Capítulo 17
Perspectiva do Vaine
Todos os dias, às 05:00 da manhã, meu corpo despertava naturalmente.
Este era um hábito que fui desenvolvendo desde que era criança, então poderia sempre me levantar e fazer minha corrida matinal. Depois de uma corrida leve em volta da academia, iria para a cafeteria e encheria meu prato com comida até a borda. A responsável pelos serviços da cafeteria era mesmo excelente.
Tudo que precisava fazer era dizer: ‘Mais por favor’ com um sorriso e ela colocaria grandes porções de arroz se eu quisesse.
Mas já tinha aprendido como comer com moderação em casa. Minha mãe sempre preparava comida o bastante para meu pai, eu e meus dois irmãos menores, tudo sozinha.
De qualquer forma, a comida da escola excedeu minhas expectativas. Era realmente deliciosa, mas acho que em um mês eu ficaria com saudades da comida de minha mãe.
Embora tenha pensado que já era um homem adulto, ainda tinha esse lado infantil, huh?
Talvez meu pai tivesse me enviado aqui por achar que seria uma ótima experiência para mim, mesmo que fosse só por um tempo.
Quando saí de casa, meu pai e meus irmãos se despediram de mim sem mostrar muita tristeza. Seriam apenas 3 anos, então eu não queria uma despedida muito grande, acho que foi bom o suficiente.
Apesar disso, minha mãe estava com lágrimas nos olhos enquanto me via saindo. Ela inclusive me deu um presente dizendo que eu deveria usar aquilo para fazer amigos, assim não ficaria tão envergonhado. E, assim, sem ao menos dizer—Muito obrigado—, deixei minha casa.
Agora que pensei nisso, me senti meio arrependido. Acho que o “eu” de agora teria agradecido a ela.
Antigamente, não achava que isso era uma coisa necessária. Mas agora pensava de forma clara. Acho que isso é o que as pessoas chamam de amadurecer.
◇◇◇
Não sei se o presente de minha mãe teve qualquer efeito, mas fui capaz de fazer um amigo. Honestamente, não achava que seria capaz de fazer um tão rápido.
Dito isso, penso que ele seria o tipo de amigo com quem poderíamos contar para o resto da vida. Se eu encontrasse algo que pudesse valorizar nos próximos três anos, acho que esse tempo valeria a pena.
Estes eram os meus pensamentos durante a viagem até a academia. No entanto, isso mudou um pouco desde então. Queria encontrar algo a que pudesse devotar a minha vida nesta escola. Sim, eu queria isso, mas, em adição, gostaria de aproveitar cada momento que passaria no local.
O nome do meu amigo era Kururi. A princípio, achei que sua figura forjando uma espada era um pouco assustadora, mas ele acabou mostrando-se um cara gentil. Eu aprendi novos sentimentos depois de estar com esse cara.
Quando terminamos de comer a ovelha juntos, ele inclusive mostrou lágrimas de alegria, embora não tivesse comido tanto quanto meus irmãos e eu comeríamos juntos. Eu achava que comer muito era um tipo de qualidade.
Também era frequente vê-lo lendo. Se as pessoas o julgassem por sua aparência, achariam que era filho de um nobre preguiçoso, mas estes rumores e a realidade eram bastante diferentes.
Suas mãos eram parecidas com as minhas, com calos que só poderiam ser desenvolvidos com treino de esgrima diário. Ambos, seu torço superior e inferior eram bem desenvolvidos, além dele ser proficiente em magia.
Sabe, algumas vezes ví o primeiro Príncipe, Arc, rondando a escola e, apenas olhando para ele, pude sentir que se um dia nós lutássemos a sério, provavelmente eu perderia.
Também tinha a mesma impressão sempre que via Kururi. Ele seria um oponente formidável se nos enfrentássemos um dia. Imaginar coisas assim sobre um amigo pode ser algo rude, mas tenho certeza de que me perdoaria se fosse apenas isso.
Eu ainda não consegui me encontrar com o residente do quarto 1-3, mas tanto faz. Acredito que ter me encontrado com Kururi e meus outros amigos já foi sorte o bastante.
◇◇◇
O tempero que usaram na cafeteria hoje está um pouco forte. — Tive tais pensamentos enquanto tomava o café da manhã.
A comida que minha mãe fazia em casa era bastante leve, então eu podia comer até ficar totalmente cheio.
Oops, acabei me lembrando dela novamente, se continuar assim vou ficar com saudades de casa.
De toda forma, havia um novo amigo sobre o qual eu tive um mal pressentimento quando o conheci. Ele era alguém que ia até o quarto de Kururi todos os dias.
Essa pessoa subitamente veio pedindo para ser discípula do Kururi e não pude deixar de avisar ao meu amigo para tomar cuidado com alguém que aparecia do nada pedindo para ficar mais forte.
Ele era baixo, seu corpo magro e tinha uma voz bastante aguda. Com essa aparência, poderia ser facilmente confundido com uma mulher. Ele, do nada, apareceu gritando na porta do quarto dizendo que queria ser um aprendiz.
Fiquei com uma péssima primeira impressão, então não o queria por perto, e, o fato de parecer mais propício a usar magia, realmente me irritou.
Mas, depois de um tempo, estranhamente, ele me lembrou minha mãe. Meus irmãos também se pareciam muito com ele, então foi quase como se um deles tivesse vindo morar comigo aqui. Infelizmente, por causa dele, sempre me lembrava de minha mãe.
Depois de terminar a refeição, uma das senhoras da cozinha subitamente me perguntou:
— Você teve uma boa refeição?
— Claro. — Essa não era a melhor resposta a se dar aqui.
Eu era muito grato, mas nunca fui muito bom com palavras.
Quando saí do refeitório, o sol já havia começado a subir. Apenas uns dias a mais até a cerimônia de entrada. Então, como sempre, iria ao quarto de Kururi mais uma vez.
— Bom dia Vaine, você realmente levantou cedo hoje. — No meu caminho para seu quarto, acabei me encontrando com Kururi.
— Não é assim tão estranho, sempre me levanto neste horário.
— Bem~ tem uma razão para eu já estar de pé. Sabe, forjei uma espada incrível ontem! Provavelmente é o meu melhor trabalho!
Seu rosto parecia realmente cansado. Mas sua excitação era ainda maior do que seu sono. Isso ficava óbvio apenas pelo tom de sua voz.
— Você está indo para algum lugar?
— Ah, sim, estou indo testar a espada.
A espada que Kururi estava segurando era realmente um tesouro. Eu não era realmente tão interessado nelas, mas não podia deixar de ficar fascinado com sua beleza. Fiquei até com um pouco de inveja dele.
— Por acaso você está indo caçar alguns demônios?
— Sim, ao oeste há alguns pequenos monstros vagando e, desde que não é tão arriscado, é o local perfeito para testar isso.
Sua face ficou brilhante outra vez. Ele realmente devia estar querendo testá-la.
— Você quer vir comigo Vaine?
— Não, tenho minha própria rotina de treino a seguir.
— Ah, é assim... me desculpe se soou como se eu estivesse o pressionando.
— Não se preocupe com isso.
Depois de nossa conversa, Kururi saiu com passos rápidos.
No final, acabei chegando na frente de seu quarto 10min mais tarde do que o normal.
Acho que vou apenas me sentar na frente da porta e esperar.
— Por acaso ele esqueceu a chave de seu quarto?
Meus olhos estavam fechados, então não o percebi até que falasse comigo. Ele veio até mim em um ritmo constante.
— Você está errado, mas agora que chegou, vamos começar nosso treinamento.
— Ah, tudo bem. — Crossy tentou abrir a porta do quarto de Kururi.
— Oops, parece que Kururi-dono não está aqui. Por acaso você estava esperando? — Ele voltou seu olhar para mim.
Como sempre, sua face acabava sendo sobreposta pela de minha mãe por um breve segundo.
— Eu não estava. Kururi saiu para fazer uma coisa, então hoje o treinamento será no meu quarto.
Quando eu disse isso, Crossy deu um passo para trás, também franzindo as sobrancelhas.
— E-eu não posso ir para um lugar tão perigoso! Não vou me sentir bem se estivermos apenas nós dois!
— Não grite quando ainda é tão cedo. Meu quarto pode não ser igual ao do Kururi, mas não há nada perigoso lá.
— Não é esse tipo de perigo que estou falando! É outra coisa! Não tente me levar sozinho para um lugar estranho!
Suas palavras são um pouco duras, não? — Me perguntei porque ele estava tão sobressaltado. Eu iria apenas ajudá-lo com o treinamento, só isso.
— Nada de estranho vai acontecer. Não se preocupe.
— Sério? Jure que nada estranho vai acontecer!
— Eu juro. Nós vamos apenas treinar.
Crossy ficou em silêncio. Acho que ele ainda não confiava em mim, podia até sentir alguma distância entre nós.
— Se alguma coisa acontecer... eu te mato.
— É impossível você me matar.
— Cale a boca! Me leve a sério ao menos uma vez!
Enquanto rogando pragas, nós finalmente fomos para o meu quarto. Agora poderíamos começar o treino.
Como sempre, nos alongamos primeiro. Os reflexos motores desse cara não eram ruins, e ele também aprendia rápido.
Embora a maioria das pessoas não fosse muito flexíveis, em apenas uma semana já era capaz de fazer a maioria dos alongamentos mais complicados. Sua estrutura corporal devia ser muito boa.
Para o último alongamento, eu estava indo ajudá-lo, mas ele bateu minha mão para longe.
— Ei! Cuidado onde toca!
— Eu estava apenas indo te inclinar mais neste alongamento.
— Mesmo assim, não!
Com um pouco de resistência, ainda consegui confirmar tudo o que precisava.
— Você desenvolveu sua base melhor do que eu imaginava. Agora podemos nos focar completamente em esculpir o seu corpo.
— Sério?! Então conto com você agora! — Crossy disse isso muito feliz.
Ele gosta bastante de exercícios, eu acho. Mas posso entender, também fiquei muito feliz quando meu pai me permitiu segurar uma espada pela primeira vez. Provavelmente deve estar sentindo o mesmo.
Se ele estivesse sentindo o mesmo que eu na época, então acho que devia estar tudo bem fazer o mesmo treino que meu pai me deu.
— Primeiro vamos aumentar sua resistência através de corridas.
— Certo.
— ... Isso era o que eu gostaria de dizer, mas desde que parece que você tem progredindo rapidamente, vamos fazer um treino especial.
— Certo... espera, que tipo de treinamento?
Crossy pareceu um pouco confuso, mas passei a ele uma espada de madeira que eu tinha em minha bolsa.
— É um treinamento especial. Trata-se de uma tradição da minha família que tem sido passada até os dias de hoje.
— E isso vai me ajudar a ficar mais forte?
— Você é um pouco impaciente, mas, conforme o tempo passar, irá progredir. Agora apenas siga minhas instruções.
— Certo... entendi.
— Agora vamos para o jardim. — Apertando minha espada, fui ao jardim.
No momento em que descobri sobre os jardins particulares, escolhi um quarto no primeiro andar. Mais uma vez, era grato por viver ali.
Depois de chegar no jardim, tirei minha camisa, para que não ficasse encharcada de suor. Afinal, estaríamos balançando nossas espadas e suando bastante.
Tenho boas memórias de treinar assim com meu pai.
— EI, O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?! EU SABIA QUE TINHA ALGUMA COISA ESTRANHA!!! — Crossy gritou.
— Você deveria tirar suas roupas também, assim poderemos começar o treino.
— COMO SE FOSSE!!!
Ele gritou enquanto girava sua espada em direção da minha cabeça, mas, felizmente, fui capaz de desviar a tempo.
Para balançar uma espada assim contra alguém, sem a menor hesitação, achei que ele era adequado para esgrima.
— VOCÊ JUROU! JUROU QUE NADA ESTRANHO IRIA ACONTECER!
— Isso não é estranho. Eu sinto que nós tivemos um começo ruim, então pensei em estreitar nossos laços suando juntos, isto é apenas camaradagem[1].
— Ainda assim, eu não quero tirar minhas roupas!
— ...
— Você está insatisfeito?
Eu não sentia qualquer descontentamento.
Já me tornei amigo do Kururi, dividindo com ele minha forma favorita de comer ovelha, mas pensei que também queria fazer amizade com o Crossy e criar boas memórias juntos.
Kururi havia me dito que era impossível fazer amizade com todo mundo. Talvez ele estivesse correto.
— Veja, não vou tirar minhas roupas, mas vou fazer os balanços com você tanto quanto quiser. Tudo bem?
Me tomou algum tempo até entender o que ele queria dizer.
Minha casa era compartilhada por três irmãos que se dedicavam- se totalmente à esgrima. Crescemos sem quaisquer amigos, mas não tínhamos nenhum inimigo também. Nascidos na mesma casa, todos nós escolhemos seguir o caminho da espada.
Mas, certa vez, minha mãe me disse uma coisa:
— Neste mundo há muitas pessoas que pensam de forma diferente da sua e, apenas para você saber, eu sou uma delas.
Então foi isso que ela quis me dizer.
As suas palavras daquele dia ressoaram profundamente em minha mente.
Vamos tentar ser amigos mais uma vez. Acho que as pessoas que minha mãe falou podem ser humanos com pensamentos diferentes. Não, não é que podem, mas, sim, provavelmente.
Se ambos não aproveitássemos o que estávamos fazendo, poderíamos acabar não nos tornando amigos que apreciam a companhia um do outro.
— Tudo bem, vamos começar.
— Deixe isso comigo.
— Bem, assim que começarmos os balanços, me diga se qualquer coisa estranha acontecer.
— Sem problema.
Crossy e eu começamos a fazer os balanços de espada.
Eu prestei atenção em seus movimentos, não parecia haver qualquer problema em particular. Ele não estava cometendo qualquer erro amador.
Se não havia qualquer erro a apontar, então precisávamos trabalhar em seu corpo magro. Mesmo suas pernas longas eram bastante finas.
Não sei se isso é um problema ou não. Mas ao menos quero que ele ganhe alguma musculatura.
Então peguei em sua coxa para saber melhor sobre o seu desenvolvimento... parecia ser tão fina quanto seu braço.
— ENTÃO VOCÊ REALMENTE FEZ ALGO ESTRANHO! SAIR PEGANDO NAS COXAS DE ALGUÉM SEM MAIS NEM MENOS!
— Tente ganhar pelo menos 20kg de peso.
Calculando seu físico, parecia que ele precisaria de pelo menos isso.
— COMO SE FOSSE!!!
— Não se preocupe, se nós aumentarmos a quantidade de comida em cada uma de suas refeições, acredito que você conseguirá em apenas meio ano. Ah, sim, quanto você pesa afinal?
— NÃO FAÇA PERGUNTAS INDELICADAS!
[1] Decidi traduzir (skinship) para camaradagem, pois acho que tem um sentido bem próximo. Esse negócio de ficar nus juntos do Japão é realmente estranho ;D
Se gostou do capítulo, compartilhe e deixe seu comentário!