Hai to Gensou no Grimgar | Grimgar of Fantasy and Ash Volume 07 Capítulo 12
[Kinuko-sama]




Estou morrendo! Dói demais! — gritou Ranta enquanto usava Leap Out para se posicionar na frente do inimigo. — Esse 49º dia claramente está amaldiçoado!

O inimigo tentou se virar em direção a Ranta, mas, com um ótimo timing, Kuzaku avançou com o escudo que tinha adquirido recentemente à sua frente, impedindo o inimigo de fazer isso.

Grahhhh! — gritou Kuzaku.

Ngh...! — Ranta balançou a lâmina negra que tinha comprado do ferreiro contra o flanco do inimigo. — Claro que eu quis dizer que ele está amaldiçoado para você, amigão!

Enquanto o leão morto tossia e jorrava sangue de sua mandíbula aterrorizante, envolveu o braço esquerdo ao redor de Ranta. Kuzaku estava atrapalhando o movimento de seu braço direito, então o inimigo não conseguia se mover como queria. Além de interferir em seus movimentos, Kuzaku estava gritando e cravando sua espada nas entranhas da criatura.

Yume soltou a corda do arco. Sua flecha voou e atingiu o morto na testa.

Haruhiro quis parabenizá-la, mas Yume gritou, consternada: — Miaaauw!

Ela devia ter mirado nos olhos, mas errou. Mesmo assim, não tinha errado por muito.

Haruhiro manteve a calma enquanto se agarrava às costas da criatura, cravando sua espada curta no pescoço do morto. Sua densa e rígida juba atrapalhava. Ele puxou a espada de volta e a cravou de novo—Não. Ele sentiu algo. O corpo da criatura estava cheio de uma força anormal.

Haruhiro largou e saltou para trás.

Afastem-se dele por enquanto!

Tá! — gritou Kuzaku.

Droga! — exclamou Ranta.

Kuzaku e Ranta imediatamente seguiram a ordem de Haruhiro e recuaram. No mesmo instante, o leão morto soltou um rugido verdadeiramente arrepiante. Era um som tão forte que parecia agarrar todos que o ouviam pelas entranhas, mexendo com eles por dentro. Mesmo que estivessem preparados, seria difícil de suportar. Dava vontade de tapar os ouvidos e gritar: Por favor, pare!. Na verdade, Haruhiro, Kuzaku, Ranta e Yume se encolheram. Até mesmo Zodiac-kun, que estava flutuando por perto sem fazer nada, se encolheu. Mary também, mas Shihoru, que estava ao seu lado com a mente altamente concentrada, foi a única que não reagiu.

Dark! — gritou Shihoru.

Quando Shihoru chamou esse nome, a coisa apareceu, como se tivesse saído de uma porta que se abriu de um mundo invisível. Os fios longos e escuros se torceram em espiral e assumiram uma determinada forma. Parecia uma pessoa, do tamanho exato para caber na palma de uma mão humana. Uma escuridão do tamanho de uma palma. Era um elemental.

Depois de muito tentar e errar, Shihoru decidiu por essa forma. Se você perguntasse a ela, Shihoru diria que ainda era um trabalho em progresso, e que ele devia ter uma forma verdadeira, uma mais apropriada para ele.

Independentemente disso, Dark havia se apegado a Shihoru. Pelo menos, era o que parecia para Haruhiro. Afinal, Dark aparecia ao lado do rosto de Shihoru e se sentava em seu ombro. E isso não era tudo.

Vai!

Quando Shihoru deu a ordem, Dark obedeceu. Ele saiu voando do ombro de Shihoru com um misterioso grito, ou talvez apenas um som, enquanto se lançava na direção do leão morto.

Dark atingiu o peito do leão morto. Não houve impacto. Ele foi sugado para dentro de seu corpo. Isso fez alguma coisa? O que Dark causou? Isso não era absolutamente claro. Mas, de qualquer forma, o leão morto gemeu e se curvou, como se tivesse levado um soco sólido no plexo solar, depois caiu de joelhos. Dark estava surtindo efeito.

Antes que Haruhiro pudesse gritar “Agora!”, Ranta já estava avançando com Leap Out. Ele desenhou um oito com sua espada negra e—não.

Ranta estava desenhando um infinito, não um oito.

Dança... do Purgatório Negro Infinito!

Primeiro um infinito, depois um oito. O oito foi seguido por outro infinito. Após o infinito, mais um oito. Ele encadeou os movimentos. Encadeou e encadeou.

O leão morto não usava nenhuma armadura real, mas seu corpo estava protegido por uma densa e dura camada de pelos, gordura que absorvia impacto e músculos espessos. Graças a isso, ataques de corte eram praticamente ineficazes contra ele. Ainda assim, Ranta o cortava. Ele cortava e cortava como um louco. No final, tropeçou para trás, sem fôlego.

O que... — Kuzaku cravou a espada na barriga do leão morto de novo, exatamente onde ele já havia cravado antes, e a torceu. — ... Era pra ser infinito?!

Nguhhhhhhh! — O leão morto se contorcia, jorrando sangue.

Isso é tão Ranta! — Yume disparou uma flecha atrás da outra.

Ela estava usando Rapid Fire. Três disparos. O primeiro errou, mas o segundo acertou em cheio o olho direito do leão morto, e o terceiro ricocheteou no elmo de Kuzaku.

Whoa! — gritou Kuzaku.

Miau?! D-Desculpa por isso!

Wahaha! — Ranta respondeu rapidamente. — Isso é tão Yume!

Cala boca, Ranta estúpido!

Ehe... É verdade, você é barulhento demais... Cala a boca, Ranta. Pra sempre... Ehehe...

Zodiac-kun! Você tá basicamente me dizendo pra morrer, não é?! — Ranta gritou.

Auugh...! — O leão morto tentou empurrar Kuzaku para longe.

Kuzaku fincou os calcanhares no chão, resistindo. Ele forçou a espada longa ainda mais fundo e a torceu.

Rahhh!

Haruhiro pulou nas costas do leão morto, cravando sua espada curta. Ele rasgou a camada de pelos, carne e gordura. Sua lâmina passou entre as costelas—mas não adiantou. Não conseguiu alcançar os órgãos.

Haru! — Mary o chamou, então Haruhiro decidiu se afastar silenciosamente do leão morto. Ao enfrentar um inimigo desse nível, um simples ladrão como Haruhiro dificilmente conseguiria dar um golpe fatal. Essa era a suposição mais segura. Se ele conseguisse ver aquela linha, seria diferente, mas não era algo que ele poderia enxergar só tentando.

Com um rugido, o leão morto tentou usar as quatro patas para empurrar Kuzaku. Kuzaku resistia, mas as chances não estavam a seu favor numa disputa de pura força.

Morre logo! — Ranta acertou com força a cabeça do leão morto com sua espada negra, mas ainda assim não conseguiu cortá-lo.

O leão morto finalmente deu um chute em Kuzaku, fazendo-o perder o equilíbrio.

Guh!

Imediatamente, o leão morto se virou e começou a correr.

Acha que vai fugir?! — Ranta gritou, correndo atrás dele. Não, ele só fingiu. Ranta deu dois, três passos e então parou, estalando a língua. — Perdemos a chance de matá-lo! E é porque vocês são todos inúteis, sabiam?! Se tivesse outro de mim aqui, teríamos acabado com ele!

...É, continua falando. — Haruhiro olhou em volta, verificando se não havia mais nenhum outro morto por perto, e então respirou fundo.

Kehehe... Se houvesse dois Ranta... este mundo seria um pesadelo... Kehe... Kehehehe... — Zodiac-kun gargalhou.

O que você quer dizer com isso?! — Ranta berrou.

Exatamente o que pareceu. — murmurou Shihoru.

Zodiac-kun é tão gentil. — Mary sorriu friamente. — Se for o caso, essa foi uma avaliação generosa.

Vocês são cruéis! O que eu fiz pra vocês?!

Você tem feito várias coisas. — Yume estufou as bochechas e puxou a corda de seu arco. — Essa foi por pouco... Você acha?

Difícil dizer. — Kuzaku levantou a viseira de seu elmo, virando o pescoço. — Achei que conseguiríamos vencer, mas não deu. Foi como se faltasse algo decisivo? Talvez?

Mas a magia da Shihoru foi eficaz. — Haruhiro fez um sinal de positivo para Shihoru.

Você acha? — O pescoço de Shihoru encolheu de vergonha. — Espero que tenha sido.

Você foi ótima. — Mary deu um tapinha nas costas de Shihoru. — Criando magia no seu próprio estilo. Eu deveria aprender com seu exemplo.

...Heh heh — Shihoru riu, sem jeito.

Graças a mim! — Ranta estufou o peito. — É porque eu sempre mostro meu estilo próprio! Foi minha influência! Claramente!

Kehe...

O-O quê, Zodiac-kun? Se tem algo a dizer, diga. Somos parceiros. Não precisa se segurar comigo. — Ranta fez uma pausa. — Espera, você tá sumindo?! Por causa disso?! Volta aqui, Zodiac-kun, tá?! Se você for embora assim, vai ficar esquisito quando eu te invocar de novo, sabia?!

O leão morto era um inimigo problemático que às vezes aparecia no Distrito Noroeste da Cidade dos Mortos. Até pouco tempo atrás, eles não teriam escolha a não ser fugir no momento em que ele atacasse, mas agora podiam enfrentá-lo de igual para igual. Eles já haviam lutado com ele várias vezes, então estavam se acostumando. Considerando a experiência que haviam adquirido, era seguro pensar que Haruhiro e os outros estavam ficando mais fortes.

Na verdade, o equipamento deles também havia melhorado. Kuzaku havia conseguido um escudo curvo em forma de trapézio, segundo o ferreiro da Vila do Poço, ele aparentemente se chamava Gushtat, e, após adquirir um par de manoplas leves e resistentes, Ranta substituiu sua armadura por um conjunto mais leve e de aparência mais sinistra. Ele estava chamando-a de Armadura da Morte. Que completo e absoluto idiota.

Quanto a Haruhiro, seu manto, armadura de couro, luvas, calças e todo o resto estavam tão gastos e esfarrapados que eram irreparáveis, então ele comprou algumas peças novas, de cor escura, no vendedor de roupas e bolsas da Vila do Poço. Para peitoral e afins, ele conseguiu um conjunto de peças de couro que, ao olhar mais de perto, parecia ser de couro de cobra. Ele estava bastante satisfeito com elas. Também teve que adaptar um par de luvas de sete dedos para suas mãos de cinco dedos, mas já estava tão acostumado com elas que agora pareciam estranhamente familiares e fáceis de usar.

Pelo visto, Yume havia decidido aumentar sua defesa de uma maneira que não prejudicasse sua habilidade de usar o arco. Ela estava usando vários protetores aqui e ali. Provavelmente eram feitos de ossos revestidos com algum tipo de resina, mas eram realmente leves.

O chapéu e a túnica de Shihoru também estavam bastante desgastados, então as garotas foram juntas comprar algo adequado para ela na loja de roupas e bolsas. Elas fizeram isso, mas parecia que estava um pouco apertado na área do peito. Ainda assim, talvez a túnica que ela usava até então fosse apenas um pouco larga demais.

Ranta cochichou para Haruhiro, em voz baixa para que Shihoru não o ouvisse pela primeira vez, algo como: — Ela não estava apenas escondendo. Aqueles são uns peitos de torpedo. Quero dizer, cara, ela é ainda mais “avantajada” do que eu pensava.

Sinceramente, Haruhiro concordava, mas ainda assim sentiu vontade de matar o Ranta por dizer isso.

Como sacerdotisa, Mary estava relutante, mas acabou se desfazendo de sua túnica, que estava bastante danificada. Ela procurou um casaco branco para substituí-la, mas não encontrou, então optou por um azul-escuro. Ficou muito bem para seu tipo físico, e ela parecia ótima com ele. Ela também adquiriu um cajado com uma ponta que parecia dolorosa de ser atingido, mas esse havia sido saqueado, e não algo que ela comprou.

A propósito, todos eles compraram máscaras ou coberturas faciais na loja de máscaras, o que tornou o tempo que passaram escondidos na Vila do Poço um pouco mais confortável. Eles também estavam comprando suas necessidades diárias conforme a necessidade surgia. Agora havia muito menos coisas que sentiam estar faltando em suas vidas.

Além disso, o mais notável era a nova magia de Shihoru. Ela havia dado forma ao elemental que nomeou de Dark, que agora podia controlar.

Parece que a razão pela qual Dark se assemelhava a um elemental das sombras era porque Shihoru se especializou na magia das sombras Darsh. Elementais se alimentam do poder mágico do mago para tomar forma e exercer seu poder. Por causa disso, o mago e o elemental influenciam um ao outro diretamente. Sendo um ladrão, Haruhiro não entendia muito bem, mas talvez fosse algo semelhante ao que acontecia com o demônio de um cavaleiro das trevas.

De qualquer forma, a nova magia de Shihoru, Dark, tinha acabado de ser criada e ainda estava em desenvolvimento, então ainda havia todo tipo de potencial.

Shihoru havia escolhido o caminho da magia Darsh, que se especializava em feitiços de suporte e interferência, mas também havia aprendido magia Falz para ganhar algum poder destrutivo, e ainda havia se aventurado um pouco na magia Kanon. Seu caminho tomou várias voltas. No entanto, passar de uma coisa para outra provavelmente não era o que Shihoru realmente queria fazer. Ela era do tipo dedicada, alguém que preferiria se aprofundar em um único caminho o máximo possível.

Será que Dark poderia se tornar esse único caminho para Shihoru? Haruhiro esperava que sim.



O 49º dia deles naquele mundo terminou, e o 50º começou.

Quando foram à Vila do Poço para lavar o rosto e tomar café da manhã, Haruhiro e os outros o encontraram novamente.

Oh ho! — Ranta deu um salto no ar. — É o Unjo-san!

Usando um chapéu trançado, esse homem, que parecia um verdadeiro arsenal ambulante, com machados, espadas, bestas e mais pendurados no quadril e na mochila, estava tomando uma tigela de sopa de insetos. Era apenas a segunda vez que o viam, mas era inconfundível. Era o Sr. Unjo.

Quando o Sr. Unjo terminou de beber o caldo, ele pegou os insetos com os dedos e os comeu. Então, ao esvaziar a tigela, disse: — Ruo keh — devolvendo-a ao caranguejo, antes de finalmente se virar para Haruhiro e os outros.

Vocês, né? Soldados voluntários. Ainda estão vivos, é?

Graças a você! — Ranta correu até ele e fez um gesto de soco no ar. — Quero dizer, cara, aquela Cidade dos Mortos! Quando você nos falou daquele lugar, nos ajudou muito! Desde então, nossa qualidade de vida melhorou bastante! Você é o melhor, Unjo-san! Unjo-san para presidente! Presidente...? Talvez rei seja melhor? Bem, tanto faz. Hehehehe. Você gostaria disso, Sua Excelência?! Não, na verdade, que tal Sua Majestade?! Gostaria disso?! É isso que vai ser?!

Cara, você é muito irritante... — Haruhiro lutou contra uma dor de cabeça latejante enquanto empurrava Ranta de lado e inclinava a cabeça em desculpas. — Desculpe pelo nosso inútil, estúpido pedaço de lixo...

O Sr. Unjo puxou a aba de seu chapéu trançado para baixo. Não disse uma palavra. O que isso significava? Será que ele estava com raiva...?

Ranta engoliu em seco audivelmente e cutucou Haruhiro de lado. — I-Idiota. E-Essa é sua culpa! Tudo isso!

Por quê...?

Você é o líder, droga! Isso significa que tudo é sua responsabilidade, seu inútil!

Com um olhar de volta para Haruhiro, que estava tão exasperado que nem tinha vontade de ficar propriamente irritado, o Sr. Unjo começou a andar.

Para onde ele estava indo? Para a loja de variedades ao lado da mercearia? Bem, eles chamavam de loja de variedades, mas a maioria dos itens que a loja exibia era sucata. Além disso, fora as raras ocasiões em que o lojista magro, que se vestia todo de cinza escuro, aparecia do lado de fora, a loja não ficava aberta.

O dono não estava por perto agora. A porta da loja ainda estava fechada.

Uma vez, Ranta disse algo estúpido sobre um teste de coragem, ou algo assim, e bateu na porta. Não houve resposta.

A loja de variedades era a loja mais misteriosa de toda a Vila do Poço. Para começar, Haruhiro e os outros só a chamavam de loja de variedades por conta própria. Talvez nem fosse uma loja de verdade.

O Sr. Unjo não bateu na porta da loja. Ele simplesmente a abriu. Era uma porta deslizante. O Sr. Unjo entrou em silêncio.

Espera, hã? Haruhiro pensou, surpreso. Pode isso?

O-O que deveríamos fazer? — Ranta havia se abrigado atrás de Haruhiro em algum momento.

...O que você quer dizer com “o que”? Por enquanto, só se afaste de mim.

Ei, cara, eu não tô me agarrando em você porque gosto. Não entenda errado, idiota.

Hm. — Kuzaku pressionou o pescoço e o girou. — Tô interessado, sabe. Pra ser sincero.

É — Yume disse distraída. — Vamos tentar entrar.

Bom, estamos dentro da Vila do Poço. Não é como se fôssemos ser mortos, raciocinou Haruhiro. Provavelmente.

A porta da loja ainda estava aberta. Haruhiro primeiro tentou espiar lá dentro. E teve uma surpresa.

Não havia uma única janela, e as paredes, fracamente iluminadas por uma lâmpada, estavam cobertas de... Eram tábuas de pedra? Ou talvez tábuas de barro? De qualquer forma, a visão de muitas tábuas retangulares, grandes e pequenas, com símbolos e figuras esculpidos nelas, era avassaladora para Haruhiro. Aqueles símbolos eram letras? Algumas das figuras até tinham cores.

Mesmo sentado numa cadeira ao fundo, o lojista magrelo parecia longo e fino. O Sr. Unjo colocou sua enorme mochila no chão. Parecia que ele estava tentando pegar algo de dentro dela. Acontece que era uma tábua de pedra.

Uau... — Yume se agachou na porta. — O que é tudo isso? É incrível.

Ranta levantou a viseira de seu elmo e olhou ao redor, encarando. — Tesouro, né...?

É só isso que tem? — Shihoru olhou ao redor da sala, então suspirou. — Embora, de certo modo, pode ser um tesouro...

Isso pode não ser uma loja de variedades — Mary disse em voz baixa. — Talvez seja um museu.

As coisas parecem velhas o bastante pra ser. — Kuzaku entrou na loja. Ele começou a estender a mão para tocar uma das tábuas de pedra, mas logo a recolheu. — Talvez seja má ideia tocar nelas.

O lojista magrelo aceitou a tábua de pedra do Sr. Unjo, colocando-a sobre a mesa e segurando ambas as mãos sobre ela.

Haruhiro estremeceu um pouco. Ele havia visto algo um tanto assustador. As mãos do lojista magrelo. Elas tinham cinco dedos, mas nas palmas—Se seus próprios olhos não o estavam enganando, havia olhos lá. O lojista magrelo estava usando aqueles olhos para examinar a tábua de pedra.

O Sr. Unjo se virou para Haruhiro. — Aqui, não há livros. Não livros de papel. Ainda restam registros, porém. Em pedra, em barro. Em tábuas. O sábio das mãos com olhos, Oubu, é um pesquisador. Ele coleciona tábuas. Se uma tábua tiver valor, ele a comprará de você.

O sábio das mãos com olhos, Oubu, presumivelmente era o lojista magrelo. Quando as mãos do sábio Oubu se afastaram da tábua, ele remexeu nas gavetas da mesa e tirou algumas moedas pretas. Eram grandes. Não pequenas, nem de tamanho médio. Moedas grandes. E não apenas uma. Duas delas.

Duas moedas grandes significavam 2 rou. Dependendo da loja a que fossem, ou melhor, da pessoa, o valor delas podia variar entre 20 e 50 ruma. Era uma fortuna.

Pegando as duas moedas do sábio Oubu, o Sr. Unjo as enfiou de forma desajeitada em sua mochila. — Ruo keh.

Avaruu seha — respondeu o sábio Oubu, com suas mãos voltando à tábua de pedra na mesa. Com aqueles olhos nas mãos, ele examinava cuidadosamente a nova tábua adquirida.

Lumiaris e Skullhell. — O Sr. Unjo mencionou subitamente dois nomes inesperados enquanto apontava para uma das tábuas de pedra. — A batalha entre os deuses está representada.

Ohhh...! — Ranta correu até lá, pressionando o rosto bem perto da tábua de pedra. — Ele tá falando sério! Esse cara à direita, o rosto dele parece o símbolo de Skullhell!

Lumiaris sempre é representado apenas pelo hexagrama, nunca desenhado, mas... — Mary parecia intrigada também, e apertou os olhos para enxergar melhor a tábua. — A mulher à esquerda, é Lumiaris...?

Essa tábua de pedra era retangular e oblonga. No lado direito, havia um homem com um rosto parecido com um crânio, e no lado esquerdo, uma mulher de cabelos longos. O homem segurava uma grande foice na mão direita, uma espada na esquerda, e ele tinha apenas uma perna. A mulher estava nua, com uma esfera grande na mão direita e uma esfera pequena na mão esquerda. Havia um arco-íris nas suas costas.

A metade direita do fundo era noite, e a metade esquerda era dia. Havia muitas pequenas criaturas na parte inferior. Cada uma delas estava alinhada com o homem ou a mulher, e elas lutavam umas contra as outras. Elas se perfuravam com espadas, flechas voavam de um lado para o outro, e muitas criaturas podiam ser vistas caídas. Uma batalha sangrenta estava em andamento.

Isso aconteceu aqui — disse o Sr. Unjo em um tom baixo. — Lumiaris e Skullhell estiveram aqui. Aqui em Darunggar.

Darung...gar? — Haruhiro perguntou enquanto olhava para as outras tábuas de pedra e barro.

É como aqueles que vivem aqui chamam este lugar.

O Deus da Luz, Lumiaris, e o Deus das Trevas, Skullhell, lutaram aqui em Darunggar... — disse Shihoru cautelosamente. — Há muito tempo, o povo de Darunggar se aliou a Lumiaris ou a Skullhell, e eles lutaram... É isso?

Quem ganhou... será? — Kuzaku esfregou o hexagrama esculpido em sua própria armadura.

Ei, cara. — Ranta bufou. — Olha como tá escuro aqui. Obviamente, o meu amado Senhor Skullhell venceu, certo?

Mas magia de luz também funciona aqui, não? — Mary rebateu imediatamente. — Se Lumiaris perdeu, não é estranho que seu poder ainda alcance aqui?

Você pode dizer isso, mas vale para a minha magia das trevas também, sabia? Bom, ambas parecem ser menos que metade tão eficazes quanto o normal, de qualquer forma.

Então. — Yume olhava para outra tábua de pedra. — Deve ter sido um empate, não?

Então, agora eles foram para Grimgar? — Haruhiro inclinou a cabeça para o lado. — ...Como se chamaria um grupo de deuses, afinal? Uma banda? Não. Um aglomerado? Não. Uma party? Também não. Talvez um panteão...?

O curso da batalha permanece desconhecido. — O Sr. Unjo colocou sua mochila no ombro. — O sábio das mãos com olhos, Oubu, diz que ele não sabe. Ele está investigando isso. De qualquer forma, Lumiaris e Skullhell deixaram Darunggar. Darunggar é um mundo sem deuses.

Eles se foram... — Haruhiro puxou um pouco o cabelo na nuca. — Espere, por onde eles saíram?

Shihoru engoliu em seco. — Há... um caminho, em algum lugar? Sem um caminho de Darunggar para Grimgar, eles não poderiam ter saído... certo?

Isso significa uma coisa! — Ranta gritou. — A gente pode voltar pra casa, não é?!

Kuzaku olhou de relance para o Sr. Unjo. — Se pudéssemos voltar, ele já não teria feito isso?

Ah, sim. — Yume soltou um suspiro profundo. — Com o Konjo-san ainda estando aqui, isso deve ser verdade, né...?

Você quis dizer Unjo-san, certo? — corrigiu Haruhiro, voltando a se concentrar.

Na verdade, ele não estava tão chocado assim. Ele vinha pensando, Quero voltar para casa. Seria bom se conseguíssemos, mas ultimamente havia começado a sentir, Bem, se não pudermos voltar, tudo bem também.

Se não conseguissem encontrar nenhuma pista de como voltar depois de cem, duzentos dias aqui, teriam que começar a agir como se fossem viver ali para sempre. Teriam que criar raízes em Darunggar. Por exemplo, começar uma família? Claro, isso seria algo que naturalmente começariam a considerar. Provavelmente era uma questão importante. Haruhiro não poderia se eximir disso dizendo, Eu sou o líder. Se fosse o caso, como líder, ele teria que tomar a iniciativa.

Não havia garantia de que ele não acabaria se confessando.

Não, isso não é provável, né? Não posso, certo? Ou melhor, o que é uma confissão? O que eu vou confessar? Para quem? Eu nem sei o que quero dizer.

Enquanto Haruhiro fazia essas perguntas sem sentido para si mesmo, o Sr. Unjo saiu da loja do sábio Oubu, que definitivamente não era uma loja comum. Ele poderia ter dito algo antes, mas sendo o Sr. Unjo, era difícil culpá-lo, Haruhiro supôs.

Haruhiro e os outros saíram da loja também, e viram o Sr. Unjo se dirigindo a outra construção. Era o maior prédio da Vila do Poço, feito de pedras empilhadas, com janelas de vidro. Pela experiência de Haruhiro, sempre havia luz vazando das janelas de vidro. Alguém tinha que morar lá. Ou assim ele sempre supôs, mas nunca havia visto quem morava lá.

O Sr. Unjo tinha entrado naquele prédio da última vez também. Haruhiro se lembrava disso. Ele nunca tinha visto mais ninguém entrando ou saindo.

O Sr. Unjo abriu a porta, lançando um olhar para Haruhiro e os outros. Me sigam, parecia estar dizendo. Interpretando dessa forma, Haruhiro e os outros seguiram o Sr. Unjo para dentro do prédio.

Haruhiro sentiu um arrepio. Era uma sensação muito estranha.

Que lugar é esse?, perguntou-se Haruhiro.

O mundo chamado Darunggar. Vila do Poço. Não parecia nenhum dos dois. Este lugar era diferente.

Ao contrário dos outros prédios da Vila do Poço, este tinha um chão apropriado, e havia um tapete estendido. Havia prateleiras. Havia uma única mesa. Havia cinco cadeiras. Parecia haver outro cômodo nos fundos. Em ambos os lados da janela de vidro, havia cortinas. Havia castiçais espalhados por aqui e ali. Todos eles estavam acesos. Quatro das cadeiras estavam dispostas ao redor da mesa. Havia apenas uma no centro da sala.

Lá, no meio de tudo, ela estava sentada.

Ela era humana. Vestindo um vestido vermelho. Com meias brancas, sapatos pretos, uma fita vermelha, cabelo loiro e olhos azuis. Ela parecia uma garota jovem, com pele pálida.

Foi o que ele pensou à primeira vista. Mas logo percebeu que não era esse o caso.

...Uma boneca? — Haruhiro piscou e olhou novamente.

Por que ele havia pensado que ela era humana? Ela era bem-feita, mas claramente antiga, e sua pele estava rachada aqui e ali. Seus olhos estavam bem abertos. Mas seu cabelo parecia ter sido penteado, e, embora as cores de sua roupa estivessem um pouco desbotadas, ela não estava rasgada ou desgastada em lugar nenhum.

Espera aí... — Ranta ficou sem palavras.

Não era apenas aquela boneca e os móveis. Esta sala estava transbordando de coisas únicas e diferentes. Nas prateleiras, sobre a mesa e até mesmo no chão. O que mais chamava atenção, porém, era que, embora não fossem exatamente todas...

Isto, e aquilo, e isto, e aquilo, tudo é familiar.

O objeto parecido com uma moldura encostado na parede. A coisa redonda sobre a mesa. O objeto grosso e retangular. O que tinha dois objetos em forma de disco conectados por uma espécie de faixa. O objeto fino e retangular que parecia caber na mão dele. O objeto em forma de placa com muitos botões. O objeto com vidro na frente, que era um retângulo com cantos arredondados.

Eu já vi isso. Provavelmente. Muito provavelmente.

Ele sabia que devia ter visto. E, no entanto, sua confiança começou a vacilar. Ela se dissipou rapidamente. Eu já vi isso antes? Sério? Como posso dizer isso com certeza?

Ele nem sabia. Não conseguia lembrar os nomes deles, ou quando e onde os tinha visto. Não conseguia se lembrar, mas... Como podia afirmar que já os tinha visto antes? Que evidência ele tinha?

Ainda assim, havia coisas ali que ele conseguia identificar com firmeza. Havia alguns óculos. Um tinha armação preta, outro era de metal. Outro ainda tinha armação de casco de tartaruga. As lentes estavam quebradas ou faltando em alguns casos, mas eram claramente óculos.

As prateleiras também tinham livros. No entanto, não eram como os livros que ele havia visto em Grimgar. Eram mais finos e muitos eram pequenos. Havia também latas e recipientes transparentes. Mas, embora fossem transparentes, não pareciam ser de vidro.

O Sr. Unjo colocou sua mochila no chão e tirou algo de dentro dela. Era branco, um pequeno objeto em forma de bola. Quando o Sr. Unjo o colocou sobre a mesa, fez um som seco.

A bola não rolou. Parecia que sua superfície era irregular.

O que... O que é isso? — perguntou Kuzaku. — Eu conheço isso... ou sinto que deveria conhecer, mas o que é?

Quem sabe? — Sr. Unjo olhou lentamente ao redor da sala. Talvez estivesse verificando o quanto as velas tinham queimado. — Eu não sei. Não eu. Mas são diferentes, isso eu posso dizer. As coisas nesta sala são diferentes.

...Diferentes. — Shihoru balançou a cabeça. — Eu sinto o mesmo. São diferentes.

Mary pressionou uma mão contra o peito.

Você juntou tudo isso?

Não — respondeu imediatamente o Sr. Unjo. — Quando cheguei aqui pela primeira vez, esta sala já existia.

Miau... — Yume pegou o objeto fino e retangular da mesa. Quando o passou pelo dedo, o pó foi removido, e ele era surpreendentemente liso. Yume inclinou a cabeça para o lado, olhando para o objeto de forma estranha. — ...Nuuh?

Os moradores começaram a coleção, então? — Ranta olhou para a boneca, claramente desconfortável. — Ninguém vive nesta casa? Além daquela garota?

O Sr. Unjo fez um gesto com o queixo em direção à boneca.

Não toquem na Kinuko.

Kinu...ko... Espera, você quer dizer a boneca?

Todos a chamam assim.

Hmm — disse Ranta. — Bem, ela não parece uma Kinuko pra mim. Mais como uma Nancy, se for pra dizer algo.

Ela não tem cara de Nancy — discordou Shihoru. — Nem de longe.

E então, do que ela tem cara, hein?! Fala aí, peituda!

Peit... — Shihoru cobriu o peito com os braços. — ...T-Talvez uma Alice? Algo assim...

Alice, é? Hmm. — Ranta cruzou os braços. — De qualquer forma, Kinuko tá fora de questão.

Os deuses abandonaram Darunggar. — Unjo levantou sua mochila. — Ela é o substituto deles. Nesta vila, Kinuko é adorada. Dizem que ela veio de outro mundo...

De fato... — Haruhiro assentiu. — Ela não parece ser deste mundo. Mas, dito isso, se você me perguntasse se ela veio de Grimgar—

Nem a pau. — Yume ainda mexia no objeto fino e retangular. — Isso é verdade, mas Yume, ela tá com um sentimento misterioso, sabe? É tão nostálgico, de alguma forma. Mesmo que ela não tenha ideia do que isso deveria ser, ela sente como se conhecesse. Estranho...

Objetos estrangeiros também são adorados — disse Unjo. — Se encontrar algo por aí que pareça um, traga aqui. Ofereça à Kinuko.

Você quer dizer, tipo... — Ranta, como sempre, era vulgar e sem classe. — De graça?

O Sr. Unjo apenas soltou um grunhido baixo e não respondeu à pergunta.

Haruhiro inclinou a cabeça levemente.

...Desculpe por ele. Sério.

Hã? Por que você tá se desculpando, Parupirooo? Você é um idiota, ou algo assim? Sim, você é um idiota, né. — Ranta não mostrava arrependimento. — Olha, acho que funciona assim. Mesmo que não tenha dinheiro envolvido, ele tá dizendo que Kinuko é uma deusa. Talvez possamos esperar algum tipo de bênção? Isso tornaria isso valioso. Sim. Se encontrarmos algo, vamos trazer aqui.

...Mas ainda assim. — Kuzaku estava agachado em frente ao objeto parecido com uma moldura. — Por que todas essas coisas estão aqui? Ou será que essa é a pergunta certa? O que é isso? Não consigo expressar muito bem, mas não é esquisito?

Haruhiro podia entender o que Kuzaku queria dizer. Ele entendia, mas não conseguia colocar em palavras muito bem. Era frustrante não conseguir expressar em palavras, e ele achava tudo aquilo muito estranho.

Estamos procurando uma maneira de voltar ao nosso mundo original. As palavras de Shima voltaram à sua mente.

Uma maneira de voltar. Para o mundo original deles.

A cabeça de Haruhiro doía. Nas têmporas—não, mais profundo—ele sentia uma dor pesada, mas aguda. Havia algo lá. Ele não conseguia evitar essa sensação. Mas suas mãos não podiam alcançar. Estava dentro de sua cabeça, afinal. Ele não podia enfiar um dedo lá dentro e cutucar. Ah, se ao menos pudesse!

Unjo-san — disse Haruhiro.

O quê?

Unjo-san, você... Você já pensou em querer voltar para o nosso mundo original, ou algo assim?

— “Mundo original”. — O Sr. Unjo repetiu as palavras, e então ficou em silêncio.

Espera... — Mary olhou para Haruhiro de trás de sua máscara. — Quando você fala do nosso mundo original, você não quer dizer Grimgar?

...Hã? — Shihoru cobriu a boca. — Não Grimgar, o original...

Yume olhou para o teto.

...Funya?

Original... — Kuzaku estava pensativo. — Nosso original...

Ei, ei, ei. O que você quer dizer com original? — Ranta tentou rir, mas parou. — ...O quê? A gente veio de algum outro mundo antes de Grimgar... É isso?

Se não viemos, de onde viemos então? — Mary perguntou, tanto para si mesma quanto para os outros. — Eu não me lembro de nada antes disso, mas... tínhamos que estar em algum lugar, isso é certo. Não tem como termos nascido assim, do nada.

De onde viemos mesmo? — A voz de Shihoru tremia um pouco. — Quando digo de onde viemos, quero dizer... nas minhas memórias, eu me lembro... Eu perguntei a Haruhiro-kun: Onde estamos?

...Huh, — a garota atrás dele perguntou timidamente, — onde você acha que estamos?

Olha, perguntar pra mim não vai ajudar — Haruhiro tinha quase certeza de que havia respondido assim.

...Certo, claro. Hm, a-alguém sabe? Onde estamos? — Shihoru, Haruhiro se lembrou. Isso mesmo. Aquela era Shihoru. Mas onde estávamos?

A gente tava olhando pro Sra. Lua — Yume bateu as mãos. — Ela tava toda vermelha. Isso foi bem surpreendente.

Ahhh — disse a de tranças, parecendo notar também. Ela piscou repetidamente e então deu uma risadinha. — A Sra. Lua tá vermelha. Isso é muito bonito.

Yume. Aquela tinha sido Yume. Ele conseguia se lembrar. Certo. Naquele momento, eles tinham notado a lua. Ela estava de um vermelho rubi, entre uma lua crescente e uma meia-lua.

Por que tá vermelha? Ele pensou. Uma lua vermelha parecia estranha.

Onde eles estavam?

...A colina? — murmurou Haruhiro.

Eles estavam no topo da colina ao lado de Altana. Havia fileiras de túmulos; é lá que Manato e Moguzo estão enterrados. Eles estão lá... e Choco também.

Choco. Companheira de Kuzaku. Uma ladra. Uma das soldados voluntárias novatas. Ela tinha morrido na batalha na Fortaleza de Observação Deadhead.

...Era só isso? Ele não sabia. Algo o incomodava. Como se tivesse esquecido de algo...?

Olhos grandes. Com olheiras. Lábios carnudos. Uma garota com um corte de cabelo chanel.

Choco.

Companheira de Kuzaku...

Nós estávamos lá na colina. — Haruhiro olhou para seus companheiros. — ...É isso, não é? Pelo menos, Shihoru, Yume, Ranta... e Manato e Moguzo estavam lá também. Kikkawa. Renji. Ron. Sassa. Adachi. A Chibi-chan também. Eles estavam lá. Vimos a lua vermelha. Kuzaku, Mary, como foi pra vocês?

A colina... — Mary murmurou distraída. — ...Eu me lembro. Vaguemente, mas me lembro. Acho que minha primeira memória deve ser da colina ao lado de Altana.

Eu também, acho — Kuzaku assentiu. — É meio que uma... sim, eu estava lá. Com eles. Não sei sobre o que conversamos, mas...

Que coincidência. — Até o Sr. Unjo entrou na conversa, sorrindo levemente. — Eu também me lembro de ver a lua vermelha naquela colina. “A lua está vermelha”, pensei. “Que assustador”...

...Isso não é estranho? — Haruhiro puxou uma das cadeiras ao redor da mesa e sentou-se. — Que tenhamos aparecido naquela colina, quero dizer. É estranho. Muito estranho. Não importa de onde viemos antes de chegar a Grimgar, se eu pensar direito. Havia tipo um túnel. Algo assim por onde devemos ter passado, certo? E então, aparecemos... na colina.

Havia uma torre. — O Sr. Unjo tirou repentinamente seu chapéu trançado. Seu cabelo curto estava parcialmente branco. Embora a parte inferior de seu rosto estivesse coberta pelo cachecol, tudo da testa para cima estava exposto. Ele tinha uma testa pronunciada e parecia um homem na casa dos quarenta ou cinquenta anos. Colocando o chapéu sobre a mesa, o Sr. Unjo também se sentou. — Se minha memória estiver correta, era a “Torre Proibida”.

A torre sem entrada ou saída... — O corpo inteiro de Shihoru estava tremendo agora. — Eu nunca soube para que ela servia... Achava aquilo estranho. Durante todo aquele tempo...

Será que — Ranta sentou-se no chão. — talvez a gente tenha saído dessa torre, vocês não acham?

Mesmo sem ter entrada ou saída? — perguntou Mary, duvidosa.

Hmm... — Ranta bateu na própria cabeça. — Aí está. Esse é o problema. Mas, sabe, é estranho se ninguém pode entrar ou sair. Não faz sentido. Deve haver uma porta secreta em algum lugar, certo?

Hiyomu provavelmente saberia, não acha? — disse Yume. — Hiyomu, ela nos guiou da colina até o lugar do Bri-chan em Altana, lembra.

Foi assim pra mim também. — Mary assentiu.

Sim. — Kuzaku levantou a mão levemente. — Eu também.

Pra mim — O Sr. Unjo pressionou a testa. — Foi um homem, acho. ...”Me chame de Saa”, ele nos disse. Quem é esse tal de Bri-chan?

Vamos ver — respondeu Haruhiro. — Ele é o chefe do escritório Lua vermelha, do Esquadrão de Soldados Voluntários do Exército da Fronteira de Altana. O nome dele é Britney.

Britney. — Os olhos do Sr. Unjo se arregalaram. — ...Era um homem que agia como uma mulher? Com olhos azul-claros.

...Você o conhece?

Eu o conheço. O nome verdadeiro dele é Shibutori.

Shibutori?! — exclamou Ranta. — O nome do Bri-chan é Shibutori?!

Shibutori era de uma geração mais jovem — disse o Sr. Unjo. — Comparado a mim. Ele é o chefe do Escritório do Esquadrão de Soldados Voluntários agora?

Hm, Unjo-san — Haruhiro perguntou hesitante. — Quanto tempo faz que você chegou a Darunggar, mesmo?

Cinco mil, seiscentas e setenta e seis vezes — disse o Sr. Unjo, com um olhar distante. — Desde que comecei a contar, isto é. Esse é o número de vezes que a noite escura se dissipou e a pálida manhã chegou.

...Cinco mil seiscentas... — Haruhiro murmurou.

O comprimento de um dia em Darunggar era igual a um dia em Grimgar? Ou seria diferente? Isso não estava claro, mas, se fossem o mesmo, o Sr. Unjo havia passado quinze anos e duzentos e um dias completos ali em Darunggar.

Antes de agora, você viu outros, hã... humanos como nós? — Haruhiro arriscou perguntar.

Nenhum. Esta é a primeira vez. Vocês são os primeiros.

Sério...? — Até Ranta pareceu abalado com isso. — Isso é... Isso é... Sério, isso deve ter sido bem difícil, né?

Eu me acostumei. — Sr. Unjo abaixou os olhos para a mesa. — ...Eu estava acostumado. Eu não podia voltar de qualquer forma. Já tinha desistido há muito tempo. A vida aqui não é tão ruim. O lar de um homem é o seu castelo. As coisas que parecem estranhas se tornam normais. Você aprende o idioma, também. Tenho conhecidos aqui. O idioma de vocês é quase estrangeiro para mim. Esqueci metade dele. Conforme falamos, vou me lembrando. Assim. Mas, de qualquer forma, eu não posso voltar. Vocês devem se preparar para isso também. Aquela colina. A torre proibida. Nada disso importa. A porta secreta. Mesmo que ela exista, vocês não podem encontrá-la. Não podem provar que ela existe. Vivam aqui. Essa é a única opção. Até morrerem, vivam. Não importa onde estejam, é a mesma coisa. Isso é tudo o que existe para nós.

Não somos só nós. — Shihoru engoliu as palavras, quase sufocando. — Lala e Nono... Um par que era muito mais experiente e habilidoso que nós também veio para Darunggar. Além disso, não viemos diretamente de Grimgar.

De onde? — O Sr. Unjo bateu o dedo na mesa. — De onde vocês entraram em Darunggar?

Seria difícil para Haruhiro dizer que se lembrava claramente. A distância e a direção que tinham percorrido estavam meio turvas. Mesmo assim, Haruhiro explicou o máximo que podia, mas sem complicar desnecessariamente, a sequência de eventos pela qual haviam viajado do Reino do Crepúsculo até Darunggar, e depois como chegaram à Vila do Poço.

Subindo o rio... — O Sr. Unjo riu, como se estivesse espantado. — Vocês têm muita sorte. É um milagre que estejam bem.

Segundo ele, a floresta ao norte da Vila do Poço era habitada pelos yegyorns—que, de acordo com o Sr. Unjo, significava “mariposas da névoa”—uma espécie de mariposa venenosa. Seu veneno era incrivelmente potente e levava apenas um instante para fazer a maioria das criaturas vivas desmaiar de agonia. No entanto, uma criatura parecida com uma doninha, chamada getaguna, era a única exceção. Esses seres tinham resistência ao veneno dos yegyorns, e os yegyorns nem sequer os atacavam.

Os yegyorns atacavam suas presas em enxames e as deixavam inconscientes, momento em que os getagunas corriam para devorar as entranhas. Os yegyorns bebiam o sangue das presas e depois colocavam seus ovos na carne. Com o tempo, os ovos eclodiam. A carne apodrecida fornecia sustento para as larvas, até que finalmente emergiam como mariposas e voavam.

Os yegyorns eram pequenos, do tamanho da ponta do dedo mindinho. Era praticamente impossível evitá-los nas florestas escuras de Darunggar, e, quando você os notava, já teria sido picado.

Na verdade, segundo o Sr. Unjo, a dose de veneno de um deles não era tão perigosa, mas onde havia um, podiam existir centenas mais por perto, então você seria picado muitas vezes em rápida sucessão.

Havia yegyorns no rio ao norte também. Além disso, ao longo do rio, existiam os tobachi—que aparentemente significavam “nojentos” ou “difíceis de lidar”—um grupo de criaturas especializadas em ataques sorrateiros, que se escondiam por toda parte, então era necessário ter cuidado. Havia muitos tipos de tobachi, e o termo era mais um nome coletivo para as criaturas ferozes e carnívoras que viviam ao longo do rio.

Naturalmente, os tobachi também eram frequentemente vítimas dos yegyorns e getagunas.

Além disso, havia criaturas de rosto simiesco chamadas gaugai—provavelmente o que a party chamava de inuzarus—que estavam espalhadas por uma grande área. Eram onívoras, mas sua refeição favorita era o getaguna.

A floresta de mariposas, Adunyeg, ao norte da Vila dos Poço, era incrivelmente perigosa, e pessoas com bom senso não entrariam lá.

Pelo que o Sr. Unjo contou, se eles planejassem cruzar Adunyeg para voltar ao Reino do Crepúsculo, era melhor se prepararem para morrer tentando. Se levasse três dias, dois dias ou apenas um dia, o Sr. Unjo não conseguia imaginar uma viagem pelo Adunyeg sem encontrar yegyorns. E se os encontrassem, seria o fim. Às vezes, um ou dois yegyorns apareciam na Vila do Poço, e, quando isso acontecia, sempre havia pânico, ele disse.

B-Bom, você não está feliz que a gente não foi descobrir por conta própria? — Ranta engoliu seco. — Não que voltar pro Reino do Crepúsculo fosse fazer algum bem pra gente. Aquele lugar era perigosíssimo do seu jeito. Mesmo assim, aposto que Lala e Nono não estão se saindo tão bem, provavelmente. Digo, não consigo imaginar que tiveram a mesma sorte que eu. Devem estar mortos. Eles nos usaram o máximo que puderam e depois nos jogaram fora, então tenho que dizer que mereceram...

De qualquer forma, eles não vieram pra esta vila, certo? — Kuzaku perguntou.

Provavelmente não. Mesmo assim, existem outras vilas. Ou cidades, melhor dizendo, do que vilas.

Naturalmente, fazia sentido que houvesse. Seria estranho e antinatural se essa fosse a única vila restante após o confronto entre Lumiaris e Skullhell.

Mas Haruhiro ficou chocado.

O quê...? — Haruhiro ficou sem palavras. Ele trocou olhares com cada um de seus companheiros.

Mrr. — Yume pressionou as mãos contra as bochechas. — Então existem cidades...

O-Onde elas estão?! — Ranta se corrigiu. — O-Onde, diga-me, poderíamos encontrá-las, bom senhor?!

...Diga-me? — A voz de Shihoru transbordava de desprezo.

Não me importo de contar para vocês. — O Sr. Unjo colocou seu chapéu trançado de volta. — O motivo pelo qual não podemos voltar para Grimgar. Enquanto explico, posso levá-los para a cidade de Herbesit também. Mas isso só se vocês quiserem.


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