O Solitário – Parte 1
— Diablo...
Seu nome foi chamado.
Ele se perguntava a quem pertencia àquela voz. Embora a forma de
pronunciar lembrava a de Shera, o rosto de outra garota lhe veio a mente.
Rem?
— Diablo, por favor, acorde.
Desta vez não havia dúvidas de que foi a voz de Rem, mas o que entrou
em seu campo de visão foi...
— EH!?
Sem sombra de dúvidas foi Rem, mas o que ela estava vestindo não era
seu equipamento de sempre, a [Camada da Rocha Secreta], mas uma espécie de
vestido de noiva... não, era muito transparente para ser o caso. Estava mais
para um baby-doll extremamente sedutor.
Ao lado dela, se encontrava Shera e, assim como esperado, também usava
um vestuário que tornava difícil saber onde colocar os olhos. Estando
ajoelhadas em cima da cama, as duas trouxeram seus corpos para mais perto dele.
— Diablo ♡
E-ei... o
que é que está rolando aqui!?
— O...oh....u.
Ele não conseguia transformar seus pensamentos
em palavras em uma situação que não tinha nada a ver com sua interpretação de
Rei Demônio.
Rem chegou ainda mais perto e sussurrou em sua
orelha.
— ...Diablo, a culpa é toda sua.
Shera se juntou a ela e sussurrou pelo outro
lado.
— Sim, assuma a responsabilidade.
E o que foi
que eu fiz!?
Diablo não tinha certeza o que exatamente tinha
feito de errado, já que havia tantas razões diferentes para sentir culpa. Em
primeiro lugar, ele não tinha qualquer confiança em si por causa de seu
distúrbio comunicativo, por isso, se alguém lhe dissesse para assumir a
responsabilidade de alguma coisa, o seu primeiro pensamento seria pedir perdão
por ter nascido.
Em uma análise mais profunda de sua vida até
agora, não havia nada além de falhas, arrependimentos, contradições...
escapismos...
— Uugh...
Ele tentou se levantar e fugir, ou pelo menos
era isso que estava planejando.
Espere,
porque estou querendo fugir desesperadamente da Rem e da Shera quando estão deitadas
comigo na cama usando nada mais do que um baby-doll transparente!?
Se fosse para dizer uma razão seria...
Uma sensação estranha estava pairando no ar.
Diablo decidiu então bater firme em sua cabeça.
Tendo um corpo forte e tal, não doeu muito, mas
dar uma pancada em si na frente dos outros causava um certo embaraço. Quando
abriu os olhos então, percebeu que não estava mais na cama, mas sim no chão do
quarto.
— En-então era um sonho! – Diablo suspirou de
alívio.
Bem que avia achado estranho ver Rem e Shera
usando aquele tipo de coisa. A razão para uma cena tão absurda e sua atitude anormal
agora estava clara, afinal sonhos sempre são assim.
Essa não era a primeira vez em que ia dormir
cansado e acabava sonhando com coisas estranhas.
Que horas
são agora?
Lá fora continuava escuro, mas ainda era
possível ouvir a multidão cantando na rua principal, o que significava que não
tinha dormido por muito tempo. Em momentos assim, embora a falta da tecnologia
moderna do Japão não fosse um aborrecimento tão grande, ele sentia que um
relógio seria conveniente.
*Don Don Don!* — De repente, alguém bateu
vigorosamente na porta.
Este foi um acontecido tão súbito que Diablo
não conseguiu conter a surpresa e pulou imediatamente do chão. Entretanto,
gritar por causa de uma coisinha dessas não era adequado para um Rei Demônio,
por isso tomou uma profunda inalação e retomou a sua interpretação.
— QUEM ESTÁ AÍ! COMO OUSA ME PERTURBAR AGORA!
— SINTO MUITO DIABLO-SAN, MAS É UMA EMERGÊNCIA!
A voz que veio do outro lado da porta foi de
Boris.
— Quão persistente! Eu já falei que não quero
ir ao banquete, não foi!?
— Não é isso! Rem-san! Rem-san tentou
assassinar Celestine-sama!
Os pensamentos de Diablo congelaram. Ele não
conseguiu entender imediatamente o significado do que estava sento dito.
Neste meio tempo, Boris continuou a explicação.
— Pouco tempo atrás, Rem-san visitou a Guilda
dos Feiticeiros! De repente ela atacou celestine-sama com um Feitiço!
— Mas que absurdo você está dizendo!?
— E-eu, eu sinto o mesmo, mas... tiveram várias
testemunhas...
— Onde a Rem está!?
— Segundo os relatos, ela foi cercada na
muralha oeste!
Diablo estava aliviado que ela ainda estivesse
viva, mas esta não era um situação onde poderia ficar feliz.
Ele se levantou, arrumou o equipamento, colocando
de volta o manto que havia retirado, e procurava suas botas enquanto falava com
Boris.
— E quanto a Celes?
— O ataque errou e graças à presença da mestra
da Guilda dos Aventureiros, assassinato acabou não passando de uma tentativa.
O que está
acontecendo aqui?
Rem tinha uma gratidão genuína em direção a
Celes e, mesmo desta vez, tinha ido até a guilda reportar o ocorrido por livre
e espontânea vontade. Por acaso eles teriam tentado confina-la na Guilda dos
Feiticeiros? Impossível, já que Rem não tinha mais o espírito do Rei Demônio
dentro de si, não havia mais razões para tentarem contê-la.
Além disso, se tivesse sido algo começado pelos
próprios feiticeiros da guilda, para fazerem algo assim na frente de celes...
Diablo pegou seu cajado e veio para fora do
quarto.
— Diablo-san, por favor vá em direção ao portão
oeste. Se ela ainda não tiver se movido para longe, deve estar na porção que
ainda não ruiu da muralha.
Logo após responder com um “Umu”, Diablo sentiu
que alguma coisa não estava certa.
— Boris, você disse que a Rem usou um feitiço?
— Sim!
— Não foi uma Invocação?
— ...Pelo que ouvi, foi algum tipo de [Magia
Elemental].
Ouvindo a resposta de Boris, um calafrio correu
na espinha de Diablo.
— Você tem certeza de que era Rem!? Ela é uma
Invocadora! Não tem como ela ter usado Magia Elemental capaz de matar uma
pessoa!
— Ah, AHHHHHHHH!!!!
— Avise a Rose e as outras sobre isso! Eu irei
na frente!
Normalmente depois desse tipo de alvoroço, todas
já teria saído de seus quartos. No entanto, Sasala ficou exausta na última
batalha, por isso estava dormindo profundamente.
A mesma coisa se poderia dizer sobre Rose.
Depois de ter uma quantidade massiva de poder mágico derramado sobre ela,
entraria em um estado de sono profundo para se recuperar.
E quanto a Edelgart? Como na batalha anterior
ela tinha sido quase extinta, não importava se fosse um Ser Demoníaco, ainda
estava longe de sua condição normal.
Como nenhuma dessas garotas poderia ser levada
para as linhas de frente, Diablo partiu sozinho da hospedaria.
Rem, o que
aconteceu com você?
◇◇◇
Ao chegar no local, Diablo viu que a situação foi exatamente como Boris
havia lhe informado. Virando seu rosto na direção dos escombros do portão
oeste, uma multidão barulhenta com uma atmosfera pesada ao redor podia ser
vista, onde soldados e curiosos faziam um grande cerco.
Diversas tochas foram erguidas, tornando o ambiente tão iluminado como se
fosse pleno dia. Os olhares das pessoas estavam reunidos em um único ponto da
muralha. Uma pessoa estava em pé lá, uma pequena garota de cabelos negros.
Então se trata mesmo
de Rem.
Acima da muralha não havia mais ninguém além dela e, embora os soldados
tenham formado um cerco, nenhum deles se atreveu a escalar. Na vanguarda deles
estavam Lamntes e Sylvie.
— Renda-se agora, Rem Galeu! Não há mais para onde fugir!
— Rem-san! Vamos ouvir quais as suas circunstâncias! Nós não te
trataremos muito mal, entendeu!?
Essas duas idiotas
são a pior escolha!
Embora as duas fossem mulheres de aparência fofa e sedutora, nenhuma
pessoal normal se deixaria enganar por isso. Ambas eram cabeças duras que não
se incomodariam de fazer qualquer sacrifício que fosse pelo bem das
organizações que representavam.
As duas eram mulheres virtuosas que seguiriam as leis.
As duas eram mulheres virtuosas, que infelizmente seguiriam as leis acima
de tudo.
Provavelmente seria impossível persuadi-las a deixar tudo nas mãos dele
e, caso falhasse nas negociações, havia a possibilidade que todos achassem que
ele era cúmplice de Rem.
— O que preciso fazer agora... é ir lá para cima, eu acho.
Preenchendo com poder mágico suas botas de classe SSR [Dança no Céu
Vazio], Diablo ativou o efeito mágico de flutuação, subindo em direção à
muralha. Vendo a figura dele, os soldados começaram a fazer um alvoroço, mas
nenhum o confundiu com um Ser Demoníaco. Seria porque já estavam acostumados
com Lamnites, que também usa Magia de Voo?
Também era uma benção que muitos soldados já conheciam Diablo pela
batalha de antes, assim não houve qualquer pessoa que descuidadamente
disparasse contra ele, quem havia derrotado o Grande Rei Demônio.
Diablo chegou ao topo da muralha. Ela estava rachada, pendendo e parecia
que iria tombar a qualquer momento, por isso ele teve o cuidado de prosseguir
até uma parte que parecia mais segura, a uma distância de dez passos até Rem.
— Ei, Rem!
— ...!? — Ela abriu os olhos com uma expressão de surpresa.
Para melhor ou para pior... não restava dúvidas de que era realmente ela.
Os dois estiveram juntos desde o nascer do sol até o anoitecer por quase
um ano, por isso todo gesto e até mesmo sua atmosfera, tudo aquilo lhe dizia
que a garota à sua frente era a mesma pessoa.
— ...Diablo ...você veio.
— O que foi que aconteceu? Me conte.
Depois de aterrissar, Diablo compreendeu porque ninguém tinha se
aproximado e apenas assistiam de baixo. A muralha estava balançando um pouco,
com fragmentos caindo constantemente. Era apenas uma questão de tempo até que
ruísse, embora não sabia dizer se isso seria agora ou quem sabe daqui a alguns
anos, mas o certo era que se um grande número de soldados de infantaria se
atrevessem a subir, a estrutura iria abaixo sem demora.
Diablo decidiu então ajustar o efeito da Magia de Voo para remover o seu
peso de cima da muralha.
Rem fez uma expressão cheia de dor quando o viu.
— Você pode não acreditar em mim, mas...
— Hou?
— ...Bem agora ...Modinalaam ...está dentro do meu corpo.
Diablo estalou a língua.
— Bem como imaginei.
— Eh? Você... acredita em mim...!?
— Por que achou que eu duvidaria? Quando disse que a alma de Krebskrum
estava selada dentro de você, eu acreditei, não foi?
— Sim... é verdade.... mas, eu... fiz aquilo com Celes.
— Pelo que ouvi, ela está segura, não é? Me conte os detalhes. O que
aconteceu na Guilda dos Feiticeiros?
Rem virou o rosto para baixo.
Como não houve qualquer movimento dos soldados, provavelmente haviam
decidido que agora que Diablo tinha chegado, iriam apenas observar o
desenvolvimento. Embora Lamnites e Sylvie estavam com expressões severas no
rosto.
Rem moveu os lábios outra vez.
— ...Isso foi durante a minha conversa com Celes no escritório da guilda.
Por um instante a minha consciência... ficou distante, quase como se eu
estivesse a ponto de dormir. Naquele momento achei... que, mesmo não tendo
lutado poderia ter acumulado alguma fadiga, mas...
— Umu.
— ...Quando me dei conta, uma lança mágica tinha aparecido na minha
mão... uma lança de cor escura.
— Foi o feitiço [Lança Negra]?
Ela balançou a cabeça para os lados.
— ...Eu não sei. Não tenho conhecimento sobre esse tipo de coisa... Só
posso dizer que na hora em que o feitiço se formou, de alguma forma consegui
evitar que pegasse em Celes.
— Compreendo...
— ...Como já experimentei isso antes,
percebi na mesma hora. Percebi na mesma hora que... que havia um Rei
Demônio dentro de mim! Apesar de que foi a primeira vez que tive meu corpo
manipulado dessa forma.
— Naquele tempo Krebskrum estava selada. Já Modilanaam escapou para
dentro de você. Essa deve ser a diferença.
Pelo menos em Cross Reverie esse tipo de evento não existia.
Rem pressionou sua cabeça.
— ...Me disseram que Krebskrum reviveria caso eu morresse.
— Sim.
— Mas parece que... se eu dormir, Modinalaam irá despertar.
Por que tinha que
ser a Rem!?
Ele sentia um forte ressentimento com o destino, mas, mais importante,
precisava pensar em alguma forma para lidar com isso.
— Se for Krum, talvez ela saiba de alguma solução.
Ela era um dos fragmentos do Rei Demônio e possuía conhecimento de quando
foi despedaçada por Deus. Krum poderia estar muito bem informada a cerca das
habilidades dos outros Reis Demônios.
— ...Seria ótimo ...se pudéssemos perguntá-la, mas ...eu ...já cheguei ao
meu limite.
— O que foi que disse!?
— ...Mo-modinalaam ... A consciência dele está ficando mais forte.
— Rem! Aguente firme! Você é uma Aventureira sem igual, não é!?
— ...Eu sei disso ...é o meu maior orgulho e não quero ser apenas ...uma
pedra no caminho dos outros ...eu!
Rem começou a caminhar até a borda da muralha e olhou para algum lugar
distante.
— ...Os Seres Demoíacos.
— O que tem eles?
— Eles sabem... eles sabem que Modinalaam irá voltar. É por isso que
ainda não recuaram.
— Você pode estar certa...
— Eu não vou deixar... As coisas irem como querem!
— Naturalmente. Rem, o Rei Demônio que está dentro de você, deixe ele
para mim.
Ouvindo as palavras de Diablo, Rem sorriu. A expressão de angústia que
tinha até agora desapareceu completamente, dando lugar a um sorriso radiante.
— ...Obrigada, Diablo... Sou verdadeiramente abençoada em poder te ver
nos meus últimos momentos.
Últimos momentos!?
O que você está planejando, Rem!?
Na mesma hora, ela cerrou os dentes e correu para fora da muralha.
— NÃO FAÇA ISSO! REM!!!
Naquele momento, o colocar de ferro em seu pescoço reagiu. Rem que estava
a meio passo da borda da muralha parou de se mover como se tivesse virado uma
estátua de pedra.
Lágrimas escorriam dos olhos dela.
— Por que... por que você não me deixou morrer, Diablo! Eu não quero...
eu não quero virar sua inimiga...
— EU SOU O REI DEMÔNIO, DIABLO! NÃO IMPORTA QUEM ESTEJA DOMINANDO VOCÊ!
IREI ANIQUILÁ-LO SEM FALHA!
— !
Rem parou de resistir e parecia a beira do colapso. No entanto, como se
fosse puxada por uma corda, seu corpo subitamente parou de se mover e flutuou
no ar.
Chamas negras a envolveram e sua aparência mudou. Uma espécie de chifres
surgiram dos lados de sua cabeça e mesmo suas unhas se tornaram afiadas como
facas. Originalmente, ela estava com uma vestimenta de alto nível de exposição,
mas agora suas roupas mudaram para algo ainda mais ousado e provocante, com uma
textura que se assemelhava mais a escamas cobrindo a pele.
Aquele tipo de cobertura lembrava a mesma de Krum quando havia sido
despertada.
Como se houvesse despertado como um Rei Demônio...
De suas costas, asas negras se espalharam, duas de cada lada, somando
quatro no total, de aparência enevoada, como se não tivessem uma forma fixa. E
então, uma face surgiu em uma dessas asas, assumindo a aparência do rosto de um
bode...
— MODILANAAAAAAAAAAAAAMMMMMMMM!!!
Aquela face grotesca abriu sua boca.
— Quão tolo és tu. Em pensar
que perderias tua última oportunidade em extinguir a minha existência por um
sentimento tão banal.
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