Hai to Gensou no Grimgar | Grimgar of Fantasy and Ash Volume 09 Capítulo 06
[Se você pode persegui-lo, não se trata de um sonho]




Eu não vou perder, pensava Ranta furiosamente. Não para aquele maldito fracote.

Ele não deveria ter perdido.

Aquela foi a primeira vez que os dois lutaram de verdade. Ele sabia que eventualmente chegariam a esse ponto. Havia algo que ele definitivamente não poderia revelar; nem sequer considerou essa possibilidade. Contudo, se chegasse a esse extremo, tinha certeza de que venceria. Ranta estava confiante em relação a isso.

Afinal, ele é só um ladrão. Lutar não é a especialidade dele. Eu sou um cavaleiro das trevas.

Tudo nasce da escuridão, e à escuridão retornará. Todos os que vivem serão igualmente abraçados pela morte.” Esse era o credo dos cavaleiros das trevas.

Conflito era o dever dos seguidores do Deus das Trevas Skullhell, assim como trazer a morte aos derrotados. Cada técnica mágica ou de combate dos cavaleiros das trevas existia para cumprir esse propósito. Os senhores tinham impregnado nos cavaleiros técnicas únicas que trariam a morte aos inimigos, independentemente dos meios que precisassem empregar.

Somente um servo de Skullhell poderia entender, mas ao abandonar a moralidade e as emoções, e ao afiar o espírito, um cavaleiro das trevas atingia um estado de pureza máxima. Nesse ponto, uma batalha não era mais uma batalha, mas algo tão natural quanto respirar. Lutar como se respirasse, vencer e trazer a morte. Esse era o ideal de um cavaleiro das trevas.

Não havia como um cavaleiro das trevas como Ranta perder para um mero ladrão.

A verdade é que Ranta estava brincando com o ladrão. Quando fechava os olhos agora, ele podia reviver aquela sensação. Quanto mais o estilete e a faca do ladrão chocavam-se contra a RIPer de Ranta, mais empolgado ele ficava.

O ladrão conhecia Ranta, então não seria fácil finalizá-lo com um único golpe. Ranta sabia disso também. No entanto, por acreditar que sabia disso, Haruhiro acabou sendo pego de surpresa.

É tão diferente assim?, ele parecia se perguntar. Cada vez que percebia o choque de Haruhiro, Ranta queria dizer: Aprendeu a lição?

Ele mal conseguia se conter.

Saiba qual é o seu lugar, Haruhiro. No final, você não é páreo para mim. Você não pode me vencer. Apenas aceite e se renda.

Exhaust.

Leap Out.

Missing.

As habilidades de movimento dos cavaleiro das trevas não envolviam apenas deslocamento, mas também encolher, esticar, dobrar e torcer todo o corpo. Para Ranta, que era pequeno para um combatente ou um cavaleiro das trevas, e cujas habilidades atléticas não eram significativamente superiores às de outras pessoas, as habilidades de movimento eram seu foco principal. Basicamente, se ele não pudesse se mover, não poderia lutar. Se ele parasse para trocar golpes, estava certo de que perderia.

Ele precisava se mover. Continuar se movendo. Quanto mais se movia, mais a vitória parecia ao alcance.

Por isso, em combate real, ele estava sempre usando suas habilidades de movimento, como se fosse um idiota que só sabia fazer isso. Mesmo depois de usá-las repetidamente, ele continuava a usá-las. Se não fizesse isso, Ranta, o cavaleiro das trevas, não teria futuro. Desde que aprendera Exhaust na guilda, Ranta pensava assim. Não importava o que dissessem para ele, ele lutava exagerando no uso de habilidades de movimento.

Ele fazia isso para vencer.

Esse era o único caminho para se tornar mais forte.

Você entende isso, Haruhiro? Pensava furiosamente. Eu não sou como você. Eu não sou um líder, afinal de contas. Seu trabalho é manter a party unida. Mesmo lutando, você precisa observar todos e controlar a situação. Eu sou diferente. A única coisa que tenho que fazer, mais do que qualquer outra, é matar o inimigo. Eu preciso ficar mais forte.

Sou pequeno, mas preciso ser resistente. Você tem ideia de como isso é difícil, Haruhiro?

Eu vou ficar mais forte e mais forte. “Sou forte”, eu digo para mim mesmo. Sabe o que acontece quando faço isso? Eu ouço. Ouço aquelas risadas debochadas.

Ei, sério agora, você tá falando sério? Você realmente, realmente, realmente pensa isso? Olha ao redor. Todos esses caras são maiores que você, e eles balançam essas armas enormes como se fossem nada. Mesmo entre os que se alistaram na mesma época que você, tem o Renji e o Ron. Eles estão em outro nível. Quantos centímetros o Moguzo tinha a mais que você? Não tem como diminuir essa diferença, entende? Se o Renji te acertasse com tudo o que ele tem, Ranta, cara, você morreria com um só golpe, não é?”

Quanto mais eu penso nisso a sério, mais sou forçado a encarar que a diferença é enorme. Enorme demais.

Não deixar isso me abater”? Isso é impossível, e você sabe disso, não sabe? É normal que isso me abata. É o suficiente para fazer qualquer um desesperar.

Quero dizer, isso aqui não é brincadeira, sabe? Estamos falando de vida ou morte, entendeu?

Se eu morrer, só serei abraçado por Skullhell”? Tá, pode até ser. Mas você acha que vou aceitar isso? Assim tão fácil?

Eu não quero morrer.

Se eu morrer, pode ser o fim.

Eu sei disso.

Eu vi isso.

Os que morreram viraram cinzas, e agora nunca mais os veremos.

Eu não posso morrer ainda.

Quero dizer, eu ainda não estou acabado.

É até aqui que eu consigo, esse é o meu limite, não consigo ir além” ainda não cheguei nesse ponto.

Entende isso, Haruhiro?

Eu ainda não estou acabado. Não vou terminar aqui. Não eu. É isso que eu digo para mim mesmo para continuar, e sigo em frente. Eu não sou um perdedor patético e indeciso como você. Ser bonzinho com os nossos companheiros? Isso é dependência, e você sabe disso. É se apoiar nos outros. Se eu fizer isso, vou ficar fraco.

Haruhiro. Eu preciso ser mais forte que você. Fiz tudo o que podia para ser assim, e ainda estou fazendo. É por isso que sou mais forte que você.

Essa é uma boa oportunidade, então vou te ensinar uma lição!

Esse tinha sido o plano dele.

Haruhiro estava decidido a ir salvar Mary. Dadas as circunstâncias, Ranta sabia que ele provavelmente faria isso sozinho.

Ranta tinha duas opções: impedi-lo ou não.

Não, não havia escolha. Ele tinha que impedi-lo. O velho Takasagi com certeza notaria Haruhiro se movendo. E Takasagi suspeitava de Ranta.

Ranta não se juntou de verdade à Forgan. Ele com certeza vai tentar facilitar as coisas para os seus companheiros. Era isso que Takasagi pensava. Então ele estaria observando Ranta e prestando atenção em Haruhiro e nos outros também.

Takasagi não perdia nada. Se Haruhiro fizesse um movimento, Takasagi certamente perceberia.

Ranta tinha que pará-lo. Ele precisava fazer isso sozinho.

Naturalmente, ele sabia que Takasagi também viria. Afinal, o velho não confiava nele. E, na verdade, foi exatamente o que aconteceu.

Dado o ponto a que as coisas tinham chegado, Ranta sabia que não podia deixar Haruhiro ir. Ele conhecia bem as habilidades de Takasagi. Aquele velho era incrivelmente habilidoso. Ele só tinha um braço, e apenas um olho, mas nada disso importava. Mesmo que Ranta, Haruhiro e Kuzaku se unissem contra ele, não teriam nem uma chance mínima de vencer. Mesmo que Yume, Mary e Shihoru se juntassem, seria arriscado. Takasagi mataria Haruhiro sem esforço.

Fomos companheiros uma vez, Ranta disse. Vou fazer a gentileza de matá-lo eu mesmo.

Falando assim, Ranta sabia que Takasagi provavelmente não recusaria. Por quê? Porque, julgando pela personalidade de Takasagi, ele iria querer testar Ranta.

De certa forma, isso talvez fosse a fraqueza de Takasagi. Ele era bom demais. Era perceptivo demais e conseguia identificar claramente as diferenças de nível de habilidade. Takasagi sabia que Ranta era inferior. Um garoto. Não valia a pena lutar contra. Por isso, Takasagi achava que poderia lidar com Ranta a qualquer momento. Ele não estava subestimando Ranta. Era uma avaliação precisa da realidade. Então essa era a única brecha que Ranta tinha: que Takasagi permitiria que ele agisse, mesmo enquanto o suspeitava.

Se Ranta fosse leal à Forgan, ótimo. Se não—se Ranta tentasse trair a Forgan—ele seria eliminado ali mesmo.

No final, Ranta acabou em uma luta um contra um com Haruhiro.

Depois disso, ele só precisava vencer. Derrotar Haruhiro. Fazê-lo se render.

Eles não vão te matar, Haruhiro, ele pensou. Há um caminho. Uma maneira de fazer tudo isso funcionar.

Eu mostro do que sou capaz. Então, quando você estiver bem derrotado, faço uma proposta. Tudo o que você precisa fazer é dizer: “Tá bom.” É simples.

Entrar para a Forgan resolveria tudo. Não, não só eu. Todos nós. Vamos nos tornar membros da Forgan. Por enquanto, não precisamos pensar se será algo permanente ou não. Apenas entrem. Vivam com os orcs, os mortos-vivos, os elfos e as outras raças daqui. Só uma vez, tentem conversar com o Jumbo. Vocês vão se borrar. O cara é enorme. Ah, acho que ele é um orc, não um cara. Bom, vocês vão esquecer disso rapidinho.

Vai expandir seus horizontes. Nós não sabemos nada sobre Grimgar. Isso vai ficar tão claro que vai doer. Vocês vão perceber como o mundo dos humanos é pequeno, muito pequeno. Nos tornamos soldados voluntários por necessidade, e temos vivido assim, mas será que isso é certo? Foi uma escolha nossa? Ou fomos forçados a tomar essa decisão? Talvez estejamos sendo apenas usados, sabe?

Haruhiro, sei que você não vai acreditar nisso, mas eu também estou quebrando a cabeça. Pensei em muitas coisas em pouco tempo. Quero contar para você e para os outros o que eu pensei. Quero que vocês me escutem. O que vocês acham?

Só porque eles são orcs, isso faz deles nossos inimigos? Claro, os mortos-vivos são assustadores, mas eles também sabem beber e festejar, sabia? Sentam-se lado a lado com os camaradas, contando histórias. Para mim, se eu colocasse minha mente nisso, acho que poderia viver bem aqui. Quero discutir isso direito e ouvir o que vocês pensam.

Especialmente você, Haruhiro.

Quero saber o que você pensa.

Quero dizer, você pensa nas coisas por muito tempo. Não é de decidir pelas primeiras impressões. Não diria que somos totalmente opostos, mas somos bem diferentes.

Eu te odeio, e aposto que o sentimento é mútuo. Francamente, nós simplesmente não nos damos bem. Mesmo depois de todo esse tempo trabalhando juntos, você e eu não somos amigos. Não posso ser seu amigo. Se você não estivesse fazendo um trabalho decente como líder, já teria te largado há muito tempo. É só isso que você vale para mim, no fim das contas.

Tenho certeza de que você vê as coisas de forma diferente de mim e pensa em coisas que eu nunca pensaria. Você pensa diferente. De formas que me irritam. Diz coisas que me deixam puto.

E é exatamente por isso que eu queria te mostrar este mundo. Este é outro mundo que existe. Mesmo sem irmos para outro mundo como o Reino do Crepúsculo ou Darunggar, há mundos por aí que não conhecemos. Depois de tanto tempo que passamos em Darunggar, não acha que poderíamos aceitar outro lado de Grimgar? Não acha que deveríamos?

Haruhiro, o que você acha...?

...Tch — Ranta murmurou. Aquele merda.

Ranta pressionava o ombro direito com a mão esquerda.

Ele sabia que Haruhiro ia tentar alguma coisa. Se não fizesse algo drástico, Haruhiro não teria chance de vencer. Normalmente cauteloso ao ponto de ser covarde, às vezes ele podia ser ousado.

O que ele vai tentar? Ranta se perguntava.

Suas técnicas mais especiais, Backstab e Spider, estavam completamente neutralizadas. Impedir que Haruhiro usasse essas habilidades era fácil para Ranta, com sua mobilidade superior: bastava não deixá-lo chegar às suas costas. Ele também sabia que, se ficasse atento ao combo de Swat, Arrest, Shatter, Slap e Hitter, poderia se defender. Fora isso, distrações ou manobras de fingimento não funcionariam em Ranta, que já conhecia todos os truques de Haruhiro.

Ele vai tentar nos derrubar juntos. Ranta considerava essa possibilidade alta. Mesmo que Haruhiro não tentasse algo que matasse os dois, ele poderia sacrificar um braço para acertar um golpe letal em Ranta. Era exatamente o tipo de coisa que aquele cara pensaria em fazer.

Assault.

Ranta sabia dessa habilidade. Haruhiro não a usava com frequência. Era muito exaustiva e exigia estar preparado para morrer junto com o oponente, então só era válida em circunstâncias limitadas. Mas Ranta sabia que ele poderia apostar tudo nisso.

Ele havia previsto isso.

Mas o Assault de Haruhiro foi além do que Ranta esperava. Ele não havia calculado aquilo.

Aquela explosão momentânea de velocidade. Mais especificamente, o início dela. Foi isso que decidiu tudo.

Não.

Ele decidiu.

Haruhiro tinha decidido que essa era a única maneira de derrotar Ranta. Ele se resolveu a fazer isso e apostou naquele único momento.

Provavelmente foi tudo o que Haruhiro tinha. Se Ranta tivesse aguentado, teria vencido. Não haveria uma segunda tentativa.

Se Haruhiro tentasse de novo, Ranta conseguiria reagir.

Era verdade que Ranta havia perdido. Mas, se perguntassem quem era mais forte, ainda era Ranta. Haruhiro provavelmente reconheceria isso também.

Ranta era mais forte que Haruhiro, mas tinha perdido. Haruhiro tinha roubado a vitória dele usando um método que era tão... característico dele.

...Eu já não sabia? — Ranta murmurou. — Que ele faria algo assim? Como é que ele conseguiu me pegar? Será que eu o subestimei?

Um xamã élfico havia curado o ombro que Haruhiro tinha perfurado com seu estilete. O ferimento estava fechado agora. Não podia mais doer, mas ainda havia uma pulsação surda e incômoda.

Ei... — chamou uma voz, suave como uma brisa úmida.

Os olhos de Ranta se abriram de repente. Arnold estava sentado do outro lado da fogueira.

Arnold, que estava seminu, era um tipo de morto-vivo chamado double arm e deveria ter quatro braços, mas um dos braços esquerdos estava faltando. Todo o seu corpo estava envolto em um couro enegrecido, então Ranta não conseguia ver o quão graves eram os ferimentos, mas Arnold certamente estava bem machucado.

Pelo que Ranta tinha ouvido, contanto que os mortos-vivos não deixassem os ferimentos abertos, eles acabariam se curando. Dito isso, não era algo imediato. Levava tempo. Também podiam supostamente prender outro braço ou algo do tipo. Porém, esse braço precisava ser mantido no lugar até que “aderisse”. E—Ranta não entendia muito bem como isso funcionava—havia um elemento de compatibilidade entre o morto-vivo e o corpo da criatura usada, então às vezes não dava certo. Em casos ruins, o braço ou perna ficava pendurado inutilmente até apodrecer e cair.

Os mortos-vivos não tinham vida. Era por isso que não morriam. Seus corpos não eram exatamente deles; eram feitos a partir de outros seres vivos. Os mortos-vivos eram marcadamente diferentes dos seres vivos. Na verdade, nem podiam ser considerados seres vivos.

Me pergunto como é viver como um morto-vivo... Bem, não que eles estejam realmente vivos para começar.

Mas era difícil vê-los de outra forma que não como vivos.

Provavelmente estava sendo enganado por suas próprias concepções fixas. Se algo se movia como um ser vivo, isso significava que estava vivo. Tem que estar vivo, era o que ele tinha decidido em sua mente. No entanto, tinha um morto-vivo bem na sua frente, e ele não se encaixava nessa lógica.

...Yo. — Ranta inclinou a cabeça um pouco. Que tipo de expressão ele deveria fazer?

Arnold havia enfrentado Rock, o líder dos Typhoon Rocks, uma equipe dentro dos Day Breakers, em um duelo um contra um, e a luta tinha terminado empatada porque Jumbo a interrompeu. Ranta só tinha visto parte da luta, mas foi um combate intenso, uma troca de golpes brutal, e qualquer um dos dois poderia ter saído vitorioso.

Estava claro que o duelo não seria decidido até que um deles, ou talvez ambos, morressem ou fossem destruídos. Jumbo não havia gostado dessa possibilidade.

Ranta não entendia muito bem. Não é assim que lutas deveriam ser?

O que Arnold achava disso? Estava satisfeito?

Ei. — Enquanto Ranta ainda ponderava o que fazer, decidiu sorrir no final. — Arnold-san.

Arnold disse: — Heh... — O rosto dele se distorceu levemente. Podia ter sido uma risada. Então, ele jogou o recipiente que segurava na mão direita para Ranta.

Ranta o pegou. Não era feito de porcelana, madeira ou metal. O recipiente era de um material parecido com couro, mas parecia duro demais para ser isso. Tinha uma boca estreita e uma rolha. Ele sabia o que havia dentro. Álcool. Embora, infelizmente, não tivesse um copo à mão.

Quanto tempo havia passado desde o pôr do sol? Takasagi aparentemente tinha levado cerca de metade da Forgan para perseguir os Rocks, Haruhiro e os outros. A outra metade, que ficou com Jumbo, estava descansando na área, ou se divertindo ao redor das fogueiras.

Ranta havia montado sozinho a fogueira diante de si. O xamã élfico que o havia tratado e outros membros chegaram a chamá-lo, mas Ranta nem sequer respondeu direito. Não entendia o que estavam dizendo, e não estava com humor para tentar gesticular de forma exagerada para se fazer entender. Honestamente, sua atitude no momento era: Por favor, me deixem em paz.

Aw... — Segurando o recipiente com a mão direita, Ranta balançou a mão esquerda, indicando para Arnold que não tinha um copo.

Dwin — disse Arnold, gesticulando com o queixo. Algo como: Apenas beba isso de uma vez.

Não vou recusar, então. — Ranta destampou o recipiente e bebeu diretamente dele. Quando inclinou para trás, o licor seco, com a acidez na medida certa, desceu por sua garganta. — ...É. Isso é bom. Gostei.

Arnold estendeu um dedo e disse: — Bassa aqui...

Quando Ranta colocou a rolha de volta e jogou o recipiente para ele, Arnold também tomou um gole e soltou uma risada.

Seus olhos continuam totalmente mortos, no entanto.

Não havia vida nos olhos de Arnold. Ainda era bizarro ver um morto-vivo bebendo, comendo e rindo. Mas já não era surpreendente. Mais que isso, quando Arnold era atencioso desse jeito, Ranta se sentia estranhamente tranquilo.

O que é isso? Ele se perguntava. Haruhiro, será que vocês se sentiriam assim também? Ou é só comigo?

Ele queria descobrir isso. Saber.

Se Haruhiro e os outros sentissem o mesmo que Ranta, talvez isso significasse que havia algo ali que a sociedade humana em Altana não tinha.

Mas e se não sentissem?

E se apenas Ranta experimentasse essa estranha sensação de calma?

Isso significaria que eu sou diferente, é claro. Que o lugar onde vocês estão não é pra mim. Porque, ao passar tanto tempo em um lugar onde eu não pertencia, eu sempre me sentia irritado, incapaz de me acomodar. É isso que significaria?

Ranta começou a pensar que não poderia ser amigo de seus companheiros. Provavelmente, ele estava certo. Isso exigia entendimento mútuo. Mas eles não precisavam ser “amiguinhos”. Não, era o oposto. Era melhor que não fossem. Em vez de serem pegajosos, deveriam manter uma distância apropriada. Assim, poderiam discutir sobre o que pensavam. Odiar um ao outro estava tudo bem.

Ranta abaixou a cabeça. Mas sempre foi assim desde o começo...?

Ranta-kun. — Moguzo tinha dito.

Ele estava com uma expressão tão incrível naquele momento. Foi há muito tempo, mas eu me lembro tão bem.

Algum dia, vamos fazer isso. Abrir um restaurante.

Moguzo...

Sem dúvida alguma, ele estava falando sério. Com certeza. Mesmo que o mundo inteiro se invertesse, Moguzo não era do tipo que dizia algo que não sentia.

Ele não era apenas um companheiro. Ele era um parceiro.

Será que Ranta tinha medo? De perder alguém de novo? Era por isso que ele não queria se aproximar dos outros?

Pensando bem, quando Moguzo estava vivo, apesar das brigas, os três garotos passavam muito tempo juntos. Desde que Moguzo morreu, a não ser que Ranta tivesse algum assunto com os outros, quando queria beber, ele saía sozinho.

Não era algo consciente. Provavelmente, ele estava se distanciando de seus companheiros de forma inconsciente. Não havia causado problemas específicos.

Não é como se eu precisasse de amigos, sabe?

Isso era verdade?

Seria bom ter pessoas com quem ele pudesse se abrir. Ele não queria isso?

Ainda com a cabeça baixa, Ranta estendeu a mão direita à sua frente. Ele ouviu Arnold se levantando.

Arnold se aproximou e colocou o recipiente de álcool na mão de Ranta. Ele o ergueu e engoliu o conteúdo.

Ardia.

Heh... — Arnold riu, mas não para zombar de Ranta. Ele não era do tipo que faria isso.

Haruhiro, por que você não se rendeu de uma vez para mim?

Eu tive que fazer aquilo. Sim, eu estava falando sério. Me esforcei tanto que poderia ter te matado. Com certeza. Se eu não fizesse isso, Takasagi poderia ter acabado comigo. Além disso, você também não é mais o mesmo. Se eu não der tudo de mim, não consigo te vencer.

Mas, cara, você sabe que não há chance de eu te matar, né?

Pode ser que não sejamos amigos, mas somos companheiros, certo? Você entende isso, não entende? Você deveria ser o Haruhiro, mas não conseguiu entender o que eu estava pensando? Passamos tanto tempo juntos, por que você não percebeu...? Então, pra piorar...

Você tentou me matar, não foi?

Se Mary não tivesse te parado, cara, você teria me matado, não é?

Isso significa que—sim, você não confia em mim.

Não é que eu esteja desapontado. Só é algo tipo, “Ah, é claro.” Não é nada. Era só isso que éramos, no final.

Eu só me sinto um pouco patético, só isso. Por ter tentado confiar em alguém que nem confia em mim. Fui um idiota. Um completo idiota.

Ei... — murmurou Ranta.

Ele só tinha bebido duas vezes do recipiente, mas já conseguia sentir o efeito do álcool. Arnold já havia voltado para o outro lado da fogueira e se sentado.

Ranta sorriu para ele.

Arnold.

Mesmo sendo chamado sem qualquer formalidade, Arnold não parecia nem um pouco ofendido. Ele olhou para Ranta com aqueles olhos mortos, como se dissesse: O que foi?

Ranta não entendia totalmente o que estava tentando fazer, ou o que queria.

Ó escuridão... — Ele começou a entoar, então, Ah, certo, percebeu. Talvez ele estivesse tentando se revelar. Talvez estivesse planejando se abrir, ter uma conversa de coração para coração. Talvez fosse algo que ele queria.

E aí. — Takasagi interrompeu.

Se o cara não tivesse aparecido de repente, Ranta provavelmente teria invocado o Zodiac-kun. Por que ele não tinha usado o Demon Call nenhuma vez desde que se juntou à Forgan?

Porque não sentiu vontade. Porque não teve oportunidade. Se fosse só isso, bastava, mas provavelmente havia também um elemento de medo envolvido.

A natureza do demônio de um cavaleiro das trevas era difícil de explicar de forma simples. Não era o que você chamaria de familiar, mas também não fazia parte do cavaleiro das trevas. Os demônios eram indiscutivelmente conscientes. Eles tinham vontade própria. Não apareciam a menos que fossem chamados pelo cavaleiro das trevas, e estavam fortemente vinculados ao seu invocador, mas também eram independentes de certa forma. O cavaleiro das trevas não podia controlar o demônio. Não podia manipulá-lo à vontade, mas havia uma conexão entre eles.

O demônio crescia, ou mudava, à medida que o cavaleiro das trevas acumulava vícios, e seu desenvolvimento dependia inteiramente do cavaleiro das trevas. Além disso, esse crescimento e mudança eram irreversíveis. Não havia como voltar atrás. Um cavaleiro das trevas não podia recriar seu demônio, nem descartá-lo. Os preceitos afirmavam que a devoção de um cavaleiro das trevas ao Deus das Trevas Skullhell era eterna. O demônio permaneceria com o cavaleiro das trevas até que ele fosse abraçado por Skullhell. O demônio era seu parceiro na jornada rumo à morte inevitável.

Ranta sabia disso por experiência. Um cavaleiro das trevas não podia enganar seu demônio. Mesmo que pudesse mentir para si mesmo, seu demônio nunca seria enganado.

O demônio de Ranta, o Zodiac-kun, era muito diferente dele. Diziam que a maioria dos demônios não se parecia com seus cavaleiros das trevas. Era comum, aparentemente, cavaleiros homens terem demônios femininos. Também havia casos em que brutamontes musculosos tinham demônios pequenos e fofos, como filhotes.

Apesar disso, o demônio refletia, de fato, o cavaleiro das trevas.

Se ele invocasse o Zodiac-kun, como o demônio agiria? Ranta não fazia ideia, e isso o assustava.

O incontrolável Zodiac-kun poderia atingi-lo onde doía. Ranta poderia deixar escapar o que realmente sentia enquanto estava com Zodiac-kun. Zodiac-kun talvez revelasse as emoções verdadeiras de Ranta, aquelas que ele mesmo desconhecia.

Além disso, havia o motivo de não querer revelar que era um cavaleiro das trevas. Ele escondia o colar de Skullhell, e a armadura que usava não tinha marcas chamativas, então isso não era evidente em sua aparência. Porém, era possível que Takasagi tivesse percebido pelo estilo de luta de Ranta. Ele nunca sabia o que poderia acontecer, ou quando, então preferia não revelar suas cartas. Mais do que isso, não queria expor o que havia em seu coração.

Com um suspiro, Takasagi sentou-se ao lado de Ranta, inclinando a cabeça para a esquerda e depois para a direita. Suas articulações estalaram.

Quando Ranta entregou o álcool de Arnold como se não fosse nada demais, Takasagi disse: — Oh, valeu. — E deu um gole.

Então, você voltou — disse Ranta.

Agora há pouco. Acabei de chegar. — Takasagi franziu o rosto e estalou a língua. — Sem sorte, infelizmente. Pior ainda, Onsa não vai voltar. Quero acreditar que não conseguiram derrubá-lo, no entanto.

Isso é... — Ranta esfregou o nariz.

As palavras não vinham. O que eu estou pensando?

Sem sorte. Isso significava que os outros não tinham sido mortos ou capturados. Supondo que Takasagi não estivesse mentindo.

Ele não podia ter certeza disso. Takasagi provavelmente era capaz de ser tão ardiloso quanto fosse necessário e não hesitaria em recorrer a mentiras ou qualquer outra coisa. Além disso, ele não confiava em Ranta. Takasagi poderia estar soltando pistas sobre o destino de Haruhiro e os outros para ver como Ranta reagiria. Isso era totalmente possível. Nesse caso, era melhor não demonstrar muito interesse.

Talvez devesse demonstrar preocupação com Onsa, que não tinha voltado? Isso pareceria forçado demais.

Ranta fungou sem dizer nada e deu de ombros.

Os Rocks, não é? — Takasagi jogou o recipiente de álcool para Arnold e tirou um cachimbo do bolso. — Eles são muito bons. Ranta, seus companheiros ainda têm muito a melhorar, mas podem ser surpreendentemente persistentes.

Ex-companheiros, você quer dizer.

Você não sente nem um pouco de compaixão por eles?

Pelos caras que tentaram me matar? — Ranta retrucou.

Está magoado com isso?

Eu não estou... — Ranta estreitou os olhos e encarou Takasagi.

Aquele ladrão. — Takasagi começou a encher o cachimbo com tabaco moído. — Ele podia ter te matado, mas escolheu não fazer isso. Foi o que pareceu para mim.

...Não sei sobre isso.

E você ainda tem a audácia de ressentir ele? — Takasagi pegou um galho em chamas da fogueira e acendeu o cachimbo. — Para ele, você é o traidor. Não tem direito de guardar rancor, tem?

Não diga besteiras. Eu não guardo rancor. — Ranta quase levantou a voz, mas conseguiu se controlar. — Nem pensar.

Takasagi soprou a fumaça.

É uma pena que seu plano não tenha dado certo, Ranta.

O coração de Ranta gelou. Takasagi tinha descoberto? Se sim, até que ponto? Ou estava apenas fingindo saber algo? Takasagi estava tentando desestabilizá-lo? Rasgar sua máscara?

Mesmo que ele não estivesse usando um disfarce, não poderia simplesmente arrancá-lo. Achava que estava disfarçado, mas talvez estivesse nu o tempo todo. E se estivesse usando outro disfarce por baixo do disfarce?

Sinceramente, Ranta queria saber a resposta para isso.

Como eu realmente me sinto...?

As coisas nunca saem como planejado. Essa é a vida. — Ranta forçou uma risada nasal. — E é isso que torna tudo divertido.

Você age como se tivesse muita experiência.

Então, sua vida correu como planejado?

A minha? — Takasagi deu uma tragada em seu cachimbo, depois outra, e, com um sopro, soltou a fumaça e esvaziou o fornilho. — Bem...

Quando e como esse homem de meia-idade perdeu o olho esquerdo e o braço direito? Ele disse que já foi um soldado voluntário. Por que ele está na Forgan agora? Será que algum dia Ranta ouviria a história de Takasagi, diretamente de seus lábios?

Velho — chamou Ranta.

Huh?

Eu quero ficar mais forte.

Achava que seria motivo de riso por dizer isso. Mas Takasagi apenas resmungou e disse: — E? — sinalizando para que continuasse.

Entende? Bem, não que eu precise que entenda. Eu quero ficar forte. Você já sabe disso, mas, droga, eu sou fraco. Mesmo assim, sou melhor do que era antes, sabe? Mas ainda tenho um longo caminho a percorrer. Não sei como explicar, mas viver sendo fraco, você não entenderia, mas... É difícil. Você tem que desistir de tantas coisas. É patético.

Escute, Ranta — disse Takasagi.

O quê?

Pode ser difícil para você imaginar porque ainda é jovem, mas até um velho como eu já foi jovem um dia. Naquela época, quando eu ainda tinha os dois olhos e os dois braços, faltava habilidade com a espada.

...Tenho certeza disso, mas não consigo imaginar.

Pelo que sei, só um punhado de gênios consegue se tornar forte sem buscar força por si mesmos. Nosso chefe, por exemplo. Eu não sou assim. Mesmo que houvesse dez de você, não poderiam me vencer do jeito que sou agora. Mas o eu de dez anos atrás, vocês poderiam.

Você ficou mais forte.

Como você disse, Ranta. É difícil ser fraco. Isso limita o seu caminho.

...É sufocante.

Mas a força não vem em um único tipo.

Existem vários tipos de força. — Ranta assentiu. — Até eu entendo isso. Meio vagamente. Mas o que eu quero é ser capaz de lutar com seriedade e não perder. Esse tipo de força fácil de entender.

Sempre há alguém acima de você — disse Takasagi.

Eu sei disso... Sei tanto que dói. Mas se eu não tiver espaço suficiente para me levantar sem bater a cabeça, isso é difícil.

Falta muito em você.

Não tenho a altura necessária, afinal.

Mesmo assim, quem é forte continua sendo forte.

Está dizendo que me falta talento, certo? Basicamente.

Isso mesmo.

...Você é direto.

Não minto quando não é necessário.

Já sei disso. — Ranta ergueu o pescoço, que estava prestes a ceder. — Todo mundo tem um limite. Mas eles não são iguais para todos. É diferente para cada um. Existem caras que começam em um e chegam a dez, e caras que ficam presos no cinco. Também existem aqueles que começam no dez e chegam a cem. Para o cara preso no cinco, não importa o quanto tente, ele não chega nem no dez. O máximo que vai conseguir é um seis, talvez um sete. É isso que ele é capaz de fazer.

Escute, Ranta. — Takasagi começou a recarregar seu cachimbo. — Chegando à minha idade, há algo que penso sempre que vejo jovens. É: Não faça coisas inúteis. Geralmente, você não consegue se enxergar. Mesmo num espelho, a imagem está distorcida. Isso não tem solução. Se você viver desejando isso e aquilo, eventualmente aprende qual é o seu lugar. Até lá, tudo o que pode fazer é lutar. Se você cair enquanto luta, bem, isso tem seu interesse também. Você tem que aceitar as coisas como são.

Eu não vou cair — retrucou Ranta. — E não tenho intenção de aprender qual é o meu lugar, também.

Vejo caras como você de vez em quando. — Takasagi acendeu o cachimbo. — Idiotas, basicamente.

Tudo bem pra mim.

Você quer ficar forte, Ranta?

Quero, sim.

Rahntah... — Arnold de repente chamou seu nome, surpreendendo-o. Quando Ranta olhou, Arnold estava sorrindo com aquele sorriso que parecia um corte.

Quando Ranta sorriu de volta, Arnold soltou um “Heheh...” e tomou um gole de sua bebida.

Há muitos idiotas por aí. — Takasagi girou o pescoço enquanto soprava a fumaça. — Eles estão em todo lugar.

Tudo bem! — Ranta ficou de pé. Dobrou os joelhos e se alongou. Moveu os ombros para cima e para baixo. Girou os braços em círculos. Seu ombro direito não doía nem um pouco. Estava em ótima forma.

A névoa no Vale dos Mil estava fina naquela noite. Quase inexistente, poderia-se dizer.

Ao olhar para o céu noturno, ele viu a lua vermelha.



Hai to Gensou no Grimgar | Grimgar of Fantasy and Ash Light Novel Volume 09 Illustrations

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