O Exército do Rei Demônio Invade – Parte 3

Três da tarde.
Ao contrário da expectativa de que a invasão aconteceria após o pôr do sol, o vigia no topo da muralha gritou antes do anoitecer.
Boris, assim como seus companheiros do Forte da Ponte Ugl, estava junto da guarnição de Faltra. Ele foi designado a permanecer perto da torre de vigia que ficava um pouco mais ao norte do portão oeste. A torre de vigia também agia como um dos aparelhos amplificadores da barreira.
Boris apontou para oeste.
— Eles estão aqui!
— Uuu… Já!? — Os lábios de seu amigo, Massa, tremeram. Outras vozes trêmulas também eram ouvidas em outros lugares, avisando sobre o ataque inimigo.
Até mesmos os soldados da vanguarda, que passaram por um treinamento duro, não conseguiram manter a calma após verem a aparição majestosa do exército do Rei Demônio. A imagem atrás das Grandes Tartarugas era a do sol poente, fazendo parecer que a escuridão da noite vinha delas. O cheiro de bestas e sague podia ser sentido de longe. Era como se fosse a materialização do medo das pessoas.
O sino de alarme, que indicava um ataque inimigo, foi tocado. Todos os soldados olharam na direção do portão oeste.
O tenente-general faria sua estreia? Iria ele se trancar dentro do castelo?
Galford foi um herói da grande guerra. Quando os Elfos lideraram um exército, e até mesmo durante outras ocasiões, ele comandou suas tropas. Desta vez não era diferente, homens de infantaria, muito bem equipados, estavam reunidos em frente ao portão oeste.
No entanto, eles não se moveram. A trombeta que dava o comando para abrir o portão não tocou.
— Eles não vão sair… — murmurou alguém.
Se fossem lutar na vanguarda dessa forma, não conseguiriam vencer, isso foi o que o tenente-general decidiu. Isso provavelmente era algo natural.
— Então não podemos vencer… — disse alguém, desencorajado.
Um herói da guerra não seria capaz de fazer algo contra o exército do Rei Demônio que estava se aproximando?
A pouca esperança que ainda tinham foi esmagada.
A realidade era fria a ponto de congelar e não tinha um pingo sequer de gentileza. Ninguém negaria isso ao enfrentar o exército de um Rei Demônio composto por mil soldados.
Talvez por ter previsto a situação, ou por saber que ficariam dentro da cidade, um oficial gritou:
— Esta é uma batalha defensiva! Temos a barreira! Aqueles Seres Demoníacos não são espertos o bastante para preparar provisões. Além disso, estamos no inverno. Ainda podemos vencer!
Ao compreenderem a situação, o rosto dos soldados ficou mais animado. Agora que foi mencionado, embora os arredores de Faltra fosse uma região de clima quente, o inverno ainda era frio. As folhas das árvores na floresta tinham caído, e as frutas e animais estavam escassos.
Era a estação onde os campos de cultivo descansavam.
Rumores diziam que até Seres Demoníacos se alimentavam, mas quando eram assim tão grandes, precisavam comer ainda mais. Fornecer comida o suficiente para mil soldados do Rei Demônio seria impossível a longo prazo. Por causa disso, esta seria uma batalha defensiva que estimava que o inimigo não tinha provisões.
A muralha da cidade foi parcialmente destruída por dentro devido à uma explosão misteriosa, mas já havia sido reformada.
O oficial continuou:
— Em Faltra, há provisões para alimentar duzentas mil pessoas por meio ano ainda. Refugiados do território do Rei Demônio vieram para cá, mas eles também foram levados em consideração. Não se preocupem.
Como esperado do tenente-general Galford.
Vozes que diziam isso podiam ser ouvidas.
Boris olhou para oeste. O aperto em seu peito não passava.
— …
— O que há de errado, Boris? Seu rosto está pálido.
Respondendo à pergunta de Massa, ele baixou a voz.
— Teve uma vez em que cem Seres Demoníacos atacaram o Forte da Ponte Ugl, não é?
— Sim. Pensei que seria o nosso fim naquela época.
— Pelo que fiquei sabendo, um Ser Demoníaco se infiltrou na Cidade de Faltra, e Celes-sama estava em perigo.
— Também soube disso. O Ser Demoníaco Gregor, né? Mas um Aventureiro chamado Emil o derrotou, não?
— Foi isso o que disseram…
Boris viu o feito de Diablo no Forte com os próprios olhos. E, então, também ouviu suas palavras

— Vou tentar usar o Feitiço de [Retorno].

Foi isso o que Diablo gritou. Logo em seguida, ele foi envolto por luz e, então, desapareceu. No relatório do Aventureiro, era dito que alguém chamado Emil derrotara o Ser Demoníaco Gregor, mas Boris suspeitava que a verdade fosse diferente.
— Não. Neste instante, o problema é outro… Até mesmo durante aquela vez, os Seres Demoníacos tinham um método de passar pela barreira.
— Pois é.
— Eles vieram com uma força dez vezes maior do que aquela vez, não só isso, também trouxeram o Rei Demônio. Você acha que eles iriam considerar a barreira?
— Será que… Celes-sama está em perigo!?
— Acredito que o tenente-general está sendo vigilante.
Há algo estranho acontecendo na Guilda dos Feiticeiros?
Ele virou o olhar para o centro da cidade. Encarou a torre de formato peculiar, que era como a ponta de uma lança, mas não parecia haver nada fora do normal.

Eles já estavam bem próximos da frente de Faltra.
Ourou levantou uma mão.
— Todos os soldados, descansar-nano dearu.
Lazpuulas repetiu a ordem e comunicou a Manipuladora de Bestas Demoníacas, Manuela. Com sua magia, as Tartarugas pararam vagarosamente. Entretanto, não estavam tão bem organizados quanto os exércitos das Raças.
Uma parte dos Seres Demoníacos levantou gritos de guerra.
Por estarem diante de uma cidade das Raças, eles pareciam ter perdido os sentidos, atacando por conta própria.
Lazpuulas franziu a testa.
— Então este é o bando da Facção de Baal.
Com desejo de matar as Raças, eles não conseguiam pensar em mais nada. Eram um bando que se matavam entre si com frequência e possuíam menos poder de raciocínio do que as bestas.
Ourou virou as costas para eles.
— Deixem-nos de lado-no dearu. Aqueles tolos que nos acompanharam, embora eu não os tenha convidado, sequer possuem valor como peças descartáveis.
— Concordo.
Ourou abriu ambas as mãos e gritou:
— Larguem a caixa-no dearu!
Os Seres Demoníacos atrás dele vieram para frente. Lazpuulas ajudou Manuela a descer da Grande Tartaruga.
— Agora precisamos nos apressar.
— Calma.
— Seja rápida.
Manuela acariciou o casco sob os pés.
— Sinto muito…
Cortando as correntes com um machado, as restrições sobre a caixa foram desfeitas. Lazpuulas carregou Manuela sob o braço.
 — Não temos mais tempo.
— Ah…
Depois de pular de cima do casco, ele correu para trás da Grande Tartaruga com uma agilidade que não combinava com sua aparência obesa. Não podiam demorar.
Os Seres Demoníacos, com machados em mãos, gritaram:
— As correntes foram cortadas!
Naquele momento, Ourou voou até o alto do céu. Ele batia as asas de coruja que ficavam em suas costas.
— Abram a caixa -no dearu! Quebrem o selo -dearu!
— Quebrem o selo—!
Vários Seres Demoníacos colocaram as mãos sobre a frente da caixa, enquanto outros a perfuravam com as lâminas de suas armas.
Então, abriram-na.
Um denso poder mágico jorrava.
Materializado, saía sem parar de dentro da caixa.
A coisa que parecia um slime preto tocou os Seres Demoníacos que rodeavam a caixa. Não tiveram nem tempo para gritar, tornando-se partículas de luz.
Foram aniquilados.
Era um poder mágico forte o bastante para aniquilar Seres Demoníacos com um simples toque. Ao ver aquilo, Ourou gritou:
— Canhão do Grande Rei Demônio, fogo-dearu!
Da caixa, poder mágico disparou, transformando-se em um brilho, iluminando todos os arredores como se o próprio sol tivesse descido à terra. Era deslumbrante…
Uma luz brilhante o suficiente para queimar os olhos daqueles que a observava enquanto era disparada. Um Ser Demoníaco podia ter sido capaz de aguentar, mas era impossível para as Raças. No topo da muralha de Faltra, aqueles que não sentiram o perigo da intensa luz ficaram cegos.
Era brilhante demais.
Ela se transformou em calor.
A cabeça da Grande Tartaruga foi a primeira a evaporar. Até mesmo a frente de seu casco não foi capaz de resistir ao calor disparado da caixa.
Em seguida, os Seres Demoníacos da Facção de Baal, que foram na frente, acabaram engolidos pelo calor, desaparecendo sem deixar rastros.
 Aquela luz a alta temperatura se aproximava da muralha de Faltra.
A barreira rachou.
Desde a criação da cidade, muitas guerras entre as Raças e o Rei Demônio aconteceram, mas nunca um ataque tão poderoso quanto este fora disparado antes. Se não fosse pela barreira, aquele poder seria o suficiente para acabar com toda a cidade.
Os soldados no topo da muralha gritaram. Os habitantes da cidade fizeram o mesmo. O chão estremeceu, o ar ficou agitado, os edifícios sacudiram e um som agudo reverberou.
Mesmo assim, a barreira não foi quebrada.
A propriedade de “não permitir coisas demoníacas” era absoluta. Pelo menos para a barreira.
A luz sumiu, assim como o calor escaldante…
No topo da muralha, Boris caiu sentado, suando tanto que gotas pingavam. Pensou que estava prestes a morrer. Havia se conformado em ser engolido por aquela luz e ser evaporado.
— Haa! Haa! Haa! Incrível… Estamos vivos!
Isso significava que a barreira venceu. Quando ele levantou a cabeça, gritos vinham do portão oeste.
— Protejam-se!
— Hein?
Sem querer, emitiu uma voz boba. Os gritos dos soldados podiam ser ouvidos daquela direção. A luz e o calor, disparados pelo exército do Rei Demônio, sumiram.
Apesar disso, os berros furiosos só aumentavam.
Sem demora, sentiu um tremor vindo do chão.
— O que está acontecendo!?
Boris levantou-se, colocou a mão na beirada da muralha e observou aquilo que estava em sua visão.
— Sem chance!!
Todo o terreno que devia estar do lado de fora do portão oeste foi destruído. A barreira estendia-se até o subsolo.
Porém, toda a terra fora do alcance dela desapareceu, como se tivesse sido completamente cavada. A água do fosso que cercava Faltra, emitindo um chiado, evaporava, e fumaça branca tomava conta do ar.
— Protejam-se!! Protejam-se!!
Os soldados, com muita pressa, começaram a sair do portão oeste. Até mesmo do local em que estava, Boris conseguia ver com clareza que estava balançando.
— Está caindo!?
Era um resultado esperado, já que todo o solo que suportava a fundação de uma estrutura gigantesca foi removido. O portão oeste inclinou-se para fora e desmoronou. Rachaduras começaram a aparecer até mesmo nas áreas ao redor, as quais pareciam estar acompanhando a queda.
Já que a muralha foi feita para suportar mutuamente cada parte da estrutura, o local em que o grupo de Boris estava também corria perigo.
— Protejam-se!! — gritou o oficial.
Antes disso, aqueles que tinham boa percepção começaram a fugir.
— Uwah.
O local em que pisava estava começando a desmoronar.
Devido à diferença de nível, Massa caiu.
— Ah! M-Meu pé foi pego por um Ser Demoníaco, me salve—!!!
— Acalme-se, tudo o que você fez foi cair!
Boris puxou a mão dele, fazendo-o ficar de pé, então começaram a correr.
Felizmente, a muralha acabou apenas inclinando.
Depois de correr para um local seguro, Boris virou-se e ficou espantado. Os joelhos tremiam. Teve dificuldade para respirar. A coisa que jamais deveria desaparecer, sumiu.
Dentre as torres que completavam a barreira de proteção demoníaca, uma delas sucumbiu junto da muralha, tornando-se apenas uma montanha de escombros.
— A-A barreira… desapareceu!?

Mesmo sendo sua própria voz, Boris sentiu como se a ouvisse vindo de longe.

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