Hai to Gensou no Grimgar | Grimgar of Fantasy and Ash Volume 08
Capítulo 14
[Com Estas Mãos ]
No fim, talvez sua leitura da situação tivesse sido otimista demais.
Em meio à neblina, quatro homens avançavam carregando um palanquim. Embora fosse chamado de palanquim, era algo simples. Apenas uma tábua retangular com duas longas varas por baixo. Uma mulher vestida com uma túnica grosseira de tecido cru estava sentada sobre a tábua. Ou melhor, estava sendo forçada a se sentar ali. Suas mãos estavam amarradas atrás das costas, e as cordas em volta de seu pescoço, peito, quadris e coxas estavam bem presas às varas. Da forma como estava amarrada, ela não podia se mover. Se tentasse, provavelmente acabaria se enforcando.
A mulher estava sentada com as costas eretas, mas com o rosto inclinado para baixo. Seu cabelo era curto. Não tinham apenas cortado até a altura dos ombros; tinham ido até um pouco abaixo das orelhas.
Haruhiro, que estava escondido em uma colina entre as sombras das árvores, observando o desenrolar dos eventos, assumiu que tudo aquilo devia estar atingindo-a com força. Não sabia o quanto, mas supunha que devia ser um choque. Afinal, até para ele, que não conhecia bem a situação, sua primeira impressão ao vê-la havia sido: Cortaram muito mais do que eu pensei que cortariam.
E, mesmo que estivesse tudo bem porque o cabelo dela cresceria novamente, ela ainda estava sendo banida e expulsa de sua vila.
O palanquim seguia para o oeste, cada vez mais para o oeste.
De acordo com as informações que Setora havia obtido usando seus nyaas, era lá que Forgan havia estabelecido acampamento. Os homens que carregavam o palanquim certamente sabiam disso.
A propósito, no momento em que o palanquim deixou a vila sem sequer uma despedida, a vila se preparou para a batalha. Eles não estavam se preparando para atacar. Estavam reforçando suas defesas. Era uma postura que dizia: Se vocês vão vir, venham. Embora cautelosos com um ataque de Forgan, também estavam tentando comunicar: Não temos intenção de iniciar nada por conta própria. Outro dia, um grupo atacou Forgan, e ele incluía pessoas desta vila, mas isso de forma alguma representava a vontade da vila, e de fato, não tinha nada a ver conosco. Era isso que a vila estava tentando dizer.
Arara já não era mais Nigi Arara. Agora que havia sido deserdada pela Casa de Nigi, era simplesmente Arara. A irmã mais nova da atual chefe da casa tinha duas filhas, e parecia que a mais velha delas havia se tornado herdeira da Casa de Nigi.
Quando ouviu isso, Haruhiro ficou surpreso. É só assim, tão simples? Sendo a filha mais velha da Casa de Nigi, a mais importante das quatro casas samurais, ele tinha certeza de que não simplesmente diriam que ela não servia e a substituiriam por outra pessoa. Além disso, Arara era filha de sangue da chefe da casa. Haruhiro esperava, talvez de forma arbitrária, que sua mãe a defendesse e que ela se safasse com uma punição leve.
Ele estava muito enganado.
A vila estava jogando Arara fora por conta própria, sem nenhum de seus pertences. Aquilo era quase uma sentença de morte.
Haruhiro e os outros tinham planejado se reagrupar assim que Arara fosse libertada e, então, tentar eliminar Arnold e resgatar Mary. No entanto, agora que isso estava acontecendo com Arara, seus planos foram interrompidos.
Até onde o palanquim levando Arara iria? Eles não a entregariam para Forgan, entregariam?
As pessoas da vila pareciam orgulhosas, então provavelmente não tentariam apaziguar Forgan dessa forma. Ou assim Haruhiro esperava, mas ele não podia afirmar nada com certeza.
De qualquer forma, quando alguém estava em uma posição de liderança na vila, como a chefe da Casa de Nigi, eles abandonariam até mesmo sua própria filha se ela fosse considerada uma ameaça à vila. Era fácil condenar isso como cruel, impiedoso e desumano. Mas se a chefe da casa demonstrasse piedade por afeto à filha, e isso, por sua vez, colocasse a vila em perigo, ela enfrentaria mais do que apenas condenação. Quaisquer que fossem seus verdadeiros sentimentos, ela poderia ter sido forçada a fazer isso em sua posição como chefe da casa.
— Isso é ruim — murmurou Haruhiro, sem conseguir ver o palanquim de onde estava. — Eles estão chegando bem perto do acampamento da Forgan...
Ele podia ver a situação seguindo dois caminhos amplos a partir daquele ponto.
A primeira possibilidade era que os homens colocassem o palanquim no chão antes de se encontrarem com a Forgan. Nesse caso, seria apenas uma questão de resgatar Arara imediatamente.
No entanto, na segunda possibilidade, em que eles se encontrariam com a Forgan, tudo se complicaria. Era improvável, mas, se a vila tivesse entrado em contato com a Forgan de alguma forma e houvesse um acordo para entregar Arara, a situação ficaria ainda pior.
Haruhiro caminhava rapidamente pelo topo da colina, seguindo mais e mais para o oeste.
A colina estava ao norte do trajeto que o palanquim tomara. Forgan havia montado acampamento a oeste-noroeste, em um local onde o terreno era relativamente plano, e o palanquim realmente parecia estar se dirigindo para lá. Ele estava indo devagar o suficiente para que Haruhiro pudesse dar a volta e passar à frente deles sem precisar correr muito.
Sem querer, Haruhiro acabou pensando em Mary. E em Ranta, também.
Maldito Ranta!
Mas não era hora para isso. Ele afastou esses pensamentos da mente.
A névoa havia ficado mais densa. Ele não chegou a ver, mas pensou ter notado algo se movendo à sua esquerda. Um nyaa, talvez? Ou seria apenas imaginação?
Haruhiro quase parou, mas reconsiderou e decidiu acelerar o passo.
Ele podia ouvir levemente uivos de lobos ao longe. Um pressentimento ruim o invadiu.
Por que nada nunca dá certo? Ele queria reclamar um pouco. Não que houvesse alguém para ouvi-lo, ou alguém a quem realmente diria isso.
Ele já estava terminando de atravessar a colina. O palanquim ainda estava fora de vista. Haruhiro começou a descer a encosta.
Ele realmente sentia alguma presença ao redor. Será que tinha sido detectado por algum nyaa que o estava seguindo? Deveria verificar? Não, ele precisava avançar rapidamente. Para o oeste. Não havia problema se seus passos fizessem algum ruído. Para o oeste.
O solo do Vale dos Mil possuía áreas de terra úmida e pedras escorregadias aqui e ali, e quase nada era plano. Em alguns lugares, havia árvores caídas cobertas de musgo empilhadas umas sobre as outras, e buracos profundos, como se fossem cortes, espalhados por todo lado. Caminhar ali era estranhamente difícil, mas ele já estava acostumado.
Para o oeste.
Ele avistou o palanquim.
Em algum momento, Haruhiro havia passado por ele. O palanquim agora estava se movendo em direção a Haruhiro.
A névoa ainda não mostrava sinais de se dissipar. Provavelmente, ele conseguia ver menos de cem metros ao seu redor, mas o céu estava um pouco azulado. Ele também podia perceber onde estava o sol. Devia ser por volta das dez da manhã.
De acordo com o mapa que havia memorizado previamente, havia uma formação de terreno que era como uma pequena ravina a cerca de um quilômetro dali. Se eles passassem por aquele vale, chegariam ao acampamento da Forgan. O palanquim iria parar antes da ravina ou não?
Na esperança de que sim, Haruhiro continuou avançando para o oeste, tomando cuidado para não ser visto pelos carregadores do palanquim.
Oh, mas—não, não era imaginação sua. Provavelmente estava sendo observado por nyaas.
Quando de repente ouviu o som agudo e baixo de algum animal, seu coração deu um salto de susto. O quê? Era um nyaa?
Caminhando com passos cautelosos, encontrou um nyaa preto segurando um nyaa listrado no chão e mordendo sua garganta. O nyaa listrado se debatia e resistia, mas estava enfraquecido. O nyaa preto o olhou de relance. Ambos tinham mais ou menos o mesmo tamanho, mas o nyaa preto claramente levava vantagem.
Não demorou muito para que o nyaa listrado ficasse imóvel, momento em que o nyaa preto balançou a cauda enquanto abria a boca, como se fosse miar, mas sem emitir som algum. Esse era o chamado “miado silencioso”, aparentemente uma forma de sinalizar, Sou um amigo.
Será que era um dos nyaas da Setora? Ele ouviu dizer que alguns nyaas usavam o miado silencioso para enganar humanos, então não podia ter certeza. Também ouviu que um domador de nyaas podia identificar um miado silencioso insincero, mas isso estava além das capacidades de Haruhiro.
O nyaa preto desapareceu na névoa. Por enquanto, Haruhiro teria que assumir que ele estava do seu lado.
O palanquim ainda seguia em frente. Não iam parar? Não, não mostravam sinal de que fariam isso.
— Haruhiro — chamou uma voz atrás dele.
Ele gostaria que as pessoas parassem de assustá-lo desse jeito.
Ao se virar, era Kuro. Ele estava agachado e fazia um sinal para ele.
Quando Haruhiro se aproximou, Kuro sussurrou em seu ouvido: — Boas notícias ou más notícias. Qual você quer ouvir primeiro?
— ...Certo, comece com as boas notícias.
— He... — Kuro sorriu maliciosamente. — ...nenhuma boa notícia.
— Então não finja que há. Qual é a má notícia?
— Forgan parece ter percebido a entrega da vila. Estão em movimento.
— É, eu meio que já esperava por isso — disse Haruhiro com um tom sombrio.
— O plano é esperar na entrada da ravina — explicou Kuro. — Assim que pegarmos o “pacote”, vocês podem ir roubar o tesouro.
— Desculpe pelo incômodo... e obrigado.
Kuro deu um leve tapa no ombro de Haruhiro e fez um sinal para ele.
Haruhiro assentiu.
Estava começando.
Por conta da punição mais severa que Arara recebeu do que o esperado, eles não tiveram tempo de se preparar adequadamente. Haruhiro sentia uma certa insegurança, mas precisariam seguir em frente.
Ele seguiu Kuro. Uma agitação começou a crescer em seu peito. Precisava se certificar de não ficar tenso demais. Mesmo com pouco tempo, não podia agir de qualquer jeito. Precisava pensar o máximo possível e escolher a melhor opção.
De repente, parecia que o tempo tinha acelerado. Em pouco tempo, chegaram a ravina.
A ravina era um vale, com cerca de vinte metros de largura, entre encostas íngremes ao norte e ao sul. Ambos os lados estavam densamente cobertos por árvores, oferecendo muitos lugares para se esconder.
Rock, Moyugi, Kajita, Tsuga e Sakanami já estavam posicionados no lado norte, enquanto Yume, Shihoru, Kuzaku e Katsuharu estavam no lado sul. Setora e Enba estavam em outro lugar, dando ordens aos nyaas. Naturalmente, Kuro se juntou aos Rocks, e Haruhiro seguiu para onde Yume e os outros estavam.
Yume foi a primeira a notar Haruhiro e acenou para ele. Shihoru, Kuzaku e Katsuharu também perceberam sua presença. Haruhiro se abaixou ao lado de seus companheiros.
— Acho que provavelmente vamos acabar resgatando a Arara-san por aqui.
— Miau. — Yume assentiu, mordendo o lábio inferior.
— Certo. — Kuzaku estava imóvel, tentando não fazer barulho com sua armadura. Já estava usando o elmo e segurava o escudo em mãos.
— E da nossa parte... — Shihoru sussurrou. — Depois de resgatar a Arara-san, a Mary é a próxima, certo?
— Sim — respondeu Haruhiro. — Os Rocks e a Arara-san vão começar a luta contra a Forgan. Nós damos suporte enquanto procuramos a Mary.
— Dependerá da situação, mas... talvez seja melhor que o restante de nós sirva como distração enquanto você vai sozinho, Haruhiro-kun — sugeriu Shihoru, com um tom hesitante.
— Verdade. Se for assim, Shihoru, conto com você.
Shihoru assentiu, sem nem perguntar o motivo. — Entendido.
Claro, se ela pedisse uma explicação, ele a daria. Mas era altamente reconfortante que ela não precisasse dela. Ele não queria depender demais de Shihoru, nem tinha intenção de depender completamente dela, mas ter um segundo pilar para apoiar a party faria uma grande diferença.
Os lobos uivaram. Não estavam longe.
Ele mal conseguia ver o palanquim.
O palanquim parou.
Ainda estavam a quase cem metros da ravina.
— Certo... — Katsuharu limpou os óculos de proteção com um dedo.
O palanquim voltou a se mover. Se os carregadores apenas colocassem o palanquim ali, tudo ficaria muito mais fácil, mas as coisas nunca seriam tão convenientes assim.
Nesse ponto, tanto a party de Rock quanto a de Haruhiro eram indesejadas na vila. Provavelmente nunca mais poderiam entrar lá. Mesmo assim, tanto quanto possível, queriam evitar qualquer ato de hostilidade aberta contra a vila. Se a vila enviasse perseguidores atrás deles, os aldeões conheciam o Vale dos Mil como a palma de suas mãos, o que os tornaria mais do que apenas um incômodo. Por isso, por mais frustrante que fosse, eles não podiam atacar o palanquim para salvar Arara. Precisavam esperar.
Até que a situação mudasse, só restava esperar.
— Eles estão aqui — sussurrou Yume.
Feras. Corriam pelo vale na direção deles. Lobos? Era uma alcateia de lobos negros.
Os Rocks ainda não haviam se movido. Katsuharu colocou a mão no cabo da espada.
Estava difícil respirar. Parecia que algo estava pressionando o peito de Haruhiro.
Os lobos negros uivavam, um após o outro. O líder da matilha já estava a uns dois, três metros do palanquim.
Finalmente, os homens largaram o palanquim. Com as armas em punho, começaram a recuar.
— Agora já deve estar seguro! — Katsuharu disparou.
Embora parecesse um pouco cedo, ele havia se contido até agora, mesmo que estivesse certamente preocupado com sua sobrinha. Não dava para culpá-lo.
Agora que um deles havia se movido, os demais tiveram que seguir. Quando Haruhiro acenou e deu o sinal, Kuzaku avançou, e Yume o seguiu. Haruhiro ficaria na retaguarda, protegendo Shihoru por enquanto.
Os Rocks agiram em resposta a Haruhiro e os outros. Kajita foi o primeiro a liderar o ataque.
— Ooooooooooooohhhhhhhhhh! — Kajita soltou um grande War Cry.
A matilha de lobos negros hesitou, parando por um momento, e então olhou para o lado norte da encosta em uníssono. A essa altura, o restante dos Rocks já havia se espalhado e sumido de vista.
Katsuharu correu diretamente para o palanquim, gritando para os homens, que ainda não haviam se virado: — Forgan está vindo! Recuem!
— Seu vagabundo! — gritou um dos homens ao se virar. — Da próxima vez que eu vir seu rosto, você será o próximo a enferrujar minha lâmina!
Um após o outro, os outros três também fugiram.
— Não caí tão baixo a ponto de ser derrubado por um de vocês! — Katsuharu correu até o palanquim, cortando as cordas que amarravam Arara com sua katana. — Arara, você está bem?
— Sim, tio! Sinto muito que você tenha feito isso por mim!
— De maneira alguma! Tive que ajudar minha querida sobrinha! — Katsuharu ajudou Arara a se levantar, depois entregou uma segunda katana que carregava para ela, ainda na bainha. — Se falhássemos agora no seu objetivo, só restariam arrependimentos. Tome sua vingança por Tatsuru, Arara. Se isso lhe trouxer paz, você pode encontrar outros amores depois disso.
— Eu não vou... — Arara tirou a katana da bainha. — ...encontrar um novo amor! Eu mesma derrotarei o assassino de Tatsuru e serei leal a ele! Esse é meu único desejo!
Rock havia dito que não queria nada em troca, então talvez estivesse tudo bem, mas quando Haruhiro ouviu Arara declarar isso com tanta clareza, ele se sentiu um pouco mal pelo cara, mesmo que isso não fosse da sua conta.
Os lobos negros subiam a encosta para atacar Kajita. Havia mais?
Sim, havia. Estavam chegando. Orcs. Mortos-vivos. Cada vez mais, vindo de além do vale.
— Apareça, Arnold! — gritou Arara, preparando sua katana, mas parecia ter dificuldade para se mover.
Devia ser por causa da roupa. Quando a encontraram pela primeira vez, ela vestia um casaco e calças de montaria, assim como Katsuharu, mas agora usava um quimono que ia até os tornozelos, amarrado firmemente com um obi.
Parecia tão desconfortável quanto aparentava, pois Arara de repente gritou “Argh!” e fez um corte vertical na barra da roupa. — Assim está bom!
De fato, agora devia estar mais fácil de se mover, mas ela não parecia estar usando nada por baixo, o que deixava Haruhiro sem saber se ela estava exposta demais ou não, mas isso não importava.
Sem descer totalmente a encosta, Haruhiro e sua party avançaram para o oeste. O vento soprou. A névoa de repente se adensou. Em pouco tempo, a visibilidade foi reduzida a menos de dez metros.
Yume colocou uma flecha no arco.
Havia algo à frente. Um orc?
— Ó luz, ó Lumiaris. — Kuzaku ergueu sua lâmina negra, fazendo o sinal do hexagrama no centro da guarda da espada. — Conceda a luz da proteção à minha lâmina.
Imediatamente, a lâmina negra começou a brilhar. Era o feitiço de magia de luz do paladino, Saber (Sabre). A luz de Lumiaris afiava o fio da espada do paladino gravada com o hexagrama. Aquela luz ofuscava quem olhasse diretamente para ela de perto e tinha um outro efeito importante: quando a espada brilhava assim, chamava a atenção.
— Wooooooooh! — Quando Kuzaku ergueu a espada e avançou, os inimigos se reuniram. Como mariposas atraídas pela chama.
Não enfrente mais do que pode aguentar! Haruhiro quis gritar para ele, mas se conteve. Esse era o papel de Kuzaku. Kuzaku, com sua armadura pesada, era o único que podia enfrentar vários inimigos ao mesmo tempo. Haruhiro e os outros tinham outras tarefas a cumprir. Obviamente, torcer por Kuzaku não era uma delas.
De qualquer forma, eram três orcs. Três orcs batendo em Kuzaku.
Kuzaku rebateu a katana de um dos orcs com Block.
— Kwah! — Ele usou a técnica Bash para empurrá-los para trás. Brandindo sua espada com determinação, tentava fazer com que os orcs recuassem.
Os orcs eram tão altos quanto Kuzaku, ou até mais, e muito mais robustos. Estavam tentando cercá-lo e espancá-lo sem dó. Parecia que Kuzaku seria esmagado em pouco tempo, mas ele se manteve firme. E mais: estava longe de ser encurralado.
Kuzaku previa a força e o ângulo dos ataques num piscar de olhos, decidindo com precisão se deveria bloquear com o escudo, desviar ou resistir ao golpe. Em uma luta de três contra um, Kuzaku basicamente não tinha chance de contra-atacar, mas, sob outro ponto de vista, isso significava que ele podia se concentrar totalmente em defender. Se tudo o que tinha que fazer era se proteger, Kuzaku sabia muito bem como fazer isso. Quando alguém se defendia com tanta confiança, derrubá-lo era difícil até mesmo para os guerreiros mais experientes.
— Dark — Shihoru parou para invocar Dark, o elemental.
Haruhiro se posicionou à esquerda de Kuzaku, enquanto Yume foi para a direita. Ele não queria deixar Shihoru sozinha, mas não havia muito o que fazer quando eram apenas quatro pessoas. Tudo bem, porém. Kuzaku manteria os inimigos ocupados, custasse o que custasse.
Yume disparou uma flecha a curta distância. A névoa tornava difícil enxergar, e mais ainda acertar alvos distantes. No entanto, ao se aproximar assim, seria mais fácil não errar.
Parece que ela acertou um dos orcs. Onde exatamente, não dava para saber.
Haruhiro, por sua vez, usava Stealth para dar a volta nos orcs. Kuzaku estava atraindo a atenção deles, e Yume também estava no campo de visão deles. Graças a isso, não haviam notado Haruhiro.
Mais inimigos? Nenhum sinal deles ainda.
Haruhiro ficou atrás dos orcs. A armadura de cobre que usavam parecia fina e leve, mas os protegia bem até o pescoço. Provavelmente, era de boa qualidade. Eles também usavam proteções como cotoveleiras, joelheiras, grevas e manoplas, e, embora os elmos fossem do tipo que deixava o rosto exposto, suas cabeças estavam bem protegidas. Eles eram mais de vinte centímetros mais altos que Haruhiro. Seus corpos eram a própria imagem da força. Era fácil ver o quão poderosos eram.
Pense. Pense. Pense rápido e chegue a uma conclusão.
Parecia improvável que conseguisse derrotá-los com um Backstab. Spider muito provavelmente terminaria em fracasso. O que significava que...
Haruhiro desferiu uma voadora nas costas do Orc A, o orc que estava à direita, segundo sua perspectiva, e à esquerda para Kuzaku.
Quando Orc A quase se inclinou para frente, perdendo o equilíbrio, Kuzaku gritou: — Rah! — e usou Bash.
O orc no meio, Orc B, tentou cobrir seu companheiro. Kuzaku não o perseguiu demais. Enquanto Orc A recuperava o equilíbrio, ele se virou para procurar por Haruhiro.
Nesse momento, Haruhiro já havia focado no Orc C, o que estava à esquerda de sua perspectiva e à direita de Kuzaku.
A flecha de Yume estava cravada no braço esquerdo do Orc C. Apesar disso, ele segurava a katana com ambas as mãos e estava prestes a golpear Yume.
Isso não precisava matá-lo. Backstab.
O estilete de Haruhiro não conseguiu perfurar a armadura do Orc C, mas ele nunca teve a intenção de fazer isso. Incapaz de ignorar Haruhiro, Orc C se virou para ele.
Aproveitando essa brecha, Yume disparou à queima-roupa.
— Miau!
Contact Shot. Não, não era só um disparo. Ela imediatamente seguiu com outro. Rapid Fire.
Ela usava uma combinação das habilidades Rapid Fire e Contact Shot. Uma das flechas errou, e outra ricocheteou na armadura. Mesmo assim, foi o suficiente para intimidar Orc C. Vendo seu oponente recuando, a corajosa Yume não estava disposta a recuar.
Uma flecha. Yume não a colocou no arco; avançou com a flecha na mão e a cravou na coxa direita do Orc C.
Narrow Spear. Essa era aparentemente uma habilidade para emergências, mas era bem típico de Yume usá-la ao atacar um inimigo em fuga.
Haruhiro não deixaria o Orc, que gemia de dor, fugir, nem acertar Yume com a katana. Ele usou Arrest no braço do Orc C. Travou a articulação do cotovelo esquerdo do orc e derrubou sua perna.
Orc C se esforçou para não cair, mas, por ter uma flecha na coxa, não conseguiu se equilibrar completamente. Quando Orc C caiu de joelhos, inclinando-se para trás, Haruhiro inverteu a pegada no estilete e o cravou no olho esquerdo do orc.
Yume sacou Wan-chan e derrubou a katana da mão direita do Orc C.
Haruhiro girou o estilete, puxou um pouco para fora e depois o cravou de novo. Ele puxava e enfiava novamente, mas Orc C ainda estava vivo.
Enquanto gritava: — Yume, vá ajudar o Kuzaku!
Haruhiro acabou com o Orc C.
Ainda não havia reforços inimigos, mas eles não podiam baixar a guarda.
Kuzaku, ao usar Block na katana do Orc B, gritou "Zwah!” e usou Thrust no Orc A, que desviou com sua katana.
Em seguida, Kuzaku usou Punishment em Orc B, enquanto aplicava um Bash para repelir uma estocada do Orc A.
Nesse instante, Orc A deu um passo para trás, e Yume atacou com um salto mortal para a frente, seguido de um golpe poderoso. Raging Tiger.
Com uma reação instintiva, Orc A saltou para o lado para desviar.
— Vai! — Shihoru lançou Dark.
Orc A tentou se contorcer para desviar, mas Dark virou em sua direção e o acertou. Dark deslizou para dentro do corpo do orc, como se estivesse sendo sugado.
Convulsões. Orc A espumava pela boca. Suas pernas cederam.
Haruhiro não era como Moyugi para dizer “Exatamente como planejado” ou “Era isso que eu esperava.” Eles não tinham sinalizado nada, e sua esperança de que Shihoru pudesse fazer algo foi apenas uma esperança. Foi incrivelmente próximo de uma decisão improvisada.
Enquanto se repreendia, Ainda tenho muito a aprender, ele agarrou Orc A por trás. Spider.
Com a ação de Dark enfraquecendo as reações do orc, Haruhiro rapidamente enfiou seu estilete no olho direito do Orc A, atravessando até o cérebro.
Mas ele não parou por aí. Usando toda a sua força, ele torceu o pescoço do Orc A enquanto caía no chão com ele. Não importa quão resistente fosse o corpo de um inimigo, eles se tornavam surpreendentemente frágeis quando atingidos num ponto vital por um ataque surpresa.
Orc A ficou mole. Estava praticamente derrotado. Haruhiro saltou para longe dele.
— Nuwahh! — Kuzaku continuava a se defender da katana do Orc B com seu escudo, usando ocasionalmente sua espada, mas sem avançar para finalizá-lo.
Agora que os Orcs A e C estavam fora de combate, seria normal querer partir para o ataque, mas Kuzaku continuava a aguentar firme. Essa dedicação quase teimosa ao seu papel era uma das forças de Kuzaku, além de mostrar sua confiança em Haruhiro e nos outros.
Shihoru mantinha distância. Algum novo inimigo? Não. Haruhiro sinalizou para Yume com o olhar.
Seria possível para Kuzaku, Haruhiro e Yume atacarem por três direções, mas eles fariam algo diferente aqui.
Haruhiro correu para trás de Yume.
Yume se aproximou de Orc B por trás.
O Orc B rapidamente percebeu a sua presença e saltou para trás em um ângulo, com o intuito de posicionar Kuzaku e Yume à sua frente.
Haruhiro se abaixou e saltou da sombra de Yume.
Para fora. Para fora.
Kuzaku e Yume fecharam o cerco em Orc B, que recuou. Não teve outra escolha. Ele havia perdido completamente Haruhiro de vista.
Quando ficou em posição para encarar as costas do Orc B, Haruhiro respirou fundo. Seu alvo não havia notado sua presença. Haruhiro estava observando suas costas. Por um instante, parecia que ele havia compreendido completamente o inimigo. Claro, era apenas uma ilusão, mas Haruhiro queria propor a teoria de que, enquanto muitos acreditam que os olhos dizem mais que a boca, deveriam acreditar que as costas dizem ainda mais. Pelo menos, o que ele precisava fazer a seguir era evidente num relance.
Orc B colocou o peso no pé direito, que havia recuado, com o cotovelo direito projetado, de modo que sua katana ficou ao lado direito de seu rosto.
Quando Haruhiro cortou com seu estilete a mão daquele braço direito, Orc B reagiu primeiro com choque. Quem é você? O que está fazendo aqui?
Esse era o tipo de expressão.
Apesar dos dedos da mão direita não estarem completamente cortados, ele não conseguiria usá-los muito bem, exceto o polegar. Orc B segurou o cabo da katana com a mão esquerda. Era tudo o que ele podia fazer.
— Gaarah! — Kuzaku o derrubou com o escudo, pressionando-o no chão. Ele manteve o escudo contra o braço esquerdo do orc, imobilizando a katana. Sem perder o ritmo, usou sua lâmina negra para cortar o rosto do orc, sem chance para o orc reagir. Parecia que Kuzaku daria conta do resto, mas não era hora de relaxar.
— Haruhiro-kun! — Shihoru gritou.
Estão chegando, hein, pensou Haruhiro. Reforços.
Era isso?
Algo grande avançava vindo da névoa.
— ...Um gigante? — Haruhiro lembrou-se dos gigantes brancos do Reino do Crepúsculo. Parecia tão grande quanto.
Na verdade, não era tão grande assim. Mas transmitia uma sensação de perigo.
Kuro tinha lhe dito: Assim que pegarmos o pacote, vocês podem ir roubar o tesouro.
O objetivo da party de Haruhiro não era lutar contra Forgan. Aquele grandão estava vindo em sua direção, mas, se possível, eles preferiam evitar um confronto com ele.
— Vamos — disse Haruhiro em um sussurro, indo para o sudoeste. Seus companheiros o seguiram em silêncio.
Enquanto subia a encosta sul da ravina na diagonal, ele observava os movimentos do grandão.
Estamos bem! Haruhiro quase gritou de alegria, mas obviamente se conteve. O grandão não tinha mudado de direção. Não parecia ter notado sua localização. Mesmo assim, quando encontrasse os corpos dos orcs, poderia começar a procurar pelos responsáveis. Precisavam sair dali rapidamente.
A névoa tornava impossível saber como a batalha estava indo, mas havia confrontos esporádicos entre aliados e inimigos. Estavam vencendo ou perdendo? Se os Rocks, Arara e Katsuharu fossem mortos ou se retirassem, Haruhiro e os outros ficariam para trás. Isso seria incrivelmente ruim.
Havia também a questão de saber se eles conseguiriam encontrar Mary. Mesmo que a encontrassem, conseguiriam resgatá-la? Olhando para trás, ter subestimado a gravidade da punição de Arara tinha sido um erro. Isso os havia prejudicado bastante.
A inclinação estava ficando mais íngreme. Seria difícil subir mais.
— Mal consigo ver nada... — murmurou Kuzaku para si mesmo.
Haruhiro estava prestes a dizer algo, mas se calou. Havia um som vindo de cima, e algumas pedras rolavam pela encosta.
Haruhiro olhou para cima e imediatamente gritou: — Acima! — Mas, para ser sincero, ele não tinha ideia do que fazer.
Não era o grandão de antes, mas aquele inimigo parecia igualmente perigoso. Era ele. O lobo gigante. Descendo a encosta agilmente. Nas costas do lobo gigante estava um goblin. Onsa, o mestre das feras.
— Saiam! — Kuzaku abriu os braços, empurrando Shihoru e Yume para longe.
Não, isso não vai funcionar!
Haruhiro tentou impedi-lo. Era tarde demais.
O lobo gigante avançou contra Kuzaku com um rosnado. Kuzaku não foi arremessado para longe. Ele tinha se agarrado e se mantido firme? Fez mais do que apenas isso. Ele tentou se estabilizar, mas ao perceber que não daria certo, torceu o corpo.
— Rahhhhhh! — gritou Kuzaku.
O lobo gigante tombou de lado com Kuzaku. Os dois deslizaram juntos pela encosta. Onsa segurava a parte de trás do pescoço do lobo gigante, como se fossem rédeas. Ele devia estar tentando fazer o lobo se levantar.
Mas Kuzaku não deixou. Ele rolou.
O lobo gigante e Kuzaku lutavam enquanto rolavam pela encosta sul.
Não demorou muito para que Onsa fosse lançado para longe. Ele se levantou rapidamente, correndo atrás do lobo gigante e de Kuzaku.
— Kuzaaaaku! — Haruhiro correu atrás de Onsa como se estivesse descendo uma escadaria aos saltos de dois ou três degraus por vez. — Yume, cuide da Shihoru!
Kuzaku! Kuzaku! Kuzaku! Droga! Haruhiro gritava em sua mente.
Ele não tinha conseguido se mover. Não tinha conseguido fazer nada. Kuzaku o havia salvado.
— Hou, hou, hou, hou, hou, hou, hou, hou, hou! — Onsa fazia um som estranho.
O que aquilo significava? Haruhiro teve um mau pressentimento. Estaria ele chamando algo?
Kuzaku e o lobo gigante finalmente pararam. O lobo gigante sacudiu a cabeça.
E Kuzaku? Haruhiro não conseguia vê-lo. Onde ele estava? Estaria embaixo? Ele começou a sair debaixo do lobo gigante.
Kuzaku.
Ele está se movendo! Ele está vivo! Haruhiro queria gritar.
Mas ainda não. Era cedo demais para comemorar.
O lobo gigante subiu em cima de Kuzaku.
— Vai se ferrar! — gritou Kuzaku, lutando para se soltar.
Onsa logo alcançaria o lobo gigante e Kuzaku. Ele chegaria até eles.
— Funahhh!
Era Yume. A voz de Yume. Uma flecha. Uma flecha voava.
Ela passou de raspão no ombro de Onsa. Onsa correu para a sombra de uma árvore próxima, sem olhar para trás.
Certo, pensou Haruhiro. Ótimo! Esta é a nossa chance!
Haruhiro não estava exatamente correndo, mas pulando. Cada vez que se impulsionava no chão, avançava dois a três metros, saltando, saltando, saltando. Era perigoso e assustador, mas isso era muito mais rápido do que correr. Finalmente, ele passou por Onsa. Continuou avançando e pulou em cima do lobo gigante.
— Saia de cima do Kuzaku! — Haruhiro gritou.
Ele se agarrou às costas do lobo gigante, cravando seu estilete em seu pescoço. Puxou e apunhalou de novo repetidamente. O lobo gigante se contorcia em agonia, sacudia-se tentando jogá-lo para fora, mas sem sucesso.
Não vou te soltar!
Talvez o lobo gigante tenha decidido que lidar com Haruhiro era sua prioridade, pois se levantou e começou a correr.
O quê? O quê? O quê? Por que está correndo em direção àquela árvore?! Ficou louco? Vamos colidir!
— Ngah?! — Haruhiro gritou.
Ele soltou o lobo gigante no último momento possível e acabou rolando pelo chão. O lobo acabou batendo as costas na árvore, mas parecia bem. Quando Haruhiro saltou para se levantar, o lobo gigante já estava exibindo suas presas, encarando-o. Ele não tinha sentido que seu estilete tinha feito muito efeito. Provavelmente os ferimentos não eram profundos, graças ao pelo grosso e à camada de gordura sob a pele.
Kuzaku tinha se levantado, mas estava de joelhos. Estava ferido? Ele não podia estar completamente ileso.
Quão grave era?
Onde estava Onsa?
Não. Não era hora de se preocupar com ele.
O lobo gigante investiu.
Era impossível pensar. Quando se deu conta, o corpo de Haruhiro já estava se movendo por conta própria.
O lobo gigante passou por cima dele.
Por que Haruhiro estava deitado de costas? Ele não sabia, mas parecia que ele havia acabado naquela posição ao se jogar no chão. Graças a isso, ele escapou de alguma forma.
No entanto, o lobo gigante se virou imediatamente e estava prestes a atacá-lo de novo. Haruhiro se levantou apressado, mas—
Isso não é meio impossível?
Ele não conseguiria desviar do próximo ataque. Ele seria pego.
Isso não significava que ele tinha desistido, no entanto.
Sua garganta. Ele protegeria isso. Se o lobo cravasse as presas em sua garganta, seria o fim. Em vez de tentar escapar de forma desleixada, era melhor ficar pronto e evitar um ferimento fatal. Não morrer era a chave. Ele não morreria instantaneamente. De qualquer forma, ele garantiria isso.
O lobo gigante estava se aproximando.
Cada vez mais perto.
Chegando.
Quando uma flecha afundou em seu olho direito, Haruhiro pensou: Yume?
A cabeça do lobo gigante se retraiu. Ele estremeceu, sacudindo a cabeça e soltando um gemido.
— Não é como se eu me importasse com meus novatos — Kuro disse friamente.
Kuro? pensou Haruhiro.
O guerreiro, que era um ex-caçador, estava surpreendentemente perto. Ele havia aparecido da sombra de uma pedra a menos de cinco metros de Haruhiro.
Kuro soltou duas flechas.
— Não entenda errado, novato.
O lobo gigante repentinamente virou a cabeça. Por causa disso, as flechas acertaram seu ombro. Haruhiro não sabia o quão grave era o dano, mas as flechas estavam firmemente cravadas ali.
Que arco poderoso.
Houve o som de um assobio, e o lobo gigante se virou. Era Onsa assobiando. Eles iriam fugir?
— Kuzaku?! — Haruhiro olhou para Kuzaku.
— Estou bem. — Kuzaku estava de joelhos. Ele virou a cabeça para olhar para Haruhiro. — De alguma forma.
— Eu quero matar esse cara — disse Kuro, preparando uma flecha para atirar em Onsa.
Onsa pulou para o lado, desviando, e depois saltou para as costas do lobo gigante. Kuro disparou outra flecha, mas Onsa abaixou a cabeça e conseguiu evitar.
— Hou, hou, hou, hou, hou, hou, hou, hou!
Aquela vocalização estranha de novo.
O que isso deveria significar? Haruhiro se perguntou.
Haruhiro correu até Kuzaku. Kuzaku se ergueu com dificuldade e olhou para o alto da encosta sul. Haruhiro seguiu seu olhar. Yume e Shihoru estavam descendo.
— Maldito goblin insolente. — Kuro preparou uma flecha em seu arco. Ele puxou a corda. No meio do movimento, parou e olhou para o céu. — ...Hã?
Havia o som de asas batendo. Eram pássaros? Estavam perto. Se aproximando. Insetos grandes? Pássaros? Ou talvez morcegos? Eram muitos deles.
Haruhiro se abaixou, gritando: — Whoaaaa?! — enquanto agitava os braços.
Os pássaros, ou morcegos, ou o que quer que fossem... aquelas coisas estavam voando contra ele. Batiam em seus braços, costas, peito, cabeça e rosto. E batiam com força.
Ele conseguia vê-los, embora não claramente. Não eram pássaros. Também não eram insetos. Pareciam morcegos, mas diferentes.
Lagartos? Como lagartos alados.
Do tamanho das suas duas mãos juntas e abertas. Dragões? Eram como pequenos modelos de dragões, mas era evidente que não eram modelos. Eles se moviam e voavam. Estavam atacando Haruhiro e os outros. Porém, se conseguiam voar com tanta agilidade, deviam ser bem leves. Mesmo quando o atingiam, só doía um pouco, então não era um grande problema. Eram apenas um grande incômodo.
— Mas que inferno?! — Haruhiro usou seu estilete para cortar uma das asas de um dos mini wyverns. O mini wyvern soltou um grito agudo e caiu no chão. Quando viu isso, percebeu que era hora de—bem, não, mesmo que não tivesse visto isso, já seria hora de fugir.
O enxame de mini-wyverns se dispersou enquanto ele corria. Haruhiro não conseguia mais ver o lobo gigante. Será que Onsa havia usado aquela vocalização estranha para chamar os mini-wyverns como distração?
O mini-wyvern que Haruhiro tinha cortado uma asa estava se arrastando para longe. Ele pensou em dar um bom chute nele, mas se conteve.
— Isso me pegou de surpresa... — Kuzaku levantou a viseira do elmo e suspirou.
— Perdemos ele, né. — Kuro soltou uma gargalhada e estalou a língua. — Ah, lá está o Kajita.
De fato, eles conseguiam ouvir vários gritos de batalha masculinos e roucos. Mas a outra voz, de quem era? Era profunda e baixa, como o rugido da terra. Não parecia humana. Então era um inimigo.
Em algum lugar próximo, Kajita estava enfrentando um inimigo. Provavelmente um poderoso.
— Kuzaku-kun! — Shihoru correu até Kuzaku, carregando seu escudo. Ele o tinha deixado cair no meio da batalha?
Yume estava ao lado de Shihoru, com seu arco pronto, olhando ao redor, inquieta.
— Talvez seja melhor vocês ficarem perto de nós, afinal. Pelo menos por enquanto — disse Kuro, desaparecendo na névoa.
Haruhiro queria tempo para organizar seus pensamentos. Sabia, porém, que não teria essa chance.
Algo estava vindo do oeste. Sem dúvida, inimigos. Do leste, também.
Aqui. Esse lugar provavelmente veria uma luta pesada em breve.
— Fiquem juntos! — Haruhiro correu até onde estava Kuzaku. — Por agora, vamos apoiar os Rocks aqui!
A figura que ele conseguia ver vagamente na névoa, seria Kajita?
— Zweh! — Kajita brandia sua espada cogumelo enorme, e o sujeito absurdamente grande que eles viram antes, provavelmente um orc, bramou “Fuuuuuungh!” ao bloquear com sua katana.
Kajita era bem alto por si só, mas aquele orc ainda era uma cabeça ou duas maior, não, talvez até mais que isso. Três metros de altura parecia exagero, mas ele devia ter pelo menos dois metros e meio. E, por causa disso—
— Goahhhh! — A gigantesca katana que o orc levantou acima de sua cabeça, em um ângulo inclinado, devia ter uma força incrível por trás. Era claramente um golpe a ser evitado a qualquer custo, mas Kajita tentou segurá-lo com sua espada cogumelo.
— DoeHH! — gritou Kajita.
Não havia como ele parar o golpe. O corpo de Kajita voou pelo ar.
Espera aí, Haruhiro se deu conta. Ele está voando na minha direção.
E agora? Eu devo segurá-lo? Não, eu não consigo. Mas, dito isso, também não sei se devo simplesmente desviar.
Para o bem ou para o mal, Kajita caiu com um estrondo bem à frente de Haruhiro. Ele estava totalmente estatelado. Seus óculos de sol estavam começando a cair.
— Ka... Kajita-san...? — Haruhiro chamou timidamente.
O orc gigante vinha marchando em sua direção.
— Ha-Haruhiro-kun, corra! — gritou Shihoru.
O orc gigante levantou sua gigantesca katana acima da cabeça.
Não pode ser! Ele já estava no alcance? Ele conseguia alcançar de lá? Consegui? Parecia que sim. Por ser tão grande, talvez o orc estivesse confundindo a percepção de distância de Haruhiro.
Não tenho outra escolha, pensou Haruhiro. Eu vou ter que correr.
— Heh! — Kajita se levantou com uma exibição impressionante de força nas pernas, abdômen e costas, que parecia quase sobre-humana. Com a espada cogumelo virada de lado, ele bloqueou a katana do orc gigante. Desta vez, o golpe parou. E não só isso, Kajita empurrou e fez o orc gigante se curvar para trás. Ele avançou e depois desferiu um golpe diagonal.
O orc gigante não bloqueou com sua katana. Com um “Gwah!”, ele apenas desviou o golpe. Era surpreendentemente ágil.
Kajita girou sua espada cogumelo, travando as lâminas com o orc gigante.
— Nghhhh! Nuhhhh!
— Guhhhh! Ohhhhhhhgh!
— Zwehhh! Humph! Zeahahh!
Kajita usou pura força bruta para empurrar o orc gigante para trás, então, rapidamente ajeitando os óculos de sol, ele segurou sua espada cogumelo em uma posição baixa.
— Hmph... Qual é o seu nome? — Kajita disse em uma língua que era estrangeira para Haruhiro.
— Gai, Godo Agaja! Danjinba?
— Meu nome é Kajita.
— Den, dogaran...
— ha ha ha! Eu também.
Mas o que há com esses caras? Haruhiro se perguntou. Eles claramente falam idiomas diferentes, mas ainda assim estão conseguindo manter uma conversa?
Melhor eu não me meter. Deixem eles com isso. Bem, nem é como se eu pudesse me envolver, e os dois parecem estar se divertindo, então deixo que continuem pelo tempo que quiserem. Parece que eu tenho outras coisas pra fazer.
Cada vez mais orcs e mortos-vivos estavam vindo do oeste. Eles estavam indo para o leste—era Arara? Katsuharu também estava lá. E Rock.
Gettsu, o mirumi, estava correndo logo atrás de Rock. Eram três pessoas e uma criaturinha, avançando para o oeste pelo vale. Não muito atrás estava Tsuga, com seu corte de cabelo raspado. Depois, Moyugi. Sakanami, o ladrão, não estava em lugar algum.
Tsuga e Moyugi pareciam estar sendo perseguidos por orcs e mortos-vivos. Não, sendo o Moyugi, talvez ele estivesse deliberadamente evitando o combate direto e atraindo os inimigos dessa maneira.
Parecia que inimigos também estavam vindo em direção a Haruhiro e aos outros, que ainda não tinham descido totalmente a encosta sul.
Dois orcs e dois mortos-vivos. Quatro contra quatro, hein. Difícil, mas não poderiam fugir agora. Teriam que se preparar para o pior. Teriam que lutar.
— Kuzaku, você fica na frente! Shihoru, Yume! — gritou Haruhiro.
— Certo!
— Okay! Dark!
— Miau!
Yume disparou uma flecha. Dark avançou. Kuzaku serviu como escudo.
Haruhiro procurou brechas, tentando acertar um golpe decisivo sempre que possível. Quando era possível, claro. Rapidamente, o combate virou um caos.
Sua mente parece que vai se tornar um turbilhão caótico, mas não se perca. Olhe ao seu redor.
Ele não conseguia ver através da névoa. Isso não era verdade apenas para Haruhiro; também era verdade para o inimigo. Não era uma desvantagem unilateral. Isso significava que estavam em condições iguais. O campo de visão dele era extremamente limitado.
Mantenha a cabeça fria.
Kuzaku estava mantendo os inimigos à sua frente sob controle. Isso não significava que ele poderia relaxar, mas Haruhiro precisava confiar nele.
Não era só Haruhiro; Shihoru também estava atenta. Yume ocasionalmente fazia algo cuidadoso também.
Não tente fazer tudo sozinho.
Ele não conseguiria fazer tudo, de qualquer maneira. Faria o melhor que pudesse, é claro. Ele, seus companheiros e todos os outros dariam tudo de si.
Não precisamos nos estender demais para derrotar inimigos. Sobreviver é o essencial. Primeiro, defender. Aguardar firme. Depois, ser persistente. Atrapalhar o inimigo.
Não ficar parado no mesmo lugar, também. Mover-se.
Não havia razão para lutarem diretamente com o inimigo. Podiam atacar os grupos inimigos que Arara, Katsuharu e os Rocks já estavam enfrentando pelos lados ou pelas costas. Assim que os provocassem um pouco, deveriam recuar imediatamente e mirar em outros inimigos.
Leia o fluxo. Se os Rocks, Arara e Katsuharu começarem a empurrar o inimigo e avançar, sigam imediatamente. Se o fluxo estagnar, de forma alguma avancem para a linha de frente.
Fundamentalmente, ficariam sempre prontos para recuar e agiriam para desestabilizar o inimigo. Não precisavam pensar em dar um golpe decisivo e esmagador. Na verdade, nem deveriam pensar nisso.
Houve momentos em que lutaram com um inimigo, e tudo o que puderam fazer foi proteger Shihoru. Não importava o quanto estivessem assustados, não entravam em pânico.
Os Rocks tinham Kuro, que adorava derrubar inimigos com um ataque surpresa, e era muito bom nisso. Sakanami era do mesmo jeito. Haruhiro não estava completamente contando com esses dois para salvá-los, mas sabia que eles não perderiam a chance perfeita quando surgisse.
Todos estavam mais expostos ao tentar atacar. Mesmo sabendo que não deveriam baixar a guarda, era natural que brechas surgissem em momentos assim. Se o inimigo demonstrasse a menor abertura, Kuro os derrubaria com um tiro certeiro de seu arco poderoso, ou Sakanami os eliminaria com um ataque tão frenético que parecia carregar algum tipo de rancor.
Haruhiro começava a entender a dinâmica. Os Rocks não faziam nada que pudesse ser chamado de coordenação. Cada um agia por conta própria. Rock e Kajita lutavam individualmente, e até Moyugi vagava sem muito critério. Tsuga, sendo o sacerdote, observava as coisas, indo de um lado para o outro, mas Kuro e Sakanami sumiam na maior parte do tempo para emboscar os inimigos.
Na party de Haruhiro, todos agiam como uma unidade só. Se um deles faltasse, a capacidade de combate caía drasticamente. Podiam até se tornar completamente disfuncionais.
Com os Rocks era diferente. Cada um deles era como uma unidade própria. Para Moyugi, que era o comandante, se contasse a si mesmo e sua demônio Moira, ele tinha até sete unidades para movimentar e com as quais poderia criar estratégias.
Se a party de Haruhiro conseguisse aumentar o número de unidades, também teriam mais opções. Isso ampliaria o alcance de suas ações.
Mas será que eles poderiam fazer isso?
Primeiro, havia Mary. Mary era indispensável. De qualquer forma, eles iriam resgatá-la.
E... Ranta.
Se tivessem Ranta...
Não, Ranta os havia traído. Como isso tinha acontecido ainda não estava claro, mas provavelmente ele acabou em uma situação em que estava prestes a ser morto, e então se rebaixou, talvez até se ajoelhou para que a Forgan o deixasse entrar.
Ranta era um inimigo. Eles ainda não tinham se deparado com ele, mas ele poderia aparecer como inimigo a qualquer momento. Os Rocks já poderiam tê-lo matado. Se o tivessem, bem, paciência.
Mas ele realmente os havia traído?
O sujeito estava com eles desde que chegaram em Grimgar, então talvez Haruhiro só não quisesse acreditar, mas algo o incomodava sobre isso.
O que era?
Não era hora de pensar em Ranta. O fato de estar divagando mostrava que Haruhiro estava com a cabeça leve, mas havia um motivo: Rock liderava como vanguarda e avançava com confiança. A resistência dos inimigos era fraca. Haruhiro e sua party avançavam quase sem enfrentar oponentes.
Embora a névoa ainda estivesse espessa, o ambiente parecia incrivelmente claro. Brilhante, até.
Eles chegaram a uma área aberta. Finalmente tinham passado pelo vale.
— Ha ha ha ha ha ha ha! — Rock soltou uma gargalhada excessivamente animada.
Quando ele ria assim, Haruhiro se sentia impotente. Rock fazia parecer que nada era impossível. Se ficassem com ele, tudo daria certo de alguma forma.
Ele não só empurrava todos; ele os arrastava consigo. A força propulsora criada pela simples presença de Rock era insana. Aquilo devia ser algum tipo de carisma. Parecia perigoso, mas não havia outra escolha a não ser continuar avançando.
Haruhiro olhou para trás enquanto corria. Eles tinham estabelecido um sistema em que ele liderava a caminhada, e, ao encontrarem inimigos, rapidamente trocava de lugar com Kuzaku. Kuzaku e Yume caminhavam com passos estranhamente leves. Apenas Shihoru, que estava entre os dois, olhava ao redor inquieta, questionando se estava tudo bem e se havia algum problema.
— Mary deve estar mais à frente! — Haruhiro gritou para os companheiros. — Mantenham-se atentos e vamos avançar o máximo que pudermos!
— Miau!
— Beleza!
— Certo!
Rock. Arara. Katsuharu. Esses três estavam à frente e à esquerda da party de Haruhiro.
Será que Kajita ainda estava lutando com Godo Agaja em algum lugar? Tsuga estava atrás de Rock e dos outros. Moyugi estava sumido. Kuro e Sakanami estariam escondidos na névoa?
Não era só a party de Haruhiro; ninguém estava trocando golpes com os inimigos. Mesmo que ainda houvesse oponentes. Ele conseguia ver silhuetas que pareciam orcs e mortos-vivos aqui e ali.
Espera, estamos sendo atraídos...?
Um uivo ressoante e inquietante, provavelmente vindo do lobo gigante, ecoou.
Havia uma colina à frente. No topo da colina, havia pessoas. Três pessoas e um grande animal. E tinha uma pessoa em cima do animal, então eram quatro pessoas.
Então, na base da colina, havia um número muito maior de inimigos.
Rock, depois Arara, Katsuharu e Tsuga, todos pararam um após o outro. Haruhiro e sua party foram obrigados a parar também.
Moyugi os alcançou caminhando num ritmo despreocupado. Sua espada fina estava embainhada, e ele pressionou o dedo médio da mão direita na ponte dos óculos.
— As coisas foram exatamente como planejei, pelo que vejo.
Será que isso era verdade? Parecia uma mentira descarada, mas, mesmo que fosse verdade, era isso que ele havia planejado?
— Dohhhh! — gritou Kajita.
Algo grande veio voando na direção deles por trás. Bem, ora, quem mais senão Kajita-san.
Kajita aterrissou ao lado de Tsuga. Deitado de braços e pernas abertos, como antes. Não parecia morto, mas também não se movia.
O gigante orc Godo Agaja se aproximava deles, com sua enorme katana descansando no ombro. Havia uma horda de orcs e mortos-vivos atrás dele. Lobos negros também. Entre eles, alguns membros de outras raças que Haruhiro não reconhecia. Não eram muitos, mas estavam lá.
De qualquer forma que olhasse, Rocks, Arara, Katsuharu e a party de Haruhiro estavam sendo cercados num ataque em pinça. Além disso, Sakanami e Kuro não estavam presentes, então eram apenas dez pessoas e um mascote.
O inimigo não era só um grupo de cem, o que já seria dez vezes o número deles. Não era possível contar claramente por causa da névoa, mas havia provavelmente centenas deles.
As quatro figuras no topo da colina, da direita para a esquerda, eram o lobo gigante com Onsa montado nele, o humano de meia-idade Takasagi, com um braço e um olho, um pequeno orc com uma águia negra pousada em seu ombro e um morto-vivo de quatro braços, Arnold.
Entre a grande massa de membros da Forgan na base da colina, havia um rosto familiar. Bem, não era possível ver seu rosto. Ele estava usando um elmo. Mas não havia como ser outra pessoa.
Ele cruzou os braços, inflando o peito. Mais pomposo do que qualquer um ali. Parecia que ele já estava bem acomodado como membro da Forgan.
— Rantaaaa! — Kuzaku deu um passo à frente, apontando para Ranta. — Como ousa mostrar a cara na nossa frente! Eu sabia que você era descarado, mas ainda assim não consigo acreditar!
Ranta deu de ombros em silêncio. Não ia responder?
Haruhiro rangeu os dentes.
Isso não é do seu feitio, Ranta.
Ele era um cavaleiro das trevas desagradável, arbitrário, ilógico, estúpido e idiota, mas, de alguma forma, astuto, estranhamente confiante, mal-educado, irritante só por estar ali e de personalidade podre, então deveria estar jogando alguma provocação contra eles agora. Afinal, ele era um cavaleiro das trevas.
— Murrgh! — Yume bateu os pés, com os olhos cheios de lágrimas. — Yume te odeia, Ranta!
— Yume... — Shihoru estendeu a mão e acariciou as costas de Yume.
— E então? — Takasagi girou o pescoço lentamente. — O que vocês querem fazendo provocação contra a gente? Querem apenas lutar? Se for isso, podemos enfrentar vocês. Não nos importamos de lutar um pouco. Se for para fazer isso, vamos até o fim. Vamos esmagar todos vocês aqui. Matar cada um de vocês.
— Eu não vim aqui para lutar com você. — Rock riu, erguendo sua espada em direção a Arnold. — Arnold! Quero um duelo com—
— Não! — Arara saltou à frente, colocando-se entre Rock e Arnold. — Rock! Sou grata a você por me trazer até aqui, mas isto, isto é uma coisa que não posso deixar para você! Arnold, o Redemoinho Sangrento! Se você é um guerreiro de honra, enfrente-me em um duelo!
Haruhiro viu Katsuharu baixar a cabeça e balançar-a. Kajita ainda não havia se levantado.
E quanto a Kuro? Sakanami? Ele não tinha sentido um nyaa desde que o nyaa preto matou o listrado. Setora teria conseguido reprimir os nyaas da Forgan para eles?
Se fossem lutar um contra um, Haruhiro ficaria feliz em deixá-los lutar. Por sua parte, queria sair dali o mais rápido possível. Precisava encontrar Mary e salvá-la.
Com sorte, poderiam escapar com os quatro, mas isso talvez fosse difícil. No mínimo, mesmo que Haruhiro tivesse que ir sozinho, não haveria uma maneira de escapar? Forgan estava na frente e atrás, mas não nos lados. Se ele acertasse o momento, talvez não fosse impossível, certo?
O momento. O momento era crucial. Mas, mesmo que Haruhiro conseguisse escapar sozinho e, supondo que de alguma forma conseguisse resgatar Mary, e os seus companheiros? O que faria com os outros três? Seria melhor desistir de Mary e tentar voltar vivo apenas os quatro? Se fizesse isso, teria que questionar o porquê de terem vindo até aqui. Mas, deixando de lado o motivo da vinda, não deveria ele usar o melhor método, o melhor caminho disponível para a situação em que se encontrava? Afinal, Haruhiro era o líder da party.
Como tinham chegado a esse ponto? Importava? Esse era apenas o jeito do acaso. Mesmo sem procurar problemas, ainda poderiam se encontrar em uma situação perigosa. Coisas assim aconteciam o tempo todo. Reclamar não adiantaria nada. A questão era o que fazer diante da situação em que se encontravam. Ou, se ele poderia mudar a situação de alguma forma, movê-la para uma direção melhor, ainda que só um pouco. Para isso, precisava pensar e, então, agir.
— Por qual razão? — perguntou o pequeno orc em uma fala humana fluente.
Isso pegou Haruhiro um pouco de surpresa. Aquele era Jumbo. Jumbo, o líder da Forgan, hein.
— Mulher da vila — disse Jumbo. — Por que deseja um duelo com meu companheiro Arnold?
— Havia um homem — disse Arara. — Eu o adorava. E ele também me amava. No entanto, fomos separados. Ele era desprezado na vila. Ao construir sua fama como guerreiro, esperava fazer com que a vila reconhecesse e aceitasse o amor que ele sentia por mim.
— De fato, houve um que veio sozinho à noite para desafiar Arnold — disse Jumbo.
— Ahh... Tatsuru-sama...
— Foi com um único golpe — Takasagi falou, dando uma risada debochada. — Eu não vi, só ouvi falar depois, mas aquele homem foi derrubado por Arnold mais facilmente do que se espantaria uma mosca irritante.
— ...Ele nunca voltou — murmurou Arara suavemente.
— Bem, é claro que não — retrucou Takasagi. — Se ele fosse habilidoso, alguns de nossos mortos-vivos talvez tivessem interesse em um braço ou uma perna dele. Mas o corpo de um fraco não serve pra ninguém.
— Como ousa zombar dele?! — Arara gritou.
— Só estou dizendo a verdade. E? Você tem um rancor equivocado contra Arnold e está me dizendo que causou toda essa confusão só para ter um duelo com ele?
— Meu rancor não é equivocado! O primeiro a cometer um ato de violência foi Arnold! Foi por isso que Tatsuru-sama foi para matá-lo, o inimigo jurado da vila!
— Ah, sim, isso realmente aconteceu, né? — Takasagi refletiu. — Bem, às vezes o Arnold fica sedento por sangue e faz coisas estranhas. É como um surto. Quando isso acontece, nem nós conseguimos detê-lo. Ele está fazendo o possível para se controlar e não atacar os nossos. Temos que deixá-lo em paz. Ele não quer dizer nada com isso, então perdoe o cara.
— V-Você acha que o que ele fez é perdoável?!
— Bem, você tem um ponto.
Aquele homem, Takasagi... era difícil dizer se estava zombando ou se era sério. De qualquer forma, o fato de Arara estar enfurecida, pronta para explodir, fazia dela um brinquedo para Takasagi. Ele não apenas a estava enfrentando; estava brincando com ela. Não poderia tratá-la de forma mais desdenhosa.
— Chega, Arara — Rock disse calmamente. Com uma única palavra, o clima mudou drasticamente.
Rock estava de costas para Haruhiro, então ele não podia ver, mas era provável que Rock não estivesse sorrindo. Nem um pouco. Haruhiro já sentia um arrepio e agora seus pelos estavam completamente arrepiados.
— Quando uma pessoa– — Rock deu um passo à frente. Haruhiro sentiu um frio na barriga. — Seja humano, seja qualquer outra coisa, quando uma pessoa– — Rock estava com raiva. — Ela arriscou a vida para exigir que você a enfrentasse em um combate justo, e é essa sua atitude?
A cada passo que Rock dava, o estômago de Haruhiro parecia encolher mais alguns milímetros. Era assim que ele se sentia.
— Vocês são lamentáveis, Forgan. Dizem que têm orcs, goblins e até humanos, então achei que seriam um grupo mais interessante. Mas eu estava enganado. Vocês são um bando de escória.
A maioria dos Forgan provavelmente não entendia a língua humana. Ainda assim, conseguiriam entender que haviam sido insultados? Os membros da Forgan começaram a ferver de raiva e a fazer barulho.
— Calem a boca! — Rock bradou.
Com isso, ele silenciou a Forgan.
Rock começou a caminhar em direção à colina. Ninguém podia detê-lo. Nem Arara, nem ninguém.
Gettsu ficou sobre as patas traseiras e observou Rock se afastar. Os membros da Forgan na base da colina pareciam paralisados, incapazes de se mover.
— Venham — Rock parou a alguns metros da colina, acenando com uma das mãos. — Todos vocês, venham pra cima. Vou lançar cada um de vocês pelos ares. Entenderam? Estou furioso. Não pensem que vão sair impunes depois de me irritar. Sou um cara gentil, mas, sabem, uma vez que perco a paciência, não sossego até as coisas estarem resolvidas. Isso só termina quando eu caio, ou todos vocês são eliminados. Não gosto muito de matar, mas vocês... eu vou matar. Quero ver vocês levarem isso a sério. Foi pra isso que vim, afinal. Não estou planejando voltar vivo. Não dá pra viver com medo de morrer. Se você vive com medo, não aproveita o que há pra aproveitar. Vou mostrar pra vocês. A chama brilhante da vida que queima dentro de mim. Quero ver a de vocês também. Vivam, lutem e morram aqui. Me entretenham. Se fizerem uma luta chata, não vou deixar barato. Me matem. Se conseguirem, claro. Vou matar todos vocês. Vou lutar, lutar e matar vocês. Vamos começar? Estão prontos? Quem quer morrer? Quem vai me entreter? Eu aceito qualquer um de vocês. Gosto de quem me entretém. Amigo? Inimigo? Tanto faz. E aí? Por que ninguém vem? Não me digam que estão com medo. Vocês são tão patéticos assim? Mostrem coragem. Quero ver como vocês vivem e morrem!
— Eu que... duel... com... voc...
Aquilo... era uma voz?
Arnold saltou da colina. Ele fez isso com uma leveza que não deixava perceber seu verdadeiro peso. A própria personificação da morte havia descido. Era essa a impressão que passava.
Rock não se mexeu. Arnold se aproximava.
Agora havia menos de um metro entre eles. Quando essa distância reduziu para cinquenta centímetros—não, trinta centímetros—Arnold finalmente parou.
— Essa será nossa segunda vez. — Finalmente, um tom de riso surgiu na voz de Rock. — Vamos lá, Arnold. Eu não sou o mesmo de antes, então é bom se cuidar. Estou no auge da minha forma física e mental, sabe.
— Eu vo... mat... voc...
— Claro. Pode tentar.
Lá estavam eles de novo. Falando línguas diferentes. Como se entendiam?
Takasagi bateu a mão esquerda na testa e suspirou.
— Vocês vão mesmo fazer isso?
— Uh-hm... — Arara estendeu a mão, hesitante. — E quanto a... mim...?
— Vou ser direto, Arara — Rock disse, ainda encarando Arnold. — Esse cara é forte pra caramba. Você não tem a menor chance contra ele sozinha. Talvez você esteja disposta a perder e morrer. Eu não. Vou vingar Tatsuru por você. Deixe isso comigo.
Em vez de insistir, Arara abaixou a cabeça. Haruhiro só podia deduzir, mas talvez Arara estivesse bem ciente, desde o início, da dolorosa diferença de habilidade entre ela e Arnold. Mesmo que não tivesse chance, talvez ela pretendesse fazer o máximo que pudesse e, depois, seguir atrás de Tatsuru. Se esse fosse seu plano, bem, era praticamente suicídio. No entanto, talvez Arara tivesse mudado de ideia, e isso abalara sua determinação de lutar até o fim. Se ela não pretendia mais morrer, não poderia lutar contra Arnold. Mesmo Haruhiro podia perceber que ele era um adversário perigoso demais.
A águia negra ergueu voo do ombro de Jumbo.
Parecia que estavam prestes a começar. Poderia acontecer a qualquer momento.
Mas, espera... isso...
Poderia ser a chance de Haruhiro?
Quando o duelo um contra um entre Rock e Arnold começasse, aliados e inimigos ficariam concentrados neles. Durante esse tempo, ele poderia escapar silenciosamente. Era possível. Não, ele conseguiria. Ele iria.
Faltava apenas o momento certo. Quando ele deveria agir? Consultaria seus companheiros? Iriam todos? Ou apenas ele? Iria sem dizer uma palavra?
Jumbo se abaixou, sentando-se no chão com um joelho erguido.
A grande águia negra ergueu-se diante deles, desaparecendo na névoa.
Todos prenderam a respiração e aguardaram o momento decisivo.
Quem faria o primeiro movimento? De qualquer forma, eles não estavam próximos demais uns do outros?
Haruhiro não conseguia decidir o que fazer. Era seguro se mover agora? Estaria cedo demais?
Ele olhou para Ranta. Ainda usava o elmo, mas a viseira estava levantada. Parecia estar observando Rock e Arnold.
Se Ranta tivesse traído completamente a party, talvez estivesse vigiando Haruhiro discretamente. Se notasse algo, poderia reportar a Jumbo ou a alguém. Isso seria ruim.
E... começaram.
Foi Arnold. Aquele morto-vivo tinha quatro braços. Enquanto se movia para trás, usou dois daqueles braços, um de cada lado, para desembainhar katanas.
Rock não deu um único passo atrás. Ele rebateu as katanas com sua espada.
Ele avançou.
Arnold sacou outras duas katanas, parando e permanecendo imóvel. Quatro katanas e uma espada colidiam como se entrelaçassem umas nas outras.
Nem Rock nem Arnold se moviam, como se ambos estivessem fincados em seus respectivos lugares. Eles apenas continuavam trocando golpes.
Como isso era possível? Especialmente Rock? Seu oponente empunhava quatro lâminas, então como ele conseguia rebater todas com uma única espada?
Tão rápido.
As quatro katanas e a espada aceleravam o ritmo.
Assustador.
Isso inevitavelmente desmoronaria em algum momento. Se qualquer um deles hesitasse, mesmo que um pouco, esse equilíbrio ruiria. E, se alguém fosse vacilar, seria Rock.
Pensando normalmente, não havia como ele continuar defendendo ataques incessantes vindos de quatro direções diferentes indefinidamente.
Mas veja.
Essa previsão estava completamente errada. Uma das katanas de Arnold quebrou e foi lançada ao ar.
No momento em que ficou com três katanas, Arnold moveu-se suavemente para a esquerda. Rock guardou a espada na bainha e sacou outra.
Ele se aproximou e atacou.
Arnold bloqueou a série de ataques de Rock com suas três katanas. Enquanto se defendia, movia-se cada vez mais para a esquerda, como se tentasse desviar o impulso de Rock.
De repente, Rock parou e trocou de espada novamente.
— Parece que meus movimentos estão afiados hoje. E você, Arnold? Vamos logo, comece a levar isso a sério.
Haruhiro voltou a si. Tinha ficado observando, hipnotizado.
Isso era inesperado. Rock não era simplesmente incrível? Honestamente, Haruhiro achava que, no melhor dos casos, seria um empate, ou que Arnold teria a vantagem. Mas Rock tinha dito que estava em plena forma, então talvez fosse isso.
Será que ele conseguiria vencer? Rock estava prestes a ganhar? Talvez ele resolvesse isso de forma surpreendentemente rápida e fácil?
Se conseguisse—e então?
Se dissesse: Muito bem, vencemos, agora devolvam a Mary, que está presa, será que conseguiria que eles aceitassem isso? Provavelmente seria esperar demais. Se o resto agisse como Rock, desafiando-os para um duelo e pedindo a devolução dela em caso de vitória, talvez aceitassem. Mas quem lutaria? Haruhiro? Contra quem? Ranta estava dizendo que “aquela mulher pertence a mim” ou algo assim. Então, com Ranta, talvez?
— KYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYYY! — Arnold gritou.
Os pensamentos de Haruhiro foram interrompidos à força. Aquele som assustador. Arnold estava com os braços abertos e arqueado para trás. Estava vindo, lá vem, lá vem... Agora...!
Arnold deu um salto giratório. Era como se tivesse se tornado um redemoinho.
Provavelmente esse era Arnold lutando a sério. Não era possível. Não havia como defender isso. Rock precisava recuar, não havia outra escolha.
Mas, claro, Rock não recuou. Mais do que isso, ele avançou. Houve um estrondo incrível, e Arnold foi empurrado para trás.
Como Rock conseguiu conter o ataque giratório de Arnold? Ele o rebateu? Haruhiro não conseguia ver direito, então não sabia. Mas, de qualquer forma, estava completamente surpreso. A sequência de surpresas continuava.
Mesmo depois de ser empurrado, Arnold continuou girando!
Assim, ele se aproximou de Rock novamente.
— Haha! — Rock finalmente riu.
Quebrou.
Uma das katanas se despedaçou.
Rock tinha empurrado Arnold para trás novamente e, além disso, quebrado outra katana.
— Lá vai eu — disse Rock.
Ele trocou de espada mais uma vez e se aproximou de Arnold. Até então, estava usando a espada apenas com a mão direita, mas dessa vez segurou-a com as duas mãos.
— Ora, ora, ora, ora, ora, ora, ora, ora, ora, ora, ora, ora, ora, ora! — ele gritava.
Era uma sequência rápida demais para o olho acompanhar. Além disso, cada golpe vinha com uma força impressionante.
Ele estava pressionando Arnold. Talvez fosse até mais correto dizer que estava sufocando Arnold. Sim, isso fazia sentido.
As katanas. As espadas de Rock estavam focadas nas katanas de Arnold. Quando Arnold começava a balançar sua katana, Rock golpeava com sua espada. Arnold nem conseguia girar. Ele tinha problemas muito maiores.
Rock tinha duas espadas, mas usava apenas uma de cada vez. No entanto, o comprimento e a espessura das duas eram consideravelmente diferentes. Ao alternar entre as duas, dependendo da necessidade, ele dificultava a reação do oponente. Essa parte era um pouco fora do comum, mas, no resto, era um ataque direto.
Rock não possuía uma técnica especialmente refinada. Seus ataques e defesas eram, na verdade, bem definidos. Como ele era tão forte?
Ele tinha um porte pequeno, mas uma habilidade física elevada. Se isso fosse correto, talvez o segredo estivesse nos olhos. Rock tinha bons olhos. Sua visão cinética era impressionante.
Ele não estava apenas em boa forma. Rock já havia enfrentado Arnold uma vez antes. Naquela ocasião, ele observou os movimentos de Arnold.
Rock havia decifrado Arnold.
Provavelmente, por isso ele estava tão confiante. Rock sabia que, se lutassem uma segunda vez, ele poderia vencer. Mais do que isso, talvez desde o início tivesse planejado cruzar espadas com Arnold de leve na primeira vez e resolver tudo de uma vez na segunda.
A terceira katana quebrou.
Falta apenas uma.
Por um momento, Arnold parou de se mover. Ele havia sentido a derrota e sido tomado pela surpresa? Ou seria uma armadilha?
Seja como for, Rock não se precipitou para dar o golpe final. Com a espada erguida nas duas mãos, ele relaxou todos os músculos do corpo. Em meio a uma batalha tão intensa, não era normal que ele conseguisse aliviar a tensão assim. Isso demonstrava domínio sobre sua mente e corpo.
Arnold balançou a katana contra ele. Rock imediatamente a rebateu.
No momento seguinte, Haruhiro duvidou de seus próprios olhos.
Arnold segurava a katana com uma de suas duas mãos direitas. Ele desferiu um golpe em Rock com as duas mãos esquerdas vazias. Se fizesse isso...
É claro, o inevitável aconteceu.
Rock cortou ambas as mãos esquerdas de Arnold com sua espada. Não foi com força suficiente para arrancá-las.
Uma das mãos.
A espada de Rock cortou uma das mãos esquerdas de Arnold e penetrou fundo na outra. Ele não conseguiu separá-las.
Arnold podia estar sacrificando seu braço esquerdo numa tentativa de roubar a espada de Rock. De fato, a mão direita livre de Arnold estendeu-se em direção a Rock. Mas antes que sua espada fosse tomada, Rock a soltou e sacou a outra.
— Se você quer, é toda sua.
A espada de Rock lançou a katana de Arnold pelos ares. Ele fez um corte superficial no ombro de Arnold. Um dos braços direitos estava bastante machucado.
Arnold cambaleou para trás. Cada passo que Arnold recuava, Rock avançava.
— Zoah, zoah, zoah, zoah, zoah, zoah, zoah, zoah, zoah, zoah, zoah, zoah, zoah, zoah! — Rock gritava.
Era unilateral.
Arnold fugia desesperadamente, tentando escapar. Ele não dava as costas para Rock, mas não por escolha; era porque não conseguia.
— Ei — alguém sussurrou no ouvido de Haruhiro.
Haruhiro quase teve um ataque cardíaco. Ele queria se elogiar por não ter gritado e pulado. Não, talvez nem fosse algo tão digno de elogio.
Havia alguém atrás dele. Não estavam tocando-o, mas estavam tão próximos que era como se estivessem.
Pensar que ele não perceberia até estarem tão próximos. Ele estava tão absorto no duelo entre Rock e Arnold. Isso enquanto Haruhiro tinha coisas importantes a fazer. Ele era tão tolo.
Pelo tom da voz, ele tinha uma ideia de quem era.
Sem virar o rosto, Haruhiro disse: — ...Sakanami-san?
— Eu sou seu substituto — respondeu Sakanami. — Não deixe que a luz da juventude se ofusque, pois é uma maldição de alta densidade. Não deve ser manchada com sangue. Se tiver tempo para se arrepender, abrace a ambição. Seu coração vai se partir de qualquer forma.
— Não faz sentido nenhum, cara...
Mas Haruhiro entendeu o que ele queria dizer. Sakanami estava sugerindo: Vá procurar Mary. Ele ia atuar como substituto de Haruhiro.
Meu substituto?
— ...Não — sussurrou Haruhiro. — Não nos parecemos muito, Sakanami-san, então, se trocarmos de lugar, vão perceber na hora que não sou eu.
— Compartilhamos o mesmo sangue.
— Não, não compartilhamos. Não tem como sermos parentes de sangue.
— Sua mentora é a Barbara? Aquela mulher te amarra e te faz desmaiar?
— Ah, porque nós dois somos ladrões? Isso é um pouco simplista, não acha?
— Você consegue distinguir orcs de mortos-vivos? — perguntou Sakanami.
— Bem, não tão bem assim, não, — confessou Haruhiro.
Haruhiro compreendeu. Precisava fazer isso. Rock estava perseguindo Arnold. Ele não tinha confiança no sucesso, não podia prever o resultado, mas era agora ou nunca.
Onde estava Ranta? Não estava olhando para cá. Parecia estar acompanhando a luta entre Rock e Arnold. Kuzaku, Shihoru e Yume estavam iguais.
A grande águia negra não estava à vista. Talvez fosse exagero pensar que ela poderia estar vigiando Haruhiro e os outros de cima.
Haruhiro fez um leve aceno com a cabeça.
— Vou nessa.
— Trocamos de lugar na contagem de cinco, oito.
— ...Por que não um, dois?
— Cinco, oito.
Segurando a vontade de dizer: Escute quando as pessoas falam com você, Haruhiro se virou e trocou de lugar com Sakanami. Ao olhar, ficou surpreso com o que viu das costas de Sakanami. A postura, a posição do centro de gravidade, o jeito de ficar de pé... era exatamente igual a Haruhiro. Ele estava imitando? Que tipo de talento especial era aquele? Chegava a ser perturbador.
Shihoru colocou a mão direita atrás das costas e fez um punho. Essa era Shihoru. Ela foi a única a notar. Ela estava silenciosamente se despedindo de Haruhiro, dizendo: Dê o seu melhor, para incentivá-lo.
Haruhiro acenou com a cabeça.
Stealth. A névoa. Esta névoa que envolve o Vale dos Mil. Torne-se um com a névoa.
Primeiro, ele foi para o sul. Não havia ninguém ali.
Ele se esforçou para prestar o mínimo de atenção possível ao duelo entre Rock e Arnold. Isso o distraía, por mais que tentasse ignorar.
Não tenha pressa.
Vai suave.
Não se apresse.
Não permita, sob nenhuma circunstância, que sua respiração se descontrole.
Meu coração está sob controle.
Eu consigo.
Esse foi seu último pensamento antes de entrar em pânico.
— AAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH! — Arnold virou um redemoinho novamente. Dessa vez, estava mais baixo. Dobrou o corpo, abaixando-se o máximo que podia, e girou como um pião.
— Oh?! — Rock deu uma cambalhota.
Arnold o derrubou? Aquilo não era um pouco ruim?
Arnold rapidamente pegou sua katana e foi atrás de Rock. Rock se levantou e se preparou para revidar.
A espada de Rock e a katana de Arnold se quebraram.
Virou uma briga de socos. Se acabassem lutando corpo a corpo, quem teria vantagem? Haruhiro não sabia ao certo. Contudo, a única coisa clara era que seria mais complicado do que uma luta com espadas e katanas que poderiam causar ferimentos letais. Com certeza ia ser uma bagunça.
Não hesite, repreendeu a si mesmo. Vá.
Siga em frente.
Transforme seu coração em gelo. Não sinta nada agora.
Se vir algo com forma humanoide, apenas evite. Enquanto se certifica de não ser visto, siga para o sul. Depois, para o oeste.
Se procurasse sem direção, jamais encontraria Mary. Com o mapa aproximado que tinha em mente, ele sabia, ainda que vagamente, o tamanho do acampamento da Forgan. Primeiro, tentaria focar sua atenção no centro.
Era como tentar agarrar uma nuvem. Talvez estivesse fazendo algo imprudente.
Isso talvez fosse imprudente da parte dele. Será que estava tudo bem? Ele não estava cometendo um erro?
Haruhiro afastou toda hesitação. Dependendo de como as coisas fossem, talvez fosse inútil.
Mary.
Mary.
Eu quero você.
Quero ouvir sua voz. Quero ver seu rosto. Quero que me chame de Haru. Quero saber que você está segura o mais rápido possível. Será que estou agindo por impulso aqui? Sim, estou. São meus sentimentos. Não consigo me livrar deles.
Não dá. Meu coração está tão acelerado que parece que vai explodir.
Calma. Mesmo que eu tirasse meus sentimentos da equação, não poderia abandonar um companheiro. Em primeiro lugar, Mary é nossa sacerdotisa, o centro da party. O quanto a ausência de um curandeiro limita uma party? Aprendemos isso naquele outro mundo onde não podíamos usar magia de luz. Agora, quando finalmente voltamos para Grimgar, isso acontece. Não ter a Mary é mais do que um incômodo.
Eu vou.
Para o centro do acampamento da Forgan.
— Nyaa.
Inspirando fundo, Haruhiro preparou seu estilete e a faca com guarda-mão, sem perceber.
Ele tinha ouvido o miado de um nyaa. Onde? Não estava longe. Estava perto.
Ali.
Adiante, à direita. Havia um nyaa cinza espiando com a cabeça para fora dos arbustos.
O nyaa cinza fez um miado silencioso para Haruhiro. Dizia que era um amigo.
Poderia confiar nele? Era difícil decidir.
Quando o nyaa cinza saiu dos arbustos, começou a andar de quatro. Foi um pouco à frente e, então, olhou para trás. Fez outro miado silencioso.
Haruhiro mordeu o canto dos lábios. — ...Quer que eu te siga?
O nyaa cinza virou-se para frente e começou a correr a meio galope.
Tenho que ir, decidiu Haruhiro.
Intuição, era só isso que podia chamar. Mas havia, pelo menos, uma certa lógica por trás disso.
Os nyaas da Forgan estavam sendo contidos pelos nyaas de Setora. Isso significava que provavelmente era um dos nyaas de Setora. Setora sabia qual era o objetivo de Haruhiro. Aquele nyaa devia ter encontrado onde ela estava. Estava tentando levar Haruhiro até lá.
Dito isso, ele havia montado toda essa lógica enquanto seguia o nyaa cinza. Parecia lógico, mas ele só tinha juntado essas peças depois. A intuição veio primeiro.
No fim, foi bom ter seguido seus instintos. Porque, com o nyaa cinza guiando o caminho, ele só precisou ter o mínimo de cautela, e pôde focar-se em avançar enquanto cruzavam dois pequenos vales. Além deles, havia um lugar como uma bacia, pequeno, mas amplo e profundo, provavelmente com mais de cem metros.
No canto dele, ela estava ali.
Era Mary.
Ela estava com a cabeça baixa, sentada no chão. Será que estava acorrentada ou amarrada de alguma forma?
Perto dela, seria um humano? Era de uma raça que parecia humana, uma criança...? Seria? Havia uma criatura assim deitada, com a cabeça apoiada nos cotovelos. Estava guardando Mary? Se fosse o caso, ele não podia estar dormindo. Será que estava apenas descansando, sem nada para fazer?
Haruhiro e o nyaa cinza estavam espiando por trás de uma elevação no chão para ver como estava a situação, então ainda estavam a certa distância. O guarda de Mary ainda não os havia notado. Pelo que parecia, não havia mais nada se movendo.
O nyaa cinza olhou para Haruhiro. Quando Haruhiro assentiu, o nyaa cinza fez outro miado silencioso e saiu correndo.
Ainda não parecia real. Ele sentia como se seus pés não estivessem tocando o chão.
Mary estava ali. Viva. Ele deveria estar feliz, mas não sentia nenhuma emoção.
Estranho. Ele estava calmo? Será que era isso? Ele precisava ajudar Mary. Certo. Não importava de que jeito; ele só precisava fazer isso rápido.
Mary estava virada para o norte. O guarda, que parecia uma criança, estava a sudeste dela, a uns dois metros, com o corpo voltado para o noroeste.
Por trás. Ele iria se aproximar do guarda por trás. Não podia deixá-lo escapar. Também não queria que ele fizesse barulho. Derrubá-lo? Não, isso não era bom. Tinha esquecido o erro que cometeu em Waluandin?
O guarda tinha que morrer. Ele faria isso com um golpe.
Esse... não é uma criança, certo? Haruhiro pensou. É um guarda, então não pode ser. Provavelmente é de uma raça que é assim. Além disso, mesmo que fosse uma criança humana, isso não mudaria o que eu preciso fazer.
Eu vou matá-lo.
Eu consigo.
Haruhiro se aproximou cuidadosamente do guarda usando Stealth. A possibilidade de fazer barulho nem passava por sua cabeça. Sua maior preocupação era que o guarda, por acaso, olhasse em sua direção. Ou que Mary o visse e isso chamasse a atenção do guarda para sua presença.
Não havia como evitar acidentes como esse. Se acontecesse, ele resolveria rapidamente. Estava preparado. Mas ficou aliviado por não ter chegado a esse ponto.
Haruhiro estava quase alcançando o guarda de aparência infantil. Ele era baixo e gordo, tinha orelhas pontudas e cantarolava uma melodia alegre. Haruhiro não precisava se preparar com um “Um, dois, já”.
Ele se inclinou sobre o guarda e usou Spider. Com a mão esquerda, cobriu a boca do guarda, virou-o e enfiou a faca em sua garganta com a mão direita, então cortou. O guarda se debateu, mas já era tarde. Enquanto Haruhiro usava toda sua força para segurá-lo, Mary ergueu o rosto. Quando olhou na direção dele, seus olhos se arregalaram.
— ...Haru — ela sussurrou.
Haruhiro não sabia como responder. Para começar, ele sorriu. Devia ser um sorriso terrivelmente desajeitado. Afinal, o guarda ainda estava vivo. Lutando desesperadamente. Mas, claro, era tudo em vão. Finalmente, o guarda parou de se mover.
Haruhiro estava prestes a se afastar do guarda morto, mas pensou melhor. Mary estava algemada. A chave. Provavelmente o guarda tinha a chave.
Ele apressou-se a revistar o corpo do guarda. Esse sujeito realmente não era uma criança. O osso do nariz era grosso, mas incrivelmente baixo, e o formato de sua cabeça, com a testa larga e pronunciada, era uma característica distinta. Seus pelos grossos pareciam os de um animal.
Havia um cordão em volta do pescoço do guarda. Era ali. A chave estava pendurada no cordão.
Haruhiro correu até Mary e removeu suas algemas. Nenhum dos dois disse uma palavra. Não havia tempo para cortesias. Haruhiro estendeu a mão para Mary e a ajudou a se levantar.
Eles não podiam voltar para a vila, é claro. Haviam combinado um ponto de encontro com antecedência. Aquela caverna. De onde estavam, era a nordeste. Devia ser por volta de oito quilômetros. Ele queria correr, mas Mary estava exausta. O melhor era não se forçarem demais. Eles partiram imediatamente.
— Passei um aperto horrível — disse Mary em voz baixa, dando uma risadinha.
Talvez ela estivesse tentando tranquilizar Haruhiro com uma piada. Mas ele queria ser o responsável por tranquilizá-la.
“Aperto horrível.” O quão horrível tinha sido? O que tinham feito com ela? Aquilo o incomodava. Mas qual o motivo para perguntar? Que bem isso traria? Pelo menos, agora não era o momento.
— Agora você está bem — disse Haruhiro.
— Sim.
— Queria ter chegado mais rápido.
— Você foi bem rápido. Onde estão os outros?
— Ah, bem...
Honestamente, ele não podia dizer que não havia problemas, ou que ela não precisava se preocupar, porque isso não era necessariamente verdade. O que havia acontecido durante o confronto de Rock e Arnold? Como as coisas tinham se desenrolado a partir dali? Como estavam Shihoru, Yume e Kuzaku? Havia coisas demais desconhecidas, ou melhor, nada além de incógnitas. Mas o que importava?
Mary estava bem. O resto se resolveria de alguma forma. Eles conseguiriam superar. Iriam superar. Para isso, ele precisava manter a cabeça funcionando. Não relaxar. Porque ele não baixava a guarda, conseguiria detectar.
Haruhiro parou e levantou uma mão. Mary parou imediatamente também.
Perto dali, havia um buraco que provavelmente não tinha nem um metro de profundidade. Os dois desceram para dentro dele e se sentaram.
Ele tinha ouvido.
Era fraco, mas era o som de um nyaa. Os nyaas da Forgan ainda estavam por perto? Não, provavelmente não. Era o nyaa de Setora. Seria um sinal? Estaria tentando dizer algo para Haruhiro? O quê?
— Ei! — chamou uma voz.
Ah, então era isso. O nyaa provavelmente estava tentando avisar Haruhiro que o dono daquela voz estava se aproximando.
— Sei que você está aí, Haruhiro! Saia daí, seu pedaço de merda!
Mary se encolheu perto dele. Estava tremendo. Sua respiração ficou subitamente descompassada.
Haruhiro espiou para fora do buraco. Era isso? A voz vinha do leste. Ele podia ver silhuetas. Não estavam longe. Estavam obscurecidas pela névoa, mas não estavam a mais de cinquenta metros de distância.
E não estavam sozinhos. Quatro... não, cinco pessoas.
Isso não era bom. Se fossem fugir, teriam que fazer isso rápido. Aqueles caras estavam cada vez mais perto. Quanto mais se aproximavam, menores as chances de escaparem.
Ele havia tomado a decisão errada. De que adiantava se esconder? Eles deveriam ter corrido imediatamente. Ele falhou.
Deveria servir de isca para Mary escapar sozinha? Mary não conhecia a área, então a probabilidade esmagadora era que ela se perdesse. Eles a pegariam eventualmente. Precisavam fugir juntos.
Por que Haruhiro hesitava assim? Ele sabia. Porque, se chegassem a esse ponto, provavelmente não conseguiriam escapar. Pelo menos, uma abordagem óbvia não funcionaria. A menos que algo acontecesse, ou que ele fizesse algo acontecer, eles não conseguiriam fugir.
Para Haruhiro, isso significava que ele precisava fazer algo acontecer. Não fazia ideia do quê, mas faria alguma coisa.
— Mary, quando eu der o sinal, corra — disse ele com urgência. — Comigo.
Mary respirou fundo. — ...Entendi.
Mesmo que ele dissesse: Vá sozinha, não havia chance de Mary concordar. De qualquer forma, eles ficariam juntos. Ele não deixaria Mary sozinha nunca mais. De jeito nenhum.
— Saia daí, Haruhiro!
— Pare de gritar. — Haruhiro não apenas levantou a cabeça, mas saiu do buraco.
Isso é o pior, pensou, sentindo o coração afundar.
Com o grupo que incluía Ranta estava o homem de meia-idade, de um braço só e um olho só, chamado Takasagi. Além dele, havia dois orcs e o homem magro, com um semblante doentio e orelhas longas, que parecia ser um elfo.
Ranta, pensou Haruhiro. Droga, Ranta.
Os orcs e o elfo poderiam até ser ignorados, mas por que, de todas as pessoas, ele tinha que trazer Takasagi? Aquele velho era claramente problema.
Takasagi segurava seu cachimbo na boca e coçava a nuca com a mão esquerda. Entre ele e Haruhiro, quem tinha os olhos mais sonolentos?
Quando Takasagi parou e apontou para a esquerda e para a direita com o queixo, os dois orcs foram para a direita, e o elfo foi para a esquerda.
— Ei, Parupirorin. — Ranta foi andando direto até ele. — Onde está a Mary?
— Não sei.
— Aposto que ela está por aí em algum lugar. Escondida.
Haruhiro não respondeu, segurando o cabo de seu estilete. Devo fazer isso? Posso lutar com ele?
— Eu vejo através de você. — Ranta baixou a viseira e sacou a RIPer. — Cada pensamento que você tem.
— ...Como o quê?
— Desde o começo, você planejava sair de fininho e salvar a Mary, não era? Esperei e esperei, mas você não fazia isso, então pensei que tivesse ficado com medo.
— Como se eu—
Droga.
Suas mãos estavam fracas. Não eram só as mãos. Era o corpo todo.
Isso está certo?
Ranta.
Isso está mesmo certo para você...?
— Takasagi. — Ranta inclinou-se um pouco para frente, preparando a RIPer. — Deixe que eu o mate. Tenho que provar minha lealdade. Você está bem com isso, não está?
— Faça o que quiser. — Takasagi deu de ombros. — Mas, deixe-me dizer, eu não duvido particularmente de você.
— Mentiroso. Bem, tanto faz. Logo vou fazer você acreditar em mim.
...Ah, pensou Haruhiro. Entendi.
Então é isso.
Haruhiro sacou não apenas seu estilete, mas também a faca com guarda-mão.
Ranta avançou para cima dele. Leap Out.
Então, de fora de seu alcance—
— Hatred!
Haruhiro avançou, deslocando-se de forma diagonal para a direita, conseguindo desviar por pouco. Evitar o golpe com uma margem maior estava além de suas capacidades. A ofensiva era uma aterradora e precisa cortada, repleta de vigor. Se ele nunca tivesse testemunhado essa técnica antes, poderia ter sido atingido. Mas ele já a conhecia.
Mais do que isso, ele tinha visto Hatred de Ranta com seus próprios olhos, centenas de vezes, talvez mais de mil até agora. Ele estava observando todo esse tempo.
Mas agora que está voltado contra mim, é tão difícil assim?
Doía. Sentia como se seus nervos estivessem expostos.
Ranta usou outro Leap Out, tentando alcançar o flanco de Haruhiro. Sua especialidade era combinar isso com um Slice.
Não vou deixar, pensou Haruhiro. Você não vai me derrotar.
Haruhiro continuou se movendo para manter Ranta diretamente à sua frente. Por mais que ele se movesse, Ranta sempre estava se movimentando agilmente ao redor com Leap Out. Ele brandia a RIPer e atacava com estocadas. Haruhiro não conseguia respirar direito.
Ele era rápido. Ou melhor, era ofuscante. Isso estava complicado.
Haruhiro conhecia todas as cartas na mão de Ranta, então ainda conseguia lidar de alguma forma. Se não conhecesse Ranta, já teria levado um ou dois golpes há muito tempo. Até conseguir entender seu estilo, seria uma luta difícil. Poderia ser derrotado, incapaz de aguentar tempo suficiente.
Ele precisava se levar a sério, ou estaria em apuros. Não, ele já estava sério, e estava usando tudo o que tinha para desviar. Isso não era o suficiente.
Se ele não tivesse a intenção séria de derrotar Ranta, poderia ser derrotado. Precisava adotar uma abordagem de “mate antes de ser morto”. Não podia ficar na defensiva desse jeito. Se fosse para atacar, quanto mais cedo, melhor. Enquanto ainda estava ileso.
— Nuwah! — Ranta usou Leap Out para tentar ir para o lado esquerdo de Haruhiro.
Haruhiro avançou em um movimento diagonal para a esquerda.
Ele passou por Ranta e se virou.
Chegou lá.
Atrás dele.
Ele o pegaria rapidamente com Backstab ou Spider, e—
— Missing! — Ranta tremulou e desapareceu.
Não, ele estava usando um estilo de movimento particular, que fazia seu oponente, ou seja, Haruhiro, alucinar.
Esquerda. Da esquerda.
Ele veio.
Imediatamente, Haruhiro interceptou a RIPer de Ranta com seu estilete. Tinha certeza de que seria repelido com o Reject. Antes disso, Haruhiro saltou para trás para ganhar distância entre eles.
Sem perder tempo, Ranta avançou. Como esperado. Se continuasse a se esquivar, Haruhiro ficaria sem fôlego primeiro. Ele usaria Swat.
Swat. Swat. Swat. Swat. Swat. Swat. Swat. Swat. Swat.
Droga!
Ranta.
Cada ataque dele é mais forte do que eu pensava.
— Fraco! Fraco! Fraco! Fraco, fraco! O que foi?! Por que está tão fraquinho, hein?!
Ugh. Cala a boca. Você é irritante. Você é só o Ranta. Droga, Ranta estúpido.
Era compatibilidade. Ele sabia que sua personalidade não combinava com a de Ranta, mas ele também era um adversário ruim para lutar. Ranta era o tipo que lutava com agilidade, variação e pela quantidade de movimentos que tinha à disposição. Assim como Haruhiro conhecia Ranta, Ranta conhecia Haruhiro também, então era quase impossível pegá-lo por trás em uma luta um contra um. Se não pudesse surpreendê-lo, não conseguisse torcer suas articulações para trás e não fosse mais rápido que ele, como exatamente deveria vencer?
Será que eu não posso vencer...?
Perder para o Ranta?
Haruhiro era um ladrão. Ladrões, ao contrário dos cavaleiros das trevas, não eram especialistas em combate. Eles não eram adequados para lutas diretas desde o começo. Mesmo seu equipamento era leve e sutil. Era por isso que estava indo desse jeito. Haruhiro não era de forma alguma inferior a Ranta. Não, não importava quem era melhor ou pior. No entanto, antes de se preocupar com o fato de odiar perder para Ranta, ou de como não queria perder, havia o problema mais prático de que, se perdesse, estava acabado.
Ele tinha que vencer. Precisaria arriscar tudo. Como fez quando derrotou o orc na Montanha do Dragão de Fogo. Precisava aceitar isso. Se o poder de Ranta era dez, Haruhiro era sete, talvez oito no máximo. Não era tão ruim quanto com o orc na Montanha do Dragão de Fogo, mas Ranta era mais forte que Haruhiro. Ainda assim, havia coisas que ele podia fazer. Poderia acabar machucado e cheio de hematomas também, mas—
Está tudo bem, não é? Pensou Haruhiro. Ranta, você está bem com isso? Sabe, né? Eu não posso me segurar, certo?
Como Haruhiro havia derrotado o orc na Montanha do Dragão de Fogo era algo que Ranta não tinha visto. Isso significava que ele não tinha visto Haruhiro dando absolutamente tudo de si. Ranta não conseguiria lidar com isso.
Swat.
Swat.
Swat.
Swat.
Cada vez que usava Swat, seus sentidos ficavam mais aguçados.
Ranta deu uma grande balançada com a RIPer. Foi de propósito.
Haruhiro não cairia naquela isca. Ainda não. Não era o momento. Ele só usou Swat.
— Heh! — Ranta riu e usou um leve Exhaust, saltando para trás e aumentando a distância entre eles. — Cara, o que você tá tentando fazer? Beleza. Pode vir. Isso não vai funcionar comigo. Vou provar aqui que, no fim das contas, você não consegue me vencer!
— Tanto faz. Só vem, Ranta.
— Não precisa me dizer isso!
Ranta avançou contra ele com Leap Out. A postura era para usar Anger. Ele ia encadear aquele golpe em um combo. Haruhiro não deixaria.
Assault.
Superando seus limites, Haruhiro avançou com uma velocidade que surpreendeu Ranta.
A ponta de RIPer roçou a bochecha esquerda de Haruhiro. Usando sua faca com guarda-mão, Haruhiro aplicou um Slap na mão esquerda de Ranta.
Ele bateu o pomo do estilete na testa de Ranta, que usava um elmo, enquanto derrubava sua perna esquerda com uma rasteira.
Ranta caiu para trás. Nesse ponto, Haruhiro já estava atrás dele. Não estava raciocinando de forma consciente; mesmo sem pensar, seu corpo agia por conta própria.
Ele enfiou o estilete no ombro direito de Ranta.
— Agh! — Ranta gemeu e soltou RIPer.
Enquanto puxava o estilete de volta, Haruhiro envolveu o pescoço de Ranta com o braço esquerdo. Mesmo com a viseira abaixada, o elmo tinha aberturas para ver através. Se ele enfiasse o estilete ali—
Se ele enfiasse o estilete ali—
Se ele fizesse isso—
— Haru! — uma voz gritou.
Haruhiro puxou o estilete para trás.
— Não...!
Mary. Ela estava de pé, gritando.
— Haruhiro! — Ranta se soltou do braço esquerdo de Haruhiro. — Seu—
— Ur... — Um dos orcs caiu, segurando o rosto.
Era uma flecha.
O rosto do orc tinha sido atingido por uma flecha, provavelmente no olho.
— Hã?! — Takasagi sacou sua katana, derrubando algo no ar.
Esse algo era uma flecha. Alguém estava disparando flechas de algum lugar.
Haruhiro correu. Quem quer que fosse, qualquer que fosse o objetivo, não importava. Por ora, algo tinha acontecido. Graças a isso, uma chance em mil tinha surgido.
Mary já estava correndo também.
Haruhiro logo a alcançou.
— Drogaaaa! Haruhiroooo! Marryyyyy! — Os gritos de Ranta ficavam mais distantes a cada segundo.
E os outros? Estariam perseguindo? Mesmo que estivessem, Haruhiro os despistaria.
Haruhiro corria, continuando a perceber apenas a presença de Mary ao seu lado. Seu corpo estava pesado devido à sensação de letargia, efeito colateral do Assault. O que era um pouco de peso? Não iria matá-lo.
Quando percebeu, a névoa havia ficado mais espessa. Mesmo sem ver o sol e tendo perdido toda a noção de direção, Haruhiro não parou. Norte. Ele sabia que devia estar indo em direção ao norte.
Provavelmente não tinham perseguidores. Pelo menos, ele achava que nenhum estava por perto.
— Você me deve, novato. — Surpreendentemente, havia uma voz. Haruhiro não tinha conseguido contar com suas próprias habilidades de detecção. Parte disso era porque ele havia enfrentado um oponente difícil.
Haruhiro parou e olhou ao redor. — ...Kuro-san?
Uma árvore à esquerda balançou, e houve um farfalhar de folhas. Quando olhou para cima, viu Kuro sentado em um galho.
— O Moyugi me mandou ajudar vocês, entendeu? Ele disse pra eu dar uma força. Fique à vontade para me agradecer, viu?
— Bem, claro que eu estou agradecido — disse Haruhiro. — Aquilo antes, foi você, Kuro-san?
— ...Quem? — Mary o encarou, enquanto arfava com cada respiração.
— Ahh—Ele é dos Day Breakers... Basicamente, isso faz dele nosso aliado, ou, se preferir, um companheiro.
— Sou o cara que salvou sua vida, não? Se quer simplificar.
— Acho... que sim — Haruhiro suspirou, balançando a cabeça logo em seguida.
Isso não era bom. Sentia que ia relaxar. Ainda era cedo demais para baixar a guarda.
— ...Como estão Rock e os outros?
— Não sei. Bom, tenho certeza de que estão indo bem. Tudo saiu conforme o plano do Moyugi, como sempre. — Kuro apoiou a mão em um galho, pendurou-se e desceu ao chão com um “Uf”. Depois, bocejou e se espreguiçou. — Certo. Bem, até mais, novato.
— ...Hã? Aonde você vai?
— Trabalhei um pouco demais hoje. Vou arrumar um lugar para dormir. Estou cansado, afinal de contas. Ah, sim. Vocês estavam planejando se encontrar naquela caverna, né? — Kuro apontou para frente e para a direita. — É pra lá. Uns seis quilômetros daqui. Bom, é isso, tchau.
— ...Certo.
Kuro acenou para eles e desapareceu na névoa. Talvez pudessem tê-lo parado e pedido mais direções, mas Haruhiro não sentia vontade de fazer isso. Na verdade, ele não sentia vontade de nada.
Suas mãos tremiam um pouco. Seus pés não se moviam.
Por que ele estava ali, parado, com a mente em branco? Bem, na verdade, ele não estava com a mente vazia.
Então, o que estava sentindo?
— Haru, você está bem?
Ele sentiu a mão de Mary em suas costas.
Haruhiro assentiu. Dar aquele aceno foi o máximo que conseguiu fazer.
Será que Haruhiro teria matado Ranta se Mary não o tivesse impedido? No fim das contas, talvez ele não tivesse conseguido. Ou talvez tivesse feito.
Ranta tinha mesmo a intenção de matar Haruhiro?
Parecia que sim, mas talvez estivesse planejando mostrar misericórdia no último instante.
De qualquer forma, Haruhiro havia ferido Ranta com seu estilete. Não fora apenas um arranhão. Fora um ferimento profundo. Se não tratado adequadamente, era bem possível que se tornasse algo realmente sério. Era uma ferida grave. Não era o tipo de coisa que você fazia a um companheiro.
Haruhiro queria se agachar. Se se abaixasse, certamente Mary o animaria. Ela o consolaria. Talvez até o abraçasse. Haruhiro queria isso. Para ser sincero, ele queria muito. Mas ele não podia fazer isso.
Não queria se aproveitar da bondade de Mary. Não seria apropriado para Haruhiro agir assim. Ele não tinha esse direito.
Obviamente, ele não podia perdoar Ranta. Não importava o que acontecesse com Ranta, ele merecia. Ainda assim, pelo menos no momento, ele não estava pronto para perdoar o que tinha feito com suas próprias mãos e não estava disposto a se perdoar.
Ele não queria aceitar que Ranta não era mais seu companheiro.
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