A magia que foi conjurada envolveu o meu
corpo. Apesar de ser uma sensação com a
qual eu estava a muito familiarizada,
neste momento me causou uma enorme
irritação.
Para confirmar o efeito do feitiço, dei
um passo adiante.
Ótimo, está funcionando
corretamente.
Carregada pelo vento, eu saí
correndo.
◇◇◇
Eu havia me encontrado aquela pessoa
ontem e, apesar de não fazer nem mesmo
um dia completo desde que nos
conhecemos, a sensação em meu peito era
quase como se já fizesse uma vida
inteira.
Achei que com magia pudesse bloquear o
ataque do Demônio, mas ao invés disso,
tive o meu corpo lesionado como se fosse
um inseto. Meus pés e braços doíam tanto
que eu me sentia como uma boneca,
incapaz de me mover.
Quando virei de leve o pescoço, percebi
que a minha sorte foi ter caído nos
ramos de uma árvore antes de me
despedaçar sobre o chão.
…Sorte? Será realmente isso?
A minha vida iria se extinguir antes
que aquele monstruoso Demônio caísse ou
que alguém do exército viesse me
resgatar.
Nesse momento, o meu sangue se esvai
pouco-a-pouco, assim como o que me
restava de consciência, até que de
repente ouvi os passos de alguém se
aproximando.
Com toda a força que ainda me restava,
me virei e gritei por ela. Aquele que
surgiu diante dos meus olhos, foi um
rapaz usando uma roupa tão chamativa que
feria os olhos. Quem poderia
imaginar que eu, alguém que estava à
beira da morte, iria me preocupar com
uma coisa mundana como a
aparência?
Por favor, que os Deuses me permitam
voltar para essa vida rotineira!
Mesmo que incomodada com o robe
chamativo do rapaz, ainda chamei por ele
antes que fosse embora. A voz com que me
respondeu era tão calma e serena que me
fez pensar que, não importava a
situação, ele sempre estaria bem.
◇◇◇
Corra.
Evite as pessoas, evite as carroças,
continue correndo.
Siga em frente, nem que seja apenas
mais um passo.
Apresse-se, nem que seja apenas mais
um segundo.
Eu continuei a correr.
◇◇◇
Fico me perguntando se a minha
consciência vacilou por um minuto, pois
antes que pudesse perceber, ele já
estava do meu lado.
Um rapaz tão sereno que você nunca iria
imaginar ele usando aquele tipo de
roupa. Eu não poderia dizer que ele era
bonito, mas sua figura de alguma forma
me causava uma boa impressão.
Depois de verificar os meus ferimentos
e fazer os primeiros socorros das minhas
fraturas, ele gentilmente, sim, muito
gentilmente me ergueu com seus
braços.
O robe dele, que parecia tão novo,
agora estava sujo de sangue e poeira,
mas ele não parecia ligar para isso, e
apesar de ter uma aparência delicada,
ele ainda era forte o suficiente para me
carregar sem esforço.
Como ele planeja descer comigo de
cima da árvore? Talvez com Magia do
Vento?
Ao contrário das minhas expectativas,
ele simplesmente voou de galho em galho,
sem usar qualquer feitiço mágico.
◇◇◇
Eu estou passando por um beco.
Sem perder o passo, chuto a parede
para fazer uma curva.
Evito as pessoas que surpreenderam
com a minha chegada, como se estivesse
dançando.
Não ligo nem para a minha saia
flutuando ao vento.
Eu estou correndo com cada pingo de
força que há em mim.
◇◇◇
Fechei os meus olhos para resistir ao
impacto que estaria vindo. Um grito
irritante soou próximo das minhas
orelhas, mas aquele não passava de meu
próprio grito.
Entretanto, o choque nunca veio a
ocorrer, não importava o quanto eu
esperasse.
Quando timidamente abri os olhos com um
olhar preocupado, ele gentilmente me
cumprimentou.
O rapaz não parecia ter saltado direto
para o chão, mas sim, descido de ramo em
ramo até chegar a um telhado.
Que pessoal mais ágil!
Vamos chamá-lo de senhor ágil por
enquanto.
Enquanto me carregava, o senhor ágil
pulou por entre os telhados, procurando
um lugar apropriado para descer. Ele ía
para cima e para baixo, mas seus passos
eram tão leves quanto penas.
Quase como se tivesse asas.
Será que é essa a sensação de se voar
pelo céu?
◇◇◇
Eu estou perdendo o fôlego.
Mas não posso parar agora.
Fui confiada com a importante missão
de chamar reforços, para proteger a
vida dele.
Ignoro os gritos do meu corpo.
Quando tudo estiver acabado, irei
deixá-lo descansar o quanto quiser,
mas agora preciso ser rápida, nem que
seja um passo a mais.
◇◇◇
Quando estávamos passando por uma casa
apertada, ele tomou o máximo de cuidado
para que os meus membros faturados não
encostassem na mobília.
Após receber tanto cuidado e atenção,
eu me sentia quase como uma princesa.
Algo muito luxuoso considerando que até
momentos estive me preparando para a
morte certa.
Sempre que desviava de um móvel, nossos
corpos ficavam mais conectados. Embora
eu estivesse acostumada a treinar junto
aos outros soldados, aquele rapaz não
tinha um odor desagradável como os
demais homens. Pelo contrário, o meu
nariz sentia uma leve fragrância
elegante vinda de seu corpo. O cabelo
dele também parecia tão macio que eu
queria poder tocá-lo só um pouco…
A luta tinha chegado ao fim na praça e
aparentemente nós havíamos ganho.
Ele continuou me carregando em busca de
atendimento médico. Depois que o meu
tratamento terminou na tenda de
primeiros socorros, ele saiu em busca de
mais pessoas que pudesse resgatar.
Durante a nossa despedida, ele se virou
e acenou para mim. Não sei porque ele
acenou, mas por algum motivo aquilo me
fez sentir uma pontada de alegria.
◇◇◇
Estou quase na rua principal.
De repente, uma criança se jogou na
minha frente.
Não vou conseguir desviar a tempo,
por isso dou um salto, girando no
ar.
Sei que é imodesto fazer algo assim
vestindo uma saia, mas agora não é o
momento para me preocupar com a
vergonha.
Eu deixei a criança com os adultos
que estavam por perto e mais uma vez
faço um pedido irrazoável aos meus pés
uma última vez.
◇◇◇
Na noite daquele dia, Lilio e minhas
amigas tiraram sarro de mim quando
contei a elas sobre o senhor ágil. “A
primavera finalmente chegou para Zena~”,
elas disseram.
Mesmo se alguém tentasse me explicar,
“amor” era uma coisa completamente
alheia a mim. Agora, sempre que eu
pensava nele, por algum motivo acaba
sentindo vontade de sair correndo em uma
corrida. Se amor for isso, acho que
consegui então entender porque a Lílio,
que é uma obcecada por romances,
conseguia reagir tão rápido durante os
treinos.
No dia seguinte, acabei de algum jeito
decidindo sair usando saia. Não que
houvesse qualquer razão particular
nisso, mas eu achei que se antes de ir
me tratar no templo, se passasse na
frente da loja de livros que ele ajudou
ontem, poderíamos acabar nos encontrando
de novo… Mas esse pensamento é um
segredo.
Quando acabei o encontrando mesmo,
achei por um momento que isso fosse algo
predestinado… ou eu estou exagerando?
Lílio certamente iria fazer deboche
disso dizendo “Crianças adoram brincar
de coisas como destino, não é~♪”. Não
tenho a menor dúvida.
Ele falou que as minhas roupas
aleatórias eram “adoráveis”. Não posso
esquecer de anotar isso no meu diário
quando chegar em casa!
◇◇◇
Eu salto para dentro da rua central
enquanto bolando.
Correndo no meio dela, passei de
raspão por entre as carruagens.
Deixarei para depois o meu pedido de
desculpas ao cocheiro que começou a
gritar de forma ofensiva para
mim.
Deve haver um guarda dentro do portão
da muralha interna, mas ter de esperar
até que o meu fôlego retornasse seria
vergonhoso, por isso recitei o feitiço
[Sussurro] para informar o
ocorrido.
— [Aqui é a Soldado Mágico Zena
falando! Um “Púrpura” acaba de aparecer
no distrito leste, 13ª praça, próxima à
muralha externa!]
— Hã? Você está usando magia? Eu sou
Mondo da unidade dos guardas do portão.
Você tem certeza que se trata de um
“púrpura”?
[Púrpura] era um termo militar
referente a Demônios. Não era como se
pudéssemos gritar no meio do dia
“DEMÔNIO!” por aí.
— [Não há erro, eu confirmei
pessoalmente. Por favor, envie reforços
agora! Estou retornando para ajudar a
evacuar os civis!]
— N-NÃO, ESPERE! NÃO VÁ SOZINHA!
Sem dar ouvidos às últimas palavras de
Mondo-san, corri de volta para aonde
Satou-san estava. De longe, o som de
rugidos e construções sendo destruídas,
podia ser ouvido da direção da
praça.
Meu coração apertou, imaginando que o
pior poderia ter acontecido.
Está tudo bem! —
Eu gritava tentando persuadir a minha
mente.
Nebiren-sama do Templo de Garleon
também estava lá e ele era o melhor
usuário de Magia Sagrada em toda Seryuu.
Se for ele, mesmo que não possa derrotar
um Demônio Superior, poderá ao menos
ganhar tempo.
Eu conjurei novamente em mim o feitiço
[Caminho do Vento], uma vez que o efeito
já havia se expirado.
Também encorajei as minhas pernas a
correr novamente.
Para estar de volta ao lado daquela
pessoa.
◇◇◇
Ele me deu uma flor de presente.
Uma linda e pequena flor-do-mel de
fragrância suave.
Pergunto-me se ele sabe o significado
dela na linguagem das flores.
Nós fomos ao redor pelas lojas que
Lílio me ensinou. O senhor ágil ficou
inesperadamente surpreso com cada
pequena coisa que lhe mostrei e isso foi
meio que divertido.
O trunfo na manga que guardei entre as
coisas que Lílio me disse acabou saindo
pela culatra, o que é uma pena, mas,
antes que eu percebesse, nós já
estávamos caminhando de mãos dadas. As
ruas lotadas das quais sempre reclamei,
só por hoje, teriam o meu
agradecimento.
Isso seria o que as pessoas chamam de
“um encontro”?
Na linguagem das flores, elas
significa “O amor que começa a
brotar”… Se ele soubesse
disso...
◇◇◇
Eu cheguei até a praça antes do que
esperava, mas não tive tempo o bastante
para ponderar. Isso porque, tudo que
restava era uma imensa área vazia…
Em desespero, eu caí no chão…
No centro do terreno vazio, uma
horripilante pedra negra se elevou do
chão. Vozes de horror vinham de dentro
dela.
Como se gritando em protesto, arrastei
as minhas judiadas pernas até perto
dali.
Se não me enganava, o Demônio tinha
dito algo sobre um [Labirinto]. Não
consigo entender a ligação entre um
Demônio e um Labirinto, mas muito
provavelmente Satou-san e os outros
deveriam estar lá dentro.
Eu mesma estava pronta para adentrar
nele, mas acabei parando na entrada ao
ouvir as ordens dos comandantes que
vinham à cavalo. Eles
provavelmente eram a ajuda que solicitei
ao guarda da muralha interna que
contatei mais cedo.
Fui apontada pelo comandante para
servir temporariamente como mensageira e
garantir o perímetro da praça enquanto
construíam o posto militar. Como eu era
próxima a ele, acabei recebendo uma
série de informações. A praça e as casas
ao redor, pareciam ter sido sugados para
o subsolo junto com as pessoas.
Estou certa de que o ágil Satou-san
seria capaz de se refugiar em um local
seguro.
Vamos acreditar nisso com fé por
enquanto.
O Cônsul-sama que veio visitar o local
depois da construção do posto militar,
parecia bastante excitado, dizendo algo
sobre um [Núcleo do Labirinto], mas eu
não entendia do que ele estava
falando.
◇◇◇
Passados um dia inteiro, nós finalmente
recebemos a ordem de invadir o labirinto
e, é claro, eu também me
voluntariei.
A minha vontade era a de correr para
dentro dele o mais depressa possível,
mas Lílio não soltava o meu braço.
Embora mesmo fazendo isso, nada me
garantiria uma posição na
vanguarda.
Primeiro, nós asseguramos a primeira
sala em que entramos. A partir daqui, o
plano era avançar com a força principal
sempre que uma nova área fosse
assegurada. Apesar disso parecer excesso
de segurança, na verdade esta era uma
regra de ferro que deveria ser seguida
ao marchar dentro de um labirinto.
Nós continuamos a avançar vagarosamente
mesmo com toda a minha frustração, mas
de repente, passos vieram na direção da
gente.
Eu cuidadosamente confirmei o outro
lado usando um espelho e…
MENTIRA! SATOU-SAN!?
Não conseguindo registrar o súbito
golpe de sorte, acabei hesitando por um
instante.
Não era para eu ter hesitado. No fundo
da passagem, pude ver a figura de
Satou-san sendo atacada por uma fera que
saiu de trás da parede.
Eu me soltei do aperto de Lílio e, como
se sob o efeito de uma mágica, saltei em
direção a ele, como se estivesse voando
e pousei bem na parede do canto da
passagem.
A fera mordeu em direção ao
Satou-san.
Tudo bem, ele se esquivou.
Minha cabeça ficou em branco, mas não
era hora para isso. Eu recitei o feitiço
[Martelo de Ar], explodindo para longe a
fera. Esse golpe não tinha poder o
bastante para derrotá-lo, mas ao menos
iria fazer com que o monstro se
afastasse dele!
Satou-san também foi pego na explosão
de ar, mas os dois se separaram com
sucesso. Antes que a besta tivesse a
chance de atacar outra vez, Nebinen-sama
conseguiu derrotá-la.
Como esperado dele!
Eu, que fiquei aliviada depois de ver o
rosto de Satou-san, comecei a chorar
enquanto o abraçava, sem querer
soltá-lo. Mais tarde, Lílio tratou de
rir de mim por causa disso como se fosse
o problema de outra pessoa.
Mesmo depois de ter escapado de algo
como um labirinto, Satou-san continuava
agindo como o mesmo de sempre. Mas
talvez isso significasse que eu também
não deveria me preocupar muito.
Já que no dia seguinte seria a minha
folga, eu deveria tratar de fazer alguma
coisa deliciosa para ele logo pela
manhã.
Provavelmente a Lílio irá tirar sarro
comigo por causa disso, mas esse estilo
de vida ordinário não era ruim de vez em
quando.
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