Faltando ao Banquete de Celebração – Parte 1

O sol poente, desaparecendo atrás das colinas distantes, brilhava sobre as ruinas do portão da cidade, o qual se tornara escombros.
Os soldados e aventureiros estavam realizando os primeiros socorros naqueles que estavam feridos e os colocando em macas. Os que estavam em situação mais grave eram levados até a igreja, o mesmo valia para os cadáveres.
As vozes que deviam estar elogiando Diablo e os outros não podiam ser ouvidas, pois o único sentimento que aqueles que observaram a batalha contra o Grande Rei Demônio tinham era medo, a própria expressão deles dizia isso.
Eu definitivamente não estou pensando “mesmo tendo protegido todos eles...”.
Era assim que se sentia desde a época em que não passava de um jogo. Até mesmo quando derrotou sozinho um Chefão que, a princípio, devia ter sido subjugado por um grande número de pessoas, não tinha ninguém lá para elogiá-lo. Pelo fato de a vida das pessoas deste mundo estar em risco, não havia ninguém para desprezar seus esforços nem para dizer que estava trapaceando sem qualquer evidência. Por isso sentia que era melhor assim.
Diablo, acompanhado de Rose, Sasala e Shera, que se agarrava a ele, voltou à cidade.
O som leve de passos vinha na direção deles e, quando olharam, viram Krum balançando as duas mãos.
— Diablo!! Você se saiu muito bem contra o Grande Rei Demônio-noda!
— Ah. Ei, está tudo bem com você?
— Mas é claro-nanoda! Maou é forte, afinal!
Ela já estava agindo animada, porém, quando a viram mais de perto, perceberam que havia inúmeras rachaduras na pele que antes era brilhante e parecia porcelana… Seria bom se nenhuma dessas marcas permanecesse.
Edelgart estava atrás dela. Ela foi ferida de forma tão grave que quase desapareceu, porém, neste momento, já estava totalmente curada.
— Fuu…
Como esperado, era possível ver um pouco de fadiga nela, pois seu rosto parecia o de uma moça de escritório à espera do último trem em uma sexta-feira.
Rem vinha logo atrás delas.
— Obrigada pelo trabalho duro, Diablo. Como esperado de você. Nem sei mais o que dizer.
Quando ele estava prestes a responder de uma forma que parecesse maneira, percebeu algo.
— Algum problema, Rem?
— Ah… Parece tão ruim assim? Talvez, pelo fato de eu estar nervosa até agora há pouco, não senti nada. Mas acho que passei mal por causa da [Transferência]. Só comecei a me sentir assim depois que tive certeza de que o Grande Rei Demônio foi derrotado.
— Como já é de praxe, você é fraca quando se trata de veículos.  — Embora não soubesse dizer se [Transferência] era um veículo ou não.
Rem abaixou a cabeça.
— Sinto muito.
Diablo ficou confuso. Não imaginava que ela ficaria tão pra baixo por causa disso. E pensar que seu problema de comunicação se mostraria presente em um momento como este! No entanto, um Rei Demônio que retirava o que disse não podia ser considerado um.
À medida em que procurava as próximas palavras, o som de armaduras de metal ressoou e os Cavaleiros Locais acompanhavam este mesmo som. Eles carregavam uma maca, na qual estava o Lorde Feudal, Galford.
Seu braço esquerdo se fora e o direito estava quebrado, também havia traços de sangramento no abdômen, mas, pelo visto, já tinha sido estancado. Estava pálido, a ponto de ninguém conseguir diferenciá-lo de um cadáver. Comparado a ele, tanto Rem quanto Edelgart pareciam esbanjar saúde.
Ele, ainda na maca, moveu a cabeça e olhou para Diablo. Então, seus lábios, que agora estavam roxos, se moveram.
— Você derrotou… o Grande Rei Demônio… Isso está além da imaginação.
— Hmph… Ele não foi um oponente que eu poderia chamar de complicado!
Tudo dependeu dele, que havia subido de nível, da Mestre Espadachim Sasala e a Empregada Magimata Rose, além do anel que refletia magia. Caso qualquer um desses estivesse faltando, o resultado poderia ter sido muito perigoso, porém, já que conseguiram uma grande vitória, decidiu enfatizar a força que tinha.
No passado, Galford tentou levar Krum para examiná-la, por isso ele pensou que seria melhor mostrar que era perigoso tentar contrariá-lo.
Galford curvou os lábios.
— Você é…
Tentou dizer algo, mas sua voz estava tão baixa que Diablo não conseguiu ouvi-lo. Os Cavaleiros Locais curvaram-se e levaram a maca.
Diablo fez uma pergunta a Shera, que estava pendurada em seu braço esquerdo.
— Você não usou uma poção em Galford?
— Usei. Mas só com uma, já conseguiu se curar bastante. Tentei dar mais, mas ele disse que não precisava.
— Fumu…
Então, quando se trata de um Guerreiro acima do nível 100, uma Poção de Recuperação de HP de classe SR é incapaz de curar muito. Por isso que, quando se trata de uma de classe SSR, o valor é muito mais alto.
Se fosse para usar nele e naqueles ao seu lado, teria o bastante para não precisar se preocupar caso faltasse. Entretanto, se fosse necessário usar em todas as pessoas feridas na batalha de grande escala, não teria o suficiente.
Se a vida dele não estava em perigo, poderia deixar o resto com os sacerdotes da igreja.
Sentir-se confiante e usar tudo despreocupadamente, para que, no fim, ficasse sem em um momento crítico era algo que queria evitar a qualquer custo.
Um grito de mulher pôde ser ouvido, fazendo com que ele se virasse. Então, viu Lamnites.
— Rápido! A guerra… ainda não acabou!
Soldados de construção a acompanhavam, carregando instrumentos de medição.
Shera inclinou a cabeça.
— O que será que estão fazendo?
— Se o portão e a barreira não forem reconstruídos, pode-se dizer que a guerra não acabou ainda. — explicou Rem.
Era fato que Faltra estava em uma situação perigosa. Os Seres Demoníacos ainda estavam lá, no oeste. Talvez ainda não tivessem aceitado que o Grande Rei Demônio desaparecera, ou, possivelmente, tinham a esperança de que ainda havia uma chance.
Até mesmo as sete Grandes Tartarugas continuavam firmes e, se todos avançassem, acabariam sendo uma ameaça enorme.
Para evitar a invasão deles, a barreira precisaria ser erguida novamente.
— Quantos dias seriam necessários para reconstruir a torre? — perguntou Diablo.  
— Se forem fazer uma do mesmo tamanho da antiga, acho que um ou dois anos. Porém, acredito que vão construir uma temporária primeiro.
— Fumu. — Ele assentiu ao ouvir a explicação de Rem.
— Levaria uns três dias para construir uma temporária.
— Se os Seres Demoníacos se moverem, é bem provável que seja dentro desse meio tempo.
— Sim. — falou Rem, enquanto observava Lamnites dando ordens em voz alta. — No momento, com o Lorde Feudal de Faltra ferido, é reconfortante saber que a Senhorita Lamnites, que também agia como Lorde Feudal em Torre de Zircônia, a qual estava no território do Rei Demônio antes, está aqui. Se a situação fosse outra, ela não teria direito algum de comandar as tropas daqui, mas agora é um momento de crise.
— Concordo.
Lamnites, que não se importava com pequenos detalhes e tomava a iniciativa, era uma pessoa capaz e bem-vinda em uma cidade que enfrentava um grande problema.
Enquanto Diablo observava a cena e pensava nisso, os olhares dos dois se encontraram. Ela piscou para ele, fazendo-o se lembrar da noite em que protegeu Torre Zircônia do exército dos Seres Demoníacos. Ela foi até a estalagem sem ser convidada e, então, dizendo que era um agradecimento, fez várias coisas.
Diablo acabou corando.
Rem, ao seu lado, inclinou a cabeça e perguntou:
— Algo errado?
— Ah, não… nada.
 Algo semelhante aconteceu no país dos Elfos também, e ele foi descoberto por Rem naquela vez… Ela não falou com ele por um tempo depois de ter ficado brava com o ocorrido. Naquele dia, jurou que não se deixaria levar por aquele tipo de coisa.
Com isso em mente, desviou o olhar. Então, quando olhou para a cidade…
Uma garota com orelhas de coelho saltou de uma carruagem que tinha acabado de parar. Ela tinha um cabelo curto, cortado na altura do ombro, e usava uma roupa que não tinha muito pano.  
Ela parecia uma criança com muita pele exposta, mas era a Mestre da Guilda que comandava os Aventureiros de Faltra, Sylvie.
— Ya, Ya, Diablo-san! Pessoal! Bom trabalho!
— Sylvie-san, há quanto tempo…
Com um rosto sorridente, Shera acenava. Rem a cumprimentou curvando-se levemente. Por outro lado, Krum, Edelgart e Rose permaneceram indiferentes.
Sasala, com muito respeito, baixou a cabeça.
— Prazer em conhecê-la. Sou da Décima Terceira Geração de Mestres Espadachins Graham, Sasala.
— Hm, o prazer é meu! Me chamo Sylvie. — Ela baixou a cabeça.
Depois que todos se cumprimentaram, ela falou com Diablo novamente.
— Você nos salvou mesmo! Quando o portão foi abaixo, pensei que seria o nosso fim.
— Umu.
— Oya? Não vai perguntar por que só apareci agora?
— Você estava na Guilda dos Magos, certo?
Ela mostrou um sorriso irônico.
— Ya, Diablo-san, não sou párea para você. Já descobriu.
— Quando o exército do Grande Rei Demônio veio para invadir a cidade, o ponto vital era a barreira. Contanto que ela esteja de pé, as Raças não perderão tão cedo.
— Uhum, uhum.
— Se pensarmos desta forma, faz sentido imaginar que o exército teria algum tipo de contramedida para a barreira. Quando Edelgart atacou naquela vez, um Ser Demoníaco conseguiu se espreitar após seduzir um membro da Guilda dos Magos. Por causa dele, tentaram assassinar Celes.
No fim, não passou de uma tentativa. Ao relembrar da falha passada, Edelgart fez uma leve carranca.
Sylvie levantou um dedo.
— Por precaução, desta vez, a Guilda dos Magos me fez um pedido. Queriam que eu protegesse a Celes-san.
— Faz sentido.
Tanto o pedido quanto o pessoal selecionado eram apropriados.
— Só não imaginávamos que destruiriam o portão e a torre com força bruta.
Rem fez uma pergunta:
— Celes está bem?
— Hm. Ela estava tão assustada que chorou quando a barreira se desfez. Agora ri, dizendo que fazia doze anos que não se via livre da barreira. Mesmo assim, não é algo para se dar risada. Dito isso, já que Diablo fez uma demonstração de sua força avassaladora para os Seres Demoníacos, é bem provável que não ataquem tanto.
— Verdade.
Então, Sylvie voltou ao assunto principal.
— Ah, é mesmo, a Guilda dos Aventureiros está tomando conta de Emil. Embora esteja gravemente ferido, sua vida foi salva, por isso vai ficar bem. Acho que ficará curado se descansar por uns três dias.
Shera, sentindo-se aliviada, disse:
— Ainda bem. Usei uma Poção de Recuperação de HP, mas temia que não fosse o bastante.
— Shera-chan, obrigada. Se não fosse por isso, acho que seria impossível ele sobreviver.
— Ehehe.
Rem disse em voz baixa:
— E quanto aos outros?
Sylvie olhou para o chão quando ouviu a pergunta.
— Hm… Elastov e Glutas não sobreviveram.
— Entendo…
— Muitos dos soldados que estavam no portão da cidade, nas muralhas e até mesmo os Cavaleiros Locais perderam a vida… sabia? Mesmo assim, quando ficou claro que os mil soldados do Grande Rei Demônio estavam prestes a invadir, começando por Faltra, a metade oeste do território do Reino de Lifelia seria devastada… era isso o que prevíamos.
Além de Rem, Shera e Sasala ouviam com rostos sérios. Até mesmo Diablo estava, mas não deixava isso aparente.
Sylvie olhou diretamente para os olhos dele e falou:

— Diablo-san, você e o seu grupo nos salvaram. Obrigada. Agradeço a todos vocês do fundo do meu coração.

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