CAPÍTULO 3

O prisioneiro no cemitério abria covas.
Este era seu trabalho—seu dever.
O tamanho das covas era designado e marcado por quatro rebites no chão. Porém, por alguma razão, hoje só conseguiu encontrar uma das marcas.
Talvez seja algum tipo de engano, pensou ele enquanto olhava para o chão ao redor de seus pés. Ainda assim, não conseguiu encontrar outra marca.
Ele estava nos limites do cemitério em massa, as lápides que o cercavam não estavam próximas. Era muito diferente da uniformidade de um complexo habitacional de uma cidade; ali, os túmulos eram colocados em qualquer lugar.
Qual o significado disso?
Com a pá no ombro, o garoto olhou para a única marca. Será que Daribedor se enganou? Ele colocou seu pé sobre o rebite e olhou para longe...
— ....
Neste momento, finalmente notou o outro rebite cravado no chão, porém, estava muito longe de sua posição atual. Ao pensar que isso era algum tipo de absurdo, foi conferir. Mas era estranho, esse foi colocado na distância onde o terceiro ou quarto normalmente ficavam. E se a marca realmente não fosse um engano, esta cova teria o dobro do tamanho da primeira, a qual foi usada para enterrar aquele monstro de cabeça gigante.
O ânimo de Muoru mudou drasticamente. Quanto esforço precisarei aplicar para terminar isso aqui?
Então, o medo aumentou, qual o tamanho desse, para precisar de uma cova tão grande?
Não só percebeu o tempo e esforço que precisaria, como também teve uma resposta para sua segunda dúvida. Afinal de contas, isso era natural. Mesmo que a criatura fosse mais pequena que a cova, o tamanho do buraco era o suficiente para caber três blindados ou até mais.
“Os monstros têm uma variedade infinita de tamanhos, porém, o que têm em comum é que ‘quanto mais grande, mais forte’”, antes de começar a trabalhar, se lembrou das palavras de Corvo.
Corvo e aquelas pessoas planejavam enfrentar aquela coisa que, supostamente, seria enterrada na cova que ele estava abrindo? Se assim for, deviam orar por segurança, pois, pelo que lhe foi dito, esses monstros eram imortais.
Suspirando, Muoru fincou a pá no chão e levantou sua primeira pazada de terra. Com a mesma ação, deu outra pazada, então, outra pazada, e outra pazada, e outra pazada, e outra, e outra, e outra...
E, embora tenha feito isso várias vezes, até anoitecer, nem metade da cova foi aberta.
Mesmo tendo ficado acostumado com esta atividade, como era de se esperar, ele ficou cansado. Após todo o esforço feito para limpar o rosto sujo naquele reservatório pela manhã, acabou voltando ao estado imundo de antes. Mesmo sendo um prisioneiro, sentia que sua condição era um certo tipo de punição. Porém, se fosse esse o caso, por que estava sendo punido?
Foi uma falsa acusação. Não fiz nada de mal. Ele tocou o peito com a mão e se lembrou da visão que teve esta manhã.
Ao mesmo tempo, sentiu uma parte dele se endurecer involuntariamente.
Ainda que fosse um acidente, espiar Mélia enquanto ela tomava banho era um crime certo.
Ele passou o dia inteiro pensando sobre qual seria a melhor forma de conversar com ela quando se encontrassem. Sem dúvidas, a primeira coisa a sair de sua boca devia ser um pedido de desculpas. O que fez foi muito lamentável; simplesmente não havia como descrever.
Com esse pensamento, voltou ao reservatório para se lavar. No entanto, parecia que a terra já havia grudado em suas juntas e pontas dos dedos e, por este motivo, não importava quanta água colocasse sobre seu corpo, jamais poderia se livrar disso. Porém, a fim de esfriar a cabeça, despejou água sobre ela várias vezes, como se fosse um tipo de ascético religioso.
Logo depois, foi em direção ao cemitério e, mesmo distante, pôde ver uma familiar luz alaranjada flutuando na escuridão da noite. Ela se aproximou dele na mesma velocidade languida de sempre.
Bom, talvez ela não esteja tão brava.
Se estivesse, não tentaria o encontrar. Essa simples linha de pensamento o tranquilizou.
— Méli... — Mas quando foi falar, ela parou, ficando bem longe. Ainda se sentindo culpado, Muoru não tentou se aproximar mais.
— ...
— ...
Um silêncio desconfortável caiu sobre ambos. Não vai ser legal se eu não conseguir pedir desculpas de forma apropriada. Muoru tentou abrir sua boca, entretanto, antes que pudesse dizer alguma coisa, Mélia falou:
— Por um tempo, não saia à noite.
Seu septo nasal ardeu um pouco e ele teve vontade de se dar um chute por ter se sentido aliviado.
 — Sinto muito. Acho que você realmente está brava — disse ele, abaixando a cabeça com vergonha.
Mélia, cujo rosto estava envolto pelo capuz, balançou a cabeça.
— Não estou.
O comportamento da garota parecia dizer “Você não precisa se desculpar” ao garoto.
— Eu sinto muito mesmo, não foi de propósito! Às vezes, acordo mais cedo e vou dar uma caminhada. Ouvi a água corrente e fiquei intrigado... Sério mesmo, não pretendia te espiar, mas ainda assim, acabei te vendo lá...
O rosto de Muoru estava ficando vermelho. Na metade de sua explicação, suas palavras começaram a ficar tão embaralhadas, a um ponto tal que não sabia mais o que estava tentando dizer. Era como se tivesse o comportamento de uma criança do jardim de infância.
— Por favor, pelo amor de deus... — disse Muoru, mas suas palavras desesperadas pareciam não chegar até a garota.
— Não estou brava ou algo do tipo, se acalme. Durante um tempo, fique apenas no estábulo à noite. Não saia, de jeito algum. Por favor, te imploro...
Ela agarrou a extremidade do manto com tanta força que seus dedos ficaram brancos. E enquanto apertava, não fez nada a não ser implorar para que ele não saísse, sem parar.
Sem ter escolha, depois disso, Muoru voltava para abrir aquela cova gigante durante o dia. Então, à noite, passava o resto do tempo dentro do estábulo.
Enquanto encarava a parede velha para passar o tempo, sua mente não parava de se preocupar.
Ele não sabia o que a garota queria dizer com “durante um tempo”, porém, ela havia dito para apenas não sair, isso não significava que havia cortado relações com ele.
Se o que pensou fosse verdade, assim como as palavras “durante um tempo” implicavam, logo o suspense e nervosismo acabariam.
No entanto, após dois ou três dias, seu corpo coçava de tanta impaciência, e nada podia ser feito. Sério que não tem outro jeito? Não foi de propósito... Essa desculpa começou a marcar presença em sua mente mais uma vez. E a única forma de aquietar tais pensamentos era ouvir diretamente de Mélia. Isso mesmo, mesmo sabendo que não conseguiria dizer com clareza o que queria, não havia mais nada que pudesse fazer.
Então, em certa noite, do nada, ouviu os uivos de um cachorro, vindos do cemitério.
Sem conseguir relaxar por alguma razão, tentou sair do estábulo.
O céu completamente limpo e estrelado parecia o mesmo de sempre; como se não tivessem ocorrido mudanças quando passou as duas noites sem sair.
Mas... por quê? Por que me sinto arrepiado?
O garoto tentou esfregar o braço com gentileza. Já estava acostumado com o cemitério à noite, então não era aquele seu sonho acordado que estava causando o medo e arrepios de agora... Talvez seja apenas minha imaginação.
Mas não poderia confiar em sua sensação sobre a atmosfera atual, caso sua mente fosse enganada por um equívoco.
De repente, algo aconteceu. Assim como o próprio nome implica, um abalo sísmico é um fenômeno que faz a terra tremer. Muoru pensou que a área parecia estar tremendo um pouco. Poderia dizer que a sensação era semelhante a observar um gigantesco tsunami levantando no horizonte. Dentro dessa onda, um enxame de, possivelmente, inúmeros soldados inimigos corriam vigorosamente em sua direção, preparados para atacar.
Talvez estivesse sentindo o começo de uma premonição. Não. Seja qual for a sensação que estava prevendo, ela estava prestes a acontecer.
Com esses sentimentos, voltou ao estábulo, mas não achava que seria possível esperar sem fazer nada até o amanhecer.
Talvez eu devesse me preparar para fugir.
Logo após pensar nisso, Muoru saiu do estábulo e correu até o portão da mansão. À primeira vista, pensou que o cemitério noturno estava mais normal do que nunca. No amplo e inclinado terreno, não havia humanos, apenas lápides. O vento uivava através das folhas das árvores, e toda a área estava cercada pela escuridão.
Muoru correu em direção à grande árvore, no centro exato do cemitério. Escalar árvores não era sua especialidade, mas se fosse capaz de subir, provavelmente conseguiria ter uma vista clara de todo o perímetro.
Porém, quando finalmente chegou à raiz da árvore, já sem ar... ele viu aquilo.
Foi a segunda vez que seu cérebro não conseguiu entender o que estava vendo.
Ele não conseguia distinguir bem a memória do que viu naquele dia, quando se deparou com uma criatura que não era algo visto no dia a dia. O primeiro contato ainda era recente. Foi quando o monstro de cabeça gigante estava preso e enterrado.
Agora.
Diante de seus olhos, havia um saco de carne gigantesco.
Se forçasse os olhos para enxergar, veria que a massa macia, esférica e distorcida de carne enrolada se parecia com a cabeça de um polvo..., porém, polvos não andavam sobre terra firme, deviam ter olhos e com certeza não eram mais altos que um prédio de dois andares.
Esse era um monstro.
Ou, como Corvo disse, um demônio. Ou, como a garota guarda sepulcral disse, A Escuridão. Além disso, esse era muito maior que seu amigo, o monstro de cabeça gigante que ele enterrou.
Mas agora era diferente. Desta vez, não estava preso ou algo do tipo. Ele se movia. A gigantesca cabeça carnuda de polvo não era apoiada por oito tentáculos com ventosas... não, eram rígidos, iguais aos de um besouro, e só ajudavam a fazê-lo parecer maior.
A ponta de cada tentáculo formava uma ponta afiada e parecia uma garra, dependendo de como olhasse. Claro, não era natural ter coisas como uma garra dura e óssea em qualquer lugar do corpo. E, quanto à quantidade, inúmeros tentáculos de variados tamanhos saíam de baixo do saco de carne, todos se contorcendo sem parar, assim como as patas de uma centopeia.
Era extremamente estranho e assustador, e Muoru tinha certeza que não era uma criatura do mundo normal.
Aquela criatura estava seguindo em frente, para onde... Mélia estava.
O garoto parou de respirar.
Ela não estava correndo ou tentando fugir. Pelo contrário, ela e o monstro estavam se encarando. 
Mesmo com o manto e o capuz a cobrindo, seu corpo ainda parecia delgado, o qual, diante daquela besta monstruosa e gigantesca, parecia extremamente pequeno. E, mesmo de muito longe, Muoru conseguiu ver a mesma expressão calma que ela sempre teve no rosto.
O monstro ergueu uma das pernas, como se fosse uma foice.
Corra, o garoto tentou dizer, mas sua voz não saía.
Porém, independentemente se gritasse ou não, não faria diferença. Já era tarde demais.
A perna balançou de um lado para o outro, como a língua de uma cobra, com sua ponta na forma de uma garra afiada.
Então... a mão esquerda da garota girou sem parar no ar, como se fosse a ponta quebrada de uma espada, antes de cair e rolar no chão.
Um grito débil e frágil ecoou.
E, embora não fosse alto, ou talvez não pudesse ser tão alto; o som de sua voz ainda perfurou os tímpanos de Muoru.
No momento seguinte, quatro pernas da criatura se esticaram e perfuraram o corpo de Mélia. Seus gritos logo desapareceram. Havia uma garra atravessando seu corpo, logo abaixo da garganta, impedindo-a de gritar. As outras perfuravam o braço direito, a coxa esquerda e seu umbigo... cada uma atravessou até que o corpo da garota ficou todo perfurado por elas.
Depois, o monstro usou as quatro pernas estendidas para levantá-la. Sangue escorria da boca dela e, no momento seguinte, como se seu corpo não pudesse mais segurar, uma grande quantidade de líquido vermelho saiu de suas partes baixas. 
O monstro balançou a garota impotente no ar e a arremessou. Enquanto jogava o corpo, sua garra, a qual perfurava seu umbigo, cortou-a de dentro para fora, fazendo com que seu abdômen e entranhas saíssem de seu corpo, como se fossem uma longa cauda. Então, ela atingiu o chão, sangue foi espalhado para todo o lado, como se o monstro simplesmente tivesse esmagado uma fruta repleta de suco. E, no chão, os intestinos dela formavam um arco.
Mélia...
Ainda estava viva.
Estava soluçando.
Não importa o quão musculoso ou forte um homem fosse, ele, com certeza, gritaria ao receber ferimentos graves como aqueles. Claro, não seria estranho se morressem logo após, já que, em outras palavras, eram ferimentos fatais.
Porém, apesar disso tudo, a garota se levantou.
No começo, parecia instável, mantendo as mãos sobre os joelhos. Mas então, ficou ereta e suas pernas permaneceram firmes.
Em seguida, o garoto viu algo mais inacreditável que o próprio monstro.
As tripas, que saíram de seu abdômen aberto, contorceram-se como minhocas e rastejaram para dentro do corpo dela. Então, depois que tudo aquilo que devia estar do lado de fora de seu corpo voltou para dentro, o grave corte, de dentro para fora, fechou-se, parando o sangramento.
Isso não era tudo; sua mão esquerda, a qual foi decepada no primeiro golpe, voltou até seu corpo, como se fosse puxada por um imã. Ela subiu pela sua perna, estômago, peito e costas, antes de se juntar ao seu pulso, voltando a serem dois braços completos. Era como se Mélia fosse uma boneca, e sua mão e corpo estavam sendo costurados por um alfaiate invisível.
Ao testemunhar este espetáculo inacreditável, Muoru se lembrou das palavras que Corvo dissera uma vez: “Essas coisas não têm aquilo que chamamos de vida. Assim como as palavras sugerem, são mortos-vivos. Mesmo que você corte, queime ou pique em pedacinhos minúsculos, ainda voltam à vida, como se fosse uma piada...”

Mélia foi perfurada várias vezes, e seu corpo foi dividido ao meio. Cada vez que era ferida, dava um grito, como se desistisse..., mas, então, seus braços e pernas dilacerados, seus órgãos espalhados, seu tronco rasgado ao meio e sua cabeça esmagada voltavam à forma que estavam antes. No entanto, como se fosse alguém que sentia prazer ao ver homicídios macabros, o monstro gigantesco brandiu seus tentáculos e continuou seu massacre sobre ela, parecendo que iria durar para sempre.

Sob a lua brilhante e as estrelas, em um terreno que parecia se estender ao infinito, o monstro, fora do comum, continuou a destruir o corpo de Mélia. Parecia que a crueldade duraria para toda eternidade, porém, conforme o tempo passava, parecia que sua energia diminuía aos poucos...
O motivo era simples.
O número de pernas se movendo estava diminuindo.
Sob o corpo do monstro, ainda parecia haver vários membros afiados sobrando, mas, agora, mais da metade parecia ter parado. Uma a uma, as pernas que deviam estar balançando sem parar, de repente, pararam e não se moveram mais.
Mas não estavam parando ao acaso. Na verdade, ao olhar mais de perto, parecia que as únicas paradas eram as que tocavam Mélia.
Não havia como saber o porquê, mas vamos aos fatos: a garota se aproximava e, sempre que as pernas do monstro a feriam, cortavam ou perfuravam, elas paravam de se mover logo depois, ficando penduradas, como se os nervos tivessem sido danificados. Aos poucos, sua energia se reduziu ao ponto em que as restantes não conseguiam mais aguentar seu peso. E quando a massa de carne caiu, causou um tremor que abalou a terra.
Se isso fosse o que era normalmente considerado uma luta, seria normal haver uma diferença estratosférica entre a força do monstro e a da garota. Se Muoru o enfrentasse, mesmo se lutassem um milhão de vezes, era capaz de ele morrer em todas. E, sendo sincero, havia uma diferença gigantesca entre a força daqueles dois.
Ainda assim, aquele monstro horrível e demoníaco foi incapaz de matar a garota, cujo corpo era magro como um caule de planta; na verdade, o corpo dele foi enfraquecendo aos poucos. Era como uma pedra, sendo desgastada por muitos meses e ciclos de chuva sem fim.
Mas é claro, por ser um gigante, a velocidade de enfraquecimento era terrivelmente lenta.
Até que, no fim, a última perna parou de se mover.
O amontoado de carne dobrada, maior que qualquer tipo de estátua, não conseguia sequer lutar com uma formiga agora. Quando a criatura violenta parou de se mover, embora fosse estranho dizer, ela parecia desanimada e desencorajada, como se fosse um patrono em um festival que havia acabado de terminar.
Coberta por sangue, mesmo não tendo um ferimento sequer, Mélia, com a mesma lentidão de sempre, foi até o monstro e tocou sua carne com a mão direita.
A atmosfera vibrou sem emitir sons. Não foi uma mudança que ele conseguia ver com os olhos, porém, tudo ficou quieto. Era como se o mundo tivesse parado.
A criatura não se moveu mais. Mélia tocou-a, cambaleando por causa do cansaço. Sua respiração estava pesada e agitada. E mesmo estando viva após ser apunhalada, perfurada e rasgada ao meio, sua aparência pálida parecia a de um cadáver.
— Muo... ru? — A garota levantou o rosto cheio de lágrimas.
O garoto não tentou esconder os sons de seus passos.
Ao vê-lo, Mélia parou de chorar. Não, era melhor dizer que ela engoliu o choro.
Ele não sabia por que ela fez aquilo, já que seria muito mais fácil de entender caso ficasse soluçando em seus braços como uma criança.
Devo me aproximar ou ir embora?
A única coisa que conseguiu pensar foi na aproximação.
No entanto, antes, a razão pela qual não gritou foi por autodefesa.
Se gritasse “corra”, aquele monstro provavelmente teria apontado suas armas para ele e o matado assim que acabasse com a garota. Por isso não poderia gritar, por isso não o fez. E, realmente, não havia nada de errado com essa hipótese; só que a possibilidade de que Mélia sobreviveria não foi incluída.
O arrependimento pelo que fez era grande, mas seria difícil se desculpar por fugir com o único intuito de salvar a própria pele. Porém, independentemente do que os outros podiam pensar, ele não pretendia fugir no atual momento.
No entanto...
— Mélia. — Não havia força em sua voz.
A expressão da garota, enquanto segurava as lágrimas, era mais dura do que qualquer tipo de máscara, e Muoru não tinha certeza se ela podia mudar isso ou não.
Está tudo bem? Está machucada? Me diga, o que é você?
Essas dúvidas passaram pela sua cabeça, mas, se perguntasse, não sabia se seriam uma boa forma de se comunicar com ela.
Depois de derrotar aquele monstro, tremendo de dor, estando assustada, ferida e, agora, coberta de sangue, com a cabeça baixa por causa da vergonha, o que poderia dizer para melhorar a situação...? Ele só precisava que alguém lhe dissesse, não importa quem fosse.
— Quer... ser minha amiga?
— O quê?
O garoto agarrou a mão direita de Mélia com força.
A mão que finalizou o monstro.
— Mesmo que tenha me rejeitado naquele dia, vou apenas ignorar — disse Muoru, sorrindo de forma estranha, fingindo relembrar daquele dia.
Da mesma forma de quando foi perguntada pela primeira vez, Mélia piscou, como se isso fosse algo engraçado.
— Não é justo dizer não uma segunda vez depois de já ter rejeitado alguém antes.
Como um mágico, que conseguia cativar o coração de crianças ao produzir uma bandeira com a palma da mão, Muoru falou com a mesma maneira tranquila e tagarela de sempre. Mas, mais importante que isso, estava mantendo a calma. Caso continuasse com aquele tom e aparência, até mesmo sua bondade esvairia de seu comportamento.
— Bem, estou certo ou não?
Não houve mudança na expressão de Mélia. Ela não disse nada, nem balançou a cabeça de um lado para o outro. Apenas encarou o chão.
Vê-la era como observar líquido derramando da beirada de um copo cheio até a borda. E, de repente, a partir dos olhos úmidos, uma única lágrima escorreu pela sua bochecha. 
— Não consegue se levantar?
A garota assentiu com a cabeça, uma lágrima caiu de seu rosto com o movimento feito.
Muoru virou o rosto para o lado e fez o máximo possível para desviar os olhos do corpo dela. Depois, soltou sua mão e passou seus braços sob suas pernas. Ele colocou o braço direito atrás de seus joelhos e o esquerdo em suas costas, levantando-a.
— Ei, o que está fazendo? — gritou a garota, nervosa.
— Acho melhor você se lavar. Depois, troque de roupas e tal. — Muoru simplesmente respondeu de forma curta e grossa.
Mesmo ele sabia que carregar o corpo dela poderia parecer estranho, mas pensou que não era hora para se preocupar com isso.
Bem... talvez ela não fosse uma princesa ou algo do tipo.
Ao dizer roupas, Mélia corou, pois finalmente percebeu sua aparência.
Mesmo não havendo ferimentos em seu corpo, suas roupas ficaram em trapos. O manto escuro que sempre usava foi rasgado e apenas alguns trapos cobriam seu corpo, como se fossem as cascas sobre um pintinho que havia acabado de chocar; um estado que poderia ser chamado de “seminu”.
A condição de sua roupa revelou o mistério sobre o que havia sob a espessa e escura sombra de seu manto. Parecia que ela não usava nada além de um fino vestido como roupa de baixo. Mesmo assim, a garota em seus braços possuía pouco tecido para cobrir suas partes importantes, e o que sobrou estava laceado, revelando suas pernas até a altura da metade das coxas. Por causa disso tudo, Muoru ficou sem saber para onde olhar.
Se não tivesse sangue escorrendo pelo corpo dela...
Por ser capaz de ter pensamentos ridículos como esses, mostrava que finalmente havia se acalmado depois daquilo.
Alguns minutos após ter começado a andar, Mélia perguntou com uma voz tímida:
— Não sou pesada?
Ainda que sua voz parecesse estar falhando, não estava fraca. Ao que tudo indicava, não corria risco de vida, mas, talvez, não estivesse completamente a salvo. Suas bochechas pareciam estar quentes devido à febre, sua respiração estava agitada, e ele conseguia sentir, com a mão em suas costas, o coração dela bater acelerado.
Ficou claro que ela não era normal. No entanto, o garoto não queria dificultar as coisas e perguntar muito. Portanto, o melhor que podia fazer era tentar acalmá-la.
— Mesmo se fosse três vezes mais pesada, ainda seria tranquilo.
O corpo de Mélia era delgado, chegando a ser desconfortável, sem contar sua falta de peso. Ou talvez eu tenha mais força em meus braços porque estou nervoso.
— ...
Mélia desviou o olhar e suspirou.
Mesmo que estivesse coberta de sangue, sua aparência ainda era bonita. Sua expressão parecia tranquila, mas ele conseguia sentir que ela estava desesperadamente pensando em algo.
Enquanto caminhava, toda sua concentração foi focada nela, como se, em todo o seu campo de visão, só existisse ela. Muoru observou os longos cílios, pálpebras, bochechas brancas e ruborizadas e lábios rosados. Caso se abaixasse um pouquinho só, ficaria perto o bastante para tocá-los.
Em vez disso, ouviu.
Aqueles lábios estavam murmurando algo sem coerência, quase sem fazer som.
E, quando uma emoção profunda se fez presente no rosto dela, a garota disse o nome de alguém. “Maria”.
Isso não era para ele, não havia dúvidas disso. E não só Muoru não tinha ideia do que significava aquele nome, como também parecia que a mente de Mélia estava divagando.
O nome parecia semelhante ao de uma mulher, por isso, pensou em uma possível conexão várias vezes...
Porém, depois disso, ela ficou em silêncio.
O corpo da garota perdeu toda a energia, como se tivesse adormecido. Por um momento, pensou que seus braços podiam sentir uma mudança no corpo dela, mas este mesmo pensamento desapareceu para além do horizonte.
Como ela não exigia muito de seus músculos, imaginou ser melhor caminhar com cuidado, para que não a balançasse muito. Como resultado, a caminhada até o portão da mansão levou muito tempo.
Mas, para Muoru, o tempo que passou carregando-a por esta longa distância passou voando.
Então, colocou Mélia sentada no chão, com o corpo ainda paralisado por causa do cansaço. A primeira vez que esteve ali foi quando o policial militar tocou o interfone, como se isso fosse uma grande conquista. Naquela vez, tentou observar o funcionamento, mas não conseguiu, por isso, não se lembrava mais sobre como usá-lo.
Duas ou três vezes, ouviu um som de sintonização de rádio vindo do interfone. Provavelmente só funcionaria se o outro lado atendesse..., no entanto, não havia ninguém para responder.
— Aqui já está bom.
Mélia pegou uma chave e apontou para o lado da entrada.
— Mas... — disse Muoru, perplexo.
— Senhor Prisioneiro, vejo que a encontraste. — Uma voz veio por detrás de Muoru.
Daribedor olhava para o garoto sem tentar esconder sua expressão incomum e desagradável.
— Agora mesmo, há um demônio no cemitério aguardando para ser enterrado, gostaria que tu realizasses teu trabalho — disse o velho.
— Mas ela está ferida...
— Ferida? — interrompeu o homem, depois, como se fosse um diabinho, curvou-se para trás e começou a rir alto. — Onde?
Mélia, agachada com sua cabeça dobrada para baixo, não possuía um ferimento sequer.
— Ela...
— Não há problema se tu não sabes. — O velho sem nariz agarrou o braço da garota e, mesmo não existindo diferença entre o tamanho dos dois, arrastou-a para além do portão de ferro. Muoru tentou segui-los, mas o cachorro preto apareceu e o impediu.
No fim, não pôde ver Mélia, enquanto a mesma era arrastada para dentro da casa.
Depois, lembrou-se do “trabalho” que o velho mencionara.
Enterrar aquele monstro. Querendo ou não, este era o trabalho do prisioneiro.

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