lua e das estrelas na água, ele conseguia distinguir mais ou menos os contornos das coisas. No entanto, não dava para ver até a margem.

Shihoru?! Mary?!

Sim, estou ouvindo! — a voz de Mary respondeu.

Estou indo até você também! — gritou Shihoru. — Você está bem, Haruhiro-kun?! Tome cuidado!

Obrigado, Shihoru! — Haruhiro respondeu enquanto se apressava rio abaixo.

Ainda assim, ele se perguntou: será que havia criaturas perigosas vivendo nesse rio? Isso de repente começou a incomodá-lo, mas não era o momento para pensar nisso.

Ele viu. Havia uma pessoa nas águas rasas arrastando algo grande. Provavelmente era Yume, e ela estava arrastando Kuzaku. Ele estaria inconsciente?

Yume, vou ajudar! Estou indo! — gritou Haruhiro.

Miau!

Haruhiro foi em direção às águas rasas. No caminho, pisou em uma pedra grande no fundo do rio, perdeu o equilíbrio e acabou engolindo um pouco de água, mas, de alguma forma, conseguiu chegar até Yume.

Yume segurava Kuzaku pelo braço direito, gemendo enquanto o puxava.

Haruhiro pegou o braço esquerdo dele.

Kuzaku, você ainda está vivo, não está?! Só está inconsciente, certo?! Kuzaku! Kuzaku!

Enquanto chamavam pelo companheiro, Haruhiro e Yume o arrastaram até a margem do rio. Mary e Shihoru gritavam algo enquanto corriam na direção deles.

Kuzaku ainda estava com o elmo. A primeira coisa que Haruhiro fez foi removê-lo.

Kuzaku! Kuzaku! Kuzaku! — ele gritava enquanto tirava o escudo e a grande katana amarrados nas costas dele. Yume ajudou também.

Haruhiro procurou a boca de Kuzaku. Sua mandíbula estava mole.

Kuzakkun, ele tá respirando, Haru-kun?!

Não tá!

Haruhiro colocou os dedos no pulso de Kuzaku. Nada de pulsação.

Isso não pode ser real, ele pensou. Calma, ainda é cedo pra dizer.

A armadura dele! Tá no caminho! Me ajuda a tirar!

T-Tá bom!

Enquanto tiravam a armadura, Mary e Shihoru chegaram. Ele sentiu que uma delas perguntou: — Como ele tá?!

Haruhiro não respondeu. Deitou Kuzaku de costas, pressionando o peito dele com a palma da mão. Fez isso de novo, e de novo, em um ritmo rápido.

Faça isso umas trinta vezes! — Mary orientou, então ele parou. Colocou a mão direita na testa de Kuzaku e usou a esquerda para erguer o queixo dele.

Como era mesmo? Certo. Garantir as vias aéreas. Isso deve estar certo. Agora, apertar o nariz e—

Sopre no nariz dele duas vezes! — gritou Mary. — Depois comprima o peito de novo!

Seguindo as instruções de Mary, Haruhiro cobriu a boca de Kuzaku com a sua. Soprou o mais forte que pôde. Quando soltou os dedos do nariz de Kuzaku, parecia que ele tinha soltado um ar. Mas provavelmente era só o ar que ele tinha soprado saindo. Repetiu o mesmo procedimento e, depois, comprimiu o peito. Trinta vezes.

Se você cansar, Yume assume!

Ainda tô bem!

Respiração artificial. Compressões no peito. Respiração artificial. Compressões no peito.

Kuzaku. Volte. Volte pra gente. Kuzaku. Você é forte. No começo, achei você meio inútil, mas você pensou no que precisava fazer e cresceu. Você superou isso. Se não fosse forte, não conseguiria. Kuzaku. Você é forte. Não vai morrer por causa de um pequeno afogamento. Acorde, Kuzaku. Volte. Kuzaku.

Kuzaku...!

Blugh! Kuzaku tossiu alguma coisa. Parecia água.

Bom. Bom, bom, bom!

Virem ele de lado! — gritou Mary, virando a cabeça de Kuzaku para a direita. — Com licença, Haru!

Certo! Estou contando com você, Mary!

Deixe comigo! — Mary fez o sinal do hexagrama e pressionou a mão no peito de Kuzaku. — Ó Luz, que a proteção divina de Lumiaris esteja sobre você! Sacrament!

Haruhiro sentou-se, estreitando os olhos enquanto observava a luz transbordante se espalhar.

Kuzakkun! — Yume pulava alegremente de um lado para o outro.

Shihoru colocou as mãos nos ombros de Haruhiro. Estava tremendo. Parecia querer dizer algo, mas não conseguia encontrar palavras. Haruhiro repousou sua mão direita sobre a esquerda dela.

Droga, percebeu. Isso foi por pouco. Eu não achava que ele fosse morrer, mas... acho que vou acabar chorando.

Haruhiro, Yume, Enba e Kiichi tiveram sorte de sair praticamente ilesos ao saltar daquele penhasco íngreme, mas Mary, Shihoru e Setora sofreram fraturas, contusões severas e outros ferimentos graves.

Ainda bem que Mary fazia parte da party. Todos conseguiram chegar à margem e receber tratamento com magia de luz. Exceto Kuzaku.

Ele deve ter se afogado ou se ferido ao bater em algo depois de cair na água, porque não conseguiu nadar até a margem. Setora, Enba e Kiichi haviam ido verificar se os guorellas não estavam atrás deles, enquanto Yume e Haruhiro procuravam pelo rio, e Mary e Shihoru, pela margem. Se o encontrassem mais tarde, quem sabe o que teria acontecido.

Depois que Yume o arrastou para a margem, Kuzaku estava em parada cardiorrespiratória, com a traqueia e os pulmões cheios de água. Não estava morto ainda, mas, se o curassem com Sacrament nesse estado, ele só voltaria a sofrer em agonia. Por isso, realizaram RCP e aguardaram até que ele expelisse a água para então usar a magia de luz.

Não foi uma decisão completamente lógica. Haruhiro tinha perdido a cabeça, mas, de alguma forma, por pouco, conseguiu fazer a escolha certa.

Conseguimos não deixá-lo morrer. A visão de Haruhiro logo ficou turva com as lágrimas. Não dá. Não consigo mais segurar. Bem, qual o problema?

Ele não estava mais tentando conter as lágrimas, então elas fluíam livremente. Talvez, quando quisesse chorar, o melhor fosse deixar sair assim. Além disso, como estava escuro, não precisava se preocupar com sua cara lamentável de choro sendo vista.

Haruhiro-kun... — Shihoru encostou o rosto na cabeça de Haruhiro.

Shihoru não estava chorando. Coisas pequenas não a faziam chorar mais. Ela devia estar tentando apoiar Haruhiro.

Haruhiro enxugou as lágrimas com a mão direita e então disse: — Obrigado — em um tom baixo.

Shihoru balançou a cabeça.

Oh! Huh?! — Kuzaku sentou-se de repente, arrancando exclamações de surpresa de Mary e Yume.

Ei! — gritou Setora. — Encontraram aquele vara-pau?!

Com o som da voz dela, Shihoru afastou-se rapidamente de Haruhiro.

Do outro lado do leito do rio, a margem oposta tinha uma encosta menos íngreme, coberta por árvores densas. Setora e Enba vinham daquela direção.

Sim, conseguimos — respondeu Haruhiro, esfregando o rosto com as duas mãos enquanto se levantava. — E do lado de vocês?

Heh!

Hoh, hoh!

Hah, hah, hah!

Hoh, hoh, hoh, hoh!

Antes que Setora pudesse responder, os guorellas começaram a gritar. Mas pareciam estar bem longe. Provavelmente ainda estavam no topo do penhasco de onde Haruhiro e o resto da party haviam saltado.

Por enquanto, parece que não vieram para este lado — disse Setora, gesticulando com o queixo na direção da margem oposta. — Duvido muito que consigam descer aquele penhasco. Se derem a volta, podem atravessar o rio, mas, mesmo que façam isso, levarão tempo.

Acho que está na hora de irmos — disse Haruhiro.

De fato — concordou Setora. — Se aquele vara-pau não morreu, partiremos imediatamente.

...Escuta. Você fica chamando ele de ‘vara-pau’, mas ele tem um nome. É Kuzaku.

Só lembro de nomes que têm significado para mim. Se insistir, farei um esforço para lembrar o dele, mas quero uma recompensa em troca.

Recompensa?

Certamente pode pensar em algo. Um carinho amoroso ou talvez um beijo. Nunca experimentei, mas dizem que são coisas boas, não?

Eu... eu não saberia dizer. Bem, seja como for, esqueça isso por enquanto. Sinto um pouco de pena do Kuzaku, mas pode continuar chamando ele de “vara-pau”.

Entediante — disse Setora.

Foi um alívio ela não estar forçando Haruhiro a fazer aquilo.

Eles ajudaram Kuzaku a se recompor e espremeram o máximo de água possível de suas roupas encharcadas. Não havia tempo para deixá-las secar completamente.

Haruhiro e o resto da party seguiram em frente. Sua guia, como sempre, era Setora, que estava sentada nos ombros de Enba. Ocasionalmente, ouviam os miados de Kiichi. Setora havia enviado Kiichi à frente e agora decidia para onde ir com base nos relatórios do animal.

Em algum momento, os sons dos guorellas desapareceram completamente. A party deveria estar exausta, mas parecia que as coisas estavam mais fáceis agora do que antes de pularem do penhasco. Isso provavelmente se devia à ausência de perseguidores.

Não, ainda era cedo para ter certeza. Os guorellas eram realmente persistentes. Eles atravessariam o rio, mesmo que precisassem fazer um desvio. Era melhor assumir isso. Se imaginassem o pior cenário possível, não ficariam chocados, deprimidos ou desesperados quando as coisas dessem errado.

Haruhiro, pelo menos, precisava estar preparado. Os guorellas viriam. Sem dúvida, eles viriam. Era uma certeza.

Setora — ele chamou.

O quê?

Você nos salvou.

Não se preocupe com isso. Foi para meu próprio benefício também. Além disso, por mais que eu tenha sentimentos mistos sobre o resto, eu não vou deixar você morrer.

Sempre que ela dizia algo assim, Haruhiro não sabia como responder, e seu cérebro travava.

É... Bem... Isso é, hum... É... Eu também não quero morrer...

Eu adoraria começar logo a fazer um bebê com você.

...Ah... É... Ér... P-pega leve comigo...

No entanto, embora eu acredite saber como isso é feito, será que será tão simples? Nós dois somos iniciantes, então acho que podemos ter dificuldades.

Ohhh... — Kuzaku disse, como se tivesse se lembrado de algo.

V-você tem experiência nisso? — perguntou Shihoru.

Não, não mesmo — respondeu Kuzaku. — Ah. Mas eu não sei ao certo, né? Sobre o que aconteceu antes de eu vir para Grimgar. Huh? Mas, pensando bem, isso vale para todos nós, certo? Então, isso significa que Haruhiro também não pode ter certeza sobre ele mesmo.

Tenho certeza. — Haruhiro respondeu. — Não, eu nunca fiz isso, ou algo parecido.

Você é alto, afinal — comentou Shihoru. — Aposto que você era popular, Kuzaku-kun.

Não, não, Shihoru-san — Kuzaku apressou-se a responder. — Minha altura vai além de ser grande, sabe? É o tipo de coisa que, na verdade, afasta as pessoas.

Agora que você falou nisso — começou Yume —, quando Yume tá conversando com o Kuzakkun, ela tá sempre olhando pra cima, então o pescoço dela sempre doíííí meio que um pouquinho, sabe?

É, eu entendo, Yume-san — respondeu Kuzaku. — É assim mesmo. Eu não sei bem ao certo, mas sinto que sempre me diziam isso. Acho que sou uns dez centímetros mais alto do que deveria ser. Mas, bem, quanto mais alto, melhor quando se é um paladino, então talvez esteja tudo bem...?

Kuzakkun! — Ouviu-se um som que provavelmente era Yume dando um tapa nas costas dele. — Você é um verdadeiro, brilhante padalin! Você é tão incrível!

V-você acha? É paladino, tá bom? Quero dizer, eu caí no rio e quase me afoguei...

Por causa da armadura pesada — Shihoru apressou-se a tranquilizá-lo.

Tá vendo? Eu não planejei isso. Sou meio burro com essas coisas. Será que não tenho cabeça pra isso? Provavelmente não.

Hmph. — Setora resmungou.

Mary continuava em silêncio. Será que ela não estava se sentindo bem? Haviam feito ela usar muita magia de cura, então talvez estivesse cansada. Haruhiro queria falar com ela, mas isso poderia desagradar Setora, então ele não podia. Mas por que mostrar preocupação com Mary deixaria Setora irritada?

Oh, agora entendi.

Provavelmente Setora suspeitava que Haruhiro estava pensando muito em Mary. Que, talvez, ele tivesse um interesse por ela. Então era isso.

Bem, ela estava certa sobre isso.

Claro, era algo unilateral, sem chance de se desenvolver, apenas uma afeição que ele não podia colocar em prática. O próprio Haruhiro sabia bem disso. Eles eram companheiros, afinal. Nada mais, nada menos. Mary havia dito isso claramente.

Além disso, Mary e Haruhiro não combinavam. O que Mary achava dele? Ele se sentia estúpido só de pensar nisso. Nada, certo? Era por isso que eles eram companheiros, não era?

Parecia que ela o respeitava como líder, e ele era grato por isso. Ela também fazia muito para cuidar dele, o que o deixava ainda mais grato. Ele realmente tinha muito pelo que agradecer.

Obrigado. Obrigado. Obrigado...

Não, isso não é o suficiente.

Ele estava claramente distraído. Isso não era bom. Ele era o líder, afinal.

Primeiro, os guorellas ainda podiam estar atrás deles. Ele precisava manter-se alerta. E, segundo, havia a possibilidade de encontrarem outra criatura tão aterrorizante quanto os guorellas.

O destino final dessa jornada era Altana. Mas Altana estava longe demais. O mar. Sim, o mar. Ele queria alcançar o mar.

Se conseguissem chegar à cidade livre de Vele, Vele e Altana tinham relações comerciais. Se havia frotas mercantes indo e vindo, devia haver uma rota segura. Eles iriam para Vele e, de lá, seguiriam pelo mar. Para isso, precisavam avançar passo a passo.

Por enquanto, ele estava bem. A adrenalina o mantinha animado, e seu corpo ainda se movia. Mas, se achasse que podia continuar assim indefinidamente, estava enganado. Se não descansasse, em algum momento, e não demoraria muito, ele desabaria.

Eles também precisavam de comida. Kiichi conseguia fornecer o suficiente para Setora, mas Haruhiro e os outros estavam por conta própria. Havia uma montanha de tarefas a serem feitas.

Deveriam encontrar um lugar para descansar e procurar algo para comer? A maioria das feras perigosas era noturna, e era difícil avaliar a situação ao redor no escuro. Se fossem descansar, seria melhor esperar pelo amanhecer? Conseguiriam aguentar até lá?

A luz tênue fazia com que vissem coisas na escuridão que não existiam.

Havia algo lá longe.

Ali.

E ali também.

Ack! Alguém gritou. Não, era o som de um pássaro noturno. Só podia ser isso.

O som de algo se aproximando por trás era apenas o vento soprando pelas folhas?

É um milagre ainda estarmos vivos.

Quando pensava nisso, Haruhiro sentia que já deveriam ter morrido várias vezes. Mas agora não era hora de olhar para o passado. Ele precisava se concentrar apenas no que estava à frente.

Não, isso também não era bom. Precisava prestar atenção no que estava atrás, nos lados, acima e até abaixo.

Por que precisavam fazer tanto para sobreviver?

A vida valia tanto assim?

Ele estava exausto. Tudo parecia tão pesado. Se fosse para morrer, que morresse. Qual era o problema?

Será que eu realmente quero voltar para Altana? Não é nem minha terra natal. O que deveria estar lá para mim?

Ele não queria pensar nisso, e, pelo menos por enquanto, não deveria. Mas não conseguia evitar.

Enquanto refletia, respirou fundo e estreitou os olhos. Aguçou os ouvidos. Levantou os pés. Tentou seguir em frente.

Ele estava se movendo. Mas para onde?

Ei, Manato, Moguzo, me digam. Estar vivo é tão bom assim? Como estão as coisas onde vocês estão? Será que viver era melhor, no fim das contas?

Talvez vocês nem estejam em lugar nenhum. É por isso que tentamos viver? Porque, ao morrer, não há nada? Porque temos medo de deixar ir?

Mas, ainda assim. Se não houver nada, não saberemos disso, então não haverá arrependimentos. Não será assustador. Não sentiremos nada. Nesse caso, está tudo bem, certo?

Não é triste, solitário ou angustiante. De certa forma, é pacífico, dá para dizer. Honestamente, quando estamos vivos, o tempo é mais difícil do que não.

Às vezes, eu quero ser libertado disso. Claro, há momentos de felicidade e diversão. Mas a felicidade e a sorte duram apenas instantes. Quando passam, mesmo que eu me lembre, é só algo como: “Ah, é, aquilo aconteceu, né?”. A dor da perda, eu lembro com muito mais clareza.

Se vocês dois ainda estivessem vivos, como as coisas seriam? Quando penso nisso, até hoje, sinto um aperto no peito.

Se me perguntassem se eu quero sobreviver a qualquer custo, seria difícil dar uma resposta imediata. Eu realmente não sei.

No entanto, eu não quero que nossos companheiros morram. Quero que eles vivam. Isso, eu sinto do fundo do coração. Sendo assim, eu não posso morrer tão facilmente.

Nossos companheiros devem sentir o mesmo. Eu me lembro de quando perdemos vocês dois, de como foi perder um companheiro.

Não quero fazer todos passarem por isso.

No fim, não estou vivendo apenas por mim. Se esta vida fosse só minha, já teria me libertado há muito tempo. É bem difícil, afinal de contas. Estou tendo uma vida incrivelmente difícil. Se estivesse sozinho, faria isso.

Mas, porque não estou sozinho, consigo viver. Penso: “Vou continuar vivendo. Não quero morrer ainda. Quero seguir em frente.”

Todos são como pequenas e insignificantes luzes brilhando em uma escuridão insondável e infinitamente vasta. Essas luzes insignificantes encontram umas às outras e se juntam. Elas brilham umas para as outras, se aquecem, até que, eventualmente, o fim chega, e tudo termina.

Esse momento pode estar distante. Pode ser daqui a um ano. Pode ser amanhã. Pode ser até hoje. Mas, seja o tempo que resta longo ou curto, as luzes se atraem e cintilam.

Elas simplesmente se abraçam e brilham.

Estava um pouco mais claro agora. Os pássaros cantavam suavemente.

A temperatura não deveria estar muito baixa, mas, como seu casaco ainda não tinha secado direito, sua pele sentia um leve frio.

Havia uma fina névoa no ar, lembrando-lhe do Vale dos Mil. Ele nunca queria entrar naquela região nebulosa novamente. Era incrível como as pessoas da aldeia oculta conseguiam suportar viver lá.

Estava se sentindo zonzo. Uh, oh. Precisava se recompor. Mas seria difícil.

Seu corpo estava tão pesado que não conseguia evitar. Estava enjoado. Porém, se tentasse vomitar, provavelmente não conseguiria. Nada sairia.

Se aquele idiota estivesse aqui, ele provavelmente se sentaria e começaria a fazer um escândalo, sem dúvida.

Ugh, não consigo mais andar. Isso é uma piada. Você acha que posso aguentar isso? Eu não posso!

Se ainda tem forças para gritar tão alto, ainda consegue andar, certo? — Haruhiro diria.

Dá um tempo, Parupirorin. Tenho apetite separado para gritar!

Isso não é algo que você come, sabe.

Cala a boca, Porupiropin! Me dá comida, então!

Como isso faz sentido? Não há nenhuma conexão entre as coisas que você está dizendo.

Estão conectadas para mim, na minha cabeça. Amarradas bem firme com uma corda resistente!

Tiveram muitas discussões assim, que nem sequer mereciam ser chamadas de estúpidas. Ele não podia ficar quieto? Só deixava os dois mais cansados. Era por isso que ele odiava aquele cara. Mas, hm, isso era estranho. Quando pensava nele, por algum motivo, seu rosto relaxava.

Estou... sorrindo...?

Os galhos das árvores à frente balançaram de maneira estranha. Havia algo se movendo de galho em galho? Haruhiro parou de andar e puxou seu estilete.

Ele poderia reagir. Quando necessário, conseguia se mover surpreendentemente rápido.

Estava prestes a dar ordens aos seus companheiros, quando Setora olhou para cima e disse: — É Kiichi.

Olhando novamente, havia um nyaa cinza pousado em um galho à frente, à direita. Kiichi deu um miado curto e olhou para o leste.

Heh heh. — Com uma risada satisfeita, Setora pressionou levemente o pescoço de Enba. Enba começou a andar.

Parecia que continuariam seguindo em frente. Kiichi saltou, e Haruhiro rapidamente perdeu-o de vista.

Haruhiro embainhou o estilete e seguiu Enba e Setora.

Quão inteligentes são os nyaas?

Há muito tempo, houve uma espiã onmitsu chamada Nonae — respondeu ela. — Ela se casou com um nyaa chamado Onaki, e eles permaneceram juntos por toda a vida.

Casou...

É apenas uma lenda, é claro. Dizem que um nyaa branco chamado Senju viveu por mais de cem anos e começou a falar a língua humana. Porém, Senju aparentemente nasceu com duas caudas, então pode ter sido uma mutação ou algo especial.

Kiichi parece bem esperto, no entanto.

Se não receberem um papel, os nyaas não farão mais do que comer e dormir, porque não precisam fazer nada além disso. Eles conhecem a satisfação e não têm desejos. No entanto, se lhes for ensinado algo que devem fazer, eles farão sem medo. Suponho que depende de como você define “inteligente”, mas, na minha visão, os nyaas são mais sábios que nós, humanos.

É por isso que você ama os nyaas? — perguntou Haruhiro.

Não.

Então por quê?

Porque eles são fofos.

Mary sussurrou atrás deles: — ...Eu entendo isso.

De cima dos ombros de Enba, Setora olhou para trás em sua direção. Sua expressão estava neutra.

Acho que podemos nos dar bem, sacerdotisa. Mary, não é?

Mesmo que não nos demos bem, não vejo motivo para não concordarmos em uma ou duas coisas.

Nós não nos damos bem? Por quê? Porque amamos a mesma coisa?

A-A mesma coisa? ...N-Nyaas? Bem, nyaas são... Sim, eu os amo. Amo desde a primeira vez que vi um. O-O que tem isso? Algum problema?

Haruhiro parou de prestar atenção na troca entre Setora e Mary depois disso.

Havia uma área aberta mais à frente. Era manhã. O sol estava nascendo. Haruhiro apressou o passo.

Myuoh! — Yume soltou um som estranho.

Haruhiro e Yume rapidamente alcançaram e ultrapassaram Enba.

A área não era aberta. Havia uma encosta íngreme descendo logo à frente. Graças a isso, eles tinham uma boa visão do local.

O céu estava setenta a oitenta por cento coberto por nuvens. Mesmo assim, o lado leste estava limpo, e o sol espreitava por cima do cume da montanha.

Agora, a área entre a montanha onde Haruhiro e os outros estavam e a montanha ao leste era plana. Um rio fluía para o sul, árvores surgiam aqui e ali, e uma planície verdejante se espalhava diante deles.

Não, ele percebeu.

Aquilo não era uma planície.

São campos de cultivo — murmurou.

Havia construções que pareciam feitas de madeira espalhadas. Diversos caminhos cruzavam os campos. Parecia haver cercas também. No final dos caminhos, havia algo pequeno demais para ser chamado de cidade, mas ainda assim contava com algumas dezenas de construções agrupadas.

Caramba... — disse Yume, ao lado de Haruhiro, com os olhos arregalados.

Haruhiro respirou fundo. Estava um pouco abalado.

Calma, disse a si mesmo. Tentou manter suas emoções sob controle. Ele queria estabilizá-las. Para Haruhiro, isso já era quase um hábito.

Quem mora ali? — Ele perguntou.

Não faço ideia — Setora deu de ombros.

Ela desceu dos ombros de Enba e se aconchegou ao lado de Haruhiro. Quando encostou o rosto em seu ombro, ele quase saiu correndo involuntariamente, mas isso seria ruim.

...Seria ruim?

Sim, seria, né? No fim das contas, seria algo ruim a se fazer.

Mas não há dúvidas de que não são humanos.

...É, faz sentido — Haruhiro suspirou.

Seriam orcs? Ou talvez mortos-vivos? Isso podia ser preconceito falando, mas parecia cheio demais de sinais de vida para ser uma aldeia de mortos-vivos.

Mary, Shihoru e Kuzaku chegaram correndo.

Uma aldeia, hein... — Kuzaku disse calmamente, como se estivesse impressionado.

...É, isso é uma aldeia — Shihoru assentiu.

Mary olhou discretamente na direção de Haruhiro. Era como se só estivesse verificando se ele estava ali, sem nenhuma outra intenção.

Haruhiro olhou de canto para Mary.

Ela mordeu levemente o canto do lábio, com um olhar que parecia conter algo dentro de si.



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